Uma sociedade de perdedores

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bullying_brasilEstamos caminhando para uma sociedade de perdedores, de maricas, de frangos, em suma, de pequenos indivíduos medíocres.  Cento e doze anos após a morte de Nietzsche, o Brasil embarca numa cruzada moralizante de rebanho.  É espantoso ver como andamos rapidamente para o matadouro da civilização.  Caminhamos para a nossa morte, em silêncio.  Meu tom apocalíptico pode parecer exagero, mas é necessário para demonstrar o quanto determinadas atitudes estão levando a humanidade ao seu crepúsculo.  A nova lei do bullying é um exemplo disto.

Sob a alcunha de “intimidação vexatória” o Brasil irá criminalizar o bullying.  Aquele colega de sala de aula chato que todos nós temos ou tivemos, apaixonado por colocar apelidos e que, devido ao fato de ter menos vergonha ou ser mais efusivo, sempre ultrapassa um pouco os “limites”, será criminalizado pelo simples fato de ser chato.  Estamos decretando o fim do humor, da piada, da risada e da diversão que é capaz de mudar a nossa rotina.

Obviamente que a lei não é tão simplista quanto o exemplo do colega praticante do bullying para com os gordos, portadores de óculos, fanhos etc.  A lei proposta é clara em dizer que o crime é intimidar, constranger, ameaçar, assediar sexualmente, ofender, castigar, agredir ou segregar criança ou adolescente.  A punição será de um a quatro anos, em caso de condenação.  Aqui é preciso dar uma pausa, respirar e demonstrar a estupidez desta proposta de lei.

A particularização das leis mais atrapalha do que auxilia.  Uma proposta de simplificar o que seria de fato um crime é defini-lo como coação para com a vida e a propriedade de terceiros.  Neste sentido, agressões físicas, assassinatos, roubos e furtos são crimes fáceis de identificar, pois a coação para com a vida e propriedade alheia é evidente.  Como podemos identificar o crime de intimidação vexatória?

Intimidar é obviamente uma agressão para com a integridade da pessoa, é levá-la pela força a agir ou deixar de agir de determinada forma.  O mesmo ocorre com a ameaça e a agressão.  É fácil identificar que estes três pontos possuem realmente um viés de coação para com a pessoa.  Não é preciso esperar o disparo da arma para agir, a arma em punho e a clara intenção de atirar, isto é, a ameaça, é passível de reação perante o agressor.  Entendo que os critérios que constituem a diferença entre uma mera ameaça trivial de uma ameaça real podem ser nebulosos, por isso o uso do exemplo da arma.  O que não faz sentido é que já existem leis que criminalizam a agressão, a ameaça e a intimidação, não fazendo sentido mais particularizações.

Não é preciso falar sobre o assédio sexual, que também já é crime e não precisava constar na lista da intimidação vexatória.

Os problemas começam com a criminalização do constrangimento.  Como mensuramos o constrangimento?  Tudo o que constrange individualmente uma criança e adolescente deverá ser crime?  Numa sociedade de adultos donos de si mesmo e não meros servos de vontades alheias faz-se tudo aquilo que não agrida terceiros.  Apenas seres pequenos visam coibir, pela força da lei, que pessoas livres exerçam sua liberdade.  O não constrangimento está muito mais relacionado à sensibilidade humana em não constranger do que em privação de determinada atitude em prol de um conceito subjetivo.

Paralelo ao “crime” de constrangimento está o “crime” da ofensa.  Pessoas fracas se sentem ofendidas.  Esta lei me ofende por ser estúpida, mas não fico pedindo a prisão dos anencéfalos da comissão de justiça do senado por estar ofendido com tamanha burrice.  Ofensas são combatidas ou são ignoradas num processo de abstração psicológica.  Prender por ofensa é coisa digna de pessoas mentalmente infantilizadas, incapazes de superar um xingamento.  O mundo adulto é repleto de ofensas, calúnias e difamações.  Por este motivo ofendo todos os patéticos asseclas da criminalização destes atos.

