Os mercados financeiros estão passando por mais uma fase de liquidação, com as bolsas ao redor do mundo no vermelho. No entanto, as noções tradicionais a respeito de quais investimentos caracterizam um “refúgio seguro” em épocas de crise estão mudando. O dólar americano, ao que tudo indica, já deixou de ser um refúgio contra calotes e incertezas. Esse papel foi assumido pelo ouro, pelo franco suíço e pelo iene japonês — que agora são ativos preferidos de investidores assustados.
Todos esses três refúgios — ouro, francos suíços e ienes — se valorizaram em agosto. Dois deles, no entanto, estão sendo diligentemente desvalorizados por seus respectivos bancos centrais, os quais estão desesperadoramente (e muito tolamente) tentando restringir sua apreciação. Os suíços e os japoneses estão implementando todas as políticas fiscais e monetárias possíveis, bem como toda a retórica que podem inventar, para conter o fluxo de investimentos estrangeiros que está inundando seus respectivos países e, com isso, apreciando suas moedas nacionais.
A questão agora é saber qual será o último refúgio existente.
Suíça: da neutralidade ao intervencionismo
Analisando a Europa, o britânico Financial Times tem agora a deselegante tarefa de noticiar que a poderosa moeda da União Europeia está em processo de desintegração, ao mesmo tempo em que a vizinha Suíça mal tem hotéis suficientes para alojar todos os náufragos do mercado financeiro mundial que lá desembocam em busca de refúgio. Apenas este ano, o franco suíço valorizou-se 5,41% em relação ao euro e praticamente 14% em relação ao dólar. É de se imaginar se a única maneira de impedir um colapso destas duas moedas altamente endividadas é lastreando-as a relógios de pulso suíços. Isso pelo menos forneceria um padrão-ouro parcial, e não haveria desculpas para se chegar atrasado a uma manifestação por medidas de austeridade.
Infelizmente para todos, o Banco Central da Suíça (chamado de Banco Nacional Suíço — BNS) não parece disposto a fornecer este abrigo seguro. Ele está tão receoso dessa valorização do franco suíço, que vem inundando o mercado com mais liquidez, além de ter cortado a taxa básica de juros para zero. O BNS recentemente chegou até a ameaçar atrelar o franco suíço ao euro, fixando a taxa de câmbio e assim impedindo flutuações no valor da moeda. Tal medida seria como se os sobreviventes de um dos botes salva-vidas do Titanic ficassem tão confusos e desnorteados, que resolvessem amarrar seu bote ao navio naufragando — tudo pelo desejo de manter uma “relação estável”.
Aviso ao Japão: não são os especuladores
O Japão tem sido ironicamente bem sucedido: embora seu endividamento seja severo, ele tem estado severo há tanto tempo que os mercados financeiros começaram a ver isso como um sinal de estabilidade. E, fora esse problema da dívida pública, o Japão possui fundamentos razoavelmente impressivos. O país ainda apresenta uma economia produtiva, com altas taxas de poupança e com larga exposição à China, cuja economia vem crescendo vigorosamente há décadas. Sendo assim, não é de se espantar que, só este ano, o iene tenha se valorizado 6,63% contra o dólar até agora.
O ex-ministro das finanças e agora primeiro-ministro, Yoshihiko Noda, anunciou recentemente que tomaria “medidas drásticas e arrojadas se necessário, e não descartaria nenhuma opção possível” para conter a apreciação do iene. Contudo, embora Noda tenha dito que sua gestão irá estudar se a “especulação” está por trás da valorização do iene, ele não parece entender que tal fenômeno representa na realidade uma definitiva mudança de paradigma: as pessoas estão fugindo do dólar e do euro e indo para qualquer coisa que aparente ser uma alternativa melhor. Isso não é um fenômeno comandado e orquestrado por especuladores de Wall Street, mas sim por investidores comuns à procura de abrigo e proteção.
As atitudes estão claramente mudando
Meus leitores sabem que sempre considerei estes últimos anos da economia americana como anos de crise contínua. A economia do país não está vivenciando meramente aquilo que a imprensa passou a classificar como sendo um duplo mergulho recessivo, intercalado por um período de crescimento econômico. A realidade é que o país está realmente no meio de uma prolongada depressão econômica. Os recorrentes pânicos nos mercados financeiros que vêm ocorrendo desde 2007, tanto nos EUA quanto na Europa, são todos causados pela mesma doença, e, como tal, devem ser entendidos como sintomas relacionados, e não como eventos distintos.
