XIV — O Racionalismo Austríaco na Era do Declínio do Positivismo

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1 — Racionalismo e Relativismo nas Ciências Naturais e Sociais

O racionalismo filosófico afirma que o homem é capaz de reconhecer fundamentos e princípios últimos do conhecimento. Reconhece que todo conhecimento que deve ser pressuposto na medida em que se argumente acerca de qualquer afirmação (e que, dessa forma, não pode ser significativamente contestado, por ser a precondição da dúvida significativa) é definitivamente justificado e válido a priori. A lei da contradição é um exemplo. Além disso, o racionalismo filosófico afirma que, baseado no reconhecimento de tais verdades últimas, o homem é capaz de realizar progresso científico sistemático.

O relativismo nega a existência de fundamentos absolutos do conhecimento e a possibilidade de progresso científico.

Parece haver pouca ou nenhuma evidência em favor do relativismo nas ciências naturais. É inegável que a história das ciências naturais tem sido de progresso contínuo e que o homem tem logrado sobre a natureza domínio que ultrapassou de longe o de eras passadas. Além disso, disciplinas tais como lógica proposicional, aritmética, geometria euclidiana, mecânica racional (mecânica clássica sem a gravitação) e cronometria, todas que têm sido denominadas de “protofísica”, fornecem exemplos perfeitos da ideia racionalista de conhecimento definitivo. A lógica e a protofísica devem ser pressupostas se se quiser dizer qualquer coisa, ou se se pretender fazer qualquer medição empírica do espaço, do tempo ou da matéria, e dessa maneira não podem ser invalidadas por nenhuma mensuração ou experiência humana. (Não se pode dizer, por exemplo, que a geometria euclidiana foi falseada pela teoria da relatividade, porque a fundação da teoria da relatividade pressupõe a validade da geometria euclidiana na construção dos instrumentos de medição).

Pelo contrário, em plena conformidade com as afirmações do racionalismo, parece que é precisamente o status da lógica e da protofísica como teorias absolutamente justificadas a priori que torna o progresso em ciências naturais empíricas sistematicamente possível.[1]

Essa visão sobre as ciências naturais e seu desenvolvimento foi alvo de críticas na esteira do muito celebrado livro de Thomas Kuhn, The Structure of Scientific Revolutions.[2] Em análises detalhadas de episódios centrais na história das ciências naturais empíricas, Kuhn contestou a visão de que o progresso do desenvolvimento científico pudesse ser descrito como um avanço gradual em direção à verdade através de séries de conjecturas hipotéticas, experimentos cruciais e eliminação de teorias experimentalmente falseadas, com cada geração futura conhecendo mais que a anterior. Em vez disso, de acordo com Kuhn, esse tem sido um processo não cumulativo e não teleológico. Distintos “paradigmas” e visões da essência da natureza se seguem e se suplantam umas após as outras como ortodoxias temporárias, com cada paradigma sendo não refutável pela experiência ou imune a esta, e sendo os paradigmas diferentes incomensuráveis entre si. Trocas de paradigmas não foram motivadas por experiências incontrovertidas, mas se assemelharam a conversões religiosas. Paradigmas velhos morriam conforme os cientistas seus promotores morriam também; novos estudiosos tomavam seus lugares à medida que cresciam novas gerações de cientistas, infectados por febre de conversão, com cada geração ganhando novo conhecimento a partir da adoção de um novo credo, tanto quanto perdendo antigo conhecimento ao abandonar os paradigmas das gerações passadas.

O trabalho de Kuhn, então, clama por uma revisão da interpretação racionalista das ciências naturais e estabelece uma defesa para o relativismo? Enquanto Kuhn está inclinado a pensar que sim, e enquanto outros, mais notavelmente Paul Feyerabend, tenham até mesmo radicalizado as inspirações relativistas de Kuhn a um “anarquismo metodológico” com o grito de guerra “tudo vale”[3], pode haver alguma dúvida se Kuhn, Feyerabend ou qualquer outra pessoa tenha mesmo convencido, de forma bem-sucedida, o público geral de fora da torre de marfim acadêmica a aceitar um modelo relativista das ciências naturais. Agora como antes, o público geral está convencido das visões do racionalismo, e justamente.

Isso não é dizer que não exista alguma verdade parcial nas frequentemente fascinantes investigações de Kuhn e Feyerabend. Certamente é verdade, e digno de nota, que perdas de conhecimento podem ocorrer mesmo nas ciências naturais e que é, portanto, proveitoso estudar não apenas as publicações mais recentes em certa área, mas também os escritos de autores antigos e esquecidos. Também é verdade que motivos tais como poder, prestígio, renda, animosidade e amizade não se tornam inoperantes uma vez que as pessoas se voltam para o estudo da natureza. (Quem, por exemplo, está pronto para abandonar uma teoria para cujo desenvolvimento se dedicou a vida inteira de trabalho só porque o mundo ao redor está cada vez mais desertando para um outro paradigma incompatível?) Decerto, enquanto economista pode-se ir além e admitir a possibilidade de regressão científica: um processo de consumo de capital, seguido por mais baixos padrões de vida, uma população reduzida, uma desintegração do mercado e da divisão de trabalho, como tem repetidamente ocorrido na história da humanidade, inevitavelmente resultaria num decréscimo do conhecimento do homem acerca da natureza.

No entanto, mesmo quando tudo isso é dito, as afirmações do racionalismo não são minimamente afetadas. Pois o relativismo de Kuhn e Feyerabend com certeza não pode se estender à lógica e à protofísica. Se se pretender fazer uma proposição significativa, ou qualquer medição, não“vale tudo”. Tais disciplinas, que incidentalmente permaneceram em grande medida fora do escopo das considerações de Kuhn e Feyerabend, são absolutamente indispensáveis para qualquer ciência natural empírica (e não meramente paradigmas irrefutáveis suscetíveis de substituição por outros, incomensuráveis). Porém, uma vez que isso é reconhecido, e uma vez que é entendido que a feitura de proposições, a contagem, a construção de instrumentos de medição e a mensuração, tudo que torna possíveis as ciências naturais empíricas, são atividades propositadas, faz-se imediatamente claro que os paradigmas das ciências naturais devem ser concebidos como meios para alcançar um fim humano universal, indispensável, e que eles devem ser comensuráveis com respeito à sua eficiência de atingir esse fim.[4]

A impressão relativista do desenvolvimento das ciências naturais empíricas que Kuhn e Feyerabend tentam transmitir pode ser traçada até o fato de que ambos compreendem mal as teorias científicas como meros sistemas de proposições verbais e ignoram sistematicamente sua fundação na realidade da ação. Somente se alguém considera teorias como sendo completamente separadas da ação é que não só qualquer teoria se torna imune, como também duas teorias rivais cujos respectivos termos não possam ser reduzidos e definidos em termos uma da outra devem então parecer completamente incomensuráveis, de modo a excluir qualquer escolha racional entre elas. Entretanto, isso não afeta a refutabilidade de nenhuma teoria, nem a comensurabilidade de paradigmas rivais, no nível inteiramente diferente do aplicá-las na realidade da ação, do usá-las como instrumentos para a realização de um propósito prático. No nível de meras palavras, paradigmas podem ser irrefutáveis e incomensuráveis, mas na prática eles jamais podem ser. De fato, não se poderia sequer alegar que qualquer paradigma era irrefutável ou quaisquer dois paradigmas foram incomensuráveis e em que aspectos o eram, a menos que se pressuponha um pano de fundo categórico comum que possa servir como a base para essa avaliação ou comparação. É essa refutabilidade e comensurabilidade prática dos paradigmas das ciências naturais empíricas que explica a possibilidade de progresso tecnológico.

Ao ignorar sistematicamente o fato de que teorias e observações teoreticamente interpretadas são aquelas de um agente, construídas e feitas para se agir com sucesso, Kuhn e Feyerabend privaram-se do próprio critério contra o qual todo conhecimento concernente à natureza é testado e comensurado continuamente: o critério de atingir com sucesso um objetivo definido aplicando conhecimento numa dada situação, ou falhar ao fazê-lo. Sem o critério do sucesso instrumental, o relativismo seria inescapável. Porém, em cada uma de nossas ações frente à natureza, nós confirmamos a afirmação do racionalismo de que se pode identificar uma gama de aplicações para algum saber teórico e testá-lo por seu sucesso dentro dessa gama, e por isso teorias rivais devem ser consideradas comensuráveis no que diz respeito a tais campos de aplicação e sucesso. Nenhuma situação é concebível na qual seria racional abrir mão de um instrumento intelectual que uma vez se provou bem-sucedido numa gama de aplicações se não houver disponível um instrumento melhor. Mesmo que uma ferramenta superior esteja disponível, por exemplo uma teoria ou paradigma que permita atingir um objetivo que não poderia ser atingido com igual sucesso pela aplicação de outra teoria, incompatível, seria irracional para um agente não adotá-lo. Para deixar claro, esse comportamento irracional é empiricamente possível. Todavia, quem quer que o escolha terá de pagar um preço por agir assim. Ele se privaria da habilidade de atingir objetivos que de outro modo ele alcançaria, e isolado de todos os contextos sociais que podem oferecer outras razões sócio-psicológicas para não adotá-lo, sozinho perante a natureza, ninguém capaz de distinguir entre ação bem-sucedida e mal sucedida iria querer pagar esse preço. É isso que explica a inadmissibilidade de uma visão relativista das ciências naturais e a possibilidade do efetivamente observável progresso contínuo – às vezes, por razões sócio-psicológicas, um pouco errático – do domínio do homem sobre a natureza, que Kuhn e Feyerabend declarariam inexistente, embora pareça estar o tempo todo lhes encarando as faces.[5]

