Afinal, o que seria necessário para que o Brasil de fato se torne o país do futuro?
Deixando de lado a fixação dos analistas na imprensa pelos agregados macroeconômicos correntes e a errônea crença do governo de que o investimento pode ser aumentado de forma consistente por meio de políticas públicas de curto prazo, como explicar, sem recorrer a detalhes técnicos ou a disputas teóricas, quais são os fatores que fariam que as crianças do presente, quando crescerem, desenvolvam suas carreiras em uma economia cheia de possibilidades e não tenham seus talentos desperdiçados em um país estagnado, marcado por crises recorrentes?
Se eu dispusesse de apenas um minuto, a resposta seria a seguinte: a prosperidade depende de instituições compatíveis com a liberdade individual, que garantam o direito de propriedade privada e limitem o escopo das alocações de recursos via decisões políticas. Neste artigo, irei enfatizar alguns pontos fundamentais dos ensinamentos de seis grandes economistas. Essas lições, em conjunto, nos mostram os pré-requisitos para a prosperidade no longo prazo.
Os economistas escolhidos para expressar a mensagem não são necessariamente os teóricos mais originais, os mais famosos ou os mais importantes. Muitos dos maiores economistas não aparecem na nossa lista. Com frequência, em especial na nossa época, o virtuosismo técnico é acompanhado das opiniões políticas mais absurdas. O que buscamos é apenas utilizar a obra dos autores escolhidos para salientar o que considero os elementos cruciais para uma economia próspera. Além disso, os economistas listados são aqueles que fornecem algumas das peças principais que compõem a visão de mundo que informa o presente livro.
Dito isso, vamos às lições.
A lição de Turgot: a prosperidade depende do progressivo uso de bens de capital, que elevam a produtividade do trabalho.
Essa produtividade, ou seja, a produção por tempo de trabalho de bens desejados pelas pessoas cresce com a quantidade, qualidade e variedade de bens de capital empregados na produção. Turgot, assim como virtualmente todos os grandes economistas desde então, enfatizou a importância do acúmulo de capital e da poupança que o viabiliza.
Robinson Crusoé obtém mais peixes se, em vez das próprias mãos, utilizar sucessivamente lanças, anzóis, redes e barcos na pesca. Para que isso ocorra, é necessário reduzir o consumo presente e a poupança de recursos disso resultante ser utilizada para investimento em bens de capital. Crusoé deixa de pescar pela manhã para produzir lanças, aumentando a quantidade de peixes obtidos à tarde. Do mesmo modo, os países enriquecem quando houver poupança canalizada para investimento em bens de capital, aumentando a produtividade do trabalho futuro e os países fracassam quando a poupança for corroída pelo financiamento do estado, predominando e a mentalidade de curto prazo.
O aumento de produtividade resultante do uso cada vez mais intensivo de capital físico e humano, porém, não ocorre por motivos físicos, materiais. Suas causas últimas são institucionais, conforme veremos na segunda lição.
A lição de Smith: o crescimento econômico resultante da poupança e acúmulo de capital depende de instituições liberais, favoráveis ao desenvolvimento do livre comércio.
Adam Smith foi o primeiro economista a perceber o fenômeno do crescimento econômico e elaborar uma explicação correta para o fenômeno. Autores como Cantillon e Condillac, apesar de terem criado teorias econômicas mais sofisticadas que Smith, acreditavam que, eliminadas certas restrições à atividade econômica, a produção atingiria seu potencial máximo, limitado em última análise pela quantidade de terra disponível em um país. Smith foi o primeiro a perceber que, pelo contrário, o bem-estar em uma sociedade pode aumentar continuamente.
A chave para o crescimento, no entanto, não reside no conceito de especialização ou divisão do trabalho, encontrado no início da Riqueza das Nações. A explicação última do fenômeno é de ordem institucional. Para o autor, o progresso depende daquilo que ele denomina de “sistema de liberdades naturais”. Se um país for governado por leis impessoais (e não pelos caprichos de governantes com poder ilimitado) e essas leis garantirem o direito de propriedade privada, então vale a pena para os agentes econômicos se especializarem na fabricação de certos bens, pois a especialização aumenta drasticamente a produtividade e a qualidade das regras do jogo garante que essa produção maior possa ser trocada nos mercados com vantagem para todos.[1]
Se, por outro lado, tivermos instituições mercantilistas (hoje em dia diríamos intervencionistas), a concorrência seria substituída por monopólios legais que exploram os consumidores e que se acomodam a essa situação. A comparação entre essas duas modalidades de incentivos institucionais nos leva à próxima lição.
A lição de Bastiat: a prosperidade ou a estagnação dependem da comparação entre os ganhos esperados de se dedicar à atividade produtiva ou à atividade predadora do trabalho dos outros. O predomínio dessa última freia o desenvolvimento econômico.
