Uma das coisas mais importantes ao estudar economia é saber distinguir ação de reação, causa de efeito — ou, tecnicamente falando, variável dependente de variável independente.
O cachorro ficou molhado porque saiu da casinha e pegou chuva ou está chovendo porque o cachorro saiu da casinha molhado? Por incrível que pareça, a depender dos métodos econométricos — com os quais os economistas atuais têm praticamente uma tara —, muitas vezes essa pergunta não pode ser respondida.
No entanto, no que diz respeito à teoria keynesiana, ela também comete esse erro grotesco, confundindo ação com reação. O que vem primeiro: o consumo ou a produção? Como todos nós sabemos, para algo ser consumido, ele primeiramente tem de ser produzido. Não há como inverter essa relação.
No entanto, no mundo keynesiano, o consumo pode perfeitamente vir antes da produção.
A equação de Keynes
Em termos econômicos algébricos, Keynes definiu a equação da renda (na verdade, há algumas críticas até mesmo em relação à composição da equação a seguir; no entanto, por uma questão pragmática, vamos considerá-la completamente correta):
Y = C + I + G + NX (1)
No lado esquerdo da equação acima temos Y, que é a renda, isto é, tudo o que é produzido em uma economia em determinado período de tempo — ou seja, é a oferta de bens e serviços.
No lado direito da equação temos quatro elementos: C é consumo, I é investimento, G é gasto do governo e NXsão exportações líquidas (exportações menos importações) — ou seja, é a demanda de bens e serviços.
Isso significa, basicamente, que a produção interna de um país pode ser subdivida em quatro destinos: ou ela é consumida pelas famílias, ou é investida pelas firmas (ou pelo governo), ou é consumida pelo governo, ou é exportada.
De maneira simplista, mas ao menos razoavelmente correta, Keynes manipula a equação acima e descobre novos elementos.
Primeiramente, ele encontra a renda disponível ao consumidor (Yd), que é a renda nacional (Y) menos os tributos (T):
Yd = Y – T (2)
Em seguida, ele expande um elemento da equação, o consumo, encontrando dois determinantes dele:
C = ca + c.Yd (3)
C = ca + c.Y – c.T (3.1)
O consumo privado (C) é igual a um “consumo autônomo” (ca) — ou seja, um determinado consumo que independe da renda — mais um percentual da renda disponível (c.Yd).
Ou seja, do total de renda disponível às famílias, uma porcentagem (c) dela os indivíduos gastarão (e outra eles pouparão). Essa porcentagem foi chamada de “propensão a consumir”.
Voltando à equação (1) e expandindo-a utilizando a equação anterior, então, temos o seguinte caso:
Y = ca + c.Y – c.T + I + G + NX (4)
Manipulando a equação anterior a fim de isolar o Y, então, chega-se à seguinte equação:
Y = 1 . (ca – c.T + I + G + NX) (5)
1 – c
A primeira parte do lado direito da equação acima [ 1/(1 – c) ] é conhecida como “multiplicador da renda”, em que 1 – c é a propensão a poupar. A segunda parte [ca – cT + I + G + NX] é conhecida como “gastos autônomos”.
Até aqui tudo está relativamente correto (em termos puramente matemáticos). Pelo menos, ao se escolher alguns elementos internos que utilizarão a renda nacional, e ao manipular a álgebra, está tecnicamente correto.
É após isso, no entanto, que Keynes dá um golpe e promove uma verdadeira lambança na interpretação: na prática, ele iguala as necessidades da economia com o produto — isto é, trata variável dependente como se fosse variável independente.
O que normalmente seria uma causa (a produção gera um aumento da renda e do consumo), ele considera como efeito (o aumento do consumo gera aumento da renda e produção). E isso é fatal no modelo dele.
[N. do E.: o governo brasileiro, ao adotar medidas artificiais de estímulo ao consumo ao mesmo tempo em que não incentivou nem a produção (ao não desburocratizar, ao não reduzir a carga tributária e ao não desregulamentar) e nem a oferta (elevando brutalmente as tarifas de importação), cometeu o clássico erro keynesiano de acreditar que mais consumo geraria mais produção. O resultado estamos sentindo hoje].
