Oh, keynesianos, onde estais vós?

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keynesmiltonQuase todo mundo tem algo a dizer sobre a atual crise financeira e o problema sério em que nosso querido papel-moeda americano se meteu. Estamos prestes a ser relembrados que impérios se esfacelam não por causa dos bárbaros que chegam aos portões, ou por guerras entre civilizações ou por causa do livre comércio. É a inflação que os aniquila.

O que surpreende em relação à atual situação é o repentino desaparecimento do palco das até então elegantes doutrinas keynesianas e monetaristas. Ainda mais surpreendente é que a maioria dos keynesianos e monetaristas fala hoje a linguagem dos fundamentos, versando sobre problemas-micro e maus investimentos.

Keynesiano é aquele que keynesianismo pratica

Comecemos com a doutrina keynesiana, qualquer uma delas, seja a ortodoxa, a nova, ou a pós. Até poderíamos criar uma nova, sob o rótulo de paleo-keynesiana, e isso não mudaria o conteúdo do dogma. A essência da análise de Keynes sobre o sistema de preços é que ele sempre vai precisar de um tipo específico de estímulo para manter o nível do gasto agregado que leva a economia para o nível de pleno emprego. O que interessa na perspectiva keynesiana é que, por alguma razão, o mecanismo de livre mercado sempre fracassará em atingir esse objetivo. A causa pode ser um repentino colapso na eficiência marginal do capital; pode ser culpa de rigidezes nominais e reais, uma queda no consumo, ou talvez, você sabe, pode-se culpar o animal spiritis empresarial por toda a bagunça.

Dependendo da particularidade do caso, chegamos a várias versões da ideologia keynesiana, que aparentemente tem uma cura universal para a economia: políticas governamentais. Podem ser políticas fiscais ou políticas monetárias. Escolha qualquer versão para sua história keynesiana; você sempre saberá qual solução deve ser perseguida. A conclusão, para todos os casos, será óbvia: o estado, através de seus meios compulsórios, deve impulsionar o nível da demanda agregada de forma a impedir que a economia caia em recessão.

Mas se a usual explicação keynesiana é que uma agressiva política monetária e fiscal é necessária para impulsionar a renda nacional para se sobreviver a uma recessão, então como devemos ver a atual crise? Obviamente as atuais políticas nos EUA podem chamadas de várias coisas, menos conservadoras ou mesmo moderadas. Por um bom tempo, o governo americano fez tudo o que podia para manter uma agressiva injeção monetária e uma agressiva política fiscal. Os déficits orçamentários explodiram e as taxas de juros foram diminuídas para níveis ridículos. Isso fez com que a oferta de dólares fosse para níveis estratosféricos e preparou o terreno para que este papel-moeda entrasse em um notável colapso.

É claro, os keynesianos não podem de maneira alguma utilizar qualquer uma de suas histórias oficiais para explicar o atual colapso financeiro. Mais ainda: qualquer economista sério que diga hoje que a economia precisa de uma política monetária ainda mais frouxa seria considerado apenas um excêntrico cantando sob uma chuva abundante de dólares. Ao mesmo tempo, clamores por um aumento nos empréstimos governamentais através da emissão de mais títulos para os mercados de crédito devem ser também considerados altamente irresponsáveis.

Apesar de os keynesianos não estarem utilizando suas costumeiras narrativas para analisar o colapso imobiliário, em suas análises teóricas no ambiente acadêmico eles continuam falando sobre a necessidade de se incrementar a gastança. Mais uma vez, observamos a predominância de uma teoria esmeradamente formulada, porém completamente desligada da realidade.

A primeira regra do raciocínio monetarista é: você não pode falar sobre o raciocínio monetarista

Assim como um neoconservador vive em simbiose com um social-democrata, um keynesiano tem um irmão mais novo: um monetarista. O monetarista é definitivamente mais limitado em suas investigações que o keynesiano, e seu nome é perfeitamente adequado, pois para ele toda a economia se resume a dinheiro. O que interessa para a atividade econômica é a oferta monetária e o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) determinado por ela. O mais famoso monetarista, Milton Friedman, era primordialmente obcecado com a oferta monetária e em manter o IPC estável. Se o IPC se mantivesse estável, então a economia inevitavelmente estaria em boas condições. Os problemas só poderiam surgir se a taxa oficial de inflação saísse do controle. Mas se ela for mantida a níveis baixos, então a economia estará sob controle, e a política monetária poderá ser considerada sólida.

Em uma entrevista concedida em 2003 (conduzida por Henri Lepage), Friedman declarou que as condições para a prosperidade estavam garantidas. O monstro da inflação havia sido domado, o desemprego estava baixo, não havia crise financeira e não havia deflação, a produtividade estava crescendo e os bancos estavam em boa forma. Por muitos anos, Friedman louvou a política monetária de Alan Greenspan. E ainda que ele divergisse em algumas idéias (assim como a maioria dos keynesianos divergem uns dos outros) e não aceitasse as ferramentas discricionárias que o Fed utilizava, ainda assim ele acreditava que as políticas de injeção monetária eram uma boa idéia, que elas eram capazes de trazer enorme prosperidade.

