Quando eu ainda estava na pós-graduação e ainda tinha vinte e poucos anos, eu estava no ônibus do aeroporto para um evento no Mises Institute quando me deparei com um fenômeno interessante. Foi o fenômeno do “libertário” que defende o livre-mercado nas pequenas coisas, mas apoia a guerra e o estatismo nas grandes coisas.
Ainda me lembro bem daquele percurso de ônibus. Eu tinha me envolvido em uma discussão com um homem que provavelmente era vinte anos mais velho que eu. Ele estava a caminho da mesma conferência do Instituto, e expressava os sentimentos usuais do livre mercado sobre os baixos impostos e os problemas com a regulamentação do governo.
Quando o tema se voltou para a política externa, no entanto, a liberdade e os males do Estado foram rapidamente esquecidos. Este homem acabou por enaltecer as intervenções de Washington na América Central e na sua venda ilegal de armas ao Irã. Ou seja, ele ficou do lado dos neoconservadores que perpetraram o caso Irã-Contras. Este autodenominado libertário lamentava que o governo Reagan tivesse sido flagrado gastando ilegalmente dinheiro federal enquanto se intrometia em guerras no Oriente Médio e nas Américas.
Quando sugeri que fomentar ilegalmente guerras estrangeiras não era exatamente compatível com um Estado “limitado” ou mesmo com um governo constitucional, ele então se voltou a uma tática bem usada, muitas vezes usada por homens mais velhos que não têm um argumento real: ele disse que eu era muito jovem para entender.
Agora que eu sou pelo menos tão velho quanto aquele homem era então, eu vivi tempo suficiente para ter encontrado muitas pessoas como ele. É fácil encontrar libertários que agirão por princípio em relação aos tópicos pequenos e fáceis, mas depois abandonarão todos os princípios em relação as grandes coisas.
O que são as coisas pequenas? São coisas como fumar maconha, controle de aluguel, prostituição e aplicativos de carona. Em conferências libertárias e em discussões online, é bastante simples e fácil se opor à regulamentação governamental dos serviços de táxi, ou denunciar o controle de aluguéis, ou ser contra prender mulheres – a maioria das quais é pobre – por aceitarem dinheiro em troca de sexo. Essas questões, no entanto, são geralmente bastante periféricas ao poder estatal. Retirar a ação estatal dessas áreas pouco coloca em risco o Estado ou seus poderes centrais. Favorecer restrições ao poder estatal nesses temas, poderíamos dizer, é ser um “microlibertário”.
As coisas grandes são outra questão. São aqueles temas mais polêmicos como guerra e paz, geopolítica e, como aprendemos nos últimos anos, “pandemias”. Esses temas são muito mais centrais e caros aos Estados e seus agentes. Como Charles Tilly observou há muito tempo, “a guerra fez o Estado e o Estado fez a guerra”. Ou, como disse Randolph Bourne, “a guerra é a saúde do Estado”. Murray Rothbard explicou como a questão da guerra está no centro de qualquer esforço para defender a liberdade e os direitos humanos.
Além disso, vimos recentemente como os regimes empregaram muitas das mesmas táticas de propaganda e medo empregadas em tempos de guerra em nome do “combate à pandemia”. Muitas das mesmas políticas empregadas durante a guerra foram empregadas durante o pânico da covid: apoiar “poderes de emergência”, exigir obediência total a “especialistas” e aceitar o controle quase total do Estado sobre setores inteiros da economia. Tanto em tempos de guerra como em tempos de pandemia, dizem-nos que o poder do Estado não pode ser limitado, porque senão o “inimigo” – seja um bicho-papão estrangeiro imaginado ou uma doença – vencerá. Há muito menos libertários dispostos a abraçar o verdadeiro laissez-faire e a liberdade nesses casos. Mas esses robustos que não se dobram existem. Podemos chamar esse grupo menor de libertários de “macrolibertários”. Eles se mantêm na defesa da liberdade mesmo quando se trata de coisas grandes e controversas.
Seu microlibertário médio rapidamente entregará suas liberdades e cederá ao poder do Estado em um esforço para combater a “ameaça”. Os supostos defensores da liberdade em “tempos de paz” ou “tempos não pandêmicos” explicarão alegremente por que o livre mercado funciona “em teoria” às vezes, mas que coisas realmente importantes como “interesse nacional” e “saúde pública” exigem controle do governo.
