Prostituição e libertarianismo

O libertarianismo é baseado nos princípios atemporais de liberdade individual, liberdade comercial, direitos de propriedade e um governo estritamente limitado à proteção dessas coisas. Portanto, o libertarianismo não se esquiva de tópicos complicados nem precisa ajustar seus princípios para permanecer relevante ou acompanhar os tempos. Consequentemente, o libertarianismo é visto por alguns como uma filosofia radical tanto quanto às posições que ocupa quanto à sua intransigência em defendê-las.

A difamação mais comum do libertarianismo pelos conservadores é que o libertarianismo é uma filosofia imoral. O padrinho conservador Russell Kirk (1918-1994) sustentou que “o libertário típico de nossa época se deleita com a excentricidade, incluindo, muitas vezes, a excentricidade sexual”. O jornalista conservador M. Stanton Evans (1934–2015) escreveu sobre “o compromisso do libertarianismo com a liberdade às custas da virtude”, “ataque aos valores tradicionais”, “relativismo moral” e rejeição de “padrões objetivos de certo e errado”.

Há duas coisas geralmente citadas pelos oponentes do libertarianismo para “provar” que o libertarianismo é imoral: as posições libertárias sobre o uso de drogas e a prostituição. Esses são os pontos de discórdia usuais, não porque os libertários promovam, aprovem ou tolerem essas atividades, e certamente não porque eles só querem usar drogas e pagar prostitutas legalmente.

A posição libertária sobre as drogas é clara:

• Não deve haver leis em nenhum nível de governo por qualquer motivo em relação à compra, venda, cultivo, processamento, transporte, fabricação, publicidade, uso, posse ou “tráfico” de qualquer droga por qualquer motivo. Todas as leis sobre drogas devem ser revogadas, todas as agências governamentais dedicadas a combater a guerra às drogas devem ser abolidas e a guerra às drogas deve ser encerrada completa e imediatamente. Deve haver um mercado livre de drogas sem qualquer interferência do governo na forma de regulamentação, supervisão, restrições, tributação, regras ou licenciamento.

Houve progresso quando se trata de liberdade de drogas, com avanços na liberação do uso medicinal recreativo da maconha em muitos lugares. No entanto, esse não é o caso quando se trata de prostituição.

Prostituição

Diz-se que a prostituição é a profissão mais antiga do mundo. No primeiro livro da Bíblia (Gênesis), está registrado que Judá – o quarto dos doze filhos de Jacó e o patriarca da tribo de Judá – viu uma mulher (que acabou sendo sua nora) com o rosto coberto com um véu sentada “em um lugar aberto”, assumiu que ela era uma prostituta, negociou com ela, fez sexo com ela e acabou engravidando-a. A prostituição existia nos impérios bizantino, romano, grego e egípcio. Enquanto houver homens no mundo, haverá clientes para prostitutas, independentemente de sua ilegalidade, risco e estigma, ou do estado da economia.

De acordo com o Business Insider, existem de 40 a 42 milhões de pessoas que se prostituem no mundo. Três quartos das pessoas que se prostituem têm 25 anos ou menos, e 80% delas são mulheres.

A legalidade da prostituição varia de país para país e dentro das divisões políticas dos países. De acordo com o ProCon.org da Britannica – “a principal fonte de informação e pesquisa do país sobre todos os lados das questões discutíveis do dia” que apresenta “prós e contras de questões discutíveis, bem como uma série de informações de referência relevantes para essas questões, minuciosamente pesquisadas” –

• Em alguns países, a prostituição é ilegal. Em outros países, é legal vender favores sexuais, mas ilegal comprá-los.
• Em alguns países, a prostituição é legal e não regulamentada. Em outros países, a prostituição acaba de ser descriminalizada.
• Em alguns países, a prostituição é legal, mas os bordéis não. Em outros países, a prostituição é limitada apenas a bordéis.
• Em alguns países, a prostituição é legal em nível nacional, mas sujeita a restrições e regulamentações em níveis regionais mais baixos de governo.
• Em alguns países, anúncios de serviços sexuais são permitidos. Em outros países, solicitar em um local público por trabalho sexual é uma ofensa criminal.
• Em alguns países, a prostituição não é expressamente permitida nem proibida. Em outros países, a prostituição é legal, mas é licenciada, tributada e regulamentada.
• Em alguns países, a prostituição é ilegal, mas serviços de acompanhantes e casas de massagem são permitidos. Em outros países, a prostituição é legal, mas a cafetinagem ou a contratação de prostitutas não são.