A partir daí, mesmo que todo o raciocínio de Keynes (e de seus adeptos que criaram modelos baseados nessa equação) possa estar tecnicamente correto, o pilar central da idéia dele, que é falacioso, invalida todo e qualquer modelo posterior.
Façamos um exemplo do que Keynes quis dizer:
Em um determinado país, a propensão marginal a consumir, em média, é de 0,8. Ou seja, de cada $100 de renda disponível ao consumidor, $80 é consumida e $20 é poupada. Caso o governo — que faz parte dos gastos autônomos — resolva gastar $1 milhão a mais do que o normal, então isso irá gerar uma renda de $5 milhões a mais para toda a economia!
Veja:
Y = 1 . 1.000.000
1 – 0,8
Y = 5 (1.000.000)
Y = 5.000.000
Assim, tem-se uma conclusão absurda: dado que o efeito multiplicador é sempre positivo e maior que 1 — devido ao fato de que a propensão a poupar é sempre menor que 1 —, se os gastos agregados autônomos forem aumentados, a renda total da economia será sempre (muito) maior do que esse aumento absoluto nos gastos autônomos.
E quanto maior for a propensão a consumir das pessoas, maior será o impacto do aumento dos gastos autônomos sobre o produto — em outras palavras, Keynes, está cometendo um erro duplo brutal. É como se ele dissesse, hilariamente: “se saírem dois cachorros molhados da casinha, o volume de chuva será mais do que o dobro do que se sair apenas um cachorro”.
Obviamente, não existe isso de, se o governo aumentar seus gastos, haverá um aumento maior na renda. Afinal, de onde é que vieram os bens que o governo gastou, senão de alguma produção anterior? O raciocínio é tautológico: para o governo gastar, ele tem antes de confiscar de alguém (seja via impostos, seja via endividamento). Se ele confiscou de alguém, esse alguém está agora impossibilidade de consumir ou de investir.
Como explicado neste artigo, G não cria nada. G confisca. G não pode gastar nada que não tenha antes extraído à força dos consumidores ou investidores. C, I e NX são baseados na produção. Eles representam forças criativas. G é baseada no confisco. Não é uma força criativa. Tudo o que é gasto por G é feito à custa de C, I e NX. Quando G gasta, ele o faz à custa de todos os outros.
Portanto, e ao contrário do que Keynes afirmou, a verdade é que: apenas se houver um aumento na produção, poderá haver um aumento no consumo privado, nos gastos do governo, nos investimentos e nas exportações.
Por exemplo: em uma economia hipotética, 500 unidades de bens são produzidas em um dado período de tempo. Dessas 500 unidades, 250 unidades (ou seja, 50%) são destinadas ao consumo do setor privado, 100 unidades (ou seja, 20%) são destinadas ao investimento, 100 unidades (20%) são destinadas ao setor público e 50 unidades (10%) são destinadas à exportação.
Se, devido a um crescimento econômico ocorrido em um dado período, a produção aumentar em 10%, então o Yserá agora no valor 550 unidades. Assim, caso a economia mantenha a mesma proporção do destino do produto de antes (50% para C; 20% para G; 20% para I e 10% NX), o resultado agora será: 275 unidades destinadas ao consumo do setor privado, 110 são destinadas ao investimento, 110 destinadas ao consumo do setor público e 55 destinadas à exportação.
“Mas, existe ou não existe o efeito multiplicador?”, alguém pode perguntar. A resposta é: podemos dizer que sim, mas “funciona” exatamente ao contrário do que Keynes quis dizer e pouco agrega à ciência econômica.
Uma definição mais correta do efeito multiplicador seria: havendo um aumento da produção, o aumento nos gastos agregados autônomos será menor do que esse aumento da produção. E será assim justamente porque a propensão a consumir não pode ser maior do que a renda.
E quanto maior for a propensão a poupar — ou seja, quanto menor for a propensão a consumir —, maiores serão os gastos autônomos. Em outras palavras, quanto mais poupadoras forem as pessoas, menor será o consumo que depende da renda — por definição — e maior será a proporção da renda nacional destinada aos investimentos, ao setor público, às exportações e ao consumo autônomo.
