Moedas utilizadas como reservas internacionais foram importantes no período compreendido entre a Conferência de Gênova, em 1922, e aabolição unilateral do padrão ouro-câmbio feita por Nixon em agosto de 1971.
Aqueles países que queriam auferir algumas receitas adicionais podiam fazer com que seus bancos centrais comprassem ativos que rendessem juros. Esta opção era oficialmente melhor do que apenas estocar ouro. Sendo assim, os bancos centrais compravam os títulos emitidos pelo governo dos EUA. E, de 1925 a 1931, eles compravam os títulos emitidos pelo governo britânico. Estes títulos geravam renda para seus investidores. O ouro não gerava renda.
O preço do ouro não se alterou durante este período — 1925 a 1931 — porque os EUA adotaram como política oficial converter seus estoques de ouro em dólar a um valor de US$20 a onça de ouro. Ou seja, qualquer governo estrangeiro que apresentasse uma nota de US$20 ao governo americano tinha o direito de ganhar em troca uma onça de ouro. Como tal política só valia para o câmbio entre governos estrangeiros, e não para os cidadãos americanos, o regime passou a ser chamado de padrão ouro-câmbio.
Portanto, os EUA tinham uma moeda lastreada em ouro. A consequência desse arranjo era que o governo americano não podia inflacionar sua moeda de forma mais intensa, pois, quanto mais dólares ele jogasse no mundo, mais ouro seria demandado de seus cofres. Quanto mais os EUA inflacionassem, maior seria a fuga de ouro para os outros países.
Com o advento da Segunda Guerra Mundial, este regime foi suspenso. Mas voltaria novamente após a guerra, agora a um valor de US$35 por onça. Criado na conferência de Bretton Woods de 1944, ele passou a existir oficialmente em 1946. De 1946 até a semana anterior a 15 de agosto de 1971, qualquer país ou banco central poderia converter US$35 em uma onça de ouro sob demanda.
Já no final da década de 1950, alguns países começaram de fato a fazer isso. Os estoques de ouro dos EUA haviam chegado a um máximo em 1958. E então, a partir daí, o ouro começou a ser demandado pelos outros países, e começou a fluir para fora dos EUA.
O status de ‘moeda de reserva internacional’ do dólar americano após a Segunda Guerra Mundial era baseado no poder da economia dos EUA, mas era também baseado no fato de que o governo americano havia prometido restituir sua moeda em ouro a um valor de US$35 a onça. O ouro era a âncora do dólar, que era a moeda de reserva mundial. Os bancos centrais estrangeiros, em vez de pedir a restituição de dólares em ouro, podiam também utilizar estes dólares para comprar títulos do Tesouro americano e, com isso, auferir receitas.
Qualquer governo estrangeiro podia pedir para o seu banco central criar dinheiro do nada (sua moeda nacional) e então utilizar este dinheiro para comprar dólares, os quais eram imediatamente utilizados para comprar títulos do Tesouro americano. No entanto, por causa do acordo de Bretton Woods, havia limites na capacidade de um país fazer isso. Estes limites tinham a ver com a taxa de câmbio entre a moeda do país e o dólar americano. A taxa de câmbio estava relativamente fixada. As moedas de cada país tinham um valor atrelado dólar (e este valor tinha de ser mantido pelo governo deste país), e o dólar tinha um valor fixo em ouro.
Desta forma, uma inflação monetária em massa não podia ser feita pelos países membros do Fundo Monetário Internacional (o qual também havia sido criado na conferência de Bretton Woods). Afinal, quem inflacionasse, teria dificuldades de sustentar o valor de sua moeda em relação ao dólar. Isto manteve a taxa de inflação de preços, bem como a de inflação monetária, relativamente estável de 1946 a 1971. Era contra as regras do FMI um país tentar desvalorizar sua moeda com o intuito de estimular suas indústrias exportadoras.
No entanto, um país estava livre para inflacionar: os EUA. E ele fez isso livremente. Os dólares que os EUA criavam iam parar nas reservas dos outros países, os quais podiam então inflacionar suas moedas em cima destes dólares. Na década de 1960, alguns países — e a França, com mais intensidade — passaram a demandar a restituição destes dólares em ouro. Isso gerou uma enorme pressão sobre o governo americano, que havia criado muito mais dólares do que a quantidade de ouro em suas reservas. Para evitar a perda total de seu estoque de ouro, o governo americano simplesmente tomou a decisão unilateral de abolir este regime de conversão em agosto 1971. Naquela data, todo o sistema de Bretton Woods foi para o lixo. E nunca mais voltou.
A partir daí, qualquer país estava livre para inflacionar o tanto que quisesse, sem restrições. E este é o sistema vigente até hoje. Qualquer país está livre para inflacionar sua moeda para reduzir seu valor perante o dólar e, com isso, estimular suas exportações. Não há limites internacionais para isso.