Bastiat nos ensina que existem apenas duas formas de interação social: trocas voluntárias ou roubo. A História seria marcada de fato pela luta de classes entre exploradores e explorados. A exploração assumiu historicamente várias formas, como escravidão, teocracia, servidão e, modernamente, tributação extorsiva. As fases de prosperidade e declínio das civilizações estão associadas respectivamente ao predomínio da atividade de produção e predação.
Concretamente, devemos observar se os jovens em nossas cidades sonham em se tornar médicos, engenheiros e programadores ou se estudam editais de concursos públicos. Se as instituições favorecem a atividade de predação, mais pessoas se dedicam a esse tipo de atividade. No limite, não sobra muito para ser roubado e, nas palavras de Bastiat, o estado se transforma na grande ficção pela qual todos buscam viver à custa dos demais, e a estagnação impera.
O poder político e o estado grande moderno deslocam o equilíbrio na direção de maior predação. Políticas governamentais de curto prazo geram estímulos visíveis para determinados setores produtivos, ao passo que os custos dessas políticas de incentivos são invisíveis, pois ocorrem em momentos posteriores e são arcados por todos os outros membros da sociedade. O aspecto trágico disso reside na dificuldade que a maioria tem de atribuir esses custos às suas causas, conforme explicado na próxima lição.
A lição de Buchanan: nas economias modernas, a lógica da atividade política faz com que a maioria seja explorada por grupos de interesse, limitando no longo prazo o crescimento econômico.
Buchanan ousou contrariar a concepção romântica dos cientistas sociais a respeito do funcionamento do estado. Em vez de um estado incorpóreo preocupado com o bem-estar coletivo, Buchanan utiliza o mesmo pressuposto de autointeresse empregado na teoria econômica: suas teorias supõem que os políticos gostam de poder e os funcionários públicos, de renda.
Durante o processo democrático, os eleitores são racionalmente ignorantes, pois a chance de um voto mudar o resultado das eleições é minúscula e ao mesmo tempo o monitoramento da ação de um político requer informações custosas, tais como a compreensão das teorias econômicas e a observação das atividades pouco transparentes dos agentes do estado. Eleitores desinformados atuando lado a lado com políticos sedentos de poder faz com que estes últimos favoreçam os interesses de grupos de firmas que buscam privilégios legais, sustentados pela maioria dos eleitores.
Concretamente, produtores de brinquedos obtêm vantagens se o governo impedir a competição externa pelo uso de altas tarifas de importação, sem que os pais das crianças entendam porque a diversidade de produtos diminuiu e os preços se tornaram tão caros. Vale a pena para os poucos produtores formarem associações para pressionar os políticos a adotarem medidas de seu interesse, ao passo que não vale a pena participar de uma associação de consumidores de brinquedos, pois somos consumidores de diversos produtos: o interesse do consumidor não é tão concentrado em um setor como os interesses de cada produtor.
Os privilégios legais obtidos pelos produtores são trocados por favores aos políticos, como doações das firmas para campanhas eleitorais dos partidos e por recursos lícitos e ilícitos transferidos aos burocratas. A competição entre produtores por privilégios legais, atividade chamada de rent-seeking, desvia recursos escassos que poderiam ser empregados de forma produtiva. A competição nos mercados dá lugar à competição na esfera política. Isso impede o aumento de produtividade que caracteriza o crescimento. Caminha-se assim para uma sociedade marcada pela exploração, como descreveu Bastiat.
A exploração da maioria pela aliança entre governos e grandes firmas não é alimentada apenas pelo autointeresse. Se assim fosse, talvez fosse mais fácil separar mocinhos de bandidos. O entrave imposto ao crescimento pela atividade de rent-seeking é alimentado na verdade pelas melhores das intenções. Na próxima lição, vamos reestabelecer a hipótese de governo angelical e mostrar que, mesmo assim, os entraves ao crescimento impostos pelo estado grande e interventor surgem como consequências não intencionais da atividade política, mesmo se esta fosse bem intencionada.
A lição de Hayek: o crescimento no longo prazo depende de mais espaço para mercados livres, pois o aumento da especialização torna progressivamente mais complexa a tarefa de coordenar as ações individuais e ninguém é capaz de centralizar toda a informação necessária para empreender tal tarefa.
A divisão do trabalho de que nos fala Smith, se por um lado aumenta a produtividade, por outro aumenta a complexidade da tarefa de coordenação das atividades. Concretamente, se cada produtor deixar de produzir tudo o que consome e se especializar em um conjunto pequeno de bens, todos passam a produzir bens para pessoas desconhecidas, cujos planos de ação tampouco são acessíveis. Como tomar decisões sobre o que, como, quanto e quando produzir se cada um possui apenas uma pequena fração do conhecimento necessário para que todos os planos sejam consistentes entre si?
Nos mercados, as variações nos preços dos bens nos ajudam a corrigir as ações individuais, fazendo com que cada empresário procure novas fontes de insumos, novos nichos de mercado a serem explorados, novas firmas para trabalhar. Quanto maior o crescimento econômico, mais complexa será a economia e mais difícil avaliar o valor que um recurso obteria em usos alternativos.