A situação é muito diferente se se volta das ciências naturais para as sociais. Aqui as reivindicações do racionalismo parecem encontrar bem menos suporte, e o relativismo ganhou amplíssima aceitação pública.[6]

Na dianteira dos indicadores citados em apoio ao relativismo está a observação de que não há nada no desenvolvimento das ciências sociais semelhante ao progresso que tem sido obtido nas ciências naturais. Enquanto nossos poderes preditivos e controle instrumental sobre a natureza tenham aumentado dramaticamente desde os tempos de Platão e Aristóteles, o desenvolvimento das ciências sociais empíricas tem se caracterizado por uma imobilização. A despeito da disponibilidade de todo tipo de aparelhos técnicos, como computadores de alta velocidade, parece que não estamos numa posição melhor hoje em prever eventos sociais ou de trazer, planejadamente, à tona mudança social do que esteve Platão ou Aristóteles em seus dias. (Pode-se notar que, mesmo se a validade dessa observação for admitida, a conclusão relativista para a qual isso alegadamente conduz não se segue dela diretamente. Isso somente se segue se for pressuposto que o critério para o progresso nas ciências sociais é de fato idêntico ao das ciências naturais. Os proponentes do relativismo social tomam isso como garantido, porém não é de modo algum óbvio por que isso deveria ser assim. Pelo contrário, nas ciências naturais o objeto do conhecimento [a natureza] e o sujeito do conhecimento [o agente] são entidades separadas distintas. Nas ciências sociais, por outro lado, os objetos de conhecimento e pesquisa são, eles mesmos, conhecedores e pesquisadores. À luz dessa diferença categórica, pode ser tudo exceto claro por que a metodologia apropriada para as ciências naturais e sociais poderia ser uma só e a mesma. De fato, é inteiramente esperado que quando se trata de prever previsores, ou controlar instrumentalmente controladores de instrumentos, não pode haver qualquer progresso sistemático do tipo observado nas ciências naturais![7])

Além disso, apontam comumente os proponentes do relativismo, aparentemente não existe um análogo nas ciências sociais para o papel desempenhado pela lógica e pela protofísica enquanto fundações apriorísticas das ciências naturais empíricas. A afirmação racionalista, associada em particular à tradição do “direito natural”, de que esse análogo é fornecido pela Economia e pela Ética[8], foi esquecida e desapareceu da consciência pública ou foi descartada: a Economia, afirma-se, é uma ciência empírica muito parecida com a física, com o objetivo de produzir conhecimento preditivo, mas, diferentemente da física, ela falha em entregar os bens prometidos. Quanto à observação de que existem tanto sociedades prósperas quanto pobres, o que pareceria, afinal de contas, dar espaço para explicações econômicas – embora não para explicações dos tipos oferecidos pela física –, os proponentes do relativismo social alegam que essas diferenças não possuem razões econômicas, mas são devidas a diferentes graus de conhecimento tecnológico. Sociedades ricas são ricas por causa do seu avançado estado de tecnologia; a pobreza é devida a uma falta de know-how natural-científico. Duas objeções a essa visão parecem óbvias: (1) A descrição dos fatos é falsa. Não mandam as sociedades subdesenvolvidas seus futuros cientistas e engenheiros, em grande número, para universidades de países desenvolvidos e não têm então essas sociedades pobres acesso ao mesmo conhecimento que as ricas após o retorno daqueles? (2) Ainda mais importante, know-how tecnológico só pode ter um impacto material caso seja utilizado. No entanto, para fazê-lo, deve haver poupança e investimento. Não é a disponibilidade de conhecimento técnico e científico que impõe limites à prosperidade da sociedade; antes, é a quantidade de poupança e investimento que impõe limites à exploração de conhecimento efetivamente disponível e ao progresso científico, na medida em que atividades de pesquisa também devem se apoiar em fundos poupados. Por isso, ao contrário das visões relativistas, a economia parece ter algo a ver com prosperidade e pobreza afinal de contas![9]

Tampouco a ética, afirma-se, oferece suporte para tudo exceto para o relativismo, pois o fato das contínuas e, ao que parece, inextinguíveis diferenças de opinião no campo da política contemporânea não prova conclusivamente o relativismo ético? A antropologia social, o estudo de sociedades como os insulares Fidshi, ou os nativos da Nova Guiné, por exemplo, não adiciona ainda mais evidência em favor de conclusões relativistas? Existem instituições como o canibalismo ou a escravidão cuja defesa um relativista pode estar duramente pressionado a fazer. No entanto, de acordo com os relativistas éticos, considerar essas práticas como evidências em contrário é o resultado de uma má compreensão. O problema com essas instituições não é que elas invalidam o relativismo, mas que sociedades que as adotam estão ainda sob o feitiço do racionalismo social. Isto é, eles ainda acreditam, de maneira errônea, em uma ética absolutamente fundada. O relativismo ético, alegam seus proponentes, descarta práticas intolerantes como essas e implica um pluralismo de valores. (Mas não é óbvio que essa doutrina é inteiramente falaciosa? Sem uma fundamentação absoluta a priori, um pluralismo de valores é ele mesmo outra ideologia sem fundamento, e não existe nenhuma razão convincente para adotá-lo em lugar de outra ideologia. Apenas se razões válidas a priori pudessem ser dadas para adotar o pluralismo é que este poderia se dizer salvaguardar a tolerância e que poderia o canibalismo e a escravidão serem excluídos de entre as práticas sociais aceitáveis.[10])

2 — O Positivismo e a Destruição Relativista da Ética e da Economia

Nenhuma outra doutrina filosófica nos tempos modernos contribuiu mais para a propagação do relativismo do que o positivismo. Radicada na tradição do empirismo clássico de Locke e Hume, emergiu primeiro em Viena por volta da virada do século e então se estabeleceu, em particular como consequência da emigração de seus líderes intelectuais para os EUA durante a década de 1930, como o credo filosófico dominante do mundo ocidental.[11]

Embora os dogmas básicos do positivismo equivalham a uma negação das afirmações do racionalismo enquanto aplicadas às ciências naturais bem como às sociais, seu impacto foi especialmente forte nestas últimas. Para deixar claro, não pode haver dúvida de que mesmo as ciências naturais, e em especial a lógica e a protofísica, sofreram pela influência do positivismo.[12] Contudo, por razões já mencionadas, sabotar o racionalismo nesse campo seria extremamente difícil. Adotar um ponto de vista relativista equivaleria, em última análise, a abandonar os meios intelectuais para o próprio manejo bem-sucedido da natureza, e ninguém capaz de discernir sucesso e malogro tem um interesse sistemático em pagar esse preço. Nas ciências sociais as coisas são diferentes. Conquanto até agora a defesa puramente intelectual do relativismo social dificilmente apareceu melhor fundada do que para as ciências naturais, e embora eu o demonstre em seguida ser totalmente sem base, advogar e adotar o relativismo nas ciências sociais não é autorrefutável no mesmo sentido que o é nas ciências naturais. Se se negasse a existência de leis absolutas da economia e/ou da ética e a possibilidade de progresso social, um preço teria de ser pago também. No entanto, o preço não necessariamente teria que ser pago de modo direto e nem ser suportado invariavelmente na íntegra por quem quer que adote e aja conforme essa visão. Antes, aquele que a adotou poderia externalizar os custos da sua visão sobre os outros; por isso, na medida em que o relativismo pode servir como meio para aumentar o próprio bem-estar a expensas do bem-estar de outrem, indivíduos podem ter um interesse em advogar o relativismo social.[13]

É isso que explica por que a influência do positivismo se fez sentir principalmente nas ciências sociais. Tendo isso sido pretendido pelos positivistas ou não, sua mensagem filosófica foi rapidamente reconhecida pelos poderosos como uma arma ideológica poderosa na busca de seu próprio objetivo de aumentar seu controle sobre os outros e de enriquecer-se à custa dos outros. Em consequência, pródigo suporte foi concedido ao movimento positivista, e este movimento retornou o favor destruindo em particular a economia e a ética como os bastiões tradicionais do racionalismo social e erradicando da consciência pública um vasto corpo de conhecimento que uma vez constituiu uma parte aparentemente permanente da herança da civilização e do pensamento Ocidental.[14]

O primeiro e mais fundamental dogma do positivismo é este: o conhecimento concernente à realidade, ou conhecimento empírico, deve ser verificável ou, pelo menos, falseável pela experiência; que nada que é conhecido pela experiência poderia tê-lo sido de outra forma, ou, colocado de outra maneira, que nada acerca da realidade pode se saber verdadeiro a priori; que todas as proposições verdadeiras a priori são afirmações analíticas que não possuem nenhum conteúdo factual, mas são verdadeiras por convenção, representando informação meramente tautológica sobre o uso de símbolos e suas regras de transformação; que todas as proposições são ou empíricas ou analíticas, mas jamais as duas coisas; e, por isso, que proposições normativas, por não serem nem empíricas nem analíticas, não podem legitimamente conter nenhuma reivindicação de verdade, mas devem ser consideradas como meras expressões de emoções, dizendo de fato não mais que “wow” ou “grrr”.[15]

