Janeiro de 1849
Ao senhor Thiers
Senhor,
Não seja ingrato com a revolução de fevereiro. Ela o surpreendeu e, talvez, o tenha assustado; mas ela também lhe proporcionou triunfos inesperados, tanto como autor, orador e como conselheiro íntimo.[1] Entre esses sucessos, um se destacou nesses últimos dias no jornal La Presse:
A Associação pela defesa do trabalho nacional (o antigo comité Mimerel) acaba de enviar a todos os seus correspondentes uma circular informando-lhes que está abrindo capital para contribuir com a distribuição do livro do Senhor Thiers nas oficinas. A própria associação já investiu em cinco mil exemplares.
Eu gostaria de ter estado presente quando esse anúncio chegou aos seus olhos. Ele deve ter feito brilhar um lampejo de alegria neles.
Há razão em dizer que os caminhos de Deus são tão infalíveis quanto impenetráveis, porque se concordarmos por um momento (o que logo tentarei demonstrar) que assim como uma lagarta se torna borboleta e o protecionismo, ao generalizar-se, torna-se comunismo, é um tanto curioso que um campeão do protecionismo se apresente como o assassino do comunismo.
O que é mais extraordinário e ainda mais consolador é ver que uma associação que se formou em torno de propagar a teoria e a prática do comunismo (na medida em que as considerou vantajosas para seus membros) hoje dedica-se a usar metade de seus recursos para destruir o mal que ela mesma criou com a outra metade.
Repito: é um espetáculo consolador, pois nos assegura do triunfo inevitável da verdade, uma vez que nos mostra os verdadeiros e primeiros propagadores de doutrinas subversivas, agora assustados com seus sucessos, elaborando um antídoto e um veneno numa mesma oficina.
Isso pressupõe, é verdade, a identidade do princípio comunista e do princípio protecionista. Talvez você não admita essa identidade, embora, para falar a verdade, não me pareça possível que você pudesse, sem por ele ser afetado, escrever quatrocentas páginas sobre a Propriedade.
Talvez você pense que alguns esforços dedicados à liberdade comercial, ou melhor, ao Livre Comércio, à impaciência de uma discussão improdutiva, ao ardor do combate, à vivacidade da luta, me fizessem ver erros dos meus adversários que com pouca frequência nós polemistas conseguimos enxergar. Sem dúvida, pensa que foi a minha imaginação, a fim de ter razão com mais facilidade, que inflacionou a teoria do Monitor Industrial às mesmas proporções da do Popular.
Qual a característica dos grandes fabricantes, proprietários honestos, banqueiros ricos e estadistas habilidosos para que, sem saber e sem querer, os fizessem se tornarem os iniciadores e apóstolos do comunismo na França?
Não, senhor, não foi o calor da luta que me fez ver a doutrina protecionista desta forma; muito pelo contrário: foi por ver a doutrina protecionista dessa forma que escolhi um lado.
Acredite em mim, expandir um pouco nosso comércio exterior, um resultado secundário que não deve ser desprezado, nunca foi minha verdadeira motivação.
Eu acreditei e ainda acredito que a Propriedade é parte essencial da questão. Eu acreditei e ainda acredito que nossa tarifa aduaneira, por conta das mentes que a criaram e dos argumentos que a defendem, fez do próprio princípio da Propriedade uma brecha pela qual todo o resto de nossa legislação ameaça transpor.
Considerando todos os fatos, tudo indicava um comunismo que, devo admitir, não tinha sequer consciência de si ou de seu alcance. Esse comunismo em específico (pois existem vários tipos) se aproveitou do argumento protecionista e se limitou a apressar suas conclusões, e foi sobre esse território que me pareceu útil combatê-lo.
Armado dos sofismas propagados pelo comité Mimerel, não havia esperança em o vencer enquanto suas mentiras estivessem de pé e sólidas na opinião popular. Foi por essa razão que nos posicionamos em Bordeaux, Paris, Marseille e Lyon quando fundamos a Associação das Livres-Trocas (l’Association du Libre-Échange).
A liberdade de comércio, considerada em si mesma, é sem dúvida um bem precioso para todos os povos. No entanto, se tivéssemos apenas ela em mente, teríamos escolhido o nome Associação da liberdade comercial, ou mesmo Associação da reforma gradual das tarifas. Porém, a palavra Livres-Trocas implica em livre disposição do fruto de seu trabalho, o que, em outras palavras, significa Propriedade, e é isso o que defendemos.[2]
Tendo escolhido um princípio como parte do nome de nossa organização, sabíamos, desde o início, que isso nos traria dificuldades, uma vez que isso decretaria todos os simpatizantes do princípio oposto como sendo nossos adversários. Pior ainda, isso afastaria aqueles que melhor nos poderiam auxiliar: os negociantes que se preocupam somente em reformar a tarifa aduaneira, e não em vencer o comunismo. Até mesmo a comuna de Le Havre, que simpatizava com nossos ideais, recusou-se a adotar nossa bandeira.
Onde quer que eu fosse, me diziam:
“Acreditamos que seja melhor não fazermos reivindicações absolutas e, dessa forma, garantirmos alguma baixa na nossa tarifa atual.”
E minha resposta era sempre a mesma:
“Se vocês só têm isso em mente, ajam por meio de suas câmaras de comércio.”
E me respondiam:
“O termo Livre-Troca assusta e afasta o sucesso.”
Era verdade, mas eu os dizia que era esse mesmo medo causado pelo termo que tornava meu argumento pela adoção dele ainda mais forte. Quanto mais ameaçador, mais ele provaria que a noção de Propriedade estava sendo apagada do senso comum.
A doutrina protecionista falsificou as ideias, e as falsas ideias produziram a Proteção. Obter, por surpresa ou pela boa vontade de um ministro, uma melhora acidental na tarifa, não é alcançar uma causa; é prolongar uma consequência.
Decidimos manter o termo Livres-Trocas não a despeito, mas em razão dos obstáculos que ele nos proporcionaria; obstáculos que, revelando a doença no senso comum, seria a prova final de que as próprias bases da ordem social estavam sendo ameaçadas.
Escrevo e afirmo aqui, como documento de apoio, o primeiro ato, ou melhor, o manifesto de nossa associação.
Chegado o momento de se unir pela defesa de uma grande causa, os membros de nossa organização se sentiram na necessidade de expor sua crença; de proclamar os objetivos, limites, meios e valores de sua associação.
Assim como a Propriedade, a troca é um direito natural; todo cidadão que criou e adquiriu um produto deve ter a opção de aplicá-lo imediatamente à seu uso ou de cedê-lo a outro alguém, em qualquer canto do mundo, consentindo em obter em troca disso o objeto de seu desejo.
Privar o homem dessa faculdade, sendo que ela não causa e nunca causou prejuízo à ordem pública e aos bons costumes, mas somente permite e permitiu satisfazer a ele e a outros cidadãos, é legitimar a espoliação; é atentar contra a lei e contra a justiça!
Isso é, também, violar as condições da Ordem, pois como pode haver ordem no seio de uma sociedade onde cada indústria, ajudada pela lei e pela força do Estado, procurar sucesso na opressão de todas as outras? Isso é desconsiderar o pensamento divino que reside nos destinos humanos, manifestos pela infinita variedade de climas, estações, forças naturais e aptidões, bens que Deus repartiu de forma desigual entre os homens para uni-los, por meio da troca, em laços de uma fraternidade universal.
É contrariar o desenvolvimento da prosperidade social, uma vez que aquele que não é capaz de livremente trocar também não é capaz de escolher seu trabalho, vendo-se obrigado a dar uma falsa direção a seus esforços, faculdades, tempo, capital e aos elementos que a natureza colocou à sua disposição.
Por fim: é comprometer a paz entre os povos, queimar as relações que os unem e que tornam as guerras custosas.
Nossa associação tem, então, por objetivo a Liberdade das Trocas.
Nossos membros não negam à sociedade o direito de estabelecer, sobre as mercadorias que passam a fronteira, taxas destinadas às despesas públicas, visto que elas são determinadas somente e unicamente pelas necessidades do Tesouro Nacional.
Mas assim que o imposto, perdendo seu caráter fiscal, visa afastar o produto estrangeiro, em detrimento do próprio departamento tributário, a fim de elevar artificialmente o preço do produto nacional similar e, assim, extorquir a comunidade pelo benefício de uma classe. A partir desse momento, a Proteção ou melhor, a Espoliação se manifesta, e este é o princípio que a Associação aspira arruinar no senso comum e apagar completamente de nossas leis, independentemente de qualquer reciprocidade e dos sistemas que prevalecem em outros lugares.
Na busca da Associação pela destruição total das políticas protecionistas, não se segue que ela exija que tal reforma seja realizada em um dia e nem em uma espécie de votação única. Mesmo para voltar do mal para o bem e de um Estado artificial de coisas para uma situação natural, é preciso cautela. Esses detalhes de execução estão nas mãos do Estado; a missão da Associação é propagar; popularizar o Princípio.
