A grande depressão americana

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Capítulo VI – Teoria e inflação: os economistas e a sedução de um nível de preços estável

VI – Teoria e inflação: os economistas e a sedução de um nível de preços estávelUma das razões por que a maioria dos economistas da década de 1920 não reconheceu a existência de um problema inflacionário foi a ampla adoção de um nível de preços estável como critério da política monetária. A medida em que as autoridades do Federal Reserve foram guiadas por um desejo de manter estável o nível de preços tem sido uma questão bastante controversa. Muito menos controverso é o fato de que cada vez mais economistas vieram a considerar o nível de preços estável o principal objetivo da política monetária. O fato de que os preços em geral ficaram mais ou menos estáveis durante a década de 1920 dizia aos economistas que não havia ameaça de inflação, e portanto os acontecimentos da grande depressão os pegaram completamente de surpresa.

Na verdade, a expansão do crédito bancário cria seus maliciosos efeitos ao distorcer as relações de preços e ao elevar ou alterar preços em relação ao que eles teriam sido sem a expansão. Estatisticamente, portanto, podemos apenas identificar o aumento na oferta monetária, um simples fato. Não podemos provar a inflação apontando para os aumentos de preços. Só podemos dar explicações aproximadas de complexos movimentos de preços ao tentar fazer uma história econômica abrangente de uma época — tarefa essa que ultrapassa o escopo deste estudo. Aqui basta dizer que a estabilidade dos preços no atacado na década de 1920 foi resultado de uma inflação monetária contrabalançada por um aumento de produtividade, que reduziu os custos de produção e aumentou a oferta de bens. Mas esse “contrabalanço” foi apenas estatístico; ele não eliminou o ciclo de boom e recessão, mas apenas obscureceu-o. Os economistas que enfatizam a importância de um nível de preços estável estavam portanto particularmente enganados, porque deveriam ter-se concentrado naquilo que estava acontecendo com a oferta monetária. Por conseguinte, aqueles economistas que demonstraram preocupação com a inflação na década de 1920 eram em grande parte qualitativistas. Eles foram descartados pelos “novos”economistas, que viam a suma importância do elemento quantitativo nas questões monetárias, como se fossem desesperadamente antiquados. O problema não estava num determinado crédito para determinados mercados (como o de ações ou o imobiliário); o boom nos mercados de ações ou imobiliário refletia o ciclo econômico de Mises: um boom desproporcional nos preços de títulos de bens de capital, causado por um aumento na oferta monetária que vem com a expansão do crédito bancário.[1]

A estabilidade do nível de preços na década de 1920 é demonstrada pelo Índice de Preços do Atacado do Bureau of Labor Statistics [Departamento de Estatísticas do Trabalho], que caiu para 93,4 (100 = 1926) em junho de 1921, subiu levemente a um pico de 104,5 em novembro de 1925, e depois caiu para 95,2 em junho de 1929. O nível de preços, em suma, subiu levemente até 1925, e caiu levemente depois disso. Os índices de preços ao consumidor também se comportaram de maneira similar.[2] Por outro lado, o Índice Snyder do Nível Geral de Preços, que inclui todos os tipos de preços (de imóveis, de ações, aluguéis, salários e também preços do atacado) subiu consideravelmente durante o período, de 158 em 1922 (1913 = 100) para 179 em 1929, uma elevação de 13%. A estabilidade foi portanto obtida apenas nos preços ao consumidor e no atacado, mas esses eram e ainda são os campos considerados especialmente importantes pela maioria dos autores econômicos.

Dentro do agregado geral de preços do atacado, os alimentos e produtos agrícolas subiram ao longo do período, enquanto os metais, o combustível, os produtos químicos e o mobiliário doméstico caíram de maneira considerável. Que o boom foi amplamente sentido nas indústrias de bens de capital pode ser visto por (a) a quadruplicação dos preços das ações no período, e (b) pelo fato de que os bens duráveis e a produção de ferro e de aço aumentaram  apenas 60%. Na verdade, a produção de itens de consumo como comidas manufaturadas e produtos têxteis aumentaram apenas 48% e 36% respectivamente, entre 1921 e 1929. Outra ilustração da teoria de Mises foi que os salários subiram muito mais nas indústrias de bens de capital. A superestimativa dos salários e de outros custos é um traço distintivo da análise de Mises das indústrias de bens de capital durante o boom. Os rendimentos médios por hora, de acordo com o Índice do Conference Board, subiram em indústrias selecionadas de US$ 0,52 em julho de 1921 para US$ 0,59 em 1929, um aumento de 12%. Nesse grupo, os salários das indústrias de bens de consumo, como botas e sapatos, permaneceram constantes; eles subiram 6% em mobília, menos de 3% em carne, e 8% na produção de ferramentas. Por outro lado, em indústrias de bens de capital como máquinas e ferramentas para máquinas, os salários subiram 12%, e 19% nas de lenha, 22% nas de produtos químicos, e 25% nas de ferro e de aço.

A expansão do crédito do Federal Reserve, portanto, tenha premeditado isso ou não, conseguiu manter estável o nível de preços diante de um aumento de produtividade que teria, num mercado livre e desimpedido, levado a uma queda de preços e a uma melhora disseminada do padrão da vida de toda a população. A inflação distorceu a estrutura de produção e levou ao período subsequente de ajuste depressivo. Ela também impediu toda a população de beneficiar-se dos frutos do progresso na forma de preços mais baixos, e garantiu que apenas aqueles que desfrutavam de maiores salários e rendas monetários poderiam beneficiar-se do aumento de produtividade.

