A Economia do Intervencionismo

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4. A Economia Falibilista de Hayek

Os grandes mestres da Economia não se limitaram a criar teorias sobre problemas estritamente econômicos, mas construíram verdadeiros sistemas explanatórios multidisciplinares a respeito do funcionamento dos fenômenos sociais em geral. Entre esses economistas, F. A. Hayek se destaca no que diz respeito à variedade de áreas distintas que compõem seu sistema teórico. Embora tenha feito contribuições nas teorias do capital, monetária, flutuações econômicas, funcionamento dos mercados, sistemas econômicos comparados, evolução institucional, direito, história econômica, história das ideias em geral, política, filosofia e mesmo psicologia teórica, podemos encontrar um tema comum em seus escritos, que permite de fato falarmos em um sistema explanatório hayekiano. Esse sistema pode ser condensado em uma única frase: a defesa da liberdade individual repousa, em última análise, no reconhecimento das limitações do nosso conhecimento. O tema comum, que fundamenta a afirmação acima, consiste no estudo das implicações sociais do conhecimento falível. Neste pequeno texto seria impossível indicar como cada contribuição do autor de fato se relaciona com esse tema e como em conjunto formam um sistema coerente, de forma que realizaremos apenas a tarefa mais modesta de ilustrar a centralidade do conhecimento falível na obra do autor.

Nos diversos campos que atuou, Hayek investiga o problema da coordenação entre as ações dos indivíduos. Em sua teoria das instituições, estuda a evolução de conjuntos de normas que permitem que os agentes desenvolvam expectativas corretas sobre o comportamento dos demais, de modo que seus planos de ação possam ser levados a cabo de forma satisfatória. Em sua teoria sobre o funcionamento dos mercados, do mesmo modo, uma vez que os indivíduos se especializam na produção de uma pequena fração dos bens que consomem e, portanto os planos de ação de cada agente devem ser compatíveis com os planos dos demais, Hayek mostra como a coordenação é obtida com o auxílio do sistema de preços. Na teoria do capital, em particular, o autor investiga como os planos de produção e consumo são coordenados ao longo do tempo. Sua teoria dos ciclos econômicos, por fim, descreve a descoordenação desses planos intertemporais causada por distorções no sistema de preços.

A conexão entre o problema da coordenação e o conhecimento falível no sistema hayekiano se dá pela ênfase na complexidade inerente ao ambiente no qual ocorre a interação entre os agentes. Complexidade, para o autor, se refere ao número mínimo de elementos que devem ser levados em conta em uma teoria de forma a fornecer uma explicação razoável para o fenômeno estudado. A complexidade se manifesta nas teorias do autor através da descrição de estruturas, em contraste com explicações que fazem uso apenas de variáveis homogêneas agregadas.

Para Hayek, as relações entre os elementos dessas estruturas são fundamentais para explicar certos fenômenos, ao passo que o uso de variáveis agregadas homogêneas, embora simplifique a modelagem matemática, ignora essas relações, passando ao largo da essência daquilo que deve ser explicado. Essas estruturas são recorrentes na obra do autor. De fato, Hayek é reconhecido como um dos pioneiros na teoria conexionista da mente, segundo a qual os fenômenos mentais surgem como um aparato de classificação de estímulos que excitam conexões entre fibras nervosas, segundo caminhos específicos. Na teoria econômica, Hayek trabalha com a noção austríaca de estrutura do capital, em contraste com a visão tradicional segundo a qual importa apenas o volume total do capital (o capital visto como uma geleia indiferenciada). Sua macroeconomia é fundamentalmente derivada do estudo de como injeções monetárias afetam preços relativos, que por sua vez distorcem a estrutura do capital, em contraste com a preocupação usual apenas com relações entre variáveis como produção total, nível geral de preços e estoque de moeda. Na teoria dos preços, por sua vez, o contraste com a teoria ortodoxa é significativo. Em vez de empregar funções de produção e utilidade uniformes, o que leva os economistas a simplificar drasticamente a complexidade do problema econômico, visto meramente como um problema matemático de alocar recursos escassos dados a fins alternativos dados, Hayek enfatiza que o verdadeiro problema não é de otimização, mas de adaptaçãodos agentes às contínuas mudanças nas condições particulares de tempo e local prevalecentes no contexto da ação de cada agente.

Neste ponto a complexidade leva naturalmente ao falibilismo hayekiano. Não existem preferências, tecnologias e disponibilidade de recursos conhecidas, válidas de forma geral para todos. O verdadeiro problema econômico se refere à contínua descoberta desses fundamentos por parte dos agentes, de sorte que tenhamos uma teoria sobre o aprendizado dos mesmos. Em outros termos, parte-se não de “conhecimento perfeito”, mas idealmente de “ignorância perfeita”: uma teoria da competição deve mostrar como e sob que condições o conhecimento potencialmente errôneo dos agentes é corrigido, de modo a corresponder à realidade dos mercados.

Já que o problema utiliza a hipótese de conhecimento falível, nada mais natural do que a solução proposta por Hayek assemelhe-se com a filosofia de seu amigo Karl Popper. Para este último, já que o conhecimento científico é falível, o progresso científico ocorre por uma série de hipóteses conjecturais que são submetidas a um processo de correção de erros. Para Hayek, da mesma forma, o conhecimento mercadológico dos agentes progride por meio da competição, nos mercados, entre as hipóteses empresariais rivais sobre a existência de oportunidades de lucro. O que faz o papel da crítica, neste caso, é o sistema de preços: a realização de um prejuízo (ou a não obtenção do lucro esperado) ajuda refutar a hipótese empresarial sobre as circunstâncias prevalecentes nos mercados em questão. Tanto na ciência quanto nos mercados, o conhecimento progride por meio da competição entre ideias rivais submetidas a um processo de correção de erros. Como na ciência ou na política, também nos mercados a liberdade não faria sentido se a teoria correta / o melhor governo / os verdadeiros custos e benefícios da ação econômica fossem conhecidos por uma elite iluminada que pudesse impor a verdade sem os “custos da duplicação e desperdício” inerentes à competição.

O falibilismo que fundamenta as ideias hayekianas sobre competição nos mercados se estende à sua teoria sobre evolução institucional. Nesta, os agentes não maximizam funções com parâmetros dados. Enfatiza-se na teoria a ação baseada em regras abstratas que, ao longo do tempo, ajudaram os agentes a atingir seus objetivos. Essas regras, afirma o autor, são por sua vez fruto de processos seletivos. Aqui, novamente, uma teoria evolucionária é desenvolvida para explicar a coordenação em situações na qual a complexidade do problema impede o conhecimento pleno da melhor solução. As instituições que historicamente permitiram o florescimento da humanidade não foram planejadas, mas, como outros fenômenos sociais, seriam ordens espontâneas, “fruto da ação humana, mas não da intenção humana”.

Finalmente, parte de suas contribuições no campo da história das ideias trata de como o socialismo e o impulso totalitário em geral estão relacionados a um ingênuo racionalismo construtivista, que desdenha as ordens espontâneas como algo irracional. O fracasso do planejamento central, por sua vez, seria derivado em última análise, da desconsideração das limitações do conhecimento humano.

 

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