Quanto aos meios que ela pretende implementar, jamais os buscará fora das vias constitucionais e legais.
Em conclusão, a Associação se posiciona fora de todos os partidos políticos. Não se põe ao serviço de nenhuma indústria, de nenhuma classe, de nenhum território em específico. Ela abraça a causa da justiça eterna, da paz, da união, da comunicação livre, da fraternidade entre todos os homens; a causa do interesse geral, que se funde em todos os lugares e em todos os aspectos com aquela do consumidor comum.
Há alguma palavra nesse planejamento que não revele o desejo ardente de fortalecer ou mesmo de restabelecer no senso comum a noção de Propriedade, pervertida pelas políticas protecionistas? Não é óbvio que o interesse comercial está em segundo plano e o interesse social, em primeiro lugar?
Note que a tarifa, em si, boa ou má do ponto de vista administrativo ou fiscal, pouco nos preocupa. Mas em caso dela atuar intencionalmente no sentido protetivo, isto é, tão logo manifeste um pensamento de espoliação e a negação, em princípio, do direito de Propriedade, nós a combatemos não como uma tarifa, mas como um sistema. Esse, dizemos, é o pensamento que procuraremos destruir no senso comum para fazê-lo desaparecer de nossas leis.
Não há dúvida de que se perguntará por que, tendo em vista uma questão geral dessa importância, limitamos a luta com base em uma questão específica.
O motivo é simples:
Era necessário rivalizar associação contra associação, engajar interesses e soldados em nosso exército. Estávamos bem cientes de que entre Protecionistas e apoiadores das Livres-Trocas a polêmica não poderá continuar sem incitar e, no final, resolver todas as questões, morais, políticas, filosóficas, econômicas, que dizem respeito à Propriedade; e uma vez que o comitê de Mimerel, ao lidar com apenas um propósito específico, comprometeu esse princípio, esperávamos levantar esse mesmo princípio perseguindo também o propósito específico oposto.
Mas quão importante é aquilo que pensei ou disse em outras ocasiões? Faz diferença se eu vi ou pensei ter visto uma ligação entre o protecionismo e o comunismo? O que é importante é saber se essa ligação existe. E é isso, meu caro, que estou prestes a provar.
O senhor sem dúvida se lembra do dia em que, com sua habilidade habitual, trouxe aos lábios do sr. Proudhon esta famosa confissão:
“Dê-me o direito ao trabalho e eu lhe darei o direito à propriedade.”
O Sr. Proudhon não escondeu o fato de que a seus olhos esses dois direitos são incompatíveis.
Se a Propriedade é incompatível com o Direito ao Trabalho, e se o Direito ao Trabalho se baseia no mesmo princípio do Protecionismo, o que concluiremos disso, senão que o próprio Protecionismo é incompatível com a Propriedade? Em geometria, é considerado uma verdade indiscutível que duas coisas iguais a uma terceira são iguais uma à outra.
No entanto, aconteceu que um distinto orador, o deputado Billault, considerou necessário apoiar o Direito ao Trabalho na tribuna. Não foi fácil, em face da confissão declarada pelo senhor Proudhon. O deputado Billault entendia muito bem que recorrer ao Estado para equilibrar as fortunas e para nivelar as situações é colocar-se na ladeira do comunismo; e o que ele disse para induzir a Assembleia Nacional a violar a propriedade e seu princípio? Simples: que o que ele estava pedindo para vocês fazerem, vocês já estavam fazendo através das taxas aduaneiras. A afirmação dele não vai além de uma aplicação um tanto mais ampla de doutrinas que vocês já haviam aceitado e aplicado. Aqui estão as palavras dele:
“Deem uma olhada em nossas tarifas alfandegárias; por meio de suas proibições, impostos diferenciais, prêmios e planejamentos, é a sociedade que ajuda, apoia, atrasa ou adianta todo o planejamento de trabalho nacional.
A sociedade não só mantém o equilíbrio entre a mão-de-obra francesa, que ela protege, e a mão-de-obra estrangeira, mas, no solo da pátria, as várias indústrias ainda a veem, sem parar, intervindo nelas
Ouçam perante seu tribunal as reivindicações perpétuas de uns contra os outros; vejam, por exemplo, as indústrias que empregam o ferro reclamando da proteção concedida ao ferro francês contra o ferro estrangeiro; os que usam linho fiado ou algodão protestando contra a proteção conferida ao fio francês, contra a exclusão do fio estrangeiro, e assim por diante.
A sociedade está, portanto, necessariamente envolvida em todas as lutas, em todas as complicações do trabalho; ele intervém ativamente todos os dias, direta e indiretamente, e na primeira vez que vocês tiverem questões alfandegárias, vocês verão e serão, quer queiram ou não, forçados a assumir a responsabilidade e a tomar uma decisão que corresponda a todos os interesses.”
Essa necessidade que a sociedade criaria para que o governo interviesse na questão do trabalho não poderia, portanto, ser uma objeção contra a dívida dela para com o trabalhador renegado.
Em seu argumento, o senhor Billault nunca pensou em ironizar os vossos atos. Ele não é um libertino disfarçado que tem prazer em tornar palpável a inconsistência dos protecionistas. Não, o próprio Billault é um protecionista genuíno. Ele aspira nivelar fortunas pela lei. Portanto, ele considera útil a ação das tarifas.
Encontrando como obstáculo o direito de propriedade, o senhor Billault salta sobre ele, assim como vocês o fazem. Em seguida, mostramos a ele o Direito ao Trabalho, que é um segundo passo na mesma direção. Ele encontra novamente como obstáculo o direito de propriedade e, mais uma vez, salta por cima dele.
O que é surpreendente é ver que, ao contrário de antes, vocês não o seguem mais. Ele pergunta o motivo. Se vocês respondessem que aceitam, em princípio, que a lei pode violar a propriedade, mas que consideram inadequado que ela o faça na forma do Direito ao Trabalho, o Sr. Billault os entenderia e discutiria com essa questão secundária de oportunidade. Mas agora, no entanto, vocês usam contra ele o próprio Princípio da Propriedade.
Surpreso, ele pensa ter o direito de dizer a vocês para que não se comportem como bons apóstolos hoje e que, e se rejeitam o direito ao trabalho, dêem ao direito de Propriedade o mesmo tratamento, pois esse direito vocês violam com suas tarifas quando lhes convém.
Com boas razões, ele poderia acrescentar que, por meio de tarifas protecionistas, você frequentemente infringe a propriedade dos pobres em benefício dos ricos. Pelo direito de trabalhar, você violaria a propriedade dos ricos em benefício dos pobres. Até que ponto os vossos escrúpulos são capazes de aguentar?[3]
Não há diferença entre vocês e o Sr. Billault. Ambos estão trilhando o mesmo caminho: o do comunismo. A única diferença é que vocês deram apenas um passo e ele deu dois. Nesse aspecto, a vantagem, pelo menos para mim, está do lado de vocês. Mas em compensação, vocês têm menos consistência que ele.
Como ele, vocês viraram as costas para a Propriedade, mas pelo menos é agradável ver que vocês se esforçam para serem vistos como os guardiões protetores dela. Essa é uma inconsistência que o Sr. Billault conseguiu evitar. Mas infelizmente! seguí-la é cair, também, em uma triste discussão!
O senhor Billault é muito esclarecido para não sentir, ao menos confusamente, o perigo de cada um de seus passos em um caminho que termina no comunismo.
O deputado não finge ser o campeão da propriedade quando a viola; mas como ele justifica suas ações? Simples: invoca o axioma preferido de quem quer conciliar duas coisas irreconciliáveis: Não existem princípios. Propriedade, comunismo, dependendo das circunstâncias, pegue um pouco de tudo!
“A meu ver, o pêndulo da civilização, que oscila de um princípio a outro, sempre progredindo e seguindo as necessidades do momento, depois de ter se inclinado à liberdade absoluta do individualismo, volta à necessidade da ação governamental.”
Portanto, não há nada verdadeiro no mundo. Não há princípios, pois o pêndulo deve oscilar de um para o outro conforme a necessidade. Ó metáfora, aonde você nos levaria se permitirmos?
Como vocês mesmos afirmaram na tribuna, não se pode dizer – muito menos escrever – tudo ao mesmo tempo. Deve ser entendido, é claro, que não estou examinando aqui a economia das políticas protecionistas.
Ainda não estou investigando se, do ponto de vista da riqueza nacional, elas fazem mais bem do que mal ou mais mal do que bem. O único ponto que quero provar é que essas políticas nada mais são do que uma manifestação do comunismo. Os senhores Billault e Proudhon começaram a demonstração. Agora vou completá-la.
Em primeiro lugar, o que queremos dizer com comunismo? Existem várias maneiras de alcançar a comunidade de bens, ou pelo menos de tentar alcançá-la. O senhor De Lamartine enumerou quatro. Vocês acham que há mil, e eu concordo com vocês. No entanto, acredito que todos eles podem cair em três categorias gerais, apenas uma das quais, em minha opinião, oferece perigos reais.
