Por que Bolsonaro se recusa a fechar a economia?

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Quando os relatórios sobre a doença do COVID-19 começaram a aparecer, os meios de comunicação inicialmente subestimaram os riscos. Mas eles logo seguiram as alegações da Organização Mundial da Saúde (OMS) de que o vírus era mais grave que a gripe sazonal e que um grande volume de casos poderia ser oneroso para os sistemas de saúde, e os governos ao redor do mundo se esforçavam para impedir que o vírus se espalhasse rapidamente.

Adotando quarentenas ineficazes, os líderes mundiais emitiram decretos para ficar em casa e ordenaram que muitas empresas fechassem suas portas.

Nos Estados Unidos, vimos como alguns governadores estaduais adotaram rapidamente políticas que produziam prisões, protestos e desemprego em massa. No Brasil, sob a liderança de Jair Messias Bolsonaro, os governadores estaduais seguiram os passos dos governadores americanos, fechando negócios e prendendo violentamente quem ousasse servir seus clientes.

Bolsonaro foi contra.

Nas aparições na TV e nos meios de comunicação, o presidente, muitas vezes condenado por não usar sua máscara facial, repetiu que o vírus não era tão ruim.

    “Muitos vão pegar isso[coronavírus], independente dos cuidados que tomem. Isso vai acontecer mais cedo ou mais tarde”, disse ele à mídia. “Devemos respeitar, tomar as medidas sanitárias cabíveis, mas não podemos entrar numa neurose, como se [essa crise] fosse o fim do mundo.”

Tem muitos governadores, no meu entender, que estão tomando medidas que prejudicarão muito nossa economia. A vida continua, não tem que ter histeria.

Em uma tentativa de convencer os governadores a mudar de rumo, o gabinete de Bolsonaro lançou uma campanha intitulada O Brasil Não Pode Parar, mas seus esforços não foram longe, pois o Supremo Tribunal Federal ordenou que a campanha fosse encerrada.

Logo depois, a mídia americana pediu o impeachment de Bolsonaro.

No Brasil, os opositores seguiram o exemplo, com os advogados Thiago Santos Aguar de Pádua e José Rossini Campos do Couto Correa entrando com um pedido de impeachment no Congresso, argumentando que o presidente “[praticou] um crime de responsabilidade, indo contra recomendações vindas das autoridades de saúde e participando de manifestações lotadas durante a pandemia do COVID-19.”

Os advogados estavam se referindo aos vários casos em que Bolsonaro foi visto mantendo contato próximo com apoiadores que lotavam a entrada do palácio presidencial da capital para pedir ao líder que os deixasse voltar ao trabalho.

Alguns desses encontros foram emocionantes: trabalhadores derramaram lágrimas ao dizer ao presidente que não poderiam sobreviver com a o assistencialismo mensal de R$ 600 que o governo forneceu, que não queriam “caridade do governo” e queriam “voltar ao trabalho.”

Mas não importava o que os brasileiros da classe trabalhadora queriam. O presidente se viu incapaz de reabrir unilateralmente a economia.

O que ele foi capaz de fazer, no entanto, foi impedir a vigilância do governo para rastrear a maioria dos moradores que violam as ordens de ficar em casa.

Prevenção da vigilância em massa

Ao discutir diferentes abordagens da pandemia no início de março, os membros do Congresso dos EUA costumam mencionar a Coréia do Sul como um exemplo a ser seguido.

Enquanto alguns, como o provável candidato a presidência pelo Partido Libertário, Justin Amash, alegaram que a pequena nação havia feito certo ao não fechar a economia após a propagação do vírus, muitas vezes omitiam o fato de a nação coreana ter usado ferramentas de vigilância em massa para identificar os residentes que podem ter sido expostos ao vírus. O país também usou os mesmos tipos de programas para fazer testes obrigatórios.

No estado de São Paulo, o governador João Doria implementou um programa de vigilância para garantir que os moradores fiquem em casa, rastreando seus movimentos por meio de dados GPS do telefone celular. Quando solicitado a implementar o sistema no nível federal, no entanto, Bolsonaro disse que não.

No início de abril, o ministro da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicação do Brasil, Marcos Pontes, disse que Bolsonaro pediu que ele adiasse o uso da vigilância por telefone celular para rastrear multidões.

