Quando socialistas começam a estudar, eles deixam de ser socialistas

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Quando estudamos a vida e a obra de determinados pensadores, filósofos e intelectuais, percebemos que muitos deles, nas fases posteriores das suas vidas, passaram a defender conceitos, ideias e propostas muito diferentes de tudo o que eles defendiam durante a juventude. De fato, viver é se desenvolver, se renovar, ter coragem para desafiar a própria visão de mundo, reconhecer erros e não ter medo de mudar de ideia, quando se chega a constatação de que determinado conceito anteriormente defendido pôde ser categoricamente comprovado como uma falsidade ou uma falácia do senso comum. Assim é a história de alguns pensadores, economistas e acadêmicos, que começaram a vida intelectual no caminho errado, mas eventualmente se corrigiram e acertaram o passo.

Muitos desses indivíduos mudaram tão radicalmente, que suas obras posteriores em nada se parecem com suas primeiras publicações. E é extremamente interessante analisar a vida e a trajetória intelectual dessas pessoas, para entender o que elas defendiam, em que fase de suas vidas passaram a defender um sistema de crenças totalmente diferente e o que as levou a mudarem sua visão de mundo.

Possivelmente, o celebrado escritor americano Max Eastman (1883–1969) é um dos casos mais interessantes de intelectuais que mudaram radicalmente suas crenças pessoais, se comprometendo a defender tudo aquilo que anteriormente condenava, e condenando com veemência tudo aquilo que antes defendia.

Mas quem foi Max Eastman?

Max Eastman foi um poeta, intelectual e ativista político americano, que se tornou muito conhecido por sua defesa radical do socialismo, publicando artigos, panfletos e tratados de caráter revolucionário, que se constituíam em sinceras e apaixonadas apologias do comunismo. Um marxista inveterado na juventude, Max Eastman chegou a passar uma temporada na União Soviética no início da década de 1920.

Extremamente comprometido com a difusão dos ideais socialistas, Max Eastman fazia tudo o que estava ao seu alcance para auxiliar os seus colegas e companheiros ideológicos. Sempre entusiasmado, foi ele que organizou a campanha que arrecadou dinheiro para enviar o socialista John Reed (1887–1920) — que se tornaria mundialmente famoso pelo seu relato sobre a revolução russa, intitulado Ten Days That Shook the World (Dez Dias que Abalaram o Mundo) — para a União Soviética, onde ele mesmo iria, pouco tempo depois.

Apologista fidedigno dos ideais revolucionários, Max Eastman editou vários periódicos socialistas (a maioria deles de curta duração e com circulação limitada) e foi membro ativo da geração de intelectuais de esquerda que se congregavam em Greenwich Village. Uma vez em território soviético, Max Eastman conheceu pessoalmente Leon Trótski, o que o deixou ainda mais determinado a difundir os ideais revolucionários marxistas nos Estados Unidos.

Depois de conhecer a realidade da vida na União Soviética, no entanto, Max Eastman decidiu retornar aos Estados Unidos. Em 1929, pouco depois da eclosão da Grande Depressão, Max Eastman se viu envolvido em circunstâncias que acabariam por provocar uma profunda mudança em sua visão de mundo e em sua produção intelectual. Parte disso foi perceber que os Estados Unidos, em grande medida, já era socialista. Mas isso não melhorava a qualidade de vida dos pobres, tampouco lhes dava melhores oportunidades profissionais ou melhores salários.

Sempre inquieto, curioso e faminto por conhecimento, Max Eastman passou a estudar economia com mais profundidade, e reparou que o intervencionismo estatal não contribuía em nada para melhorar a qualidade de vida das pessoas. Nesse caminho, foi apenas uma questão de tempo até ele entrar em contato com as obras de Mises e Hayek, o que acabou sendo um divisor de águas em sua vida como intelectual e ativista político.