Veja o exemplo anterior agora tratado corretamente:
5.000.000 = 1 . Gastos autônomos
1 – 0,8
Gastos autônomos = 1.000.000
Ou seja, com uma propensão a poupar de 20%, um aumento de $5 milhões no produto tem capacidade de aumentar os gastos autônomos no valor de $ 1 milhão.
Agora, suponhamos que haja uma alteração no comportamento da população e esta se torne bem mais poupadora, com sua propensão a consumir caindo pela metade de antes:
5.000.000 = 1 . Gastos autônomos
1 – 0,4
Gastos autônomos = 3.000.000
Ou seja, com uma propensão a poupar de 60%, um aumento de $5 milhões no produto tem capacidade de aumentar os gastos autônomos no valor de $ 3 milhões. Colocada nesses termos, com certeza a teoria de Keynes mereceria alguma aceitação.
Mas por que um aumento de $5 milhões na produção faz os gastos autônomos aumentarem apenas $3 milhões? Onde estão os outros $2 milhões que também foram produzidos?
Como dito acima, por causa da inclusão da “propensão a consumir “na equação, os gastos autônomos não representam o total do que foi consumido. Ou seja, um aumento da oferta de bens em $5 milhões faz com que, retirando um determinado componente da equação da demanda de bens, ainda sobrem $3 milhões para serem investidos, gastos pelo governo, exportados, consumidos no ‘consumo autônomo’ e subtraído dos impostos.
Para entender melhor, considere como exemplo uma equação bem simplificada da renda (Y), onde esta é igual ao consumo (C) mais o investimento (I):
Y = C + I
Considerando que a propensão a consumir nesse caso é a mesma do primeiro exemplo, isto é, igual a 0,8, e que não há consumo autônomo, segue-se:
Y = 0,8Y + I
0,2Y = I
Y = 5I
O efeito multiplicador (ou efeito divisor, que é mais coerente), nesse caso, é igual a cinco. Caso haja uma elevação de 100 unidades da produção, então observar-se-á uma elevação de 20 unidades de investimento.
100 = 5I
100 / 5 = I
I = 20
Se I é igual a 20, então é porque o outro elemento — isto é, o consumo — é igual a 80:
Y = C + I
100 = C + 20
C = 80
Assim, conclui-se que, por definição, quanto maior for a propensão a consumir — seja no que for —, menores serão os recursos direcionados aos investimentos, e vice-versa.
Mesmo quando correta, é inútil
Além de tudo isso, mesmo a equação keynesiana tradicional sendo visualizada e interpretada nos termos corretos, ela ainda é de pouca serventia a uma análise mais apurada a respeito da variação do produto.
Por exemplo, se considerarmos a realidade mais crua a respeito do destino da renda — aquilo que as pessoas produzem e não consomem, elas colocam no sistema financeiro para auferir algum juro e, na prática, isso acaba se tornando fundos para investimentos futuros que aumentarão o produto —, então mesmo a equação keynesiana “corrigida” — ou interpretada corretamente —, além de simplista, ainda continua sendo pouco útil.
Seria necessário acrescentar elementos que mostrem o mecanismo daquilo que faz a renda crescer, ou seja, dos investimentos, como fazem a Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos ou a teoria neoclássica de crescimento econômico de Robert Solow.
Na verdade, essa equação keynesiana interpretada ao revés do que seria o correto já foi refutada há mais de cinquenta anos por Murray Rothbard (aqui, na página 866), um dos expoentes da Escola Austríaca de Economia. Infelizmente, talvez em decorrência do não conhecimento de sua refutação, esse legado falacioso de Keynes ainda segue firme e forte nos manuais de Macroeconomia, sendo ensinado nos cursos de graduação e pós-graduação de Economia.
Então, até quando aqueles que estão no comando das academias de Economia vão seguir acreditando que a existência da chuva se deve ao fato de o cachorro sair molhado de sua casinha e seguirão ensinando isso aos alunos, perpetuando a insensatez econômica, e dando supostos motivos intelectuais para governos se tornarem cada vez mais intrusos na economia e, consequentemente, na vida particular das pessoas?
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Leia também os seguintes artigos sobre o “efeito multiplicador”:
Falácias keynesianas – parte II