O segundo dogma do positivismo formula a extensão ou, melhor, a aplicação do primeiro ao problema da elucidação científica. Segundo o positivismo, explicar um fenômeno real é formular uma proposição do tipo “se A então B” ou, caso as variáveis permitirem medição quantitativa, “se ocorre aumento (ou diminuição) em A, então ocorre aumento (ou diminuição) em B”. Enquanto afirmação referente à realidade (isto é, com A e B sendo fenômenos reais), sua validade nunca pode se estabelecer com certeza ao examinar a proposição sozinha ou qualquer outra proposição da qual aquela em questão poderia ser logicamente deduzida, mas permanecerá sempre hipotética e dependente do resultado de experiências futuras o qual não pode ser conhecido antecipadamente. Caso a experiência confirme a explicação hipotética, i.e., caso se observe uma instância em que B de fato se segue de A, como previsto, isso não provaria que a hipótese é verdadeira, já que A e B são termos gerais, abstratos (“universais, em oposição a nomes próprios”), que se referem a fenômenos ou eventos dos quais existe (ou pelo menos, em princípio, pode existir) um número indefinido de instâncias, e por isso experiências posteriores ainda poderiam falseá-la. E se uma experiência falseou uma hipótese, i.e., se se observou uma instância de A de que B não seguiu, isso tampouco seria decisivo, pois ainda seria possível que os fenômenos hipoteticamente relatados estivessem, de fato, conectados e que alguma outra circunstância ou variável previamente negligenciada e não controlada tenha simplesmente impedido a relação hipotética de ser realmente observada. Um falseamento provaria apenas que a hipótese particular sob investigação não estava completamente correta da maneira como se apresentava e precisa de algum refinamento, alguma especificação de variáveis adicionais que se teriam de controlar para que o cientista seja capaz de observar a suposta relação entre A e B. No entanto, uma falsificação jamais provaria de uma vez por todas que não existe uma relação entre determinados fenômenos.[16]

Por fim, o positivismo afirma que esses dois dogmas relacionados aplicam-se universalmente, a todos os campos do saber (a tesa da “unidade da ciência”): não existe nenhum conhecimento a priori da natureza nem da realidade social das ações e conhecimentos humanos; e a estrutura das explicações científicas é a mesma independentemente do objeto.[17]

Assumindo aqui que essa doutrina esteja correta, é fácil reconhecer suas implicações relativistas. A ética não é uma disciplina cognitiva. Qualquer proposição normativa é tão bem fundada – ou melhor, infundada – quanto qualquer outra. Mas então o que há de errado com todo mundo tentando impor o quer sobre os outros? Certamente nada. Tudo é permitido. A ética é reduzida à pergunta “o que eu posso fazer e me safar?” Que mensagem melhor poderia existir para aqueles no poder: para o rei canibal, para o dono de escravos ou para os titulares de cargos do governo! É precisamente o que eles querem ouvir: a força é e faz o direito.

De maneira semelhante, eles devem ficar surpresos quanto à mensagem do positivismo com respeito às ciências positivas. Nas ciências naturais, a doutrina positivista é relativamente inofensiva. Disciplinas tais como a lógica e a protofísica, cujas proposições são geralmente consideradas verdadeiras a priori (não falseáveis pela experiência), são interpretadas por positivistas como não contendo nenhum conhecimento “real”, como formalismos empiricamente vazios. Essa visão ajudou a legitimar e promover a degeneração de partes da lógica e da matemática em jogos simbólicos sem significado, de que o público geral permaneceu amplamente ignorante devido à natureza misteriosa do assunto.[18] Mas isso não mudou – e nem poderia – o fato de que pelo menos algumas proposições da lógica e da matemática são empregadas como a própria base das ciências naturais empíricas, e por isso são, de fato, tratadas como se contivessem informação empírica, ainda que não do tipo hipotético.[19] Também não há muito prejuízo na visão positivista das ciências naturais empíricas, como a física. Sua metodologia, conforme a qual não se pode nunca determinar se existe ou não qualquer relação hipotética entre duas ou mais variáveis, oferece a possibilidade de poder se apegar a uma hipótese independentemente de todas as experiências aparentemente falseadoras, pois sempre se pode culpar uma variável anteriormente negligenciada pelas próprias falhas preditivas. No entanto, como explicado acima, ninguém tentando produzir algum evento físico iria sistematicamente preferir encontrar desculpas por não alcançar esse objetivo em lugar de realmente alcançá-lo, porque ele teria de pagar sozinho o preço dessa teimosia.

No domínio das ciências sociais, porém, onde os custos das ações de alguém podem ser externalizados sobre outrem, essa possibilidade de imunizar a hipótese contra falseamento oferece agradáveis oportunidades para aqueles no poder.

Considere algumas proposições econômicas típicas: sempre que uma troca não for voluntária, mas coercitiva, como assaltos em estradas ou impostos, uma das partes lucrará à custa da outra. Ou: sempre que se impuserem leis de salário mínimo que exigirem que as taxas de salário sejam maiores que as existentes no mercado, ocorrerá desemprego involuntário. Ou: sempre que a quantidade de dinheiro for aumentada enquanto a demanda por ele permanece a mesma, o poder aquisitivo da moeda diminuirá. Ou: será “ótima” a oferta de dinheiro quando qualquer aumento nessa oferta não puder elevar o padrão geral de vida (embora possa ter efeitos redistributivos). Ou: propriedade coletiva de todos os fatores de produção torna impossível a contabilidade de custos e, desse modo, leva a uma produção inferior em termos de avaliações dos consumidores. Ou: a tributação da renda de produtores eleva sua taxa efetiva de preferência temporal e, assim, acarreta uma produção menor de bens. Aparentemente, essas proposições contêm conhecimento acerca da realidade, todavia não parecem ser falseáveis, mas verdadeiras por definição.[20] No entanto, de acordo com o positivismo, isso não pode ser assim. Na medida em que reivindicam ser afirmações empiricamente significativas, elas devem ser hipóteses sujeitas a confirmação ou falseamento empírico. Pode-se formular o exato oposto das mencionadas proposições sem desse modo afirmar nada que pudesse ser reconhecido desde o início, a priori, como falso (e sem sentido). A experiência teria que decidir a questão. Assim, assumindo a doutrina positivista, o ladrão de estrada, o cobrador de impostos, o sindicalista ou a comissão de diretores do Federal Reserve agiriam legitimamente, de um ponto de vista científico, ao afirmar que a tributação beneficia o tributado e aumenta a produção, leis de salário mínimo aumentam o emprego, e a criação de papel-moeda gera prosperidade geral. Como um bom positivista, ter-se-ia que admitir que essas também são meramente hipóteses. Com os efeitos previstos sendo benevolentes, porém, certamente elas devem entrar em vigor e ser experimentadas. Afinal de contas, não se devem fechar os olhos para experiência nova, e deve-se sempre estar disposto para reagir de maneira flexível e com mente aberta, dependendo do resultado de tal experiência. Contudo, se o resultado não sai como foi suposto, e o assaltado e o tributado não parecerem se beneficiar, o emprego de fato se reduzir, ou sucederem ciclos econômicos em vez de prosperidade geral, a possibilidade de imunizar a hipótese torna-se real, uma opinião quase irresistivelmente tentadora. Então por que iriam o ladrão, o cobrador de impostos ou os diretores do Federal Reserve não quererem continuamente minimizar todas as experiências aparentemente falseadoras como meramente acidentais, contanto que eles pudessem lucrar pessoalmente ao conduzir seus assaltos, sua taxação ou seu experimento de criação de dinheiro? Por que eles não iriam querer interpretar todos os aparentes falseamentos como experiências que foram produzidas por alguma circunstância infelizmente negligenciada e que desapareceria e se tornaria seu exato oposto, revelando a verdadeira relação entre impostos, leis de salário mínimo e criação de dinheiro com prosperidade uma vez que essas circunstâncias fossem controladas?

De fato, qualquer que seja a evidência empírica que se apresente contra essas hipóteses, tão logo se adote o positivismo e rejeite-se como mal concebida a ideia de formular uma defesa baseada em princípios contra elas ou em seu favor, a defesa do ladrão ou do cobrador de impostos está segura contra crítica decisiva, porque qualquer falha pode ser atribuía a uma ainda incontrolada variável interventora. Nem mesmo o experimento mais perfeitamente controlado poderia mudar essa situação. Pois nunca seria possível controlar todas as variáveis que, concebivelmente, podem ter uma influência sobre a variável a ser explicada ou o resultado a ser produzido. Na prática, isso envolveria controlar literalmente todo o universo, e em tese ninguém sabe sequer o que são todas as variáveis que constituem o universo. Não importam quais as acusações levantadas contra o ladrão, o tributador ou a comissão de diretores do Federal Reserve, dentro dos limites da metodologia positivista eles sempre serão capazes de preservar e resgatar o “núcleo” do seu “programa de pesquisa”, como o positivista neo-popperiano Lakatos teria chamado. A experiência apenas nos diz que um experimento particular não alcançou seu objetivo, mas jamais pode nos dizer se algum outro sutilmente diferente produzirá quaisquer resultados distintos, ou se é possível atingir o objetivo de gerar prosperidade geral por meio de qualquer forma de roubo, taxação ou criação de papel-moeda.