Então, para um monetarista, o principal aspecto macroeconômico é o IPC, guiado pelas ações do Banco Central. Se o IPC aumentar, o Banco Central deve contrair a oferta monetária; se o IPC decrescer, o Banco Central deve expandir a oferta monetária, para estimular a economia. De acordo com essa visão, recessões sérias ocorrem porque o Banco Central não injeta dinheiro suficiente na economia; supostamente foi isso que ocorreu em 1929.

É fácil ver por que a teoria monetarista está tão encrencada quanto sua parente keynesiana. O crescimento excessivo, que começou muitos anos atrás, se deu com um Índice de Preços ao Consumidor estável. Durante aqueles dias, a política monetária poderia ser classificada de qualquer coisa, exceto restritiva. Sob as atuais condições, com os bancos sofrendo o tipo de problema que os economistas austríacos já haviam previsto há muitos anos, a política do Banco Central americano (Fed) nunca foi tão relaxada.

Tanto os keynesianos quanto os monetaristas estão quietos

Como vimos, os atuais problemas não podem ser explicados nem pelo jeito monetarista de pensar, nem pelo keynesiano. Ambas as abordagens macroeconômicas são defeituosas e não podem ser aplicadas à crise recente. O notável silêncio dessas duas doutrinas prova esse ponto. Não digo que eles não discutem a crise. Os economistas convencionais de fato falam sobre ela, mas eles não estão usando a doutrina keynesiana e monetarista. Ninguém fala sobre o IPC como o único sinal de estabilidade econômica, e ninguém declara seriamente que a crise é o resultado da diminuição na demanda agregada e da ausência de políticas monetárias mais frouxas.

Ao invés disso, o que a maioria de nós ouve são ilações sobre fundamentos básicos e sobre os erros cruciais de investimentos que foram estimulados pelas baixas taxas de juros e por uma bolha crescente de dívidas. Parece que, para o propósito de se explicar a atual crise, tagarelices macroeconômicas sobre IPC e PIB parecem desprezíveis. O IPC não reflete as mudanças micro na estrutura dos preços relativos, e o PIB não pode aumentar excessivamente por meio de maus investimentos que eventualmente terão de ser liquidados.

Relações de preços, escassez de recursos, a estrutura dos passivos e obrigações, e as receitas esperadas das empresas no mercado: estas são as questões-chave. Bem vindo ao mundo da economia austríaca.

Devido aos auxílios financeiros dado aos bancos pelo Fed, podemos fazer eco a Paul Krugman, que diz a mesma coisa que William Poole, um dos diretores regionais do Federal Reserve: existe uma diferença entre liquidez e insolvência. O banco central poderia injetar dinheiro no caso de um súbito vazamento de dinheiro do sistema. Mas a questão da insolvência é bem mais problemática. Mesmo que o banco central ajude os bancos comerciais no curto prazo, esses bancos ainda continuarão em apuros porque esse processo de expansão por eles iniciado não pode ser sustentado no longo prazo através de artifícios que compensem temporariamente essa falta de liquidez que é inerente ao sistema de reservas fracionárias.

Apesar de essa questão da liquidez e solvência ter sido um pouco exagerada, uma coisa deve ser reconhecida. Essa diferenciação não pode ser feita na estrutura macro keynesiana. Nem na monetarista. Ela só pode ser feita se houver referências à esfera micro, que sempre foi o assunto da análise austríaca.

Um sistema bancário meio-termo leva ao socialismo financeiro

As atuais políticas fiscal e monetária, prefira você a versão keynesiana ou a monetarista, acabaram se revelando um completo fracasso. Assim, o que sobrou aos economistas convencionais depois que suas ferramentas favoritas falharam? Abolir o Fed e ir em direção a um sistema monetário de livre mercado? É claro que não: se as políticas do Fed falharam, então o problema não está de fato nas políticas do Fed, mas no livre mercado em si! Tem de haver algo inerentemente errado com o sistema de mercado para que ele não tenha obedecido as maravilhosas políticas governamentais e todas as teorias por detrás delas.

Dessa maneira, por exemplo, Irving Fisher – o Gandalf Cinza do papel-moeda (Friedman sendo o Gandalf Branco) -, antes da Grande Depressão, argumentou que o mercado de ouro deveria ser manipulado com o intuito de fornecer uma sólida política monetária. Porém, como o Grande Crash acabou por comprovar brutalmente as conseqüências dessa idéia, Fisher não culpou as políticas inflacionárias da vibrante década de 20 e nem as manipulações feitas no mercado de ouro, mas, ao contrário, propôs mais medidas intervencionistas, como a nacionalização parcial da indústria bancária, sujeitando os bancos a um sistema composto 100% de papel-moeda fiduciário.