Do início da Primeira Guerra Mundial até 1971, o dólar americano era uma das principais moedas do mundo. Após a Inglaterra sair do padrão-ouro em 1931, o dólar aumentou sua estatura internacional. No pós-guerra, por ser a única conversível em ouro e por dar acesso aos títulos do Tesouro americano (e aos seus juros), o dólar se tornou a moeda mais desejada internacionalmente. O dólar era confiável. Os títulos do Tesouro americano eram confiáveis. Isso passou a representar uma enorme vantagem para o Federal Reserve (o Banco Central americano), pois, como dito, ele agora podia inflacionar livremente, e os governos estrangeiros teriam de inflacionar em conjunto com a inflação do dólar para manter o câmbio relativamente inalterado.
À medida que o Fed expandia a base monetária americana, todos os outros bancos centrais também tinham de expandir suas moedas para manter a paridade com o dólar. Era o sonho keynesiano tornado real.
A tradição do dólar como moeda de reserva internacional vem sendo mantida até hoje. Porém, houve uma alteração na lógica econômica por trás desta hegemonia: em vez de se basear no ouro, ela agora é fortemente mercantilista.
O dólar é a moeda de reserva internacional por dois motivos. Primeiro, os países membros da OPEP aceitam dólares em troca de petróleo. E a precificação da OPEP é a principal unidade de conta para todos os mercados de petróleo. Isso representa um tremendo subsídio para o Tesouro dos Estados Unidos. É também um subsídio para o Fed. Tal arranjo permite que o Fed tenha muito mais liberdade para expandir a base monetária, pois, como todos os países estrangeiros têm de comprar dólares para comprar petróleo, a demanda por dólares é garantida, e isso faz com que a expansão monetária do Fed não gere grandes repercussões sobre o valor internacional do dólar.
O segundo motivo é o mercantilismo. Os governos estrangeiros querem inflacionar continuamente, pois não querem que suas indústrias exportadoras (um lobby poderoso em praticamente todos os países do mundo) percam mercado em decorrência de uma moeda doméstica apreciada. Se são necessários mais dólares para se adquirir uma moeda em processo de valorização, isso faz com que as receitas da indústria exportadora deste país sejam menores. Políticos são mercantilistas. Eles querem subsidiar o setor exportador de suas economias. Como consequência, governos estrangeiros criam moeda doméstica, compram dólares e em seguida compram títulos do Tesouro americano (os quais formam as reservas internacionais destes países). Isso mantém o câmbio desvalorizado.
O status de moeda de reserva internacional do dólar está ligado à capacidade do governo dos EUA de controlar os grandes países exportadores de petróleo do Oriente Médio. A indústria bélica americana vende aviões e armas para estes regimes feudais exportadores de petróleo. Isso significa que esses regimes são dependentes do governo americano. Eles têm de comprar peças de reposição para suas armas. Eles têm de pagar por cursos de treinamento e outras tecnologias, os quais são fornecidos pelos EUA. E eles têm obviamente de pagar em dólares.
Logo, como estes países têm de pagar em dólares para os americanos, o dólar é a moeda na qual eles vendem seu petróleo. Como consequência deste arranjo — o fato de o dólar ser a principal moeda do mercado de petróleo —, há uma demanda contínua por dólares em todo o mundo, pois é com o dólar que se compra petróleo. Tamanha demanda faz com que a depreciação internacional do dólar seja bastante contida.
Se a OPEP algum dia abandonar o dólar e adotar o euro como unidade de conta, o dólar irá se desvalorizar em relação ao euro. Mas o euro certamente não é mais estável do que o dólar. E, como os países da OPEP entendem a natureza do poder, eles mantêm o dólar como sua unidade de conta.
O status do dólar como moeda internacional de reserva praticamente nada tem a ver com as políticas monetárias do Banco Central americano. O Fed pode, de certa forma, fazer o que bem quiser, pois, enquanto o governo americano — por meio de sua indústria bélica — mantiver o domínio da exportação de armas de alta tecnologia e de suas peças de reposição, ele não tem de se preocupar com o status de reserva internacional do dólar. Países do Oriente Médio compram armas em dólares; por isso, eles vendem petróleo em dólares. Consequentemente, todos os países do mundo têm de comprar dólares para comprar petróleo. Isso é uma enorme fonte de demanda para o dólar.
As pessoas falam das políticas monetárias do Fed como se elas tivessem grande importância sobre o valor internacional do dólar. Têm um pouco, mas não muito. O dólar americano continuará sendo a moeda de reserva do mundo, não obstante o fato de o Tesouro americano estar pagando juro quase zero em seus títulos de curto prazo. Tais títulos são adquiridos pelos outros países não porque eles querem auferir receitas, mas sim porque as políticas do mercantilismo estão plenamente atuantes em todo o mundo. Nenhum político quer ver sua moeda se apreciando continuamente enquanto ele estiver no cargo. O setor exportador e toda a indústria nacional acabariam com sua carreira.
A OPEP decide. Se seus países continuarem utilizando o dólar, então ele continuará sendo a moeda de reserva internacional.