A atitude frente à economia positiva que o positivismo fomenta e que se tornou de fato característica da maior parte das elites do poder contemporâneas e de seus guarda-costas intelectuais subsidiários é aquela de uma engenharia social relativista cujo mote é “não se pode saber com certeza que algo é impossível no reino do fenômeno social e não há nada que não se queira experimentar sobre seus próprios semelhantes, contanto que se mantenha de mente aberta”.[21]

O fato de que o positivismo apoia a mentalidade do relativismo social não prova que ele está errado. Entretanto, suspeita quanto à sua validade parece ser adequado. Decerto não é óbvio que de modo algum não deveria existir um padrão ético racional e que literalmente “tudo vale”. Nem é intuitivamente plausível que a economia deveria ser um jogo simbólico sem significado (um sistema de proposições analíticas) ou um conjunto de previsões hipotéticas empiricamente falseáveis concernentes ao resultado de ações e interações humanas. No primeiro caso, seria nada mais que uma perda de tempo, e no último a economia obviamente seria impotente e, então, irrelevante (na verdade, o padeiro na antiga Atenas poderia ter previsto o comportamento de seus companheiros melhor e com mais elevado grau de confiança do que sua contrapartida moderna!). No entanto, proposições econômicas como aquelas supracitadas não são, aparentemente, sem significado nem irrelevantes. Com efeito, à luz das implicações do positivismo promotoras dos interesses daqueles no poder, pode-se muito bem suspeitar que o positivismo pode vir a ser aceito mesmo se for falso e que pode persistir mesmo se suas falsidades forem expostas – como com certeza foram.

Cada uma das três premissas inter-relacionadas do positivismo é demonstravelmente falsa.[22]

No que diz respeito à classificação positivista supostamente exaustiva das proposições em analíticas, empíricas e emotivas, deve-se perguntar: qual é, então, o status desse próprio axioma? Deve ser analítico ou empírico, ou deve ser uma expressão de emoções. Se for tomada por analítica, então trata-se meramente de um jogo de palavras vazio, não dizendo nada sobre algo real, mas apenas definindo um som ou símbolo por outro. Logo, ter-se-ia que simplesmente dar de ombros e responder: “e daí?” A mesma resposta seria apropriada se o argumento positivista fosse considerado uma proposição empírica. Se fosse esse o caso, teria que ser admitido que a proposição pode muito bem estar errada e que se teria o direito de conhecer o critério com base no qual se haveria de decidir se está mesmo ou não. Mais decisivamente, enquanto proposição empírica, só poderia meramente atestar um fato histórico e seria, assim, inteiramente irrelevante para determinar se seria ou não possível produzir proposições que sejam empíricas e ainda assim não falseáveis, ou que sejam normativas, porém não emotivas. Finalmente, se se assumisse que a linha de raciocínio positivista é uma proposição emotiva, então, de acordo com sua própria doutrina, ela é cognitivamente sem significado e não contém nenhuma reivindicação de verdade, e não seria necessário prestar mais atenção a ela do que a um cachorro latindo.

Desse modo, deve-se concluir, desde o princípio, que o positivismo é um fracasso completo. Ele não prova que não pode haver uma ética racional. Não pode nem sequer ser considerado uma epistemologia, uma teoria justificável do conhecimento. Pois que, se fosse, então a premissa mais básica do positivismo teria que ser uma proposição sintética a priori (empírica mas não falseável), cuja existência o positivismo nega. Dessa maneira ter-se-ia desembarcado na terra do racionalismo social.

Similarmente, a alegação positivista de que todas as explicações científicas são hipotéticas é autodestrutiva. (Pois qual é o status da explicação?)[23] Para ver isso, deixe-se assumir que uma explicação relacionando dois ou mais eventos se descobriu encaixar-se num conjunto de informações, e que é então aplicada a um segundo conjunto de informações, presumivelmente para se submeter a mais testes empíricos. Agora deve-se perguntar: qual é a pressuposição que se deve fazer para relacionar a segunda experiência com a primeira como confirmando-a ou a falseando? Pode parecer que, se na segunda instância de experiência as observações da primeira se repetissem, isso seria uma confirmação e, caso não se repetissem, um falseamento. Claramente, a metodologia positivista assume que isso é óbvio. Mas isso não é verdade. A experiência apenas revela que duas ou mais observações no tocante à sequência temporal de dois ou mais tipos de eventos podem ser classificadas “neutramente” como “repetição” ou “não repetição”. Uma repetição neutra somente se torna uma confirmação “positiva” e um falseamento “negativo” se torna uma não repetição se, independentemente de o que pode de fato ser descoberto pela experiência, assumir-se que existem causas constantes operando invariáveis no tempo. Se, ao contrário disso, é assumido que causas, no curso do tempo, podem operar às vezes de um jeito e outras vezes de outro, então essas ocorrências repetitivas ou não repetitivas são e permanecem experiências registradas de maneira neutra, totalmente independentes uma da outra. Elas não são, de maneira nenhuma, logicamente relacionadas uma com a outra como confirmando-se ou se falseando entre si. Há uma experiência e há outra, elas são a mesma ou são diferentes, mas isso é tudo que existe; nada mais se segue.

Assim, a pressuposição para ser capaz de dizer “falseia” ou “confirma” é o princípio da constância: a convicção de que fenômenos observáveis são, em princípio, determinados por causas constantes e invariáveis no tempo na maneira em que operam. Somente se o princípio da constância é assumido como válido é que se segue, de qualquer falha ao se reproduzir um resultado, que há algo errado com a hipótese original; e só então uma reprodução bem-sucedida pode de fato ser interpretada como uma confirmação. Obviamente, esse princípio da constância não é ele mesmo baseado na experiência ou derivado dela. Não só inexiste um vínculo observável conectando os eventos, como também, mesmo se tal vínculo existisse, a experiência não poderia relevar se ele é ou não invariável no tempo. O princípio tampouco pode ser refutado pela experiência, já que todo evento que pudesse parecer refutá-lo (como uma falha em duplicar algo) poderia ser interpretado, desde o início, como se a experiência tivesse mostrado aqui meramente que um tipo particular de evento não foi a causa de outro. Entretanto, na medida em que a experiência não pode excluir a possibilidade de que outro conjunto de eventos possa na verdade se descobrir ser invariável no tempo no seu modo de operar, a validade do princípio da constância não pode ser refutada.

Não obstante, embora não derivado da experiência nem refutável por ela, o princípio da constância não é nada menos que a pressuposição lógica necessária para experiências que podem se considerar confirmativas ou falseadoras umas das outras (em contraste com experiências isoladas, logicamente não conectadas). Logo, uma vez que o positivismo assume a existência dessas experiências relacionadas, deve-se concluir que ele assume também a existência de conhecimento não hipotético acerca da realidade. Deve assumir que existem, de fato, causas operando invariáveis no tempo, e deve assumir que esse é o caso, embora a experiência jamais possa provar ou refutar isso. Mais uma vez, o positivismo acaba por ser uma filosofia contraditória, inconsistente. Existem explicações não hipotéticas para coisas reais.

Finalmente (e a esta altura não surpreendentemente), a tese positivista da unidade da ciência revela-se autocontraditória. O positivismo afirma que ações, bem como qualquer outro fenômeno, podem e devem ser explicadas por meio de hipóteses que possam ser confirmadas ou refutadas pela experiência. Se esse fosse o caso, então o positivismo – contrário à sua própria doutrina de que não pode haver conhecimento a priori da realidade – seria forçado a admitir que, no que diz respeito a ações, existem causas operando invariáveis no tempo. Para procedermos tal como quer o positivismo – relacionando experiências diferentes relativas a sequência de eventos como confirmando-se ou se falseando – uma constância ao longo do tempo na operação das causas deve ser pressuposta (como já foi explicado). Porém, se isso fosse verdade e ações pudessem de fato ser concebidas como sendo governadas por causas operando invariáveis no tempo, que tal explicar os explicadores, i.e., aqueles que realizam o próprio processo de criação de hipóteses, de verificação e falseamento? Isto é, de todos nós, quem age do jeito que os positivistas nos falam para agir? Evidentemente, para fazer isso tudo – assimilar experiências confirmativas ou falseadoras, substituir hipóteses velhas por novas – deve-se assumidamente ser capaz de aprender. No entanto, se se pode aprender com a experiência, e o positivista é compelido a admiti-lo, então não se pode saber, a qualquer tempo dado, o que se irá saber mais tarde e como se agirá baseado nesse conhecimento. Antes, podem-se somente reconstruir as causas das próprias ações depois do evento, já que só se pode explicar o próprio conhecimento depois de já possuí-lo. Desse modo, a metodologia positivista aplicada ao campo do conhecimento e da ação, a qual contém conhecimento como seu ingrediente necessário, é simplesmente contraditório – um absurdo lógico.

O princípio da constância pode e decerto deve ser assumido dentro da esfera dos objetos naturais, i.e., para fenômenos que não se constituem dos próprios conhecimentos ou das ações manifestando esse conhecimento (nesta esfera, a questão de se há constantes regidas por leis com base nas quais se torna possível realizar previsões ex ante é determinada positivamente, independentemente da experiência, e fatores empíricos desempenham um papel apenas em determinar quais variáveis concretas são causalmente ligadas a quais variáveis de efeitos concretos, e quais não são). No tocante ao conhecimento e à ação, por outro lado, o princípio da constância não pode ser válido (nesta esfera de fenômenos, a questão de se existem ou não constantes é empírica por natureza e só pode ser decidida por uma dada variável com base em experiência passada, isto é, ex post). E tudo isso, que definitivamente é conhecimento sobre algo real, pode ser sabido apoditicamente. Logo, um dualismo metodológico, ao invés do monismo positivista, deve ser aceito e admitido como absolutamente verdadeiro a priori.

