Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia de 2001, quer que os países voltem a praticar a velha política industrial de sempre, só que agora um pouco mais revigorada e de maneira ligeiramente distinta: Stiglitz quer uma maior intervenção estatal para favorecer determinadas tecnologias em detrimento de outras.
Em seu plano, Stiglitz corretamente menciona a importância do aprendizado e do desenvolvimento tecnológico para o crescimento econômico, e recorre a luminares como Joseph Schumpeter e o igualmente nobelista Robert Solow para defender sua posição de que a política industrial é uma ferramenta produtiva para os governos tanto de países desenvolvidos quanto de países em desenvolvimento.
A ênfase de Stiglitz no desenvolvimento por meio da inovação e da tecnologia é curiosa simplesmente porque ela é uma prova de que a economia mainstream está finalmente abandonando seus arcaicos modelos de desenvolvimento, segundo os quais a panacéia para as nações em desenvolvimento seria jogar de pára-quedas um pouco de capital (sempre tratado como algo homogêneo) sobre a economia e então esperar que o “efeito-convergência” retirasse essas economias da pobreza.
Ao mesmo tempo, a política industrial reinventada por Stiglitz possui as mesmas fraquezas dos modelos anteriores, todos eles urgentemente necessitados de aposentadoria: ele agora sugere que, em vez de o governo escolher quais empresas devem ser as “campeãs nacionais” [exatamente como faz o governo brasileiro], ele diz que o governo deve escolher apenas aquelas que irão gerar ‘externalidades positivas’.
Curiosamente, Stiglitz não percebe que essa sua mudança de estratégia não altera em nada a seguinte realidade: uma alocação de recursos planejada de forma centralizada pelo governo não pode funcionar.
O governo não possui — aliás, nenhum governo possui — nem o conhecimento das nuances do mercado e nem os incentivos necessários para promover de maneira bem-sucedida uma política industrial. Como bem explicou Hayek, é impossível um comitê central apreender e utilizar corretamente toda a informação que está dispersa pela economia. Consequentemente, é impossível esse comitê central gerenciar a economia e fazê-la produzir de forma otimizada.
No que mais, ao invocar a importância das ideias, Stiglitz recorre a um argumento clássico da teoria dos bens públicos, dizendo que novas ideias, por gerarem grandes externalidades positivas, são por isso mesmo menos divulgadas e mais escondidas, privando a humanidade de seus benefícios. Logo, o enfoque não seria apenas nas novas ideias, mas sim no aprendizado, e especialmente no aprendizado pela prática. Segundo o professor Stiglitz:
O objetivo de uma política industrial não é escolher os vencedores. As políticas industriais bem-sucedidas são aquelas que identificam as fontes de externalidades positivas — setores em que o aprendizado pode gerar benefícios para o resto da economia.
Há muita coisa embutida nessa afirmação, de modo que ela merece uma análise mais detalhada. Em primeiro lugar, como essas externalidades positivas serão identificadas, avaliadas e valorizadas? Várias empresas irão, de maneira verossímil, alegar que poderiam fazer um trabalho melhor se ao menos o governo lhes desse mais subsídios e mais tempo. Como um burocrata do governo iria determinar quais empresas têm mais a aprender?
O governo não apenas teria de escolher as empresas que mais teriam a oferecer, como também teria de ser capaz de oferecer um substancial apoio financeiro. Talvez exatamente por isso, um dos principais pilares da política industrial proposta por Stiglitz é o acesso privilegiado ao crédito subsidiado [exatamente como faz o governo brasileiro]. Se o governo não puder gerar esses fundos domesticamente, talvez uma entidade supranacional, como o Banco Mundial (da qual Stiglitz foi o economista-chefe de 1997 a 2000), poderia oferecer tais empréstimos às empresas consideradas dignas.
Esse protecionismo é justificado pela alegação de que aquilo que uma empresa aprende pode ser difundido por vários outros setores da economia. No entanto, ainda não está muito claro como é que aquilo que uma empresa aprende ao montar carros ou fabricar maquinário pesado será imediatamente transferível para outros setores da economia.
Afinal, considerando todo e qualquer aprendizado que eventualmente ocorra, pode até ser que alguma fatia desse aprendizado seja transferível, mas a grande maioria será aplicável somente às circunstâncias singulares daquela empresa em específico. O que uma mineradora aprende em suas extrações de minério dificilmente pode ser aproveitado de maneira integral por uma indústria de laticínios — certamente, não de uma maneira que justifique subsídios e aumentos nas tarifas de importação.
No que mais, não há nenhuma justificativa teórica para acreditar que algumas empresas ou indústrias serão melhores do que outras no aprendizado e na subsequente difusão de conhecimento. Com efeito, alguns dos melhores aprendizados ocorrem quando empresas aprendem o que não devem fazer. Apenas pergunte a Reed Hastings, CEO da Netflix.
Indo mais ao ponto, o mercado já realiza a tarefa de difundir o conhecimento transferível. Sempre que o aprendizado gera conhecimento transferível, o mercado oferece amplos incentivos para que as empresas paguem para importar tecnologia e conhecimento úteis. A época de carreiras vitalícias na mesma empresa já acabou, e é comum ver empresas oferecendo salários maiores para “roubar” talentos de seus concorrentes. De resto, basta apenas olhar para a área que mexe com capital de risco: grande parte do seu sucesso advém de saber conectar pessoas com ideias a pessoas que têm a experiência para executar adequadamente essas ideias.
Outro problema crucial de se ter o governo influenciando e decidindo a política industrial é que o dinheiro inevitavelmente irá parar no bolso dos melhores lobistas, e não para os melhores projetos de pesquisa e desenvolvimento. A ironia, portanto, é que revitalizar a política industrial muito provavelmente faria com que menos ideias fossem geradas pelo mercado em detrimento de mais parasitismo de empresas ávidas por ganhar algum suporte estatal.
Finalmente, temos de ser especialmente céticos quanto aos méritos da política industrial como forma de enriquecimento dos países em desenvolvimento. Vale lembrar que vários países possuem instituições fracas e sofrem com a corrupção. Mesmo que eles fossem capazes de identificar corretamente as externalidades positivas, a simples influência política seria capaz de desviar o dinheiro para os cofres dos cleptocratas e seus apaniguados. Os pobres do mundo necessitam de mercados livres e abertos que atraiam e estimulem investidores estrangeiros, e não de mais cleptocratas leiloando seu apoio a empresas e utilizadno dinheiro público. Fornecer a esses governos uma teoria econômica supostamente respeitada e chancelada por Nobeis, a qual será utilizada para justificar a pilhagem do dinheiro público, irá beneficiar muito mais os banqueiros suíços do que criar oportunidades para os pobres.
Stiglitz já deveria ter percebido que os mecanismos de mercado, quando respeitados, já fornecem meios poderosos de estimular empresas que têm algo de proveitoso para oferecer. Neste quesito, o vencedor do Nobel ainda é um aprendiz.