Imagine então uma agência estatal reguladora, dessa vez bem intencionada, mas cujos gerentes possuem conhecimento falível. Nesse ambiente, a regulação estatal impõe sua concepção prévia, necessariamente simplista, sobre o valor dos usos alternativos dos recursos. Isso reduz a eficácia do mecanismo de experimentação que marcaria os mercados livres. Os empresários possuem assim menor liberdade para experimentar soluções diferentes, barrando o aprendizado por tentativas e erros. Para Hayek, a defesa principal da liberdade individual repousa, em última análise, no reconhecimento das limitações do conhecimento dos agentes. As grandes inovações que revolucionaram o mundo e impulsionaram o crescimento econômico ocorreram nas áreas livres do controle burocrático dos modernos estados grandes. O progresso técnico e as inovações dependem da liberdade econômica, não de investimento em pesquisa dirigido por agências de fomento à pesquisa.
Com o desenvolvimento da teoria econômica moderna, aumentou a nossa compreensão a respeito da complexidade do problema alocativo, ou seja, sobre a importância do sistema de preços livres para que os recursos escassos sejam dirigidos para a obtenção dos bens mais desejados pelos consumidores, dado que cada um de nós possui parcela verdadeiramente minúscula dos dados necessários para que essa tarefa fosse realizada de forma consciente, centralizada. Essa compreensão superior do problema econômico fundamental nos leva ao aperfeiçoamento do programa smithiano de análise institucional comparada, completado na nossa última lição.
A lição de Mises: o fracasso de alguns países em suas tentativas de gerar crescimento econômico é causado pelos defeitos inerentes ao sistema econômico adotado no presente, denominado intervencionismo. O socialismo tampouco é alternativa viável, já que é impossível alocar recursos de forma econômica em tal sistema.
O sistema de preços nunca gera uma alocação ótima de bens. Mas isso não é desculpa para condenar os mercados livres. Estes devem ser comparados com alternativas concretas, todas elas utilizando os mesmos pressupostos hayekianos sobre conhecimento limitado e buchanianos sobre autointeresse dos agentes. Quando empreendida tal comparação, obtemos as conclusões às quais Mises já havia chegado quase um século atrás. Para Mises, uma sociedade socialista, mesmo se habitada por anjos, não seria um sistema econômico viável, pois, sem propriedade privada, não teríamos mercados genuínos, com preços que refletem o valor dos bens em seus usos alternativos. Sem propriedade, mercados e preços — que, em conjunto, viabilizam o que esse autor denomina de “divisão intelectual do trabalho” —, teríamos dirigentes socialistas que não poderiam planejar uma economia por falta de conhecimento sobre como alocar recursos escassos.
Além de mostrar que o socialismo é impossível, Mises nos ensina que o sistema econômico intervencionista no qual vivemos é inerentemente instável. Nesse sistema, falhas de governo são atribuídas a falhas de mercados, de modo que o fracasso das intervenções gera demanda por mais intervenções, o que resulta em um processo que leva ao crescimento do estado e acúmulo de erros e distorções causados pelas intervenções. As crises do intervencionismo levam ou a mais controle, o que agrava ainda mais a situação, ou a fases de liberalização, que aliviam o problema, até que o processo se reinicie ou até que as pessoas parem de associar os males da realidade ao conceito marxista de “capitalismo” e voltem a analisar a realidade como exemplo de sistema econômico intervencionista, como faziam os economistas clássicos desde Smith.
Conclusão
O país, para crescer, precisa de menos estado e mais liberdade, de mais garantias de propriedade privada e de menos intervenções estatais, de mais regras impessoais e menos privilégios a firmas amigas do poder, de mais investimento privado e menos gastos públicos e impostos, de mais investimentos baseados em critérios econômicos e menos investimentos baseados em critérios políticos, de mais comércio e menos protecionismo, de mais empreendedorismo livre e menos dirigismo.
O exame histórico das ascensões e declínios econômicos das civilizações antigas e modernas ilustra de forma eloquente o que foi dito ao longo dessas seis lições. Outro passo importante para o convencimento do poder explanatório das teorias mencionadas aqui: sugerimos o abandono da prática ideológica que atribui qualquer notícia boa aos governos e qualquer notícia ruim ao “capitalismo”, em favor da análise realista de que vivemos em uma economia mista, o que significa que temos de separar causas e efeitos no que diz respeito aos aspectos livres e controlados das economias reais. Para tal, é muito interessante o exame das relações entre as medidas de crescimento econômico e os índices que classificam os países segundo seu grau de liberdade econômica.
[1] Ricardo, mais tarde, viria a estender o argumento de Smith, mostrando que a especialização e o comércio são benéficos para todos mesmo se uma das partes for mais produtiva na produção de todos os bens. Nesse caso, podem-se explorar as vantagens comparativas do comércio.