3 — A Escola Austríaca de Economia e as Perspectivas de uma Reconstrução Racionalista da Ética e da Economia

O fato de que o positivismo foi rapidamente refutado como um sistema filosófico autocontraditório naturalmente não ajudou a sua causa. Porém, devido à natureza da doutrina positivista conveniente aos interesses daqueles em posições de poder governamental, isso também fez pouco para reduzir a popularidade do positivismo. É preciso muito mais para derrotar o positivismo do que prová-lo logicamente falso: levaram décadas de experimentação social, de tentativas, em escala cada vez maior, de provar mundialmente e dentro de cada estado-nação que não existe nenhuma lei ética ou econômica, que nada é tabu e que tudo é possível. Custou o começo da estagnação econômica das democracias de bem-estar social do Ocidente no final dos anos 1960 e início dos 70; o empobrecimento contínuo das nações do Terceiro Mundo décadas depois de sua descolonização; e o gradual, e desde fins dos anos 80 – depois de mais de 70 anos de experimentação – o impressionantemente rápido colapso econômico dos países socialistas do Leste Europeu.[24] Fora do mundo real, ou seja, na academia, foi necessário o desaparecimento temporário da ética e da teoria política e sua substituição por análise linguística, papo furado operacionalmente insignificante, ou políticas de grupos de interesse e teorias de barganha.[25] Foi preciso a degeneração da economia em exercícios simbólicos empiricamente sem significado, sem semelhança alguma com o que uma vez fora o objeto dos clássicos do pensamento econômico (exceto, ocasionalmente, por algum termo economicamente exagerado[26] produzido por, no máximo, matemáticos de segunda categoria para nenhuma audiência, mas apenas para coletar poeira nas livrarias deste mundo sustentadas com impostos); ou foi preciso a sua degeneração em uma poderosa indústria econométrica de previsão, cuja futilidade foi dolorosamente óbvia para todo mundo, inclusive aos políticos e burocratas do governo que a subsidiam para empregá-la para propósitos de “legitimação científica”.[27] Foi preciso a falha do sistema keynesiano, com o advento do fenômeno alegadamente impossível da estagflação em meados dos anos 70; a ruína do paradigma monetarista, depois de uma longa série de previsões patentemente falsas do final dos anos 70 e ao longo dos 80; e a falência mundial da economia marxista.[28]

Ainda assim o positivismo não está morto. No entanto, desde meados dos anos 1970, o preço de décadas de engenharia e relativismo social tornou-se muito alto para ser ignorado ou simplesmente elucidado. Gradualmente, uma situação de crise filosófica emergiu. De maneira não surpreendente, com o positivismo finalmente perdendo espaço, outras variedades de relativismo, que estavam submersas durante o reinado do positivismo, ressurgiram e estão tentando cobrir o amplo vácuo ideológico. Associado a nomes tais como hermenêutica, retórica, ultra-subjetivismo e desconstrucionismo, um movimento acadêmico inferior está a caminho tentando reviver a velha mensagem do niilismo – de que não existe tal coisa como verdade – e atribuindo o fracasso do positivismo não ao seu relativismo, mas ao fato de que ele não é relativista o bastante, por continuar permitindo verdades empíricas (hipotéticas) ao invés de verdade nenhum.[29]

Mas a crise também trouxe de volta a filosofia do racionalismo social, que desde muito tempo já demonstrou a falsidade do positivismo, mas que caiu em esquecimento durante as décadas de supremacia positivista. Deflagrado pelo prêmio Nobel de 1974 concedido a Friedrich August von Hayek, a arquirracionalista Escola Austríaca de Economia, na tradição de Carl Menger, Eugen von Böhm-Bawerk e, sobretudo, Ludwig von Mises, professor de Hayek, e Murray Rothbard, tem experimentado um renascimento estrondoso. Removida por décadas dos mais altos escalões da academia subsidiada, por causa de suas intragáveis implicações para aqueles no poder, e relegada a uma existência discreta no submundo dos intelectuais do mundo real, não acadêmicos, a Escola Austríaca tem firmemente ganhado ímpeto e crescido num genuíno movimento de massa, com número crescente de bastiões acadêmicos, bem como um apoio popular crescendo continuamente. De fato, encabeçado pelo Ludwig von Mises Institute, fundado em meados dos anos 80, o movimento tomou uma dimensão internacional, com uma renascença de Mises rapidamente propagada entre círculos de intelectuais em países da Europa Oriental. Defrontados com o colapso total do socialismo e com o esgotamento de toda autoridade e legitimidade governamental, e confrontados com a tarefa de realizar uma reconstrução radial e imediata de seus países, o conselho que a economia matemática empiricamente sem significado, ou econometria, pode dar ou que pode se derivar do keynesianismo, do monetarismo, da Escola das Expectativas Racionais ou, pior ainda, da hermenêutica, só pode parecer-lhes ridiculamente inapropriado. Na sua situação de emergência, somente a Escola Austríaca oferece uma resposta inequívoca, radical e construtiva: não só existem verdades nas ciências sociais, como também verdades a priori, não hipotéticas, as quais ninguém é capaz de desfazer. A verdade é tão simples quanto fundamental: a propriedade privada e os direitos de propriedade privada são um princípio absoluto da ética, incontestavelmente válido, e são a base para um contínuo progresso econômico “ótimo”; e, para emergir das ruínas do socialismo, nada será suficiente senão uma intransigente privatização de toda e cada propriedade e o retorno a uma sociedade contratual baseada no reconhecimento do absolutismo dos direitos de propriedade privada.[30]

Com efeito, a Escola Austríaca representa a mais ambiciosa de todas as formas de racionalismo social, com suas afirmações inflexíveis de que existe conhecimento empírico a priori não hipotético no campo das ciências sociais e de que é a ética e a economia (as quais contêm tal conhecimento) que são análogas à lógica e à protofísica enquanto fundação absolutamente imprescindível de toda pesquisa social empírica. Ademais, a Escola Austríaca, sozinha, substanciou essas afirmações oferecendo uma teoria positiva completamente desenvolvida, consistente e abrangente da ética e da economia.[31]

Indiretamente, a afirmação básica do austrianismo já foi estabelecida. Durante a supracitada refutação do positivismo, foi demonstrado que, enquanto conhecimento e ações não podem ser concebidos como causados (i.e., previsíveis com base em variáveis de efeitos operando invariavelmente no tempo), toda ação, em virtude de tentar obter algum objetivo dado, pressupõe uma realidade causalmente estruturada. Por óbvio, esse insight mesmo representa um exemplo perfeito da possibilidade de conhecimento social não hipotético: ele enuncia conhecimento acerca de ações o qual nenhum agente poderia descobrir ser falso, porque uma tal descoberta iria, na realidade, pressupor sua validade. O austrianismo, na verdade, meramente afirma que existe muito mais do que isso implicado no nosso conhecimento adquirido reflexivamente sobre o que é agir, o qual nenhum agente, portanto, pode falsear.

A teoria austríaca se estabelece a partir de dois axiomas sistematicamente inter-relacionados, ambos verdadeiros de maneira não hipotética. O primeiro é o “axioma da ação”: a proposição de que humanos agem, ou, mais precisamente, de que eu estou agindo agora. Não se pode negar que essa proposição é verdadeira, uma vez que a negação seria, ela mesma, uma ação.  Tampouco alguém pode intencionalmente não agir, porque isso também seria uma ação. Portanto a verdade do axioma literalmente não pode ser desfeita.[32]

O segundo axioma é o “a priori da argumentação”. O que temos feito aqui o tempo todo – eu ao escrever este estudo, e o leitor ao lê-lo – foi nos engajarmos em argumentação. Se não fosse pela argumentação, não haveria nenhum debate sobre a verdade ou falsidade do relativismo ou racionalismo social e sobre o status da ética e da economia. Haveria apenas silêncio ou barulho sem significado. Somente com a argumentação emerge a ideia de validade e verdade. Se algo é ou não verdadeiro, falso ou indeterminável; se foi ou não justificado; o que é exigido para justificá-lo; se eu, outra pessoa ou ninguém está certo – tudo isso deve ser decidido no curso de argumentação e troca proposicional. Esta proposição também é verdadeira a priori, pois não pode ser negada sem ser afirmada no ato de negá-la. Não se pode argumentar que não se pode argumentar, e não se pode contestar saber o que significa levantar uma reivindicação de validade sem pelo menos reivindicar, implicitamente, que a negação dessa proposição é verdadeira. Esse é o a priori da argumentação,[33] ambos os axiomas se relacionam como fios entrelaçados logicamente necessários do conhecimento a priori. Por um lado, ações são mais fundamentais que a argumentação, porque esta é apenas uma subclasse daquelas. Por outro lado, afirmar o que acabou de ser dito sobre ação, argumentação e a relação de ambos já requer argumentação, de modo que, epistemologicamente, a argumentação deve ser considerada mais fundamental que a ação não argumentativa.

A ética, ou, mais especificamente, a ética austríaca da propriedade privada, é derivada do a priori da argumentação e é a partir da sua natureza enquanto axioma verdadeiro não hipotético que a ética deriva seu próprio status de absolutamente verdadeira.[34]

Com o a priori da argumentação estabelecido como um ponto de partida axiomático da epistemologia, segue-se que tudo que deve ser pressuposto no ato de criar proposições não pode ser proposicionalmente contestado de novo. Seria sem sentido pedir uma justificação de pressupostos que tornam possível a produção de proposições significativas em primeiro lugar. Em vez disso, eles devem ser considerados como definitivamente justificados por todo criador de proposições. Qualquer conteúdo proposicional específico que conteste sua validade deve ser entendido como implicando uma contradição performativa ou prática.