E, claro, a prostituição infantil, o tráfico de pessoas e a prostituição forçada são ilegais em todos os países, embora essas coisas ocorram em alguns países.

As leis de prostituição nos Estados Unidos são surpreendentemente mais rigorosas do que leis semelhantes na maioria dos países da Europa e da América do Sul. Mas isso não deve ser surpresa, já que os Estados Unidos são um dos três únicos países desenvolvidos do mundo com idade para beber em todo o país acima de 18 anos. No entanto, a idade uniforme para beber não é resultado de uma lei federal. A Lei Nacional de Idade Mínima para Beber de 1984 determinou que os estados aumentassem suas idades para beber para 21 anos ou seu financiamento de rodovias federais seria cortado em 10% a partir do ano fiscal de 1988.

Da mesma forma, a prostituição nos Estados Unidos é um crime estadual, não um crime federal, portanto, cabe a cada estado fazer suas próprias leis sobre a prostituição. Cada estado poderia legalizar ou descriminalizar a prostituição e o governo federal não teria autoridade para fazer nada a respeito. No entanto, isso não significa que o governo federal não faria nada a respeito. Embora o uso medicinal e recreativo da maconha tenha sido legalizado em muitos estados americanos, a maconha ainda é ilegal em nível federal, embora o governo federal não tenha recebido autoridade da Constituição para ter qualquer coisa a ver com maconha ou qualquer outra droga.

A prostituição é ilegal nos Estados Unidos, exceto em 10 dos 16 condados de Nevada. No entanto, a prostituição em Nevada é ilegal fora de bordéis licenciados e regulamentados, e apenas seis condados têm bordéis ativos. Apenas condados com população inferior a 700.000 podem ter bordéis, e bordéis são proibidos de estar localizados perto de escolas, igrejas ou estradas principais. Assim, o condado de Clark (onde fica Las Vegas) e o condado de Washoe (onde fica Reno) não têm permissão para ter bordéis, embora a prostituição ilegal seja desenfreada. Todas as prostitutas de Nevada devem passar por exames médicos regulares e, na maioria dos condados, devem ter pelo menos 21 anos de idade. A publicidade de bordéis é estritamente regulamentada. As taxas anuais de licenciamento de bordéis variam de acordo com o condado, de US$ 100.000 a US$ 200.000, e os bordéis pagam uma variedade de impostos do condado.

Libertarianismo

Como a grande maioria das pessoas de todas as tendências políticas – liberais, progressistas, moderados, populistas, conservadores, constitucionalistas – os libertários geralmente preferem que a prostituição não ocorra em sua cidade, vila ou bairro. E nem gostariam que sua esposa, filha, tia, mãe, avó, neta, sogra, sobrinha ou irmã se envolvesse na prostituição. A maioria dos libertários – assim como a maioria dos esquerdistas e direitistas – diria que a prostituição é vergonhosa ou imoral.

Como as leis contra a prostituição são todas leis estaduais e locais, os argumentos libertários contra as leis de prostituição são mais estreitamente focados do que seus argumentos contra as leis de drogas. Existem dois argumentos básicos contra as leis de prostituição: o filosófico e o prático.

O credo do libertarianismo é a não-agressão: ausência de agressão, força e violência por indivíduos ou governos contra pessoas e propriedades, desde que se respeite a pessoa e a propriedade dos outros. É importante saber se uma ação é imoral ou não, mas esta não é a preocupação do libertarianismo, que é apenas uma filosofia política. Os libertários acreditam que, desde que as pessoas não violem os direitos pessoais ou de propriedade dos outros, e desde que suas ações sejam pacíficas, suas associações sejam voluntárias e suas interações sejam consensuais, elas devem ser livres para viver suas vidas sem licenciamento, regulamentação, interferência ou assédio pelo governo. Os libertários acreditam no direito natural de adultos em comum acordo fazerem o que quiserem em sua propriedade, ou com a permissão do proprietário na propriedade de outra pessoa, desde que não agridam a pessoa ou propriedade de outra pessoa ao fazê-lo. Isso tem que incluir a prostituição. A diferença entre os libertários e todos os outros é que eles não acreditam em usar o poder do governo para proibir, regular ou punir comportamentos voluntários, consensuais e pacíficos que eles podem não aprovar pessoalmente. A prostituição deve ser legal porque não é o propósito do governo em nenhum nível regular ou monitorar as atividades sexuais das pessoas ou se preocupar com a forma como as pessoas escolhem ganhar a vida.