No caso da pandemia, por exemplo, alguns microlibertários chegaram a adotar a obrigatoriedade da vacina. Walter Block, por exemplo, pediu a pena de morte para aqueles que recusam um decreto de vacina, escrevendo: “Eu obrigaria os 60% a tomar a vacina por motivos libertários? Você pode apostar que eu obrigaria. Nem tanto para salvá-los. Isso seria paternalismo. Mas, sim, para salvar a vida dos 40% que estão vulneráveis. Se algum membro desses 60% recusasse essa vacinação, eu o executaria como ameaçador de assassinato em massa de 40% da população.”
As coisas são ainda piores para os microlibertários quando se trata de política externa. Isso foi frequentemente encontrado no refrão “Concordo com Ron Paul, exceto em política externa” durante as campanhas presidenciais de Paul de 2008 e 2012. O sentimento expressava uma posição comum: “Acho que o Estado é ruim em algumas coisas, mas não estou realmente interessado em enfrentar as principais questões no núcleo do poder estatal”.
Historicamente, é claro, vimos um declínio vertiginoso na popularidade da ideologia libertária sempre que o regime conseguiu incitar no público um frenesi de guerra. Talvez o exemplo mais saliente e recente disso seja o que aconteceu depois do 11/9. Durante a década de 1990, o sentimento anti-governo cresceu ao longo da década, já que muitos americanos no mundo pós-Guerra Fria reconheceram que o Estado americano era uma ameaça muito maior para eles do que qualquer grupo de estrangeiros. Isso, é claro, evaporou em grande parte após o 11/9, quando inúmeros defensores do “pequeno governo” apoiaram a espionagem sem mandado, a tortura e a guerra sem fim.
Vemos um fenômeno semelhante hoje com a Guerra da Ucrânia e a guerra do Estado de Israel contra os habitantes de Gaza. Os microlibertários do Instituto CATO, por exemplo, demitiram Ted Galen Carpenter porque ele não estava suficientemente entusiasmado com a guerra perpétua entre a OTAN e a Rússia.
Quando se trata da guerra em Gaza, o principal microlibertário Walter Block encorajou o “heroico primeiro-ministro Netanyahu” a ser mais agressivo em seus esforços para “pulverizar” mulheres e crianças em Gaza. Há algum limite para o Estado israelense nessa visão? Não enquanto a “ameaça” precisar ser eliminada por uma ação forte do Estado.
Nesses casos, vemos a posição microlibertária em ação: os limites ao poder estatal funcionam para as pequenas coisas, mas não para as grandes. Consequentemente, os poderes e prerrogativas mais centrais para o poder estatal – e que oferecem as maiores ameaças à vida e às liberdades das pessoas comuns – recebem passe livre.
Isso não quer dizer que as “pequenas coisas” não sejam importantes. Claro que é bom e importante condenar o controle de aluguéis e a guerra às drogas e as inúmeras formas como os Estados nos empobrecem e controlam. Eu mesmo escrevi sobre muitos desses tópicos e publiquei muitos artigos sobre esses tópicos. Rothbard certamente não ignorou esses tópicos. Por outro lado, opor-se ao controle de aluguéis e, ao mesmo tempo, favorecer o assassinato em massa de 100 mil civis não é simplesmente uma questão de ter algum “ponto cego” menor. É uma contradição enorme.
Tomar essa posição é se recusar a atingir o Estado onde dói. Reflete uma complacência fundamental quando se trata de poder estatal assassino e despótico, desde que esse poder seja usado durante supostas “emergências”. Esta é uma posição extremamente comum, é claro, e muitas pessoas bem-intencionadas a adotam. Aqueles que o fazem, no entanto, são efetivamente neutralizados quando se trata de se opor às questões mais caras aos Estados e seus agentes.
Artigo original aqui
Walther Block está se tornando uma surpresa negativa. Triste.
O microlibertario descrito no texto é um liberal randiano na verdade. Esses filhos do demônio não se importariam de ver o estado tocando o terror desde que eles pagassem menos impostos. Neste caso fica flagrantemente a superioridade moral da religião católica – o verdadeira religião, sobre o ateísmo.