Inicialmente contaminado pelo preconceito socialista contra o livre mercado, Max Eastman não se deixou intimidar pelo horizonte intelectual restrito de seus pares. Determinado a enveredar pelos árduos caminhos do conhecimento, mesmo que isso lhe custasse o orgulho, Max Eastman decidiu fazer o que poucos socialistas se dispõem a fazer: passou a estudar economia com dedicação e seriedade. Ele se dispôs a ler cada vez mais livros sobre economia de mercado, livre competição e livre concorrência. Passou a ler com profundo interesse os liberais clássicos e a história do liberalismo. Devorava livros e artigos. E conforme foi se aprofundando em seus estudos sobre economia, não demorou muito tempo para Max Eastman abandonar completamente o socialismo e se tornar um árduo defensor do livre mercado.

E por que ele fez isso? Porque um estudo sério de economia faz qualquer pessoa enxergar o que realmente produz prosperidade e riquezas em uma sociedade. E definitivamente não é intervencionismo estatal, bancos centrais ou estímulo artificial de crédito. Tampouco uma filosofia tão irracional e insalubre quanto o marxismo.

Conforme o tempo passava, Max Eastman também percebeu que o socialismo que ele outrora defendeu com tanta convicção não estava produzindo bons frutos. Ao contrário de muitos de seus correligionários, no entanto, Max Eastman não tentou fingir que a União Soviética havia se transformado em um paraíso. Muito pelo contrário: a nação governada por Stálin havia se tornado motivo de profundo desgosto e decepção. Ela não emancipou os trabalhadores, e nem criou condições adequadas de vida para a população. E ele estava disposto a assumir isso. Sua honestidade intelectual não o permitia ser falso, dissimulado ou hipócrita.

Um tempo de estudo profundo, dedicado e de muita análise fez Max Eastman mudar radicalmente suas crenças e convicções. Consequentemente, os livros, tratados e ensaios que ele publicou na parte posterior da sua vida em nada se pareciam com tudo o que ele havia publicado em sua juventude. Em 1939, ele publicou Stalin’s Russia and the Crisis in Socialism (A Rússia de Stálin e a Crise no Socialismo) e em 1940, ele publicou Marxism: Is It a Science? (Marxismo: É uma Ciência?). Em 1955, ele publicou Reflections on the Failure of Socialism (Reflexões Sobre o Fracasso do Socialismo).

Esses títulos, por sua vez, contrastavam enormemente com quase tudo o que ele havia publicado em sua fase socialista, das quais é possível destacar títulos como Leon Trotsky: The Portrait of a Youth (Leon Trótski: Retrato de uma Juventude), publicado em 1925 e Since Lenin Died (Desde que Lênin morreu), publicado também em 1925. Em 1927, ele publicou Marx and Lenin: The Science of Revolution (Marx e Lênin: A Ciência da Revolução).

Mas por que Max Eastman mudou tão radicalmente o seu pensamento e a sua visão de mundo? Afinal, é deveras incomum alguém, de defensor do socialismo, se transformar em um apologista convicto do livre mercado.

Infelizmente, isso é incomum, mas não deveria ser. Fato é que a busca sincera pela verdade, aliada à correta aplicação da lógica e da razão, levou Max Eastman a mudar radicalmente de posicionamento, o que invariavelmente o levou ao caminho mais correto. Essa é uma consequência natural em qualquer pessoa que tenha a virtude da honestidade intelectual. Infelizmente, como é possível constatar, essa é uma virtude muito rara.

Muito estudo e observação apurada da realidade fizeram Max Eastman enxergar a verdade. Depois de constatar a realidade da União Soviética e da ditadura de Stálin — ao contrário de muitos de seus conterrâneos —, Max Eastman não tentou fingir que o bloco socialista era o paraíso na Terra. Ele não tentou fingir que na União Soviética não existia pobreza, miséria e fome. Ele não tentou fingir que os gulags não existiam. Estudo sério, aliado a uma percepção realista dos fatos, fizeram Max Eastman rejeitar todas as suas fantasias ideológicas em favor da verdade.