Existem inúmeras razões práticas para rejeitar as leis contra a prostituição. As pessoas que apoiam as leis contra a prostituição geralmente não apoiam as leis contra a e o adultério. Por que a introdução do dinheiro transforma a fornicação e o adultério em ofensas criminais? Por que a prostituição é crime, mas outras atividades imorais não são crimes?

Se é legal para uma mulher fornecer serviços sexuais gratuitos a quantos homens ela quiser, e quantas vezes ela quiser, então como pode ser ilegal para ela cobrar por seus serviços? Como algo que é legal de se doar pode ser ilegal se alguém cobra por isso?

Por que pagar alguém diretamente por sexo é considerado um crime, mas pagar uma garota indiretamente por sexo com jantar e um filme não é considerado crime?

Por que é legal alguém ser pago para fazer sexo para produzir um filme pornográfico que será visto por centenas ou milhares, mas ilegal para alguém ser pago para fazer sexo na privacidade de uma casa, quarto de hotel ou casa de massagens que ninguém além dos participantes verá? Como se envolver em sexo por dinheiro pode ser legal no primeiro caso, mas ilegal no segundo? Como a presença de luzes, uma câmera, um roteiro, um diretor e uma equipe de filmagem pode transformar um ato ilegal em legal? Por que a maioria dos que não são a favor da proibição de filmes pornográficos ao mesmo tempo são a favor da proibição da prostituição pelo governo?

Os argumentos práticos contra as leis de prostituição são lógicos e consistentes.

Por que a prostituição é ilegal?

A prostituição é ilegal por causa do fracasso em separá-la dos crimes reais. Os oponentes do relaxamento das leis de prostituição regularmente, mas erroneamente, associam a prostituição à coerção, compulsão, intimidação e exploração. Alguns até sustentam, novamente erroneamente, que todas as prostitutas têm cafetões ou manipuladores que provavelmente as deixarão viciadas em drogas para que possam ser controladas ou chantageadas se tentarem parar. As prostitutas são sempre retratadas como vítimas que nunca venderiam seus corpos, a menos que fossem forçadas a fazê-lo. Acho que muitas profissionais do sexo se sentiriam insultadas por essas generalizações.

Prostituição forçada, tráfico de pessoas, prostituição infantil, agressão, exploração sexual, estupro, invasão, nudez ou sexo público e sequestro são crimes reais, e nenhum libertário os defenderia ou desculparia, e nenhuma sociedade livre os aprovaria ou toleraria. Só porque alguns atos de prostituição podem envolver alguns desses crimes não é razão para proibir a prostituição em si.

Escrevendo em “Vícios não são crimes: Uma vindicação da liberdade moral” (1875), o filósofo político liberal clássico Lysander Spooner (1808-1887) explicou a diferença entre vícios e crimes desta forma:

           “Vícios são aqueles atos pelos quais um homem prejudica a si mesmo ou sua propriedade. Crimes são aqueles atos pelos quais um homem prejudica a pessoa ou a propriedade de outrem.

Vícios são simples erros cometidos por um homem em sua busca pela felicidade. Ao contrário dos crimes, eles não implicam nenhuma malícia em relação aos outros e nenhuma interferência em suas pessoas ou propriedades. …

A não ser que essa clara distinção entre vícios e crimes seja feita e reconhecida pelas leis, não é possível que existam na terra quaisquer direitos, liberdades ou propriedades individuais; quaisquer direitos de um homem de controlar sua pessoa e propriedade, e o correspondente e igual direito de outro homem de controlar sua pessoa e propriedade.”

Os vícios podem ser imorais, viciantes, ruinosos, tolos e pecaminosos, mas não são crimes. Ter maus hábitos, exercer mau julgamento, envolver-se em comportamentos de risco, participar de atividades perigosas, realizar ações imorais e cometer vícios não são, por si só, crimes. Somente ações que causam danos a terceiros ou suas propriedades sem o seu consentimento devem ser crimes. O que é imoral ou imprudente não deve necessariamente ser ilegal ou criminoso.