Além disso, da mesma forma que é inegavelmente verdadeiro que não se pode argumentar que não se pode argumentar e que se deve assumir que todos engajados em argumentação devem saber o que significa reivindicar que algo é verdadeiro, também é verdade que todo argumento requer uma pessoa argumentando, um agente. Argumentar nunca consiste apenas em proposições flutuando livremente, mas é sempre uma atividade, também. Dado que reivindicações de verdade devem-se levantar e decidir no curso da argumentação e que a argumentação, afora o que seja dito em seu decurso, é também uma atividade, segue-se que devem existir normas intersubjetivamente significativas. Estas normas são precisamente aquelas que fazem de uma ação uma argumentação, e elas possuem um status cognitivo especial na medida em que são as precondições práticas da verdade. De fato, nem a dicotomia fato-empírico/valor-emotivo, tão querida aos positivistas, nem sua distinção das afirmações em empíricas e analíticas, poderiam se alegar verdadeiras a menos que as normas subjacentes à argumentação (no curso da qual tais distinções são feitas) fossem elas mesmas tidas como válidas. É simplesmente impossível argumentar em contrário, porquanto ao fazê-lo se estaria, com efeito, pressupondo sua validade.

Agora, enquanto atividade necessariamente prática, todo intercâmbio proposicional requer o controle exclusivo (propriedade) do criador de proposições sobre alguns meios escassos. Ninguém poderia propor nada, e ninguém poderia se convencer de nenhuma proposição, se o direito de fazer uso exclusivo do próprio corpo físico já não fosse pressuposto. É o reconhecimento do controle mutuamente exclusivo do outro sobre seu corpo que explica a característica distintiva das trocas proposicionais: de que, enquanto se pode discordar sobre o que foi dito, é ainda possível concordar pelo menos sobre o fato de que existe discordância. É óbvio também que tal direito de propriedade sobre o próprio corpo deve-se dizer justificado a priori, pois qualquer pessoa que tente justificar qualquer norma já deve pressupor um direito exclusivo de controle sobre seu corpo para dizer “eu proponho isso e aquilo”. Qualquer pessoa contestando tal direito ficaria presa numa contradição prática, uma vez que, ao argumentar nesse sentido, já teria aceitado implicitamente a própria norma que está contestando.

Finalmente, seria igualmente impossível engajar-se em argumentação se não fosse permitido, em adição, apropriar para o próprio corpo outros meios escassos através da apropriação original (homesteading), i.e., colocando-os em uso antes que outra pessoa o faça, ou se esses meios não fossem definidos em termos físicos, objetivos.

Pois se ninguém tivesse o direito de controlar nada, exceto seu próprio corpo, então nós todos cessaríamos de existir e o problema de justificar normas – bem como os outros problemas humanos – simplesmente não existiria. O fato de que estamos vivos pressupõe a validade dos direitos de propriedade sobre outras coisas. Ninguém que esteja vivo poderia argumentar em contrário.

E se uma pessoa não adquiriu direito de controle exclusivo sobre esses bens por apropriação original, pelo estabelecimento de um vínculo objetivo entre uma pessoa em particular e um recurso físico particular sem que alguém o tenha feito antes, mas em vez disso se assumisse que retardatários podem reivindicar a posse das coisas, então literalmente ninguém teria permissão para fazer nada com qualquer coisa a qualquer tempo a menos que tivesse o prévio consentimento de todos os retardatários. Nós não poderíamos sobreviver, não o teriam podido nossos antepassados e nem o poderá nossa prole, caso seguirmos essa regra. Todavia, para que qualquer pessoa – do passado, do presente ou do futuro – argumente algo, evidentemente deve ser possível sobreviver. E para que façamos isso, os direitos de propriedade não podem ser concebidos como intemporais e inespecíficos quanto ao número de pessoas em questão. Antes, os direitos de propriedade devem necessariamente se originar por meio da ação de agentes individuais específicos em lugar e tempo definidos. Caso contrário, seria impossível para qualquer um dizer qualquer coisa em um lugar e tempo definidos e para outra pessoa responder. Afirmar que a regra do primeiro-usuário-primeiro-dono da propriedade privada pode ser ignorada ou é injustificada implica uma contradição. A feitura dessa proposição pressupõe a própria existência de si enquanto unidade de tomada de decisão fisicamente independente num dado ponto do tempo e a validade do princípio da apropriação original como um princípio absoluto da aquisição de propriedade.

A economia, ou, na terminologia de Mises, a praxeologia, e seu status como ciência social não hipotética verdadeira a priori são derivados do axioma da ação.[35]

Em toda ação, um agente busca um objetivo, e, qualquer que seja seu objetivo, o fato de que é visado por um agente revela que ele deposita um valor relativamente maior nesse do que em qualquer outro objetivo que ele pudesse conceber no início da sua ação.

Para atingir seu objetivo, um agente deve interferir ou decidir não interferir (o que também é uma interferência) em um ponto anterior do tempo para produzir um resultado posterior, e essa interferência implica o uso de alguns meios escassos (pelo menos o corpo do agente, o espaço em que se encontra e o tempo utilizado pela interferência).

Esses meios devem também ter um valor para o agente – um valor derivado do valor do objetivo –, porque o agente deve considerar seu emprego necessário para alcançar efetivamente o objetivo. Além disso, ações só podem ser realizadas sequencialmente e sempre envolvem fazer uma escolha, i.e., tomar um curso de ação que, em algum ponto dado no tempo, promete o resultado mais altamente valorizado pelo agente e excluir, ao mesmo tempo, a busca de outros objetivos, menos valorizados.

Em adição, quando está agindo, um agente não apenas deseja invariavelmente substituir um estado de coisas menos satisfatório por um mais satisfatório e demonstra uma preferência por valores maiores frente aos menores; ele também considera, invariavelmente, quando seus objetivos serão atingidos no futuro e demonstra uma preferência universal por resultados mais adiantados. Uma vez que toda ação requer tempo e o homem deve ocasionalmente consumir algo, o tempo é sempre escasso. Logo, resultados presentes e mais adiantados serão, e invariavelmente devem ser, mais altamente valorados do que os futuros e mais atrasados, e o homem somente irá trocar um valor presente por um futuro se ele esperar dessa maneira aumentar seu bem-estar futuro.

Ademais, como uma consequência de ter que escolher e dar preferência a um objetivo em lugar de outro, de não ser capaz de realizar todos os objetivos simultaneamente e de ser restringido pela preferência temporal, toda e cada ação implica incorrer em custos, i.e., o abandono do valor atribuído ao objetivo alternativo mais altamente valorizado que não pode ser realizado ou cuja realização deve ser adiada porque os meios necessários para efetivá-la estão vinculados à produção de outro objetivo ainda mais altamente valorizado.

Finalmente, está implicado em nosso conhecimento sobre o que é uma ação que, no seu ponto de partida, todo objetivo da ação deve ser considerado mais valioso para o agente do que seu custo e capaz de render um lucro, i.e., um resultado cujo valor é classificado como maior do que o das oportunidades abandonadas. No entanto, toda ação é também, invariavelmente, ameaçada pela possibilidade de prejuízo, se em retrospecto um agente acha que, ao contrário das expectativas, o resultado efetivamente atingido tem um valor menor do que o teria a alternativa renunciada.

Todas essas categorias que sabemos ser o coração mesmo da economia – valores, meios, escolha, preferência, preferência temporal, custo, lucro e prejuízo – estão implicadas no axioma da ação. Assim como o próprio axioma, elas incorporam conhecimento verdadeiro não hipotético. Qualquer tentativa de refutar esse conhecimento teria de ser, ela mesma, uma ação, visando a um objetivo, exigindo meios, excluindo outros cursos de ação, incorrendo em custos, submetendo o agente à possibilidade de atingir ou não o fim desejado e levando, então, a um lucro ou prejuízo.

Todas as proposições econômicas verdadeiras, e é disso que se trata o conceito austríaco de economia, podem ser deduzidas por meio da lógica formal a partir desse conhecimento material incontestavelmente verdadeiro quanto ao significado da ação e suas categorias. Mais precisamente, todos os teoremas econômicos verdadeiros consistem em: (a) um entendimento do significado da ação; (b) uma situação ou mudança situacional – assumida como dada ou identificada como sendo dada – e descrita em termos de categorias de ação; e (c) uma dedução lógicas das consequências – de novo em termos dessas categorias – que resultam para um agente de sua situação ou mudança situacional. Por exemplo, a lei da utilidade marginal, uma das mais básicas leis econômicas, segue-se do nosso incontestável conhecimento do fato de que todo agente sempre prefere o que o satisfaz mais ao que o satisfaz menos, somado à assunção de que ele é confrontado por um aumento no suprimento de um bem (um meio escasso) cujas unidades ele considera de serventia igual à de uma unidade adicional. Disso se segue, com necessidade lógica, que essa unidade adicional só pode ser empregada como meio para remover um incômodo julgado menos urgente do que o objetivo menos valorizado previamente satisfeito por uma unidade desse bem.

A combinação da ética como está implicada no axioma da argumentação com a economia como implicada no axioma da ação produz o que pode ser chamado economia austríaca de bem-estar.[36]

Se e na medida em que agentes escolhem agir de acordo com o princípio incontestavelmente válido da ética da propriedade privada, o bem-estar social – definido em termos do ótimo de Pareto – será invariavelmente otimizado: a apropriação original de uma pessoa sobre recursos sem dono, como demonstrado por essa mesma ação, aumenta sua utilidade ou bem-estar (pelo menos ex ante). Ao mesmo tempo, ele não deixa ninguém em situação pior, porque ao apropriá-los ele não tira nada de outras pessoas. Obviamente, outras pessoas também poderiam ter apropriado esses recursos, apenas se os tivessem percebido como escassos e, por isso, valiosos. No entanto, elas não o fizeram, o que demonstra que elas não lhes vinculavam nenhum valor, e desse modo não se pode dizer que elas perderam alguma utilidade por causa dessa ação. Procedendo a partir dessa base, qualquer posterior ato de produção utilizando recursos apropriados originalmente é outrossim Pareto-ótimo em termos de preferência demonstrada, contanto apenas que isso não agrida, de maneira não solicitada, a integridade física dos recursos apropriados ou produzidos originalmente por outros. Por fim, toda troca voluntário partindo dessa base também se deve considerar uma mudança Pareto-ótima, porque só pode ocorrer se ambas as partes esperarem se beneficiar dela.

