Todos nós já suspeitávamos que a economia de mercado tem um efeito civilizador sobre as pessoas, mas eu jamais havia visto um exemplo tão pungente como o que segue.
Lá estava eu, devolvendo um carro alugado à agência, quando deu-se uma confusão envolvendo as chaves. O atendente pediu que eu as entregasse, e eu resolvi obedecê-lo, mesmo enquanto ainda estava tirando malas e outras coisas do carro. O atendente sentou-se no banco do motorista para checar a quilometragem, saiu e deixou as chaves dentro do carro. Ele fechou uma porta e eu fechei a outra — mas ainda tinha uma mala dentro do carro. Só que agora havia um pequeno empecilho: o carro estava trancado.
Nós nos olhamos com aquela cara de “onde estávamos com a cabeça?”. Agora o carro estava trancado e só havia um único conjunto de chaves: aquele que estava dentro do carro. E esse não era um daqueles modelos antigos de carro, fáceis de arrombar. Não senhor, esse era um carro novo, com todos aqueles atributos de segurança típicos. Com certeza não tinha como arrombá-lo.
Já estava até imaginando o desenrolar da história: teríamos que jogar um tijolo contra a janela do carro, e depois passaríamos semanas discutindo questões como imputabilidades e seguro.
Foi aí então que algo espantoso aconteceu. O atendente, que não tinha o menor jeito de ser um líder espiritual e moral daquela comunidade, resolveu chamar alguns de seus amigos — tipos mal-encarados, autênticos arquétipos de criminosos de rua —, e fez-lhes um sinal em código. Imediatamente, eles abriram suas respectivas maletas mágicas e sacaram quatro pequenos itens de dentro delas:
- Um cartão pessoal, tipo cartão de negócios
- Um pé-de-cabra
- Um rodo em miniatura, daqueles para limpar pára-brisas
- Um cabide
Eu observei tudo com interesse intenso, que depois se transformou em perplexidade. Um deles inseriu e deslizou o cartão de negócios no alto da porta do carro, na junção com a carroceria. Um outro se posicionou ao lado deste e começou a manipular o pé-de-cabra entre o cartão e a porta, até que ela começou a se mover para fora. Em seguida, ele deu uma pequena torção no pé-de-cabra, e uma terceira pessoa alargou a brecha com o rodo em miniatura. As ferramentas se moveram pra lá e pra cá até que elas se travaram em um determinado ponto e uma brecha limpa e desimpedida separou a estrutura da porta em relação à carroceria do carro.
Feito isso, o quarto indivíduo dobrou o cabide de modo a deixá-lo curvo, fazendo uma espécie de laço na parte inferior. Ele o inseriu na brecha e, com precisão cirúrgica, levantou o pino da trava da porta. A porta se abriu instantaneamente, as ferramentas foram removidas e tudo estava perfeitamente bem. O alarme do carro não disparou e não havia um único arranhão no carro. Não havia também qualquer evidência de que o carro havia sido violado.
Tempo total gasto para abrir essa porta: 20 segundos.
A operação foi um prodígio e provou para mim algo que eu não sabia: carros apenas aparentam estar trancados. Nas mãos desses caras, todo carro estaria apenas superficialmente seguro.
O proprietário da locadora veio ver o que estava acontecendo e também pareceu ter ficado bem espantado. “Se um dos meus carros por acaso sumir”, disse ele em um tom rude, “eu saberei quem o levou!”. E então ele sorriu e deu uma piscadela: “Bom trabalho, pessoal.”
Agora eu pergunto: é possível que essas habilidades tenham sido adquiridas exatamente naquele momento, especificamente para aquele trabalho? Possível é, porém é improvável que tenha sido assim. Eles foram hábeis demais na tarefa. E um deles me confirmou que, pelo que ele se lembrava, aquela tinha sido a primeira vez que um conjunto de chaves acabou ficando preso dentro do carro. Ou seja, já eram profissionais da área.
Então o que temos aqui? Uma habilidade que muito provavelmente foi adquirida durante anos fazendo coisas que eles não deveriam estar fazendo, mas que agora está a serviço — de uma maneira benéfica e lucrativa — da comunidade humana formada pelas pessoas civilizadas.
E esse dificilmente é um exemplo único. Podemos pensar nos inúmeros hackers de computadores que hoje estão trabalhando em grandes empresas para o benefício de todos; ou nos valentões que estão no ramo esportivo, mas que em outras circunstâncias estariam machucando pessoas; ou naqueles que têm uma propensão às armas e à violência, mas que atualmente trabalham como seguranças, vigias ou leões-de-chácara. Existem várias maneiras nas quais as habilidades associadas à criminalidade podem ser usadas para propósitos produtivos.
Imagine agora um mundo onde não há essas oportunidades de mercado. Essas pessoas seriam parasitas sociais ao invés de produtores valorizados por suas contribuições. Quanto mais a divisão do trabalho se expandir, e o capital for sendo acumulado em um contexto de liberdade de mercado, mais oportunidades haverá para se civilizar impulsos que de outra maneira seriam destrutivos.
Há vários efeitos de mercado que são impossíveis de serem quantificados, mas que têm um grande impacto na cultura geral, pois afastam as pessoas da criminalidade e as levam em direção a formas pacíficas de compromissos humanos.
Eles também podem nos ensinar algumas coisas sobre as falhas de segurança que existem no mundo que habitamos. Da mesma maneira que um hacker pode fornecer um bom teste contra falhas em códigos-fonte, os rapazes do pé-de-cabra naquela locadora me mostraram algo importante: se você estiver preocupado com a segurança do seu carro, você precisa fazer mais do que simplesmente trancá-lo.