A prostituição é ilegal por causa da falha em perceber que todo crime precisa de uma vítima real – não uma vítima em potencial ou uma possível vítima, mas uma vítima tangível e identificável que tenha sofrido danos mensuráveis à sua pessoa ou danos mensuráveis à sua propriedade. Não deve haver, no que diz respeito à lei, coisas como crimes nebulosos contra a religião, a natureza, a sociedade, a humanidade, a civilização, o bem maior, o interesse público ou o estado. Isso não significa que certos “crimes” sem vítimas não sejam imorais, pecaminosos ou perigosos. Isso não significa que alguns “crimes” sem vítimas não tenham consequências negativas. E certamente não significa que qualquer ou todos os “crimes” sem vítimas sejam salutares, benéficos ou saudáveis. Cometer “crimes” sem vítimas pode ser viciante, insalubre, imprudente, arriscado, irresponsável, prejudicial, perigoso, imoral, ruinoso, pecaminoso ou simplesmente estúpido, mas não cabe ao governo decidir quais riscos as pessoas devem correr e que tipos de comportamentos elas devem ser autorizadas a se envolver.

A prostituição é ilegal por causa do fracasso em reconhecer que não é da conta do governo legislar a moralidade. Há uma grande diferença entre não aprovar as ações de alguém e pensar que o governo deveria deter, multar e prender pessoas por fazerem algo que alguns não aprovam. Os libertários simplesmente acreditam que o que os adultos em comum acordo fazem em uma propriedade privada não é da conta do governo, desde que suas ações sejam pacíficas, privadas, voluntárias e consensuais; desde que aqueles que participam livre e voluntariamente de tais atos não estejam prejudicando ou violando os direitos pessoais ou de propriedade de outras pessoas que não participem da ação. Isso permanece verdade, mesmo que a maioria das pessoas não aprove o que se esteja fazendo.

A prostituição é ilegal por causa da falha em entender o papel adequado da religião. A maioria das pessoas  aqui se identifica como cristã, ou pelo menos nominalmente. Não há nada na regra de fé do cristão – o Novo Testamento – que diga ou implique que os cristãos devam apoiar leis contra a prostituição. Cristãos culturalmente conservadores podem acreditar pessoalmente que a prostituição não seja apenas imoral, mas também pecaminosa, pervertida, má, vergonhosa, perversa, depravada, lasciva, profana, impudica, degenerada, impura, libidinosa, imunda e indecente, mas isso não muda o fato de que não há mandado no Novo Testamento para os cristãos apoiarem o governo detendo, multando e/ou aprisionando cafetões, prostitutas ou seus clientes – desde que não estejam agredindo ninguém ou violando os direitos de propriedade de ninguém. O objetivo da religião é mudar os homens interiormente, não usar o poder do estado para mudar os homens externamente.

A prostituição é ilegal por causa do fracasso em reconhecer que é da conta de famílias, amigos, conhecidos, associados, padres, ministros, conselheiros, colegas de trabalho, igrejas, organizações religiosas, fundações sem fins lucrativos e instituições sociais moldar os valores morais das pessoas e educá-las sobre a natureza da prostituição, mas que nunca é função do governo fazê-lo.

Conclusão

Os libertários que dizem que a prostituição deve ser legalizada, mas depois acrescentam ressalvas como o governo deve desencorajar, limitar ou regular a prostituição; realizar exames médicos de prostitutas; oferecer moradia ou treinamento profissional para prostitutas; registrar ou licenciar prostitutas; ou que o setor privado precisa fazer isso ou aquilo antes que a prostituição possa ser legalizada, mostram falta de fé em uma sociedade livre. Eles querem conceder ao estado deveres que ele nunca deveria ter. O governo não deve desencorajar ou encorajar qualquer comportamento específico, nem deve regulamentar nada. Se a prostituição fosse legal, não faltariam indivíduos e organizações – seculares e religiosas – para desencorajar as mulheres de se tornarem prostitutas, encorajando-as a sair da indústria do trabalho sexual e ajudando aqueles que querem ajuda a reformar suas vidas. Em uma sociedade livre, a prostituição é uma escolha, não um crime. Pode ser uma escolha imprudente e uma escolha imoral, mas em uma sociedade livre, é uma escolha individual que não deve ser preocupação do governo.

Artigo original aqui

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