E como uma narrativa longa e tenebrosa, estes subsequentes pânicos se assemelham a uma série de etapas — seguidas quedas acentuadas fazem com que cada nova situação tenebrosa seja considerada uma “nova normalidade. Há duas tendências futuras: ou as pessoas vão se acostumando a essa rotina lúgubre, ou — o que é mais provável — haverá um colapso tanto do dólar quanto do euro, fazendo com que haja um retorno em massa à utilização do ouro como moeda.
Meu irmão, Andrew Schiff, escreveu um artigo para minha empresa de corretagem este mês fazendo uma análise das recentes turbulências nos mercados financeiros e comparando-as a todas as crises ocorridas desde 2007. Ele notou uma contínua mudança de percepção quanto ao que os investidores consideram ser um porto seguro.
Durante o período mais intenso do sufocamento do crédito, de outubro de 2008 a março de 2009, o índice S&Pperdeu mais de 25% de seu valor, à medida que os investidores fugiram em manada para o dólar, valorizando a moeda americana em 8%. As bolsas de valores estrangeiras despencaram e a maioria das moedas estrangeiras se desvalorizou substancialmente perante o dólar. O franco suíço caiu mais de 3%. O ouro subiu 6,5% e o iene, 5,75%, mas nenhum manteve o ritmo do dólar, que chegou a subir 13,5%.
E então, durante a nova queda ocorrida entre 23 de abril de 2010 e 2 de julho de 2010, a S&P perdeu quase 15%. O dólar apreciou pouco mais que 3%. O franco suíço, desta vez, apreciou-se ligeiramente, ao invés de se desvalorizar. E tanto o iene quanto o ouro ganharam do dólar, valorizando-se 4% e 5,5%, respectivamente.
E eis que aqui estamos, no início de setembro, fazendo a mesma pergunta de sempre: o que está acontecendo?
Em agosto, sob intensa volatilidade, o S&P caiu mais de 13% e depois recuperou-se, voltando ao mesmo nível de antes. O dólar manteve-se essencialmente estável, mesmo com a intensificação dos temores na zona do euro. O iene também se manteve estável, não obstante as pesadas intervenções do Banco Central japonês para desvalorizá-lo. O franco suíço já havia se valorizado 8% antes de o Banco Central suíço ameaçar atrelar a moeda ao euro. E, por fim, o ouro valorizou-se quase 12%!
Percebeu o padrão? A cada etapa dessa espiral declinante plurianual, os investidores globais vêm lentamente, porém consistentemente, alterando seus refúgios preferidos. Alternativas estão sendo desesperadamente procuradas, embora as medidas tomadas primeiro pelo Banco Central japonês e, mais recentemente, pelo suíço, tenham impedido que suas respectivas moedas aumentassem seu potencial como alternativa ao dólar.
Felizmente, o ouro não está sob o comando de um banco central, de modo que ele pode se apreciar tão rapidamente quanto a desvalorização do dólar e de outras moedas.
O rebaixamento das moedas de papel
Seja do interesse deles ou não — e eu argumento que não é —, os bancos centrais parecem prontos para dar continuidade às políticas de desvalorização de suas moedas (isto é, impressão de dinheiro) com o intuito de estimular exportações e impedir recessões. Caso contrário, suas economias teriam de enfrentar as dificuldades exigidas pelo processo de correção da estrutura de produção da economia (recessão) — algo desesperadoramente exigido pela realidade econômica mundial.
É por isso que o ouro está se saindo fenomenalmente bem, e é por isso que ele deve continuar assim. A mineração de ouro — isto é, o aumento do estoque de ouro no mercado — ocorre a uma taxa de aproximadamente 2% ao ano. Esse número tem se mantido razoavelmente constante ao longo do tempo, e reflete a capacidade das mineradoras de localizar, obter financiamento, comprar e desenvolver novas minas. Eu invisto nestas empresas de mineração e, creia-me, não é um trabalho fácil.
Compare isso ao dinheiro fiduciário de curso forçado, que pode ter sua quantidade aumentada com uma simples batida de tecla no computador. Da mesma forma, basta acrescentar um zero às cédulas para que mais dinheiro esteja em circulação. Está vendo essa nota de $10? Shazam!, agora ela vale $100.