Apesar de ser uma atitude louvável, isso é algo que a maioria dos intelectuais é incapaz de realizar, porque eles não possuem as virtudes necessárias para isso. Sem sombra de dúvidas, é necessário possuir qualidades como humildade, honestidade intelectual e coragem para reconhecer a realidade, admitir erros do passado, mudar o seu sistema pessoal de crenças e se posicionar a favor do que é certo.

Quando entendeu efetivamente o que é e como funciona a verdadeira ciência econômica, Max Eastman não apenas renegou seu passado socialista de forma contundente, como passou a combater o socialismo com extrema determinação. Ainda que tenha permanecido ateu a vida inteira, Max Eastman — através de um estudo sério e dedicado da economia — passou de socialista revolucionário a um conservador esclarecido que se tornou um árduo defensor da verdadeira ciência econômica.

Ele aprendeu que a centralização governamental é um malefício político que provoca pobreza, e apenas um mercado verdadeiramente livre e competitivo é capaz de produzir riquezas e prosperidade. Os pobres não obtêm redenção através do socialismo. São simplesmente usados quando é conveniente e são prontamente descartados depois da revolução.

Ele também aprendeu que o estado paternalista, ao contrário do que o socialismo promete, usa o seu poder para fazer do indivíduo um refém de suas políticas públicas. E através desse poder, o estado tem plena capacidade para reduzir o indivíduo a nada. O socialismo promete emancipar o indivíduo, mas na prática o transforma em um escravo do estado. Max Eastman entendeu que só um mercado verdadeiramente livre é capaz de conceder real poder social e econômico ao indivíduo.

Felizmente, Max Eastman não foi o único exemplo de intelectual socialista que decidiu buscar sinceramente a verdade, fazendo pleno uso da lógica, da razão e de suas faculdades mentais, para chegar a uma compreensão concreta sobre a realidade.

O economista e intelectual público Thomas Sowell (que atualmente está com 94 anos), teve uma trajetória similar. Quando iniciou sua carreira acadêmica, na década de 1950, ele era um inveterado marxista. E assim permaneceu por dez anos.

Não obstante, apesar da fase marxista que caracterizou o seu período acadêmico, Thomas Sowell permaneceu sendo um ávido e eclético leitor, que lia todo o tipo de livros. Eventualmente, ele leu os autores liberais e acabou tendo Milton Friedman como o seu mentor acadêmico. Um estudo profundo sobre a natureza do salário mínimo e uma breve incursão como empregado do governo levaram Sowell a questionar a ideologia marxista, e eventualmente descartá-la por completo, considerando-a pseudociência.

Não obstante, é interessante deixar o próprio Thomas Sowell falar sobre isso.

Apesar de serem relativamente poucos, existem outros exemplos de intelectuais que eventualmente abandonaram o marxismo e passaram a combater conceitos e ideias socialistas com veemência. Nem todos, no entanto, o fizeram pelo mesmo motivo.

Enquanto alguns intelectuais foram pelo caminho da economia, outros tiveram crises espirituais significativas, sem falar nos que foram acometidos por crises existenciais ou crises de consciência. No vasto oceano da verdade, a real ciência econômica representa um alicerce onde repousa a lógica, a razão que precede a ação humana, a combinação do trabalho produtivo em organizações voluntárias e a verdadeira ética de mercado. Mas ideologias pérfidas como o marxismo podem ser atacadas e derrotadas em inúmeras frentes.

O autor afro-americano Claude McKay (1890–1948), nascido na Jamaica, foi um comunista fervoroso durante toda a sua juventude. Como muitos intelectuais de sua geração, ele também chegou a viajar para a União Soviética, onde se tornou amigo de revolucionários como Grigory Zinoviev e Nikolai Bukharin. No final da vida, no entanto, ele passou por uma crise espiritual profunda, que o levou a converter-se ao catolicismo e a abandonar todas as filosofias mundanas e seculares que haviam guiado a sua vida até então. Depois de sua conversão, Claude McKay foi rechaçado por grande parte de seus antigos companheiros intelectuais.