Primeiro, dois ou mais homens podem se imaginar combinando seu trabalho e suas vidas, desde que não busquem perturbar a segurança, restringir a liberdade ou usurpar a propriedade de terceiros, direta ou indiretamente. Se fizerem o mal, farão somente a si mesmos.
A tendência desses homens será sempre de perseguir em desertos distantes a realização de seus sonhos. E quem já refletiu sobre esses assuntos sabe que os infelizes, vítimas de suas ilusões, morrerão de fome.
Hoje em dia, os comunistas desse tipo deram ao seu quimérico Eliseu o nome de Icaria, como se tivessem tido um triste pressentimento do terrível desfecho para o qual estão sendo lançados. Devemos lamentar sobre sua cegueira; deveríamos avisá-los, se pudessem nos ouvir, mas a sociedade não teme as fantasias deles.
Outra forma de comunismo, e sem dúvida a mais brutal, é esta: fazer uma massa de todos os bens e riquezas existentes e compartilhá-los como iguais. A espoliação se torna a regra dominante e universal. É a destruição não só da propriedade, mas também do trabalho e do próprio motivo que influencia o homem a trabalhar.
Este comunismo é tão violento, tão absurdo, tão monstruoso, que na verdade não posso acreditar que seja perigoso. Isso é aquilo que eu disse há algum tempo, diante de uma grande assembleia de eleitores, principalmente das classes sofredoras. Uma explosão de murmúrios saudou minhas palavras.
Testemunhei, para minha surpresa, a seguinte reação:
“O que? O senhor Bastiat ousa dizer que o comunismo não é perigoso! Isso só pode significar que ele é um comunista! Bem que suspeitamos! Comunistas, socialistas e economistas; todos farinha do mesmo saco, como se prova pela rima entre os termos.”
Tive uma certa dificuldade em sair daquela confusão. Mas essa mesma interrupção provou a verdade de minha proposição: não, o comunismo não é perigoso quando se mostra em sua forma mais ingênua, de pilhagem pura e simples; não é perigoso, pois é aterrorizante.
Apresso-me em dizer que, embora o protecionismo possa e deva ser equiparado ao comunismo, não é o que acabo de descrever.
Por fim, o comunismo poder assumir uma terceira forma:
Dar ao Estado a responsabilidade de equilibrar os lucros e as fortunas, tirando de alguns, sem consentimento, para dar a outros, sem merecimento. Encarregar o Estado de realizar os trabalhos de nivelamento por meio de espoliação. Certamente isso é comunismo.
Os procedimentos empregados pelo Estado, servindo essa finalidade, se tornam não mais que belos nomes e, no fim, nada fazem. Que busque sua realização por meios diretos ou indiretos, por restrição ou por impostos, por tarifas ou pelo direito ao trabalho; que o coloque sob a invocação da igualdade, da solidariedade ou da fraternidade; isso não muda a natureza das coisas. Roubo é roubo, não importa se é feito com regularidade, ordem, sistematicidade e autorização legislativa.
Acrescento que é agora, em nossa época, que existe o verdadeiro comunismo perigoso. Por que? Porque é sob a atual forma que ele assume que nós o vemos, sem cessar, quase tudo invadir.
Veja só:
Uma pessoa demanda que o Estado forneça gratuitamente aos artesãos e aos trabalhadores que não possuem capital instrumentos de trabalho; isso é o mesmo que dar a esses artesãos e trabalhadores o direito de roubar de outros, uma vez que tais ferramentas de trabalho precisam vir de algum lugar, ou melhor: das mãos de alguém.
E então, um outro demanda que o Estado faça empréstimos sem cobrar nada de volta; ele pode fazê-lo, mas não sem antes tomar o dinheiro de outros. Um terceiro clama pela educação gratuita em todos os graus; gratuita, é claro, a custo de todos os contribuintes! Um quarto exige que o Estado financie os sindicatos, os teatros, os artistas, etc…
Essas subvenções, por mais que bem intencionadas, possuem tanto, senão mais valor para aqueles que as conquistaram de maneira legítima. Um quinto não descansa enquanto o Estado não elevar artificialmente os preços de um produto para a vantagem daquele que o vende; mas claro, em detrimento daquele que o compra.
Sim, sob essa forma, são poucas as pessoas que, vez ou outra, não são comunistas. Vocês são, o senhor Billault é, e temo que na França, em algum grau, todos sejamos.
Parece que a intervenção do Estado nos reconcilia com a espoliação, jogando a responsabilidade por ela sobre todos; ou seja: sobre ninguém, para que possamos usufruir da propriedade alheia em perfeita paz de espírito. O senhor Tourret, um dos homens mais honestos a sentar nas bancadas ministeriais, iniciou da seguinte forma sua exposição de motivos para o projeto de lei sobre adiantamentos para a agricultura:
“Não basta dar instrução para o cultivo das artes, é preciso também fornecer as ferramentas para o trabalho.”
Após este preâmbulo, ele submete à Assembleia Nacional um projeto de lei, cujo primeiro artigo diz o seguinte:
Artigo 1ª: Do orçamento de 1849, será concedido ao Ministro da Agricultura e do Comércio um crédito de 10 milhões de francos, destinado a adiantamentos aos proprietários e associações de proprietários de fundos rurais.
Admita que, se a linguagem legislativa quisesse ser franca, o artigo teria que ser redigido da seguinte forma:
O Ministro da Agricultura e do Comércio será autorizado a, durante o ano de 1849, tirar 10 milhões de francos do bolso dos trabalhadores que desse dinheiro precisam e a quem esse dinheiro pertence, para despejá-los nos bolsos de outros trabalhadores que também desse dinheiro precisam, mas a quem esse dinheiro não pertence.
Não seria esse um fato comunista e, ao se popularizar, não acabaria por construir o comunismo?
Um certo fabricante, que preferiria morrer do que dar uma esmola a alguém, não teve o menor escrúpulo em apresentar este pedido ao legislativo:
“Façam uma lei que aumente o preço do meu tecido, do meu ferro, do meu carvão e que me permita extorquir meus compradores.”
O motivo em que ele se baseia é que não está feliz com seu ganho no livre comércio, assim como estamos todos insatisfeitos com nossos ganhos e dispostos a invocar o legislador. Dispostos, é claro, se o mesmo não responder:
“Isso não é da minha conta, não sou responsável por violar as propriedades, mas por garanti-las.”
Está claro, eu afirmo, que estamos no meio do comunismo! Os meios de execução implementados pelo Estado podem ser diferentes, mas têm a mesma finalidade e estão vinculados ao mesmo princípio.
Suponha que eu esteja no comando da Assembleia Nacional e diga:
“Estou trabalhando em um comércio e não acho que meus lucros sejam suficientes. Por isso, peço-lhe que façam um decreto autorizando os coletores a tirarem, em meu benefício, apenas um pobre centavo de cada família francesa.”
Se o legislador aceitar meu pedido, vemos nisso apenas um fato isolado de furto legal, que ainda não merece o nome de comunismo. Mas se todos os franceses, um após o outro, fizerem a mesma petição, e se o legislador os julgar com o objetivo declarado de alcançar a igualdade de fortunas, será nesse princípio, seguido de efeitos, que nascerá o comunismo.
Não importa se o legislador utiliza a alfândega ou o cobrador, a contribuição direta ou o imposto indireto, a proibição ou a subvenção para realizar seus planos. Ele pensa que está autorizado a receber e dar sem compensação? Acredita que sua missão é equilibrar os lucros? Age em prol dessa crença? A maior parte da sociedade aprova essa conduta? Se sim, nesse caso, digo que estamos à beira do comunismo, quer saibamos disso ou não.
E se por acaso me dizerem:
“O Estado não age assim para todos, mas apenas para algumas classes.”
Eu responderei:
“Então o Estado encontrou uma maneira de tornar o próprio comunismo pior.”
Sinto, senhor Thiers, que com a ajuda de uma simples confusão, pode-se duvidar de minhas deduções. Citarão a mim diversos fatos administrativos muito legítimos, casos em que a intervenção do Estado foi tão justa quanto útil; então, estabelecendo uma aparente analogia entre esses casos e aqueles contra os quais estou protestando, eles me julgarão incorreto; dirão: ou o comunismo não está no protecionismo, ou está em toda ação governamental.
Essa é uma armadilha na qual não quero cair. É por isso que sempre me forço a descobrir quais são as circunstâncias precisas que influenciam o Estado a fazer intervenções de caráter comunista.
Qual é a missão do estado? Quais são as coisas que os cidadãos deveriam confiar à força comum? Quais delas devem ser reservadas para atividades privadas? Responder a essas perguntas seria como fazer um curso de política. Felizmente, não preciso delas para resolver o problema em questão.
Quando os cidadãos, em vez de se prestarem a um serviço, o transformam em serviço público, ou seja, quando julgam oportuno contribuir para a realização de um trabalho ou para obter uma satisfação comum, não chamo isso de comunismo, justamente porque não vejo o fator fundamental que o caracteriza: a igualdade via espoliação.
