5. O que o estado teme
O que o estado teme acima de tudo, claro, é qualquer ameaça fundamental ao seu próprio poder e à sua existência. A morte do estado pode ocorrer de duas formas: (a) por meio da sua conquista por outro estado, ou (b) por meio de um golpe revolucionário feito pelos seus próprios súditos — ou seja, por meio da guerra ou da revolução. Guerra e revolução, sendo as duas ameaças essenciais, invariavelmente suscitam nos governantes estatais esforços máximos e a máxima propaganda possível direcionada à população. Como dito anteriormente, qualquer meio deve sempre ser utilizado para mobilizar as pessoas a defender o estado na crença de que estão defendendo a si mesmas. A fraude subjacente a esta ideia torna-se evidente quando o recrutamento compulsório é utilizado contra aqueles que se recusam a “defender-se” e que são, como tal, forçados a juntar-se ao aparato militar do estado: desnecessário dizer que não lhes é permitida qualquer “defesa” contra este ato cometido pelo “seu próprio” estado.
Em uma guerra, o poder do estado é levado ao extremo, e sob os slogans da “defesa” e da “emergência”, ele pode impor uma tirania ao público que, em tempos de paz, enfrentaria franca e aberta resistência. Desta forma, a guerra provê muitos benefícios a um estado e, de fato, todas as guerras modernas trouxeram aos povos envolvidos um permanente legado de maiores encargos estatais sobre a sociedade. A guerra, além disso, provê ao estado oportunidades tentadoras de conquistar territórios sobre os quais pode exercer o seu monopólio da força. Definitivamente, Randolph Bourne estava correto quando disse que “a guerra é a saúde do estado”; porém, para qualquer estado em particular, uma guerra pode significar tanto sua saúde quanto estragos irreparáveis.[xxxv]
Podemos colocar à prova a hipótese de que o estado está majoritariamente interessado em proteger a si mesmo, e não os seus súditos, levantando a seguinte questão: qual a categoria de crimes que o estado persegue e pune mais intensamente — aqueles cometidos contra os cidadãos ou aqueles cometidos contraele próprio? No vocabulário do estado, os crimes mais graves são quase invariavelmente não-agressões contra indivíduos ou contra a propriedade privada, mas sim ataques contra o próprio bem-estar do estado: por exemplo, traição, deserção de um soldado para o lado inimigo, fugir do alistamento militar compulsório, subversão e conspiração subversiva, assassinato de governantes, e crimes econômicos contra o estado, como falsificação da sua moeda ou evasão fiscal.
Ou compare a intensidade dedicada à perseguição de um homem que tenha atacado um policial com a atenção que o estado concede ao ataque a um cidadão comum. Curiosamente, no entanto, esta explícita prioridade do estado à sua própria contra o público não parece suscitar nas pessoas nenhum sentimento de incoerência e inconsistência em relação à sua pretensa raison d’etre.[xxxvi]
[xxxv] Vimos que o apoio por parte dos intelectuais é fundamental ao estado, e isto inclui o apoio contra as suas duas ameaças essenciais. Assim, acerca do papel dos intelectuais americanos no envolvimento dos Estados Unidos na Primeira Guerra Mundial, ver Randolph Bourne, “The War and the Intellectuals,” em The History of a Literary Radical and Other Papers (New York: S.A. Russell, 1956), p. 205-22.
Tal como Bourne evidencia, um dos métodos comuns dos intelectuais para ganhar o apoio do público para as ações do estado é o de desviar qualquer discussão para os limites da política do estado e de desencorajar qualquer crítica total ou fundamental deste enquadramento básico.
[xxxvi] Tal como Mencken o descreve, à sua maneira inconfundível:
Esta gangue (“os exploradores que formam o governo”) é praticamente imune ao castigo. As suas extorsões mais graves, mesmo quando são claramente para proveito privado, não acarretam qualquer pena certa sob as nossas leis. Desde os primeiros dias da República que não mais que algumas dúzias dos seus membros foram impugnados dos seus mandatos, e apenas alguns subordinados obscuros foram encarcerados. A quantidade de homens postos na prisão por se revoltarem contra as extorsões do governo é sempre dez vezes maior do que a quantidade de representantes do governo que são condenados por oprimir os pagadores de impostos para seu ganho próprio. (Mencken, A Mencken Chrestomathy, p. 147-48)
Para uma vívida e divertida descrição da falta de proteção ao indivíduo contra as incursões à sua liberdade feitas pelos seus “protetores”, ver H.L. Mencken, “The Nature of Liberty,” in Prejudices: A Selection (New York: Vintage Books, 1958), p. 138-43.