Instando Pontes a esperar até que o executivo tenha tempo suficiente para avaliar o programa, o ministro adiou a implementação do sistema de rastreamento em todo o país.

Apesar do que poderia ser facilmente visto como uma defesa dos direitos à privacidade, membros dos grupos “liberais clássicos” do Brasil, muitos dos quais agora estão no Congresso, continuaram a denunciar o presidente por sua abordagem “irresponsável” à crise do coronavírus.

A OMS muda a política e afirma que os bloqueios em massa nunca foram a meta

Bolsonaro se viu no meio de mais um debate político em meados de abril.

Depois de demitir o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, um firme defensor da quarentena, Bolsonaro trombou com o ex-ministro da Justiça Sergio Moro, que em março havia autorizado a polícia militar a prender qualquer um que fosse contra ordens estaduais de ficar em casa.

Moro se tornou um nome conhecido após a operação Lava Jato, que levou à prisão de vários políticos envolvidos em um esquema de corrupção de longo prazo vinculado à companhia de petróleo do país, a Petrobras. Ele foi o juiz que autorizou a investigação dos políticos corruptos, conquistando a confiança da população conservadora do país.

Depois que Bolsonaro supostamente o abordou para discutir uma mudança na liderança da Polícia Federal, eventualmente demitindo o chefe da PF, Moro renunciou.

Embora a quarentena não tenha sido apontada como motivo da decisão de Bolosonaro de abordar Moro, o presidente tornou-se alvo de críticos que lamentaram a abordagem do líder conservador à pandemia e sua decisão de interferir no trabalho de Moro.

Mas, quando essa nova crise estava se formando, a OMS mudou de tom.

Em uma entrevista no final de abril, o principal especialista em emergências da OMS, Dr. Mike Ryan, disse que a Suécia, o país que nunca emitiu ordens de permanência em casa para a população em geral, era um “modelo” para combater o COVID-19.

Em vez de quarentenas, disse Ryan, o país concentra-se nos idosos e nos vulneráveis, sem deixar a economia parar.

“O que fez de diferente é que confia muito em seu relacionamento com seus cidadãos e na capacidade e disposição de seus cidadãos de implementar auto-distanciamento e auto-regulação”, disse Ryan. “Nesse sentido, eles implementaram políticas públicas por meio dessa parceria com a população.”

Em outras palavras, permitir que a população sueca se autorregule com base em informações vindas das autoridades de saúde do governo é o que fez com que a abordagem do país fosse tão bem-sucedida.

Independentemente de Ryan admitir ou não, essa afirmação vai diretamente contra o que os consultores da OMS alegaram no passado recente ao pedirem um envolvimento maciço do governo para conter a doença.

Em uma entrevista no final de março, Bruce Aylward, consultor sênior do diretor-geral da OMS, disse que os governos deveriam manter as populações sob controle, acrescentando que também era desejável rastrear cidadãos para fins de teste.

Ele elogiou a China, que ainda estava trancada: “E se você olhar por toda a China, para as 31 províncias, todas afetadas em um ponto ou outro, a mais longa e mais difícil, é claro, foi Wuhan, que permanece bloqueada. Terão passado quase dez semanas quando eles acabarem com o bloqueio lá [sic] –fevereiro e março inteiros e grande parte de abril.”

Foi precisamente esse tipo de alegação feita pela OMS e seus assessores que levou os críticos de Bolsonaro a atacá-lo por sua recusa em defender o encerramento da economia.

Agora, enquanto o Congresso Nacional do Brasil avalia a solicitação de impeachment relacionada ao coronavírus, Bolsonaro luta contra o Supremo Tribunal Federal, que está impedindo sua nomeação para chefiar a PF. Isso dá a seus opositores motivos para afirmar que ele está usando a luta contra o coronavírus para pressionar por uma intervenção militar, apesar do fato de ele não ter o apoio total das forças armadas.

Em vez disso, os opositores do presidente poderiam dar uma olhada mais atenta na mudança de rumo da OMS, aproveitando a oportunidade para reavaliar a abordagem de Bolsonaro a quarentena.