Entre as décadas de 1920 e 1950, a União Soviética era considerada uma espécie de vaca sagrada pela elite intelectual mundial. Era praticamente proibido criticar o “paraíso socialista”, pelo motivo que fosse. Para qualquer pessoa ser aceita nos círculos intelectuais e acadêmicos do ocidente, adorar a União Soviética e considerá-la a consolidação política do paraíso na Terra era praticamente uma obrigação. O mesmo ocorre nos dias atuais, com relação à ideologia woke progressista. Quem deseja progredir na academia, nas artes visuais, nas artes plásticas ou na literatura — entre muitos outros segmentos — precisa adotar a ideologia da moda.

Não obstante, a adoração incondicional da União Soviética não era uma unanimidade. Nem todos os intelectuais eram covardes submissos, que aceitavam sem hesitação as imposições do status quo acadêmico da época. Alguns poucos valentes e aguerridos pensadores eram ousados o suficiente para se manifestar e expor suas opiniões, por mais impopulares que fossem. Os verdadeiros livres pensadores — por mais escassos que pudessem ser — não se permitiram ser intimidados.

Ainda que tenha permanecido como ativista de esquerda a vida inteira (como social-democrata), o escritor francês Albert Camus (1913–1960) arrumou briga com a militância de esquerda da sua época, quando declarou abertamente que a União Soviética era um regime totalitário, e que ele estava em radical e intransigente oposição a esse tipo de governo.

Ao classificar a União Soviética como uma ditadura, Albert Camus se tornou extremamente impopular entre os seus pares e se envolveu em uma acirrada controvérsia com o seu conterrâneo, o filósofo francês Jean-Paul Sartre (1905-1980), publicamente conhecido por ser um ardoroso apologista dos soviéticos. Albert Camus e Jean-Paul Sartre eram conhecidos por serem os dois maiores ícones do existencialismo daquela geração, mas que ficavam em lados muito diferentes em termos de ideologia política.

Da mesma forma que Max Eastman, Albert Camus, muito corretamente, também escolheu não fingir que a União Soviética era um paraíso. Ele certamente perdeu prestígio e oportunidades de celebração acadêmica em virtude de suas declarações polêmicas. Mas a verdade, para ele, era muito mais importante do que qualquer glória mundana e passageira. Isso diz muito sobre o seu caráter, convicções e personalidade.

Neste mundo, vamos encontrar todo o tipo de homens. Infelizmente, homens de elevada envergadura moral são os mais escassos. De fato, homens corajosos, aguerridos e virtuosos — humildes o suficiente para se corrigir quando estão errados, e sempre dispostos a travar uma batalha colossal em nome da verdade — sempre serão a exceção, e não a regra geral. O conforto proporcionado pela mentira e pela mediocridade do senso comum sempre será sedutor demais para a grande maioria.

 

 

 Artigo publicado em inglês aqui e em francês aqui

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2 COMENTÁRIOS

    • De fato!

      Cada artigo dele é como uma pintura sobre tela com minúcias perfeitas sobre a “cultura” woke progressissta que vivemos. Há pouco mesmo, em redes sociais, não faltou gente deste perfil que defende a “democracia” e a “soberania” do Brasil, isto enquanto aplaudem e celebram veladamente (e alguns, abertamente) a perseguição que pessoas liberais/conservadoras vem padecendo. Me veio à mente, inclusive, um parente com tal perfil, vibrando como se o Brasil tivesse adquirido o Hexa, quando da inelegibilidade do ex-presidente. Daqui a pouco estará nas referidas plataformas repetindo como ave psittácea de pirata as tolices canhotas, como bom comprador de narrativas esdrúxulas. Parentes não podemos escolher… infelizmente.

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