Não devemos nos esquecer da grande percepção de Mises de que as políticas de meio-termo levam ao socialismo, que é um pensamento que vai muito além dos controles de preços. Sua contribuição era que o controle de preços imposto sobre o mercado não levaria aos resultados esperados, mas, ao contrário, criaria caos. O estágio final seria ou a abolição de todos os controles ou a manutenção dessa política até que se chegasse ao extremo intervencionismo, que representa o socialismo completo, no qual o governo dirige toda a economia.

Qual é a similaridade com a atual situação do sistema bancário americano? Após uma enorme bolha, não apenas imobiliária, mas em todo o sistema financeiro, o dia de pagar as contas finalmente chegou. As medidas necessárias seriam liquidar os maus investimentos e permitir que o processo de recuperação aconteça. Mas, ao invés disso, vemos mais clamores do setor bancário por mais intervenção governamental.

O Fed tenta desesperadamente salvar financeiramente qualquer gigante do setor. Ele começou a destruir as últimas instâncias reais do mecanismo de mercado no setor bancário. Agora, os debilitados ativos dos bancos, títulos lastreados em hipotecas, estão sendo trocados (via operações inovadoras e bizarras, como a “TAF” [Leilão a Termo], e a “TSLF”, [Linha de Empréstimo de Títulos a Termo]) pelo Fed por títulos do governo. A intenção é melhorar os balancetes desses bancos. Ao mesmo tempo, as taxas de juros estão sendo diminuídas com o intuito de fornecer ainda mais liquidez e socializar as perdas, aumentando o risco moral.

O que estamos testemunhando é uma grande demonstração de uma das mais importantes contribuições austríacas à economia monetária: que um banco central tem potencial socialista. Pense nisso. No socialismo, o planejador central aumenta a quantidade de bens que possui através da expropriação. Se ele precisa de alguma coisa, um decreto é emitido dando-lhe a autorização para consegui-la. No sistema de banco central, o decreto é substituído por algo mais: a impressão de dinheiro. Se alguma coisa se torna necessária, não são necessários uma expropriação direta e um decreto oficial; o papel moeda é suficiente. Imprima o dinheiro e você poderá comprar o que quiser.

As fronteiras finais divergem, é claro. Sob o antigo sistema socialista, sempre há a possibilidade de se criar uma escravização através do uso direto da força. Em contraste, no socialismo financeiro que está sendo criado atualmente, o destino final é a hiperinflação, que em última instância irá destruir o único meio que os banqueiros centrais têm de redistribuir propriedade: o papel-moeda de curso forçado.

Os economistas convencionais não irão defender a abolição dessa ferramenta. Ao contrário, eles irão procurar a causa da atual situação na “liberalização” do sistema bancário, nos ineficientes padrões de contabilidade, e nas agências de classificação que absurdamente deram altas notas às obrigações de dívidas colateralizadas (CDOs – papéis que compram papéis lastreados em hipotecas ou outras dívidas). Quando encontrarem as partes culpadas, estarão prontos para aumentar a intervenção no mercado. A solução provavelmente incluirá a emissão de novos e ampliados atos ao estilo Sarbanes-Oxley, ainda mais regulamentações das agências de classificação (apesar do fato de que foi a SEC [a CVM americana] quem criou o cartel da Nationally Recognized Statistical Rating Organization[*]), ou talvez apertar ainda mais as regras oriundas das regulamentações da Basiléia para os bancos. Tudo isso é tão necessário quanto apagar fogo com gasolina. Só pode acabar gerando mais desordem e problemas no futuro, e ao mesmo tempo nos afastar ainda mais do sistema de livre mercado.

A única maneira de sairmos da atual bagunça é irmos até suas raízes, e voltarmos à idéia de responsabilidade pessoal que é inerente a uma ordem baseada na propriedade privada. Caso contrário, qualquer mudança nas modernas regulamentações só fará abrir novas portas para negócios ainda mais instáveis. Já é hora de rejeitarmos a idéia nominalista e positivista de que as palavras que saem das bocas dos legisladores podem mudar a natureza da realidade.

Conclusão

Respondendo a pergunta do título, nossos amigos keynesianos guardaram suas habituais políticas fiscais e monetárias em seus escaninhos e fizeram uma pausa para um cafezinho, pelo menos por agora. Infelizmente, eles ainda querem que o governo gerencie a economia – e desta vez nos leve para ainda mais perto do socialismo financeiro.

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[*] Agência de classificação de risco que emite classificações de crédito. A SEC permite que outras firmas financeiras utilizem essas classificações para fins regulatórios. As nove organizações que fazem parte dessa agência são: [N. do T.]

·         Moody’s Investor Service

·         Standard & Poor’s

·         Fitch Ratings

·         A. M. Best Company

·         Dominion Bond Rating Service, Ltd

·         Japan Credit Rating Agency, Ltd

·         R&I, Inc.

·         Egan-Jones Rating Company

·         LACE Financial

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