Brasileiros protestam contra a quarentena

Vendo o crescente descontentamento da população em relação as quarentenas, o governador Doria e o prefeito de São Paulo, Bruno Covas, se distanciaram recentemente das negociações de impeachment, concentrando-se no que as autoridades locais e estaduais estão fazendo para combater o coronavírus. E durante o fim de semana do primeiro de maio, Bolsonaro foi exaltado por milhares de manifestantes contra a quarentena em Brasília.

“A destruição de empregos por alguns governadores é irresponsável e inaceitável. Pagaremos um preço alto no futuro”, disse o presidente à multidão.

Embora muitos tenham usado esses protestos para afirmar que os apologistas da ditadura militar estão tentando usar a quarentena do COVID-19 para pedir interferência militar, Bolsonaro, na maioria das vezes, tentou lutar contra o fechamento conversando diretamente com os governadores.

Apesar de seus melhores esforços, nada funcionou.

Agora que os brasileiros da classe trabalhadora estão perdendo a paciência, com alguns até recorrendo à violência, Bolsonaro disse aos manifestantes no fim de semana que, independentemente de os governadores e membros dojudiciário quererem seguir os decretos de quarentna deles, ele não deixará mais que “interfiram” com o trabalho dele.

“Queremos o melhor para o nosso país. Queremos a independência verdadeira dos três poderes, e não apenas [uma letra] da Constituição”, disse ele à multidão.

“Chega de interferência. Não vamos admitir mais interferência. Acabou a paciência. Vamos levar esse Brasil para a frente.”

Acrescentando que ele “[pede] a Deus” para que não haja mais recuos do Supremo Tribunal Federal, ele concluiu que não apenas “exigirá”, mas garantirá que a constituição seja levada a sério.

Desemprego e fome, um alto preço a pagar

É sempre difícil adivinhar as motivações de um político, mas, independentemente do que Bolsonaro espretenda, ele parece motivado a salvar a economia brasileira. E por uma boa razão. Diferentemente do Primeiro Mundo, a pobreza no Brasil não é brincadeira. Não se trata de comprar uma casa menor ou deixar de usar roupas de marca. No mundo em desenvolvimento, a pobreza representa um risco sério e imediato à vida.

Nos Estados Unidos, as ordens de permanência em casa que impactaram em grande parte as pessoas saudáveis, trancandomilhões de homens e mulheres trabalhadores em suas casas, elevaram o desemprego a um recorde.

Nos países em desenvolvimento como a Índia, a fome agora é generalizada. Mas mesmo que as crianças se tornem as vítimas número um da total falta de respeito do governo indiano pelos princípios morais básicos enraizados na natureza do homem (conhecida como lei natural), poucos tentam defender a liberdade e a responsabilidade pessoal diante da tirania em momentos. de crise.

Bolsonaro está certo em tentar impedir quarentenas generalizadas? Seu instinto em tentar proteger a economia brasileira de uma potencial catástrofe enquanto se concentrava em proteger os vulneráveis foi correto?

As respostas podem não ser tão diretas quanto poderíamos desejar. Mas o que é inquestionavelmente verdadeiro é que nenhum governo, local ou federal, tem o direito moral de impedir que indivíduos realizem trocas mútuas.

As pessoas possuem seus corpos e seu trabalho. Restringir sua capacidade de agir de acordo com seus direitos é, por definição, criminoso, e a única razão pela qual o fechamento da economia motivado pelo coronavírus nunca foi uma decisão acertada.

Apesar de defender uma série de políticas imperfeitas, Bolsonaro pode ser um dos poucos líderes mundiais a entender isso.

 

Artigo original aqui.

4 COMENTÁRIOS

  1. Excelente, texto que mostra bem a queda de braço entre o presidente e o “resto “. Além de perrengues e críticas constantes, tentam impedi-lo de governar e querem quebrar a economia.

  2. Texto extremamente oportuno nesses tempos de insanidade coletiva.
    Apenas naquele ponto em que toca o uso de dados de celulares o Presidente insistiu na ideia alguns dias depois para o compartilhamento de dados junto ao IBGE (http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/medida-provisoria-n-954-de-17-de-abril-de-2020-253004955), mas posteriormente foi barrado via liminar junto ao STF (http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=442090).

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