O Estado recebe, é verdade, por imposto, mas o devolve com seus serviços. É uma forma estranha, mas legítima, de uma parte fundamental de qualquer sociedade: a Troca.
Ao confiar um serviço apenas ao Estado, os cidadãos podem esperar boas ou más consequências. Boas se o atendimento for feito com perfeição e economia; ruim na hipótese contrária. Mas em ambos os casos, não vejo o princípio comunista surgindo. No primeiro, os cidadãos acertaram em sua decisão; no segundo, erraram; e embora o comunismo seja um erro, isso não quer dizer que todo erro seja comunismo.
Nós economistas geralmente suspeitamos muito da intervenção do governo. Vemos isso como desvantagens de todos os tipos, uma depressão da liberdade individual, energia, visão e experiência, que são o estoque mais valioso das sociedades. Frequentemente, lutamos contra essa intervenção. Mas não o fazemos de forma alguma sob o mesmo ponto de vista e pelas mesmas razões que nos levam a rejeitar o protecionismo.
Negamos que nossa predileção pela liberdade seja demasiadamente pronunciada, e negamos a acusação de que rejeitamos o regime protetor porque, supostamente, rejeitamos a intervenção do Estado em qualquer coisa.
Primeiro, não é verdade que o rejeitamos em todas as coisas. Admitimos que é missão do Estado manter a ordem, a segurança, garantir o respeito às pessoas e à propriedade e reprimir a fraude e a violência.
Quanto aos serviços de caráter industrial, por assim dizer, não temos outra regra senão esta: que o Estado cuide deles se isso permitir às massas economizar suas forças. Mas, por Deus, que no cálculo levemos em conta todas as inúmeras desvantagens do trabalho monopolizado pelo Estado.
Então sou obrigado a repetir: uma coisa é votar contra uma nova atribuição feita ao Estado com base no fato de que, tudo calculado, é desvantajoso e constitui uma perda nacional; outra coisa é votar contra essa nova atribuição porque ela é ilegítima, espoliativa e obriga o governo a fazer exatamente o que é sua missão; prevenir e punir.
Embora tenhamos essas duas objeções às medidas protecionistas, estamos determinados a travar uma guerra, por meios legais, é claro, contra a última.
Assim, se submetermos, por exemplo, a um conselho municipal a questão de saber se é melhor deixar que cada família traga seu próprio abastecimento de água ou se é preferível que as autoridades legais cobrem uma contribuição para trazer água para a praça da aldeia, não terei objeções de princípio em considerar esse assunto.
O único elemento decisivo será o cálculo das vantagens e desvantagens para todos. Esse cálculo pode estar errado, mas o próprio erro que resultará na perda da propriedade não constituirá uma violação sistemática da propriedade.
Mas se o prefeito propor atropelar uma indústria em benefício de outra, como por exemplo proibir tamancos em benefício de sapatos ou algo parecido, então não se tratará mais de um cálculo de vantagens e desvantagens, mas de uma perversão da autoridade, de um desvio abusivo da força pública.
Nesse caso, eu diria a ele:
“Você! Aquele que foi eleito o guardião do poder público e de sua força para punir a espoliação, como ousa aplicar sua autoridade e recursos para proteger e sistematizar a espoliação?!”
Se o pensamento do prefeito triunfar. Se eu ver, como resultado desse precedente, todas as indústrias da aldeia solicitando favores às custas umas das outras. Se, em meio a esse tumulto de ambições inescrupulosas, eu ver a própria noção de propriedade afundando, só então, para salvá-la do naufrágio, a primeira coisa que farei será apontar que há algo maligno na medida em que foi o primeiro elo dessas deploráveis desventuras em série.
Não seria difícil para mim, Senhor Thiers, encontrar passagens no seu trabalho que corroboram com meus pontos de vista. Para ser honesto, eu apenas teria que abri-lo aleatoriamente.
Se, como naquela brincadeira de criança, eu inserisse um alfinete nesse livro, sem dúvidas encontraria na página escolhida pelo destino a condenação implícita ou explícita das medidas protecionistas, o que de certa forma prova a semelhança dessas políticas com o comunismo. E por que não devo fazer esse teste? Bem, aí vou eu!
O alfinete está apontando para a página 283:
“É, portanto, um erro grave atacar a concorrência e não perceber que se as pessoas são produtoras elas também são consumidoras, e que se recebem menos de um lado (o que eu nego, e você nega algumas linhas abaixo), e, portanto, acabam pagando menos do outro, restará então, para o ‘benefício’ de todos, os lucros de um sistema que freia a atividade humana, no lugar de um que a lançaria infinitamente ao contínuo progresso.”
Desafio-o a dizer que a citação acima não se aplica tão bem à competição de Bidassoa quanto à de Loire. Que tal mais uma picada?
Aqui estamos: página 325.
“Os direitos são ou não. Se o são, têm consequências absolutas; são ontem, hoje, amanhã e depois de amanhã; são tanto no verão como são no inverno, e não quando lhe convier proclamá-los, mas quando convier ao trabalhador invocá-los!”
Você acredita que um ferreiro tem o direito indefinido e perpétuo de me impedir de produzir indiretamente dois quilos de ferro em minha fábrica, que é uma videira, pela vantagem de produzir diretamente apenas um em sua fábrica, que é uma forja? Esse direito também é ou não é. Se for, é ontem, hoje, amanhã, depois de amanhã, tanto no verão como no inverno, e não quando lhe convier proclamá-lo, mas quando convier ao ferreiro invocá-lo!
Vamos tentar outra vez.
Página 63:
“A propriedade não é, caso eu não puder dá-la e também consumi-la.”
Você diz: “A Propriedade não é, caso eu não possa trocá-la e consumi-la.” Deixe-me acrescentar que o direito de comercializar é tão valioso, tão importante socialmente e tão característico da propriedade quanto o direito de doar. É lamentável que em uma obra destinada a examinar a propriedade em todos os seus aspectos você tenha considerado necessário dedicar dois capítulos à doação, que dificilmente está em perigo, e nenhuma linha sequer à troca, que é tão descaradamente violada até mesmo sob a autoridade das leis da França.
Mais uma vez… aí está ela!
Página 47:
“O homem tem como primeira propriedade sua pessoa e suas faculdades. Há um segundo, menos aderente ao seu ser, mas não menos sagrado, no produto dessas faculdades que abarca tudo o que se pode chamar de ‘bens deste mundo’. Esse é um direito que a sociedade deve garantir ao homem, pois sem essa garantia não há trabalho, nem civilização, nem mesmo o necessário, apenas pobreza, bandidagem e barbárie.”
Bem, senhor Thiers, conversemos, se quiser, sobre o texto acima.
Como você, vejo propriedade primeiro na livre disposição da pessoa, depois nas faculdades, finalmente no produto das faculdades, o que prova, para dizer de passagem, que de um certo ponto de vista, Liberdade e Propriedade se fundem.
Não ouso dizer, como você, que a propriedade do produto de nossas faculdades é menos aderente ao nosso ser do que a propriedade dessas próprias faculdades. Materialmente, isso é indiscutível; mas quer um homem seja privado de suas faculdades ou de seu produto, o resultado é o mesmo: escravidão.
Uma prova da natureza comum entre a Liberdade e a Propriedade: se eu transformar à força todo o trabalho de um homem em meu proveito, esse homem será meu escravo. E continuará sendo se, deixando-o trabalhar livremente, eu encontrar uma maneira de, pela força ou pela astúcia, tomar o fruto de seu trabalho. O primeiro tipo de opressão é mais brutal, o segundo é mais sutil.
Como é sabido que o trabalho livre é mais inteligente e mais produtivo, os mestres decidiram não mais usurpar diretamente as faculdades de seus escravos, mas monopolizar o produto de suas faculdades livres, dando a essa nova forma de escravidão um lindo nome: protecionismo.
Você diz que a empresa está interessada em garantir a propriedade. Nós concordamos, mas eu vou ainda mais longe: se por sociedade você diz o governo, afirmo que a única missão dessa instituição no que diz respeito à propriedade é de garanti-la; se ele tentar equilibrá-la, em vez de garanti-la, a violará.
Quando um certo número de homens, que não podem viver sem trabalho e sem propriedade, se unem para pagar por uma força comum, obviamente seu objetivo é trabalhar e desfrutar do fruto de seu trabalho em total segurança, e não colocar seu dinheiro, faculdades e propriedades à mercê dessa força. Mesmo antes de qualquer forma de governo regular, não acredito que se possa contestar aos indivíduos o direito de defesa, o direito de proteger sua pessoa, suas faculdades e suas propriedades.
Não pretendo filosofar aqui sobre a origem e a extensão dos direitos governamentais, já que considero esse um assunto vasto demais até mesmo para mim. Porém, peço que me permita lhe apresentar uma ideia. Parece-me que os direitos do Estado só podem ser a regularização de direitos pessoais pré-existentes.
Em minha opinião, não se pode conceber um direito coletivo que não tenha suas raízes no direito individual e que contradiga a existência do mesmo. Assim, para saber se o Estado é legitimamente investido de um direito, devemos nos perguntar se esse direito reside no indivíduo em virtude de sua organização e na ausência de qualquer governo. Foi com base nessa ideia que, há alguns dias, recusei o direito ao trabalho.