O motivo de moedas como o iene e o franco suíço serem consideradas seguras decorre simplesmente do fato de que seus respectivos bancos centrais sempre tiveram o hábito de não imprimir dinheiro em demasia. Porém, um hábito é muito menos confiável do que uma restrição física.
Pense em um cachorro que foi treinado para não comer carne. Se você o deixar em um quarto com um suculento pedaço de costela, em qual situação você teria mais certeza de que encontraria a costela intocada: com o cachorro amarrado a uma coleira presa a um poste ou com o cachorro totalmente livre para circular? Assim como um cachorro sempre irá desejar uma posta de carne, e irá morder um pedaço quando ninguém estiver olhando, bancos centrais também sempre anseiam por utilizar a impressora.
É por isso que, para proteger toda a nossa poupança, devemos recorrer um ativo cuja escassez é ditada única e totalmente pela natureza — o ouro.
À medida que essa constatação for se tornando mais corriqueira, e à medida que a depressão mundial for se intensificando, meu palpite é que o ouro se tornará o último refúgio existente. E isso não será uma “nova normalidade”, mas sim um retorno a milhares de anos de tradição econômica.
Uma observação sobre fundamentos
Aqueles que realmente não entendem de fundamentos econômicos seguem afirmando que o ouro está em uma bolha. O famoso corretor e investidor de commodities, Dennis Gartman, recentemente afirmou, mais uma vez, que o ouro já chegou à sua cotação máxima, declarando que uma das “maiores bolhas de nossa época” finalmente estourou.
Ele cita como evidência a rápida valorização de 200 dólares ocorrida em agosto, o que levou o ouro para mais de US$ 1.900 a onça — algo que Gartman vê como evidência de uma bolha em seu último estágio de inflação, após o qual viria uma súbita e abrupta queda. Ele também cita como evidência o insignificante fato de que um ETF de ouro, GLD, possui maior valor de mercado do que um ETF da S&P 500. Ele absurdamente compara essa situação ao que ocorreu durante a bolha imobiliária japonesa, quando o palácio do imperador japonês passou a valer maisdo que todos os imóveis do estado da Califórnia.
O fato é que esses ETFs representam simplesmente uma dentre várias formas de manter ativos, e não indicam, como afirma Gartman, que os investidores estão valorizando o ouro mais do que todo o mercado de ações americano. A verdade, aliás, é que uma real comparação entre as duas classes de ativos revela que o valor do ouro está historicamente baixo em relação ao valor das ações americanas.
Ao invés de significar o estouro de uma bolha, os recentes acontecimentos no mercado do ouro estão mais para uma indicação de que haverá uma grande subida nos preços. Durante essa recente correção havida nos preços do ouro, a divergência positiva entre as ações de ouro e o preço dos lingotes representou na verdade uma evidência de que está começando um novo período de ascensão no preço do ouro. Até agora, o mercado de ações de ouro tem sido caracterizado pelo receio. Entretanto, ao que tudo indica, agora me parece que as ações de ouro subirão mais do que o próprio metal. Caso as ações finalmente comecem a subir mais do que o metal, isso significa que os investidores finalmente estão começando a acreditar que a valorização do ouro é duradoura. Ao invés de evidenciar o fim de uma tendência, essa mudança de atitude muito provavelmente indica uma aceleração dessa tendência. Talvez quando o último cético finalmente jogar a toalha e entrar nessa corrida, poderemos finalmente ver a bolha chegando ao seu último estágio de inflação, algo que Gartman crê já ter ocorrido. Mas esse dia está muito longe do presente.
A verdade é que toda essa conversa de que o ouro está em uma bolha parece se basear no fato de que muitos investidores começaram finalmente a falar sobre ouro. O problema é que, não obstante toda a conversa, o fato é que são muito poucos os investidores que realmente estão comprando ouro. Bolhas não são formadas por conversas, mas sim por ações concretas. Para termos uma bolha no mercado de ouro, todos esses investidores que estão apenas falando sobre ouro têm antes de começar a comprar uma onça de ouro. Com efeito, para que uma bolha se forme e estoure, não apenas os investidores, mas também o cidadão comum terá de estar comprando ouro maciçamente. Porém, até agora, ele nem sequer entrou na conversa.