Desde que foi vendida em 1997, grande parte de suas ações permaneceu em mãos do estado. Ao invés de sair completamente do setor e deixar a mineradora em mãos totalmente privadas, livre de influências políticas e buscando livremente o lucro, a venda foi feita com amplos recursos do BNDES e com a participação de fundos de pensão de estatais. Hoje, o governo federal, por meio do BNDES Participações, dos fundos de previdência de suas estatais e de sua participação direta, detém 61,51% da holding que controla a mineradora (a Valepar, que por sua vez detém 53,3% do capital votante, ou 33,6% do capital total). Já o Bradesco, que escolheu Agnelli para comandar a Vale em 2001, detém 21,21% da Valepar, por meio da Bradespar, empresa de participações dos donos do Bradesco. A atual peleja para se retirar Roger Agnelli ocorre simplesmente porque são necessários 75% dos votos para trocar a presidência.
Como explicado nesse artigo, as únicas desestatizações genuínas no Brasil ocorreram com as empresas vendidas no governo Collor e, quem diria!, no governo Itamar. A partir do governo FHC, não houve mais nenhum setor que tenha sido genuinamente desestatizado — ou as empresas foram vendida para fundos de pensão de estatais, ou foram criadas inúmeras agências reguladoras para se controlar as empresas vendidas, ou uma mistura de ambas as coisas. Em momento algum o estado se retirou em definitivo do comando (direto ou indireto) dessas empresas.
Não é preciso ter neurônios muito apurados para saber que, se você apenas trocar o modo de gestão de uma empresa, mas permitir que o estado continue interferindo via controle acionário ou via agências reguladoras, em algum momento ele vai se impor e começar a interferir mais diretamente. Precisa apenas de uma desculpa para isso.
No caso específico da Vale, a simples retirada do governo do controle principal da empresa já foi suficiente para modernizar e dar eficiência à sua gestão. O número de empregados pulou de 11 mil em 1997 para os mais de 50 mil atuais. Após ter sido passada para o gerenciamento privado, seu ganho de eficiência e sua lucratividade aumentaram de forma tão surpreendente — em grande parte por causa da forte demanda da China por minério de ferro –, que era óbvio que o governo, em algum momento, ficaria faminto para se apossar dela novamente, de olho nas mamatas e nos cargos do alto escalão que a gigante pode propiciar a políticos e a seus apadrinhados (sendo essa a função precípua de toda empresa em mãos do estado).
Não se está dizendo aqui que o governo vai reestatizá-la por completo. Afinal, como todos os governantes ocidentais já perceberam, eles não sabem gerenciar empresas. É muito melhor deixar tal tarefa em mãos privadas. Nesse arranjo, os lucros são incomparavelmente maiores, o que permite ao governo ficar na extremamente cômoda posição de apenas coletar as receitas tributárias, as quais são muito maiores do que a receita que teria caso estivesse ele próprio gerenciando a empresa. Por que alterar esse arranjo agora?
Por isso, tudo o que os políticos querem é ter “gente de confiança” no comando da empresa, o que irá gerar um apetitoso número de empregos, cargos e boquinhas para petistas e correligionários — algo que pode ser fundamental e estratégico em algum futuro governo da “oposição”. Os milionários contratos de publicidade — que fazem salivar as agências favoritas do governo e excitam os sindicalistas, que assim aumentam seu poder de barganha — se tornam muito mais “interessantes” quando há companheiros no comando de uma grande empresa.
Em suma, estamos testemunhando a boa e velha estratégia do aparelhamento, algo que funciona maravilhosamente bem na democracia; algo que funciona à perfeição em países que nunca experimentaram um genuíno capitalismo de livre mercado e que ainda vivem presos a esse arranjo mussoliniano de capitalismo de estado.
O atraso não se improvisa; é algo cuja arte do domínio só é adquirida após décadas de intensa dedicação.