Operar conforme as regras descritas sempre e invariavelmente levará à maior produção de riqueza possível, pois qualquer desvio desse conjunto de regras implica, por definição, uma redistribuição de títulos de propriedade, e portanto de renda, de usuários-produtores e contratantes de bens para não usuários-produtores e não contratantes. Em consequência, todo desvio desse tipo implica que haverá relativamente menos apropriação original de recursos cuja escassez seja reconhecida, haverá menos produção de novos bens, menos manutenção dos bens existentes e menos trocas e contratações mutuamente benéficas. Isso, por sua vez, implica um padrão de vida mais baixo em termos de bens e serviços intercambiáveis. Além disso, a condição de que somente a integridade física da propriedade (e não seus valores) está protegida garante que todo proprietário empreenderá os maiores esforços produtores de valor para promover mudanças favoráveis nos valores de propriedades e prevenir ou combater quaisquer mudanças desfavoráveis nos valores das propriedades (como as que podem resultar de ações de outra pessoa sobre sua propriedade). Portanto, qualquer desvio dessas regras também implica níveis reduzidos de esforços produtores de valor, em todos os tempos.

A simplicidade radical dessa teoria austríaca da ética e da economia, na verdade o fato de que ela foi totalmente elaborada – primeiramente no memorável Ação Humana, de Ludwig von Mises, no Man, Economyy, and State e no A Ética da Liberdade, ambos de Murray N. Rothbard – para formar um edifício rigorosamente consistente, bem como arquitetonicamente belo, de pensamento ético e econômico, explica por que o racionalismo social da Escola Austríaca pôde ser deixado na clandestinidade durante o auge do positivismo, mas jamais poderia ser inteiramente extirpado e erradicado. Sua verdade é óbvia demais para ser ignorada consistentemente entre homens de curiosidade intelectual e bom senso, pois não é natural que cada pessoa deveria possuir seu próprio corpo, assim como todos os bens escassos que coloque em uso com ajuda desse seu corpo antes que outra pessoa o faça? Não é óbvio que todo proprietário deveria ter o direito de empregar esses bens como ele achar cabível, desde que, ao fazê-lo, ele não altere de maneira não convidada a integridade física da propriedade de outra pessoa? Não é óbvio, uma vez que um bem foi apropriado ou produzido originalmente, que então a propriedade sobre ele só pode ser adquirida por meio de uma transferência contratual voluntária de título de propriedade de um dono prévio para um dono posterior? E não é intuitivamente claro que, somente se e na medida em que essas regras estiverem em vigor, sucederá a maior produção de riqueza e bem-estar social possível?[37]

Essa teoria tão obviamente verdadeira tem as mais radicais implicações prático-políticas. Ela refuta ações eticamente injustificáveis e economicamente contraprodutivas como tributação, a redistribuição legislativa de direitos de propriedade privada, a criação de moeda fiduciária, banco baseado em sistema de reservas fracionárias e, finalmente, a própria instituição do governo estatal. Ela requer, ao invés disso, uma pura sociedade da propriedade privada, uma anarquia de donos de propriedades privadas, regulada exclusivamente pela lei da propriedade privada.[38] Em virtude disso, a Escola Austríaca é trazida em oposição fundamental a qualquer exercício de poder governamental. Reconhecendo-a como sua natural e mais perigosa inimiga intelectual, aqueles no poder têm feito tudo para destruir sua memória e substituir a ética e a economia por estatolatria. Como escreve Mises:

O poder embriaga tanto um ditador como uma maioria democrática. Ainda que, relutantemente, sejam forçados a admitir que estejam sujeitos às leis da natureza, rejeitam a própria noção de lei econômica. Não são eles os que legislam como lhes convém? Não são eles que têm o poder de derrotar seus adversários? Nenhum senhor guerreiro admite qualquer limite ao seu poder, a não ser aquele que lhe é imposto por uma força militar superior à sua.

Sempre existirão penas servis para redigir complacentemente doutrinas adequadas aos detentores do poder. E chamam estas deturpações de “economia histórica”. De fato, a história econômica é um extenso registro de políticas de governo que falharam porque foram elaboradas com um imprudente desrespeito às leis da economia.

É impossível compreender a história do pensamento econômico se não atentarmos para o fato de que a economia tem sido um desafio à vaidade dos detentores do poder. Um verdadeiro economista jamais será benquisto por autocratas e demagogos, que sempre o considerarão um intrigante e que, quanto mais estiverem intimamente convencidos de que suas objeções são corretas e fundamentadas, mais o odiarão.[39]

Na presente situação de crise mundial da legitimidade governamental, do colapso do bloco leste do socialismo e da contínua estagnação dos estados de bem-estar ocidentais, a chance para o racionalismo austríaco cobrir o vácuo filosófico que apareceu com a retração do positivismo e para se tornar o paradigma do futuro é tão boa quanto nunca, ou melhor.[40] Assim agora como antes, propor a teoria social austríaca exige coragem moral, bem como integridade intelectual – os batalhões estatistas opositores ainda representam uma maioria formidável e estão no controle de uma quantidade muito maior de recursos. Não obstante, com o fracasso total do socialismo e o conceito de propriedade social encarando a todos na face, a antitética teoria austríaca da propriedade privada, do livre mercado e do laissez-faire não pode senão ganhar atratividade e granjear suporte. Os austríacos têm motivo para crer que chegou o momento em que eles terão sucesso em trazer à tona uma mudança fundamental na opinião pública, reivindicando a ética e a economia das mãos dos positivistas e dos poderosos proponentes da engenharia social e restaurando o reconhecimento público dos direitos de propriedade privada e do livre mercado baseado em tais direitos enquanto princípios últimos absolutos da ética e da economia.

 

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NOTAS

[1]Sobre isso em especial, Paul Lorenzen, Methodisches Denken (Frankfurt/M.: Suhrkamp, 1968); idem, Normative Logic and Ethics (Mannheim: Bibliographisches Institut, 1969),

A geometria, a cronometria e a mecânica racional são teorias a priori que tornam “possível” uma mensuração empírica do espaço, do tempo e da matéria. Elas devem ser estabelecidas antes que a física no sentido moderno de ciência empírica, com seus hipotéticos campos de força, possa começar. Portanto, eu gostaria de chamar essas três disciplinas pelo nome comum de: protofísica. As sentenças verdadeiras da protofísica são aquelas que são defensáveis com base na lógica, aritmética e análise, definições e as normas ideais que tornam a medição possível. (p. 60)

Veja também Peter Janich, Die Protophysik der Zeit (Mannheim: Bibliographisches Institut, 1969); Friedrich Kambartel, Erfahrung und Struktur [Frankfurt/M.: Suhrkamp, 1968]).

[2]Chicago: University of Chicago Press, 1970; também Imre Lakatos e Alan Musgrave, eds., Criticism and the Growth of Knowledge (Cambridge: Cambridge University Press, 1970).

[3]Veja Paul Feyerabend, Against Method (London: New Left Books, 1975); idem, Science in a Free Society (London: New Left Books, 1978); idem, Wissenschaftals Kunst (Frankfurt/M.: Suhrkamp, 1984).

[4]Sobre isso veja Hans-Hermann Hoppe, “On Praxeology and the Praxeological Foundation of Epistemology and Ethics”, em Jeffrey Herbener, ed., The Meaning of Ludwig von Mises (Boston: Kluwer Academic Publishers, 1991).

[5]Veja também Hans-Hermann Hoppe, “In Defense of Extreme Rationalism”, Review of Austrian Economics 3 (1989): esp. 190–92; Wolfgang Stegmüller, Hauptströmungen der Gegenartsphilosophie (Stuttgart: Kröner, 1975), vol. 2, chap. 5, esp. pp. 523ff.

[6]Veja Martin Hollis e Steven Lukes, eds., Rationality and Relativism (Oxford: Basil Blackwell, 1982).

[7]Veja Hans-Hermann Hoppe, Kritik der kausalwissenschaftlichen Sozialforschung. Untersuchungenzur Grundlegung von Soziologie und Ökonomie (Opladen: Westdeutscher Verlag, 1983), esp. pp. 30–32; sobre o dualismo metodológico veja também Ludwig von Mises, Human Action: A Treatise on Economics (Chicago: Regnery, 1966), p. 18; idem, Theory and History: An Interpretation of Social and Economic Evolution (Auburn, Ala.: Ludwig von Mises Institute, 1985), pp. 1–2, 38–41; além disso, K.O. Apel, Die Erklären: Verstehen Kontroverse in transzendental-pragmatischer Sicht (Frankfurt/M.: Suhrkamp, 1979).

[8]Veja Mises, Theory and History, pp. 44ff.

[9]Veja Murray N. Rothbard, Man, Economy, and State (Los Angeles: Nash, 1970), p. 749.