Eis o meu argumento:
Uma vez que Pierre não tem o direito de exigir diretamente de Paulo que lhe dê trabalho, ele também não tem justificativa para exercer esse ‘direito’ por intermédio do Estado, porque o Estado é apenas essa força comum criada por Pierre e por Paulo, às custas deles, para um fim definido, que jamais será o de tornar justo aquilo que não é.
É com base nesse argumento que julgo também outro direito que o Estado desfruta: o de proteção aos bens. Por que o Estado tem o direito de garantir, ainda que pela força, a propriedade de cada cidadão? Porque esse direito preexiste no indivíduo.
Não se pode negar aos indivíduos o direito à autodefesa, o direito de usar a força quando necessário para repelir ataques contra sua pessoa, suas faculdades e sua propriedade. É concebível que esse direito individual, por residir em todos os cidadãos, possa assumir a forma coletiva e legitimar a força comum. E por que o estado não tem o direito de controlar a propriedade? Porque, para controlá-la, é preciso prejudicar alguns e recompensar outros.
No entanto, uma vez que nenhum dos trinta milhões de franceses (em 1849) têm o direito de tomar os bens de qualquer cidadão à força, ainda que sob o pretexto de alcançar a igualdade, não vejo como esse direito poderia ser concedido ao Estado.
Além disso, vale a pena dizer que o direito de controle destrói o direito de garantia. Veja os selvagens, por exemplo: eles ainda não fundaram um governo, mas cada um deles tem direito à legítima defesa, e não é difícil ver que é esse direito que se tornará a base de sua legítima força comum.
Se um desses selvagens dedicar seu tempo, sua força, sua inteligência para criar um arco e flechas para si mesmo e outro roubá-los dele, todo o suporte da tribo será para a vítima; e se a causa for submetida ao julgamento dos mais velhos, o espoliador certamente será condenado. Dito isso, pode-se dizer que eles estão apenas a um passo de fundarem uma força policial.
Mas, pergunto-vos: esta força tem por missão, ou pelo menos por missão legítima, regularizar o ato de quem defende, em virtude do direito, a sua propriedade, ou o ato de quem o viola, contra a lei, propriedade de outro? Seria bastante estranho se a força coletiva se fundasse não no direito individual, mas na sua violação permanente e sistemática! Não, o senhor Thiers, autor do livro que tenho diante de mim, não pode apoiar tal tese. Ou pode?
Mas não é suficiente que ele não a apoie. Ele deveria talvez tê-la combatido. Não é suficiente atacar este comunismo cru e absurdo que alguns sectários estão jogando em lençóis depreciativos. Talvez tenha sido bom denunciar e degradar aquele outro comunismo ousado e sutil que, pela simples perversão da justa ideia dos direitos do Estado, penetrou em alguns ramos de nossa legislação e ameaça invadir os que ainda restam.
Porque, senhor Thiers, é indiscutível que por meio do jogo de tarifas, do chamado regime protecionista, os governos estão conseguindo essa monstruosidade de que falei antes. Abandonam o direito de autodefesa preexistente em cada cidadão, que é o próprio propósito de existência do Estado, para se atribuírem um suposto direito de nivelamento por meio de espoliação, direito que, como antes nunca residiu em pessoa alguma, não pode residir na coletividade.
Mas de que adianta insistir nessas ideias gerais? De que adianta demonstrar aqui o absurdo do comunismo para você, que já demonstrou isso muito melhor do que eu? (exceto por uma de suas manifestações que, em minha opinião, é a mais ameaçadora)
Talvez você me diga que o princípio do Regime Protecionista não se opõe ao princípio da Propriedade. Então vamos ver os procedimentos desse regime.
Existem dois: o subsídio e a restrição.
Quanto ao subsídio, é uma questão óbvia. Ouso desafiar qualquer um a argumentar que a última extremidade do sistema de recompensas, levado ao limite, não seja o comunismo absoluto. Os cidadãos trabalham no abrigo da força comum encarregada, como você diz, para garantir a cada um o suum cuique (a sua devida parte).
Agora, o Estado, com as intenções mais filantrópicas do mundo, assume uma tarefa totalmente nova, bastante diferente e, em minha opinião, não apenas exclusiva, mas contraditória à sua primeira.
O agrada ser o juiz dos lucros, de decidir que tal ou tal trabalho não é pouco remunerado, de que tal outro é muito; agrada-lhe forçar o equilíbrio e fazer, como diz o senhor Billault, balançar o pêndulo da civilização para o lado oposto à liberdade do individualismo.
Como resultado, ele golpeia em toda a comunidade uma taxação para dar um subsídio, sob o nome de bônus, aos exportadores de um determinado tipo de produto. Sua pretensão é favorecer a indústria; uma em detrimento de todas as outras.
Não vou deixar de mostrar que o Estado está estimulando os galhos gananciosos em detrimento dos galhos frutíferos; mas me pergunto: entrando por este caminho, ele não está permitindo que qualquer trabalhador venha reclamar um subsídio caso prove que não ganha tanto quanto o seu vizinho?
Não seria, então, a missão do Estado ouvir, avaliar e atender a todos esses pedidos? Eu não acredito; mas aqueles que acreditam nisso devem ter a coragem de vestir suas palavras com suas ideias e dizer que o governo não é responsável por garantir os bens, mas sim por nivelá-los. Em outras palavras: não há propriedade.
Estou lidando aqui apenas com uma questão de princípio. Se eu quisesse examinar os bônus de exportação em seus efeitos econômicos, eu os mostraria da forma mais ridícula, porque eles são apenas um presente gratuito feito pela França no exterior.
Não é o vendedor que o recebe, mas o comprador, por força desta lei que o senhor mesmo observou quanto ao imposto: o consumidor, em última instância, arca com todos os encargos, pois recolhe todas as vantagens da produção.
Além disso, a coisa mais mortificante e mistificadora possível aconteceu conosco sobre essas generosidades. Alguns governos estrangeiros fizeram este raciocínio:
“Se aumentarmos nossas taxas de importação em um número igual ao subsídio paga pelos contribuintes franceses, fica claro que nada mudará para os nossos consumidores, porque o preço de custo será o mesmo para eles. As mercadorias isentas de 5 francos na fronteira com a França pagarão 5 francos a mais na fronteira alemã; é uma maneira infalível de sustentar despesas públicas às custas do Tesouro francês.”
Mas outros governos, tenho certeza, foram ainda mais engenhosos. Eles disseram a si mesmos:
“A subvenção dada pela França é de fato um presente de mão beijada; mas se levantarmos a lei, não há razão para que mais dessa mercadoria entre em nosso país do que no passado; nós mesmos podemos limitar a generosidade desse excelente povo francês. Na verdade, vamos abolir temporariamente esses direitos, assim provocando uma introdução inusitada de suas notas, pois cada metro trará consigo um presente gratuito.”
No primeiro caso, nossos prêmios foram para autoridades fiscais estrangeiras; no segundo, eles têm beneficiado, mas em maior escala, os cidadãos comuns.
Passemos à restrição:
Sou um artesão, por exemplo. Tenho uma pequena oficina, algumas ferramentas e alguns materiais. Tudo isso é inquestionavelmente meu, pois fiz essas coisas ou as comprei. Além disso, tenho braços fortes, um pouco de inteligência e muita boa vontade. É com base nisso que terei de atender às minhas necessidades e às de minha família.
Observe que não posso produzir diretamente nada de que preciso. Nem ferro, nem madeira, nem pão, nem vinho, nem carne etc.; mas posso conseguir dinheiro. Esse dinheiro deve vir daquilo que vendo; daquilo que produzo a partir de minha serra e de meu suor.
Meu interesse é receber honestamente o máximo possível para cada momento e recurso que empreguei em meu trabalho. Digo honestamente por que não quero violar a propriedade e a liberdade de ninguém, e gostaria que não violassem minha propriedade ou minha liberdade também.
Os outros trabalhadores e eu concordamos neste ponto. Nós nos sacrificamos e cedemos parte de nossos ganhos a homens chamados oficiais, porque lhes damos a função especial de proteger nosso trabalho e seus frutos de qualquer dano, seja de fora ou de dentro.
Tudo nos conformes, coloco em atividade minha inteligência, meus braços e minha serra. Claro, meus olhos estão sempre fixos nas coisas que são necessárias para minha existência. Essas são as coisas que tenho que produzir indiretamente, conseguindo dinheiro. O problema para mim é produzi-los da forma mais vantajosa possível. Como resultado, analiso o mundo dos valores, resumidos no que é chamado de preço de mercado.
Vejo pelos dados desse preço atual que a forma de eu ter a maior quantidade de combustível com o mínimo de trabalho é fazer um móvel e entregá-lo para um belga, que vai me dar carvão em troca.
