. Prefácio
Além disso, estava claro para mim que não havia ninguém empenhado em tentar atender esta necessidade premente. Por um lado, até pouco tempo, neste século, não havia praticamente filósofo político algum. E até no muito mais libertário século XIX, apenas o grande Social Statics (1851) de Herbert Spencer mostrou uma teoria de liberdade completa e sistemática. Em For a New Liberty (1973), pude pela primeira vez colocar em evidência ao menos os esboços resumidos de minha teoria da liberdade, e também expor e defender a doutrina política “anarco-capitalista” mais substancialmente que em Power and Market. Mas For a New Liberty possuía um caráter mais divulgador do que científico, ele se concentrava essencialmente na aplicação da doutrina libertária a importantes áreas sociais e econômicas problemáticas da sociedade americana. Ainda permanecia a enorme necessidade por uma teoria sistemática de liberdade.
Este trabalho tenta preencher esta lacuna, e expor uma teoria ética sistemática da liberdade. Não é, no entanto, um trabalho sobre ética per se, mas somente sobre o subconjunto da ética dedicado à filosofia política. Por essa razão, ele não tenta provar ou estabelecer a ética ou a ontologia da lei natural, que fornece o princípio fundamental para a teoria política apresentada neste livro. A lei natural tem sido habilmente exposta e defendida em outros lugares por filósofos de ética. E assim a Parte I simplesmente explica os esboços da lei natural que inspiram este trabalho, sem tentar uma defesa completa desta teoria.
A Parte II é a própria essência deste trabalho, onde é exposta minha teoria de liberdade. Ela começa, como os melhores tratados econômicos, com o mundo de “Crusoé”, salvo que a condição e as ações de Crusoé não são analisadas para estabelecer conceitos econômicos, mas sim para estabelecer a moralidade dos direitos naturais — especialmente no que tange ao escopo natural de propriedade e posse, o alicerce da liberdade. O modelo de Crusoé permite que se analise a ação do homem vis-à-vis o mundo exterior ao seu redor, antes que as complicações das relações interpessoais sejam levadas em consideração.
A chave da teoria de liberdade é o estabelecimento dos direitos de propriedade privada, pois o campo justificado de ação livre de cada indivíduo só pode ser demonstrado se seus direitos de propriedade forem analisados e estabelecidos. Então “crime” será devidamente analisado e definido como uma invasão ou agressão violenta contra a propriedade justa de outro indivíduo (incluindo a propriedade de sua própria pessoa). Assim a teoria positiva de liberdade se torna uma análise de o que deve ser considerado direito de propriedade, e consequentemente o que deve ser considerado crime. Diversos problemas difíceis, mas de importância vital, podem ser examinados minuciosamente, incluindo os direitos das crianças, a apropriada teoria de contratos como transferência de títulos de propriedade, a espinhosa questão da imposição e da punição, e muitos outros. Já que questões de propriedade e crime são essencialmente questões legais, nossa teoria de liberdade expõe necessariamente uma teoria ética de o que concretamente deveria ser lei. Em resumo, como a teoria da lei natural deveria propriamente fazer, ela expõe uma teoria normativa de lei — no nosso caso, uma teoria da “lei libertária”. Ainda que o livro estabeleça os esboços gerais de um sistema de lei libertária, se trata de apenas um esboço, um preâmbulo do que espero que venha a ser um código de lei libertária completamente desenvolvido. Espera-se que juristas e teóricos legais libertários surgirão para elaborar mais profunda e detalhadamente o sistema de lei libertária, pois tal código de leis será necessário para o funcionamento eficaz daquilo que esperamos que venha a ser a sociedade libertária do futuro.
O foco deste trabalho está na teoria ética positiva de liberdade e nos esboços da lei libertária; para uma discussão como esta, não há a necessidade de uma análise ou crítica detalhada do estado. A Parte III expõe resumidamente minha visão do estado como um inimigo inerente da liberdade e, decerto, da lei legítima. A Parte IV lida com as mais importantes teorias modernas que tentam estabelecer uma filosofia política de liberdade: especificamente aquelas de Mises, Hayek, Berlin e Nozick. Eu não tento revisar em detalhes suas teses, mas apenas concentrar-se nas razões pelas quais considero que suas teorias fracassam na tarefa de estabelecer uma ideologia de liberdade. Finalmente, a Parte V aventura-se na virtualmente pioneira tarefa de expor de uma teoria de estratégia de transição do presente sistema para um mundo de liberdade — e também as razões de meu grande otimismo de longo, e até de curto prazo, quanto à conquista do nobre ideal de uma sociedade libertária, particularmente na América.