Outro ponto complexo é a definição de castigo.  Como criminalizar um castigo?  Castigar uma criança amarrando-a num poste, espancando-a com chicote ou cortando seu corpo são todos castigos de agressão física, obviamente atitudes condenáveis.  Fico imaginando quantos processos idiotas de adolescentes chatos e pentelhos irão surgir contra as “punições” recebidas de seus pais.  Os políticos desocupados (desculpem a redundância) ficam criando estes textos inúteis apenas para daqui algum tempo posarem de benfeitores de “leis da moda”.  É óbvio que entra em pauta a velha discussão sobre a palmada.  Estou convicto que há maneiras mais eficazes de disciplinar um filho, como o uso de regras claras, objetivas e construídas de maneira participativa, com punições restritivas e diálogo acerca da ação e da punição.  Entretanto, criminalizar um pai que faz o uso da palmada (que é algo bem diferente do agredir por agredir) é criminalizar a escolha disciplinar. Para os adeptos da discussão sobre diversidade cultural, que defendem que índios possam matar crianças defeituosas ou gêmeas, a palmada é uma construção cultural da tradição judaico-cristã.  Neste aspecto, por mais idiota que seja usar a “varinha”, não faz sentido criminalizar o castigo perpetuado pelos pais para fins disciplinares.

Por último ficou a segregação.  Eis outra palavra-coringa do modismo intelectual brasileiro, seguindo a estrada aberta pelo multiculturalismo.  Segregar é separar, excluir, não querer manter contato.  Agora, as crianças sem amigos podem acusar os colegas de segregação.  Evitamos contato com diversos tipos de pessoas e por diversos motivos.  Existem diversas pessoas que trabalham com moradores de rua, com sua alimentação, saúde, moradia, reintegração.  Porém, há quem tenha, pelo motivo mais idiota que seja, certo nojo de estar perto de moradores de ruas.  Ignorar crianças que moram nas ruas e evitá-las é um tipo de segregação.  Não faz sentido criminalizar alguém que não deseja que certa pessoa participe de seu convívio pessoal.

No fundo, o que esta proposta possui é a insanidade de juntar várias propostas isoladas como a criminalização da palmada e da separação de pessoas do seu convívio.  Colocaram itens diversos e foram aplaudidos por pedagogos por criminalizarem o bullying.  Os “profissionais” da educação demonstram ser incapazes de lidar com este fato escolar e ficaram felizes com a proposta de lei porque a responsabilidade do bom andamento do processo de ensino-aprendizagem se tornou uma questão jurídica.  Não precisarão mais estudar e aprender a enfrentar situações, pois bastará acionar a justiça para que o problema seja resolvido.  São os perdedores que se alegram quando outros retiram um pouco de seu fardo.

Para completar a proposta, se o “criminoso” for menor de idade não será preso, mas cumprirá uma pena sócio-educativa.  Se a prática de bullying ocorre com maior frequência entre crianças e adolescentes, a lei tem qual finalidade?  Os professores já não tomam, ou pelo menos deveriam tomar, medidas educativas para lidar com a questão do bullying?  Se o debate acerca da intimidação vexatória está presente nos ambientes escolares, com aprendizados sobre alteridade e diversidade cultural, a pena proposta é mais do mesmo.  Sendo assim, o alvo desta proposta de lei é criminalizar adultos.  Foca-se no bullying, mas indiretamente se criminaliza a palmada, por exemplo. Punirá, na verdade, os pais e os professores.  O efeito jurídico será a possibilidade de enquadrá-los em mais delitos.

Portanto, esta proteção das crianças e adolescentes tem como efeito criar uma geração de incapacitados em lidar com aqueles que não o aceitam.  Serão mimados, não mais pelos pais frouxos, mas pelo estado e por todo o poder coercitivo que este possui para criminalizar e punir aqueles de quem os mimados não gostam.  Em vez de ensinar a grandeza do gostar de si e de aprender que no mundo há gente disposta a humilhar e diminuir terceiros e que é preciso estar blindado para combater este tipo de gente, estamos ensinando que ser perdedor e psicologicamente abalável é algo bom.  O problema não está em aprender a lidar com os chatos, mas o problema é a existência dos chatos, que merecem cadeia.  Neste tipo de inversão lógica é que avançamos para a ruína de nossa sociedade.  Exaltamos a incapacidade de enfrentar o mundo, quando deveríamos fazer exatamente o oposto.

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