Mas aqui, na França, há um trabalhador que está procurando carvão nas entranhas da terra. Porém, aconteceu que os policiais, que o mineiro e eu ajudamos a pagar para manter a cada um de nós a liberdade de trabalho e a livre disposição de nossos produtos (que é nossa Propriedade), conceberam outro pensamento e deram a si mesmos outra missão: planificar o meu trabalho e o do mineiro.
Consequentemente, proibiram-me de obter o combustível belga, pois quando vou à fronteira com meu móvel para receber o carvão, constato que esses policiais impedem a entrada do produto, o que é o mesmo que impedirem a venda da minha mobília.
Então digo a mim mesmo:
Se não tivéssemos imaginado pagar aos policiais para nos poupar do trabalho de defender nós próprios os nossos bens, o mineiro teria o direito de ir à fronteira e me proibir de fazer uma troca vantajosa sob o pretexto de que é melhor para ele que essa troca não ocorra?
Certamente não. Se ele tivesse feito tal tentativa injusta, nós teríamos lutado no local; ele, movido por sua pretensão injusta; eu, forte em meu direito à legítima defesa. Nomeamos e pagamos policiais justamente para evitar esse tipo de conflito.
Por que então encontro o mineiro e o policial concordando em restringir minha liberdade e meu trabalho, estreitando o círculo em que minhas faculdades podem ser exercidas? Se o policial tivesse ficado do meu lado, eu compreenderia. Afinal, ele tem o direito de fazer isso, pois esse direito derivaria do meu, porque legítima defesa é um direito.
Mas de onde tirou isso de ajudar o mineiro em sua injustiça? Então, fico sabendo que o oficial mudou de função. Ele não é mais um mero mortal investido de direitos delegados a ele por outros homens que, portanto, os possuíam. Não. Ele é um ser superior à humanidade, que obteve seus direitos de si mesmo, e entre esses direitos ele afirma exercer o de equilibrar os lucros, de equilibrar todas as posições e condições.
Artesão: “Muito bem. Nesse caso, vou sobrecarregá-lo com reclamações e pedidos quando encontrar um homem mais rico e poderoso do que eu.”
Mineiro: “Ele não vai te ouvir, porque se te ouvisse seria comunista, e, portanto, ele teria o cuidado de não esquecer que sua missão não é de garantir as propriedades, mas de destruí-las.”
Artesão: “Que desordem, que confusão nos fatos! e como você pode acreditar que isso que fez não resultará em desordem e confusão de ideias? Por mais que você lute contra o comunismo, enquanto o poupar, mimar e acariciar naquela parte da legislação que ele invadiu, os seus esforços serão em vão. É uma cobra que, com a sua aprovação, com o seu cuidado, enfiou a cabeça nas nossas leis e nos nossos costumes, e depois você estará indignado porque a cauda também está lá!”
Mineiro: “É possível, senhor, que uma concessão seja feita; É verdade, o regime protecionista é baseado no princípio comunista. É contrário à lei, à propriedade, à liberdade; ele tira o governo de seu caminho e o investe com atribuições arbitrárias que não são de origem racional. Tudo isso é verdade; mas não se engane: o regime protecionista é útil; sem ele, o país, sucumbindo à competição estrangeira, estaria arruinado.”
Isso nos levaria a examinar a restrição do ponto de vista econômico. Pondo de lado todas as considerações de justiça, lei, equidade, propriedade, liberdade, teríamos que resolver a questão da utilidade pura, a questão do dinheiro, por assim dizer, e ambos concordamos que eu não tenho nada a ver com isso. Além disso, tome cuidado, pois valendo-se da utilidade para justificar o desrespeito à lei, é como se dissesse:
“‘O comunismo e a espoliação, ainda que condenados pela justiça, podem vir a ser convenientes.’ E sejamos francos: tal admissão é repleta de perigos.”
Sem tentar resolver o problema econômico aqui, permita-me fazer uma afirmação. Submeti ao cálculo aritmético as vantagens e desvantagens do protecionismo do ponto de vista do lucro, e quaisquer considerações de ordem superior deixadas de lado.
Afirmo, em conclusão, que cheguei a este resultado: qualquer medida restritiva produz uma vantagem e duas desvantagens; ou se preferir: um lucro e duas perdas; cada uma dessas perdas sendo igual ao lucro. Portanto, o resultado é uma perda seca e definitiva, que vem a dar este testemunho consolador: de que nisso e em todo o resto, utilidade e justiça estão de acordo.
Essa é apenas uma afirmação, é verdade, mas, se quiser, posso apoiá-las sobre provas matemáticas.
O que faz com que a opinião pública se perca neste ponto é que o lucro do protecionismo é visível a olho nu; quanto as duas perdas iguais que acarreta: uma é dividida no infinito entre todos os cidadãos, e a outra só é mostrada aos olhos investigativos da mente.
Sem pretender fazer esta demonstração aqui, permita-me indicar sua base.
Dois produtos, A e B, têm na França um valor normal de 50 e 40. Suponhamos que A valha apenas 40 na Bélgica. Dito isso, se a França estiver sujeita ao regime restritivo, poderá aproveitar A e B ao desviar todos os seus esforços uma quantidade igual a 90, porque será reduzida a produzir A diretamente. Se for livre, essa soma de esforços, que é igual a 90, enfrentará:
- a produção de B que será entregue à Bélgica para obter A.
- a produção de outro B para si.
- a produção de C.
É esta parte da mão-de-obra disponível aplicada à produção de C no segundo caso, ou seja, a criação de uma nova riqueza igual a 10, sem que a França seja privada de A ou B por isso, que torna toda a dificuldade. No lugar de A, coloque ferro; em vez de B, vinho, seda, artigos de Paris; no lugar de C, colocar na riqueza que faltava, você sempre verá que a restrição causa danos ao bem-estar nacional.
Deseja que saiamos dessa álgebra pesada? Eu gostaria muito disso. Creio que você não negará que, se o regime proibitivo conseguiu fazer algum bem à indústria do carvão, foi apenas aumentando o preço do carvão. Tampouco negará que esse excesso de preço, desde 1822 até os dias atuais (1849), ocasionou um gasto maior, para cada satisfação apurada, para todos aqueles que usam esse combustível, ou seja, que representa uma perda.
Pode-se dizer que os produtores de carvão, além dos juros sobre o seu capital e dos lucros ordinários da indústria, colheram um lucro extra equivalente a esse prejuízo em virtude da restrição? Isso teria que ser feito para que o protecionismo, sem deixar de ser injusto, odioso, espoliativo e comunista, fosse pelo menos neutro do ponto de vista puramente econômico.
Seria preciso que ela merecesse ser assimilada a simples pilhagem, que desloca a riqueza sem destruí-la. Mas você mesmo declara, na página 236, que:
“As minas de Aveyron, Alais, Saint-Étienne, Creuzot e Anzin; as mais famosas de todas, não deram sequer um rendimento de 4% do capital comprometido!”
Para um capital na França dar 4%, não são necessárias medidas protecionistas. Então onde está o lucro em oposição à perda relatada?
E isso não é tudo. Existe uma outra perda nacional. Uma vez que, pelo encarecimento relativo do combustível, todos os consumidores de carvão perderam, já que eles agora devem restringir proporcionalmente seus demais objetos de consumo. A massa trabalhadora nacional foi necessariamente desencorajada nessa medida. É essa a perda que nunca colocamos na ponta do lápis, pois ela jamais chega a ser vista.
Permita fazer uma observação a mais, uma da qual estou surpreso de ainda não ter assustado a todos nós. As medidas protecionistas aplicadas aos produtos agrícolas mostram toda sua odiosa injustiça em relação aos chamados proletários, enquanto prejudica, a longo prazo, os próprios proprietários.
Imagine, nos mares do Sul, uma ilha cujas terras se tornaram propriedade privada de um certo número de habitantes.
Imagine, neste território apropriado e limitado, uma população proletária sempre crescendo, aumentando.[4]
Essa última classe não poderá produzir diretamente nada que seja essencial para a vida; terá de entregar seu trabalho a homens que possam fornecê-lo em troca de alimentos e até mesmo de materiais de trabalho, como por exemplo cereais, frutas, vegetais, carne, lã, linho, couro, madeira etc.
Seu interesse óbvio é que o mercado onde essas coisas são vendidas seja o maior possível. Quanto mais abundantes forem esses produtos agrícolas que tal classe encontra, mais ela receberá por cada momento dedicado ao trabalho.
Sob um regime de liberdade, uma frota de barcos será vista buscando alimentos e materiais nas ilhas e continentes vizinhos, trazendo produtos como forma de pagamento. Os proprietários desfrutarão de toda a prosperidade a que têm direito; um equilíbrio justo será mantido entre o valor do trabalho industrial e o do trabalho agrícola.
Mas, nesta situação, os donos da ilha fazem o seguinte cálculo:
“Se impedíssemos que os proletários trabalhassem para os estrangeiros e que recebessem em troca substâncias e matérias-primas, eles seriam obrigados a vir até nós. Como seu número cresce sem parar e a concorrência entre eles é cada vez mais ativa, os proletários disputariam a porção de alimentos e materiais que ainda teríamos para expor à venda. Após terem levado os produtos, que também são necessários para nós, não poderíamos deixar de vender nossos produtos a preços altos.”
