Em cada Natal dos últimos 26 anos, os romenos relembram a revolução ocorrida em 25 de dezembro de 1989, quando o regime comunista foi derrubado.
O ditador Nicolae Ceausescu e sua mulher Elena Ceausescu foram capturados e fuzilados, com o evento sendo transmitido ao vivo pela televisão.
São poucos os romenos que se lembram com algum afeto da era comunista. A maioria se lembra do regime como ele realmente foi: uma época de pobreza, medo, e ausência de liberdade.
Alerta: cenas fortes
No início da década de 1980, Ceausescu já havia exaurido todo o capital que a Romênia acumulara. A população romena sofreu severas privações quando o governo tentou quitar de uma só vez toda a dívida externa do país (de aproximadamente 13 bilhões de dólares). As privações incluíam racionamento de eletricidade e de água quente (sob invernos rigorosos).
Talvez uma das privações mais penosas foi o “programa científico de alimentação”, o qual estipulava quantidades máximas de produtos que uma pessoa podia comprar por mês.
A alimentação “cientificamente” controlada pelo governo
É interessante constatar como os fracassos do socialismo não apenas se originam das mesmas causas, como também tendem a se manifestar de maneiras incrivelmente similares. Assim como os venezuelanos de hoje enfrentam escassez e longas filas, aproximadamente 30 anos atrás, do outro lado do Oceano Atlântico, os romenos também tinham o hábito de passar várias horas parados em filas que se formavam perante prateleiras vazias.
A diferença é que, para os romenos, tal situação rotineira já havia deixado de ser uma mera “crise temporária”, que é como a atual situação da Venezuela ainda é descrita pelo governo. Tudo já era tristemente rotineiro.
E, assim como o governo da Venezuela se gaba de sua “boa organização” para controlar as filas dos supermercados e impedir que as pessoas comprem duas vezes na mesma semana, o regime comunista da Romênia, que já estava no poder havia mais de duas décadas, dizia que o racionamento de alimentos era uma medida voltada para promover a saúde e melhorar a qualidade de vida!
Em 1982, Nicolau Ceausescu instituiu um “programa científico de alimentação” para o país, no qual quantidades de leite, ovos, carne, peixe etc. eram listadas, ao mesmo tempo, como recomendações de dieta e como quotas permitidas para a compra. À medida que o tempo foi passando, essas rações se tornaram cada vez mais escassas.
As compras podiam ser feitas somente por meio de um cartão de racionamento, no qual tais quantidades eram marcadas. A ração incluía as seguintes quantidades mensais:
Frango — 1 kg
Carne suína ou bovina — 500g (não havendo, deve ser substituída por carne enlatada da URSS)
Frios ou patê de fígado — 800g
Queijo – 500g (a cada 3 meses)
Manteiga — 100g
Azeite – 1 litro
Açúcar – 1 kg
Farinha – 1 kg (a cada 3 meses)
Ovos — 8-12
Pão – 300g/dia
O governo tinha várias explicações para essas limitações. Além de dizer que o estado estava preocupado em fornecer aos cidadãos uma dieta equilibrada e saudável, também havia a justificativa de que se estava combatendo os “especuladores” que estavam estocando comida.
O cartão de racionamento, no entanto, não garantia que os alimentos de fato estariam disponíveis, de modo que a maioria desses produtos só era obtida se você fosse um dos primeiros da fila. Com o tempo, isso gerou o ditado que dizia que, no comunismo, uma boa relação — ser amigo de um funcionário de uma mercearia estatal, que garantiria que você conseguisse todos os itens do cartão — era mais valiosa do que ter um imóvel no capitalismo.
Além dos alimentos, a gasolina também foi racionada em apenas 25 litros por mês, e a fila para conseguir o combustível frequentemente envolvia um esforço conjunto, no qual dois amigos se revezavam na fila em turnos diários, dentro do mesmo carro, esperando seu momento para abastecer. Enquanto um ficava na fila, o outro ia trabalhar.
E para garantir que os romenos não iriam consumir muita gasolina, o governo adotou um rodízio, segundo o qual os carros não poderiam circular nos fins de semana dependendo do número final de suas respectivas placas.
Adicionalmente, para sobreviver ao inverno, aquecimento e água quente só estavam disponíveis durante algumas horas do dia. Assim como televisão e eletricidade.
À época, as autoridades comunistas gostavam de se gabar dizendo que os cidadãos romenos usufruíam todos os benefícios da vida moderna, mas nenhuma de suas injustiças
Uma revolução silenciosa
Em paralelo a tudo isso, um contrabandista de fitas VHS e uma tradutora de inglês contrabandearam para a Romênia e dublaram para o romeno milhares de filmes ocidentais, especialmente filmes de ação. Estes filmes foram então distribuídos e ilegalmente exibidos para grupos de 20 a 30 pessoas de cada vez.
Desta maneira, amontoados perante uma televisão que lhes mostrava amenidades básicas com as quais nem sonhavam existir, os romenos foram se tornando dolorosamente cientes de sua pobreza e isolamento. As revoltas populares foram se intensificando e a queda do regime comunista, algo inevitável, ocorreu antes do fim da década.
Essa história virou um documentário lançado este ano, intitulado “Chuck Norris contra o Comunismo” (aqui o teaser, aqui o website, e aqui uma reportagem visual do The New York Times).
Um Natal normal
Após 1990, os cardápios para a ceia de Natal dos romenos não mais foram submetidos a concessões institucionais — e nem os cardápios de nenhuma outra refeição.
Mas talvez o fato em relação ao qual eles estão mais felizes é em poder celebrar o Natal sem o temor de serem denunciados pelos vizinhos para a polícia secreta.
Belo texto! Parabéns!!!!!