[10]Veja Henry Veatch, Rational Man: A Modern Interpretation of Aristotelian Ethics (Bloomington: Indiana University Press, 1962), esp. pp. 37–46; Hoppe, “In Defense of Extreme Rationalism”, pp. 84–85.

[11]Veja Viktor Kraft, Der Wiener Kreis (Vienna: Springer, 1968); Stegmüller, Hauptströmungen der Gegenwartsphilosophie (Stuttgart: Kroner, 1965), vol. 1, chaps.IX–X.

[12]Veja Kambartel, Erfahrungund Struktur, esp. chap. 6; veja também a nota 18 abaixo.

[13]Veja Mises, Human Action, cap. III

[14]Veja Mises, Human Action, part 7; idem, The Ultimate Foundation of Economic Science (Kansas City: Sheed Andrews and McMeel, 1978), esp. caps. 5–8, que conclui com a afirmação:

Na medida em que o princípio empirista se refere aos métodos experimentais das ciências naturais, ele apenas afirma aquilo o que não é questionado por ninguém.  Na media em que se rejeita os princípios epistemológicos das ciências da ação humana, ele não está totalmente errado. Está também sabidamente e intencionalmente corroendo os fundamentos intelectuais da Civilização Ocidental. (p. 133)

[15]Veja em particular Alfred J. Ayer, Language, Truth, and Logic (New York: Dover, 1946).

[16]Veja Karl R. Popper, The Logic of Scientific Discovery (New York: Basic Books, 1959); idem, Conjectures and Refutations (London: Routledge and Kegan Paul, 1969); Carl G. Hempel, Aspects of Scientific Explanations (New York: Free Press, 1970); Ernest Nagel, The Structure of Science (New York: Harcourt, Brace and World, 1961).

[17]Veja Paul Oppenheim e Hilary Putnam, “Unity of Science as a Working Hypothesis”, em H. Feigl, ed., Minnesota Studies in the Philosophy of Science (Minneapolis: University of Minnesota Press, 1967), vol. 2.

[18]Veja Kambartel, Erfahrung und Struktur, esp. pp. 236–42. A concepção racionalista de lógica e matemática é sintetizada pelo dito de Gottlob Frege de que “segue-se da verdade dos axiomas que eles não se contradizem”. A interpretação positivista-formalista, por outro lado, é formulada pelo jovem D. Hilbert: “Se os axiomas arbitrariamente assumidos não levam a implicações contraditórias, então eles são verdadeiros, e os objetos definidos pelos axiomas existem” (citado de Kambartel, p. 239).

O avanço do formalismo, então, explica Kambartel, tem consequências de longo alcance.

O recuo da matemática de toda justificação prática e da correspondente justificação epistemológica do formalismo é ele mesmo uma decisão prática de máxima importância. É o abandono da justificação prática e, já que sistemas formais sem uma interpretação significativa de seu ponto de partida não podem justificar nada, em última análise da própria justificação de proposições de modo geral. (p. 241)

Em consequência,

muitas análises formais tornam-se um jogo educado para alguns poucos, embora sem que o pública o note, por causa de sua inabilidade para atingir o nível de discussão que é exigido aqui para determinar a fronteira entre teoria e jogo. (p. 238)

[19]Veja Hans Lenk, “Logikbegründung und Rationaler Kritizismus”, Zeitschriftfür Philosophische Forschung 24 (1970); K.O. Apel, Transformation der Philosophie, vol. II, pp. 406–10.

[20]Sobre isso veja os dois principais tratados econômicos de todos os tempos: Ação Humana, de Mises, e Man, Economy, and State, de Rothbard.

[21]Veja também Hans-Hermann Hoppe, A Theory of Socialism and Capitalism (Boston: Kluwer Academic Publishers, 1989), cap. 6; idem, “The Intellectual Cover for Socialism”, Free Market (February 1988).

[22]Sobre o que vem em seguida veja Mises, The Ultimate Foundation of Economic Science; Murray N. Rothbard, Individualism and the Philosophy of the Social Sciences (San Francisco: Cato, 1979); Hans-Hermann Hoppe, Praxeology and Economic Science (Auburn, Ala.: Ludwig von Mises Institute, 1988); idem, “On Praxeology and the Praxeological Foundations of Epistemology and Ethics”; também Martin Hollis e Edward Nell, Rational Economic Man (Cambridge: Cambridge University Press, 1975), Introduction.

[23]Sobre o que vem em seguida veja também Hoppe, Kritik der kausalwissenschaftlichen Sozialforschung; veja também supra cap. 7.

[24]Para uma interpretação do século 21 como o apogeu da filosofia da engenharia social e do relativismo veja o magnífico Modern Times, de Paul Johnson, (New York: Harper andRow, 1983).

[25]Veja também Veatch, Rational Man; idem, For an Ontology of Morals: A Critique of Contemporary Ethical Theory (Evanston, Ill.: Northwestern University Press, 1971); idem, Human Rights: Facts or Fancy?(Baton Rouge: Louisiana State University Press, 1985).

[26]Por exemplo, Gary North sugere que se

dê uma olhada em qualquer página do livro do ganhador do prêmio Nobel de 1983, Gerald Debreu, Theory of Value: An Axiomatic Analysis of Economic Equilibrium, que estava em sua oitava edição em 1979 – um testemunho das honras do estudo graduado em economia. O único indício de realidade no livro inteiro aparece na p. 29, as palavras “Nº 2 Trigo do Inverno Vermelho”. (Gary North, “Why Murray Rothbard Will Never Win the Nobel Prize!”, em Walter Block e Llewellyn H. Rockwell, Jr., eds., Man, Economy, and Liberty, Essays in Honor of Murray N. Rothbard [Auburn, Ala.: Ludwig von Mises Institute, 1988], pp. 89–90).

[27]Sobre a degeneração das ciências sociais veja em particular as observações brilhantes de Stanislav Andreski, Social Science as Sorcery (New York: St. Martin’s Press, 1972); Charles Sykes, ProfScam: Professors and the Demise of Higher Education (Washington, D.C.: Regnery, 1988).

[28]Veja também Murray N. Rothbard, For a New Liberty (New York: Macmillan, 1978), cap. 9; idem, “The Hermeneutical Invasion of Philosophy and Economics”, Review of Austrian Economics 3 (1989): 54–55; idem, “Is There Life After Reaganomics”, em Llewellyn H. Rockwell, Jr., ed., The Free Market Reader (Auburn, Ala.: Ludwig von Mises Institute, 1988), esp. p. 378; idem, “Ronald Reagan; An Autopsy”, Liberty II, no. 4 (March 1989).

[29]Para uma avaliação crítica do novo niilismo veja Henry Veatch, ‘”Deconstruction in Philosophy: Has Rorty Made It the Denouement of Contemporary Analytical Philosophy?”,Review of Metaphysics 39 (1985); Jonathan Barnes, “A Kind of Integrity”, London Review of Books (November 6, 1986); Rothbard, “The Hermeneutical Invasion of Philosophy and Economics”; Hoppe, “In Defense of Extreme Rationalism”.

[30]Para uma avaliação crítica da revolução no Leste Europeu veja Hans-Hermann Hoppe, “The Collapse of Socialism and the Future of Eastern Europe”, Kwasny Economics II, no. 6 (October 30, 1989); idem, Desocialization in a United Germany (Auburn, Ala.: Ludwig von Mises Institute, 1991).

[31]Veja em particular Mises, Human Action; Rothbard, Man, Economy, and State; idem, The Ethics of Liberty (Atlantic Highlands: Humanities Press, 1982).

[32]Veja Mises, Human Action, part 1.

[33]Veja em particular Apel, Transformation der Philosophie, vol II.

[34]Sobre o que vem em seguida veja Hoppe, A Theory of Socialism and Capitalism, chaps. 2, 7.

[35]Sobre o que vem em seguida veja Mises, Human Action, caap. IV; Rothbard, Man Economy, and State, cap. 1; idem, “Praxeology: The Methodology of Austrian Economics”, em Edwin Dolan, ed., The Foundations of Modern Austrian Economics (Kansas City: Sheed and Ward, 1976); Hoppe, Praxeology and Economic Science; também Lionel Robbins, The Nature and Significance of Economic Science (New York: New York University Press, 1982).

[36]Veja também Murray N. Rothbard, Toward a Reconstruction of Utility and Welfare Economics (New York: Center for Libertarian Studies, Occasional Paper Series no. 3, 1977); idem, Power and Market (Kansas City: Sheed, Andrews and McMeel, 1977); idem, “The Myth of Neutral Taxation”, Cato Journal 1, no. 2 (1981); Hoppe, A Theory of Socialism and Capitalism; idem, “Man, Economy, and Liberty: Review Essay”, Review of Austrian Economics 4 (1990).

[37]Sobre a ideia de um senso natural de justiça veja também Gustave de Molinari, The Production of Security (Burlingame, Calif.: Center for Libertarian Studies, Occasional Paper Series No. 2, 1977).

[38]Sobre isso também Rothbard, Man, Economy, and State; idem, Power and Market, idem, For A New Liberty; idem, The Ethics of Liberty; Hans-Hermann Hoppe, Eigentum, Anarchie, und Staat (Opladen: Westdeutscher Verlag, 1987); idem, A Theory of Socialism and Capitalism.

[39]Mises, Human Action, p. 67.

[40]Para uma avaliação estratégica da presente época sob uma perspectiva austríaca veja Murray N. Rothbard, “Left and Right: The Prospects for Liberty”, e “Ludwig von Mises and the Paradigm of Our Age”, em idem, Egalitarianism as a Revolt Against Nature and Other Essays (Washington, D.C.: Libertarian Review Press, 1974).

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