Em outras palavras, o equilíbrio no valor relativo do trabalho deles e do nosso seria rompido, e para a nossa satisfação, eles se devotariam a mais horas de trabalho. Portanto, façamos uma lei proibitiva deste tal comércio que nos impede de realizar tais planos. E para executar essa lei, criemos uma força policial que os proletários contribuirão conosco para pagar.
Eu lhe pergunto: não seria isso o cúmulo da opressão, uma violação flagrante da mais preciosa de todas as Liberdades, a primeira e mais sagrada de todas as Propriedades?
No entanto, lembre-se: não será difícil para os proprietários de terras fazerem com que essa lei seja vista como um benefício pelos trabalhadores. Para isso, eles não deixariam de dizer a eles:
“Não foi para nós, criaturas honestas, que criamos essa medida, mas para vocês. Nossos interesses não nos influenciam; nós só pensamos em vocês. Graças a esta sábia medida, a agricultura prosperará; nós, os proprietários, ficaremos ricos, o que nos permitirá fazer vocês trabalharem muito e pagar-lhes bons salários.
Sem ela, seríamos reduzidos à miséria. E o que seria de vocês? A ilha seria inundada com subsistências e materiais de trabalho vindos de fora, seus barcos estariam sempre no mar; que calamidade nacional! A abundância, é verdade, reinaria ao vosso redor, mas vocês participariam dela? Não digam que seus salários se sustentarão e aumentarão, porque a única coisa que os estrangeiros aumentarão será o número daqueles que mandam vocês trabalharem.
Quem garante que eles não venderão os produtos deles a vocês a troco de nada? Nesse caso, não tendo mais trabalho ou salário, vocês morrerão de fome em meio à abundância. Acreditem em nós, aceitem nossa lei com gratidão. Crescei-vos e multiplicai-vos; o que resta de comida na ilha, para além do nosso consumo, será entregue a vocês em troca do vosso trabalho. E dessa forma, vocês sempre estarão seguros.
Acima de tudo, tomem cuidado para não acreditar que essa é uma disputa entre vocês e nós, em que suas liberdades e suas propriedades estão em jogo. Nunca dêem ouvidos a quem lhes disser isso. Assumam como certo que a disputa é entre vocês e os estrangeiros, aqueles bárbaros a quem Deus amaldiçoa; aqueles que obviamente querem explorá-los, oferecendo transações traiçoeiras em que vocês são livres para aceitar ou rejeitar.”
Não é improvável que tal discurso, adequadamente temperado com sofismas sobre dinheiro, balança comercial, trabalho nacional, agricultura nutritiva do Estado, perspectiva de guerra etc. tenha obtido sucesso, conseguindo sancionar um decreto opressor usando os próprios oprimidos, quando esses foram consultados. Isso foi visto e será visto.
Mas os preconceitos dos latifundiários e proletários não mudam a natureza das coisas. O resultado será uma população miserável, faminta, ignorante e pervertida, colhida pela fome, doenças e vícios. O resultado será novamente o triste naufrágio das noções de Direito, Propriedade, Liberdade e os verdadeiros poderes do Estado.
E o que eu gostaria de poder demonstrar aqui é que a punição logo retornará para os próprios donos de terras, que terão preparado sua própria ruína por meio da miséria do público consumidor; pois, nessa ilha, veremos a população, cada vez mais degradada, se lançar sobre os alimentos mais inferiores. Aqui se alimentará de castanhas; ali, de aveia; lá, de batatas. As pessoas não conhecerão mais o sabor do trigo e da carne. Os proprietários ficarão surpresos ao ver o declínio da agricultura. Eles com certeza ficaram inquietos, reunindo-se em comícios, repetindo eternamente o famoso ditado:
“Vamos fazer forragem; com forragem temos gado; com gado, fertilizantes; com fertilizantes, trigo.”
Podem até mesmo criar impostos para distribuir subvenções aos produtores de trevo e alfafa; eles sempre se chocarão contra o mesmo obstáculo: uma população miserável, incapaz de pagar pela carne e, portanto, de dar o primeiro impulso a essa rotatividade trivial. Eles acabarão aprendendo, da maneira mais difícil, que é melhor competir em face de uma clientela rica do que possuir um monopólio na presença de uma clientela falida.
É por isso que digo: a proibição não é apenas comunismo. É comunismo da pior espécie. Ela começa colocando as faculdades e o trabalho dos pobres, sua única propriedade, à mercê dos ricos; acarreta uma perda econômica para as massas e termina envolvendo o próprio rico na ruína comum.
Esse comunismo concede ao Estado o direito singular de tirar daqueles que pouco têm a dar àqueles que muito têm; e quando, em virtude desse princípio, os desfavorecidos do mundo invocam a intervenção do Estado para efetuar um nivelamento na direção oposta, realmente não sei o que se pode dizer a eles. Em qualquer caso, a primeira e melhor resposta seria abandonar a opressão.
Mas mal posso esperar para fazer esses cálculos. Afinal, qual é a situação do debate? O que dizemos e o que vocês diriam? Há um ponto, o ponto central, sobre o qual todos concordamos: a intervenção do legislador para nivelar as fortunas, tirando de uns para gratificar a outros, é comunismo; a morte de todo trabalho, de toda poupança, de todo bem-estar, de toda justiça de toda sociedade.
Você percebe que essa terrível doutrina invade de todas as formas os jornais e os livros. Em outras palavras, o domínio da especulação. E você a ataca com vigor.
Acredito que reconheço que ela já havia penetrado, com a aprovação e assistência de vocês, na lei e na vida comum, e é aqui que estou tentando combatê-la.
Em seguida, aponto a você a inconsistência em que você cairia se, lutando contra o comunismo em perspectiva, sem muito esforço, acabaria por encorajar o comunismo em ação.
“Faço isso porque o comunismo via tarifas, embora oposto à liberdade, propriedade e justiça, ao menos é congruente com a utilidade geral, e esse fato me faz descartar todos os demais.”
Se você me responder isso, você não sente que estará arruinando de antemão todo o sucesso de seu livro, que está destruindo sua importância, privando-o de sua força e que está dando razão, pelo menos na parte filosófica e moral da questão, aos comunistas de todos os tipos?
Mas será, senhor Thiers, que uma mente tão iluminada como a sua poderia admitir a hipótese de um antagonismo radical entre o Útil e o Justo? Você quer que eu fale francamente? Em vez de arriscar tal afirmação subversiva e ímpia, eu prefiro dizer:
“Aqui está uma questão específica em que, à primeira vista, parece que Utilidade e Justiça se chocam. Fico feliz que todos os homens que passaram suas vidas estudando sobre isso tenham descoberto o contrário; provavelmente não estudei o suficiente.”
“Eu não estudei o suficiente!” E por acaso essa é uma admissão tão dolorosa que, para não a admitir, o senhor se jogou na inconsistência a ponto de negar a sabedoria das leis divinas que regem o desenvolvimento das sociedades humanas? De fato, uma negação razoável da sabedoria divina; a de declarar a incompatibilidade essencial entre a Justiça e a Utilidade! Sempre me pareceu que a angústia mais cruel onde uma mente inteligente e consciente pode se afligir é neste limite.
De qual lado se posicionar? Em face de tal alternativa, qual partido escolher? Votemos pela utilidade? É para ela que os homens que se dizem práticos se inclinam. Mas, a menos que não saibam conectar duas ideias, sem dúvida ficarão assustados diante das consequências provenientes da espoliação e da injustiça sistemáticas. Abracemos vigorosamente, custe o que custar, a causa da Justiça, dizendo:
“Faça o que tiver de fazer, aconteça o que acontecer? É a esse fim que as almas honestas se inclinam! Mas quem gostaria de assumir a responsabilidade de mergulhar seu país e a humanidade na miséria, na desolação e na morte? Desafio qualquer um que esteja convencido do antagonismo entre Justiça e Utilidade a tomar essa decisão!”
Eu estou errado. Tomaremos uma decisão e, o coração humano, do jeito que é, colocará os juros antes da razão. É o que mostram os fatos, pois onde quer que se acredite que o regime protecionista é favorável ao bem-estar do povo, ele é adotado, desconsiderando qualquer princípio de justiça; mas então vêm as consequências.
A fé na propriedade enfraquece. Começam a dizer, como o senhor Billault, que já que a propriedade foi violada em prol das medidas protecionistas, por que ela não deveria ser violada pelo direito ao trabalho? Outros, atrás de Billault, darão um terceiro passo, e outros, atrás deles, um quarto, até que se alcance o último passo: o comunismo.
Mentes boas e sólidas como a sua, senhor Thiers, estão apavoradas com a velocidade desse processo. Estão esforçando-se para encerrá-lo; elas retornam, como você fez em seu livro, às medidas restritivas, que são o primeiro e único reflexo da sociedade diante dessa ladeira fatal; mas se, na presença da constante negação do direito de propriedade, no lugar desta máxima em seu livro:
“Direitos são ou não são; se são, têm consequências absolutas,”
Você pode substituí-la por esta:
“Aqui está um caso particular em que o bem nacional exige o sacrifício do direito.”
A partir daí, toda a força e razão que você pensou ter colocado em sua obra se torna apenas fraqueza e inconsistência. Por isso, senhor Thiers, se quer terminar o seu trabalho, terá de tomar uma decisão acerca das medidas protecionistas.
E para isso é essencial começar por resolver o problema econômico, concentrando-se sobre a alegada utilidade dessas políticas. Porque, mesmo supondo que eu obtivesse o seu apoio, do ponto de vista da Justiça, isso não seria suficiente para matar as ideias protecionistas.
Repito: quando o coração do homem tem de julgar entre a utilidade prática e o justo abstrato, a justiça corre grande perigo. Você quer uma prova palpável? Isto é o que aconteceu comigo:
Quando cheguei em Paris, encontrei-me na presença das chamadas escolas democráticas e socialistas onde, como você sabe, se faz muito uso das palavras princípio, devoção, sacrifício, fraternidade, direito e união.
Nelas, a riqueza vista de cima para baixo, como algo totalmente desprezível ou ao menos secundário. Por levarmos-lhe em consideração, lá somos tratados como economistas frios, egoístas, individualistas, burgueses; homens sem coragem que não ligam para nada que não seja o vil interesse financeiro.
“Bem”, disse a mim mesmo, “esses são corações nobres com os quais não preciso discutir o ponto de vista econômico, que é muito sutil e exige mais aplicação do que os publicitários parisienses podem, em geral, conceder a um estudo como este.”
Mas, com eles, a questão do interesse não pode ser um obstáculo; ou eles acreditarão nela, sob fé da Sabedoria Divina, da harmonia e da justiça, ou eles a sacrificarão de boa vontade, pois têm sede de devoção.
Portanto, se eles aceitassem por um único instante que o comércio livre é um direito abstrato, eles acabariam por se juntariam a mim sob o mesmo estandarte que carrego. Consequentemente, dirigi meu apelo a eles. Sabe qual foi a resposta?
“Seu livre comércio é uma bela utopia. É fundado na lei e na justiça; consagra a propriedade e a liberdade; resultaria, por consequência, na união dos povos; no reino da fraternidade entre os homens. Em princípio, você tem mil vezes mais razão, mas ainda assim vamos combatê-lo de forma incansável e de todas as maneiras possíveis, porque a competição estrangeira é fatal para o trabalho nacional”.
Tomei a liberdade de lhes dar a seguinte resposta:
Nego que a competição estrangeira tenha sido fatal para a mão-de-obra nacional. Em todo caso, se assim fosse, teriam de escolher entre o lucro, que de acordo com vocês, está do lado do protecionismo, e a justiça, que de acordo com vocês, está do lado da liberdade. Agora, quando eu, o adorador do bezerro de ouro, os chamo para fazerem sua escolha, por que razão vocês, os homens altruístas, pisoteiam nos próprios princípios e se apegam ao lucro? Portanto, não se declarem contra um motivo que os governa tanto quanto qualquer outra pessoa.
Esta experiência me mostrou que, antes de qualquer coisa, é necessário resolver um terrível problema:
Existe harmonia ou antagonismo entre Justiça e Utilidade?
Eu devia, portanto, examinar a economia do regime protecionista; pois uma vez que as próprias Fraternidades cederam a esse regime diante de uma suposta perda de dinheiro, ficou claro que nem tudo se resumia à defesa da Justiça Universal; que, ainda é necessário dar satisfação àquele indigno, maldito, desprezível e desprezado motivo, que ainda assim é todo-poderoso: o lucro.
Foi o que deu origem a uma pequena demonstração em dois volumes, que me permito enviar-lhe com o presente,[5] senhor Thiers.
Estou bastante convicto de que se o senhor, como os economistas, julgar com rigor o regime protecionista em relação à moralidade dele, e se nós dois nos diferirmos apenas quanto à utilidade dele, você não se recusaria a questionar se esses dois grandes elementos, moralidade e utilidade, são opostos ou complementares.
Essa harmonia existe, e ela é tão evidente para mim quanto a luz do sol que ele se revele a você! E que então o senhor possa aplicar seu talento comunicativo para combater o comunismo em sua manifestação mais perigosa: o protecionismo, dando um golpe mortal nele.
Veja o que está acontecendo na Inglaterra. Parece que se o comunismo encontrou terra fértil em algum lugar, foi no solo britânico. Suas instituições feudais, colocando a extrema pobreza e a extrema riqueza frente a frente em todos os lugares, devem ter preparado o senso comum para a infecção de falsas doutrinas.
E o que vemos então? Que enquanto elas sacudiam o continente, não perturbaram seriamente a sociedade inglesa. O Cartismo (ludismo/união dos trabalhadores ingleses) não conseguiu criar raízes nela. E você sabe por quê? Porque essa associação, que por dez anos defendeu o regime protecionista, só triunfou quando reconheceu o princípio da propriedade e sobre as reais funções do Estado.
Sem dúvida, se desmascarar o Proibicionismo é alcançar o comunismo, pela mesma razão, e por causa de sua estreita conexão, também podemos atacá-los ao seguir, como você fez, pelo caminho contrário. A restrição não pode resistir por muito tempo diante de uma boa definição do Direito de Propriedade.
Então, se alguma coisa me surpreendeu e encantou, foi ver a Associação para a Defesa dos Monopólios dedicando seus recursos para propagar o seu livro. É um espetáculo dos melhores, um que me consola pela futilidade de meus esforços anteriores. Esta decisão do comitê Mimerel sem dúvida o obrigará a multiplicar as edições de seu trabalho. Nesse caso, deixe-me apontar para você que, do jeito que está, ele possui uma falha séria. Em nome da ciência, da verdade, e do bem comum, peço-lhe que o preencha e peço que responda a estas duas questões:
- Existe incompatibilidade, em princípio, entre o regime protecionista e o direito de propriedade?
- É função do governo garantir a cada um o livre exercício das suas faculdades e a livre disposição do fruto do seu trabalho, isto é, a propriedade, ou tirar de uns para dar a outros, de forma a equilibrar lucros, oportunidades e bem-estar?
Ah senhor Thiers! Se você chegasse às mesmas conclusões que eu; se com teu talento, tua fama e tua influência fizessem prevalecer na opinião pública essas ideias, quem poderia calcular a extensão do serviço que você prestaria à sociedade francesa? Veríamos o Estado limitar-se a sua missão, que é garantir a todos o exercício de suas faculdades e a livre disposição de seus bens.
O veríamos desarmado de seus colossais poderes ilegítimos e da terrível responsabilidade que a ele atribuíram. Ele se limitaria a reprimir os abusos da liberdade, o que é o mesmo que trazer a própria liberdade. Ele garantiria justiça a todos e não mais prometeria fortuna a ninguém.
Os cidadãos aprenderiam a distinguir entre o que é razoável e infantil demandar ao Estado. Eles não o sobrecarregariam mais com pretensões e exigências; não o culpariam mais pelos problemas que sofrem; não mais depositariam nele falsas esperanças; e nesta busca ardente da liberdade, um bem do qual o Estado não é o distribuidor, não veríamos o povo, a cada decepção, acusar o legislador e a lei, ou tentar mudar os homens e formas de governo, amontoando instituições sobre instituições e escombros sobre escombros.
Veríamos o fim dessa febre universal de espoliação recíproca por meio da custosa e perigosa intervenção do Estado. O governo, limitado em sua finalidade e em sua responsabilidade, simples em sua ação, barato, não faria mais os governados arcarem com o custo de suas próprias correntes.
Sustentado pelo bom senso público, o Estado teria uma solidez que, em nosso país, jamais foi vista. E por fim, nós resolveríamos este grande problema, o de:
Fechar para sempre o abismo das revoluções.
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Notas
[1] No momento em que apareceu esse folheto, isto é, em janeiro de 1849, o senhor Thiers estava no auge de sua carreira política (Nota do editor da Œuvres Complètes.)
[2] Ver o artigo Livre-Troca, de 20 de dezembro de 1846. (Nota do editor da Œuvres Complètes.)
[3] Este pensamento pelo qual, seguindo o autor, o senhor Billault poderia fortificar sua argumentação, um outro protecionista o adotara em pouco tempo: o senhor Mimerel, em um discurso pronunciado no dia 27 de abril de 1850, diante do conselho geral da agricultura, das manufaturas e do comércio. Ver a passagem do discurso mencionado no panfleto Espoliação e Lei. (Nota do editor de Œuvres Complètes.)
[4] Ver a terceira carta do panfleto Propriedade e Espoliação. (Nota do editor da Œuvres Complètes.)
[5] Esses dois pequenos volumes, que o autor de fato enviou ao senhor Thiers, eram a primeira e a segunda série das obras Sofismas Econômicos, também da autoria de Frédéric Bastiat. (Notado editor da Œuvres Complètes.)