Existem muitos indícios de que a acusação de Philips, de McManus e de Nelson de que “o resultado final daquilo que foi provavelmente o maior experimento de estabilização de preços da história tenha se revelado nada menos do que a maior depressão.”[3] Benjamin Strong foi aparentemente convertido a uma filosofia de estabilidade de preços durante 1922. Em 11 de janeiro de 1925, Strong escreveu, em privado:

que era minha crença, que eu julgava compartilhada por todos no Federal Reserve System, de que toda a nossa política no futuro, assim como no passado, seria direcionada para a estabilidade de preços na medida em que nos fosse possível influenciar os preços.[4]

Quando lhe perguntaram, nas Audiências sobre a Estabilização em 1927, se o Conselho do Federal Reserve poderia “estabilizar os preços em maior medida” do que no passado, por meio de operações de mercado aberto e de outros recursos de controle, o governador Strong respondeu:

Pessoalmente acho que o governo do Federal Reserve System, desde a reação de 1921, tem-se direcionado, na medida mesma em que poderia ditar a sensatez humana, exatamente para esse objetivo.[5]

Parece que o governador Strong desempenhou um forte papel, no começo de 1928, na redação da lei do deputado James G. Strong (não eram parentes), eleito pelo Kansas, que obrigaria o Federal Reserve System a manter um nível de preços estável.[6] O governador Strong àquela altura estava doente e fora do controle do Federal Reserve, mas escreveu a versão final da lei junto com o deputado Strong. Na companhia do deputado e do professor John R. Commons, um dos principais teóricos do nível de preços estável, Strong discutiu a lei com os membros do Conselho do Federal Reserve. Quando o Conselhou reprovou isso, Strong sentiu-se obrigado, em suas declarações públicas, a acompanhá-los.[7] Cabe observar ainda que Carl Snyder, defensor leal e quase idólatra do governador Strong, e presidente do Departamento de Estatísticas do Federal Reserve Bank de Nova York, era um dos principais defensores do controle monetário e creditício por parte do Federal Reserve, a fim de estabilizar o nível de preços.[8]

Com certeza os principais economistas britânicos da época firmemente acreditavam que o Federal Reserve estava tendo sucesso numa tentativa deliberada de estabilizar os preços. John Maynard Keynes elogiou “o sucesso do gerenciamento do dólar pelo Conselho do Federal Reserve entre 1923 e 1928”, chamando-o de um “triunfo” do gerenciamento monetário. D. H. Robertson concluiu em 1929 que “uma política monetária conscientemente voltada para manter o nível geral de preços aproximadamente estável… tem  aparentemente sido adotada com algum sucesso pelo Conselho do Federal Reserve desde 1922”[9]. Se Keynes continuou a louvar a política do Federal Reserve alguns anos após a depressão ter começado, Robertson passou a criticá-la:

Olhando para trás… a grande “estabilização” americana de 1922—1929 foi na verdade uma vasta tentativa de desestabilizar o valor da moeda em termos de esforço humano, por meio de um programa colossal de investimentos… que teve sucesso por um período surpreendentemente longo, mas que engenhosidade humana nenhuma teria conseguido dirigir indefinidamente por diretrizes sólidas e equilibradas.[10]

O canto da sereia de um nível estável de preços havia seduzido os principais políticos, para nem falar nada dos economistas, já em 1911. Foi então que o professor Irving Fisher iniciou sua carreira como líder do movimento pela “moeda estável” nos Estados Unidos. Ele rapidamente conquistou a adesão de políticos e de economistas de destaque para um plano de uma comissão internacional que estudaria a moeda e o problema dos preços. Seus defensores incluíam o presidente William Howard Taft, o secretário de Guerra Henry Stimson, o secretário do Tesouro Franklin MacVeagh, o governador Woodrow Wilson, Gifford Pinchot, sete senadores, e os economistas Alfred Marshall, Francis Edgeworth, e, na Inglaterra, John Maynard Keynes. O presidente Taft enviou uma mensagem especial ao Congresso em fevereiro de 1912, solicitando fundos para essa conferência internacional. A mensagem foi escrita por Fisher, em colaboração com o secretário-assistente de Estado Huntington Wilson, um convertido à moeda estável. O Senado aprovou a lei, mas ela morreu na Câmara. Woodrow Wilson expressou interesse no plano, mas abandonou a ideia, pressionado por outras questões.

Na primavera de 1918, o Comitê de Poder de Compra da Moeda da American Economic Association endossou o princípio da estabilização. Ainda que se deparasse com a oposição de banqueiros a sua doutrina de moeda estável, oposição essa liderada principalmente por A. Barton Hepburn, do Chase National Bank, Fisher começou organizando a Stable Money League [Liga da Moeda Estável] no fim de 1920, e efetivamente fundou-a no fim de maio de 1921 — no começo de nossa era inflacionária. Newton D. Baker, secretário de Guerra do governo Wilson, e o professor James Harvey Rogers, de Cornell, estavam entre os primeiros organizadores. Entre os políticos e economistas de destaque que desempenharam papéis importantes na Stable Money League estavam o professor Jeremiah W. Jenks, seu primeiro presidente; Henry A. Wallace, editor de Wallace’s Farmer, e posteriormente secretário de Agricultura; John G. Winant, posteriormente governador de New Hampshire; o professor John R. Commons, seu segundo presidente; George Eastman, da família  Eastman-Kodak; Lyman J. Gage, antigo secretário do Tesouro; Samuel Gompers, president da American Federation of Labor [Federação Americana do Trabalho]; o senador Carter Glass, da Virgínia; Thomas R. Marshall, vice-presidente dos Estados Unidos no governo Wilson; o deputado Oscar W. Underwood; Malcolm C. Rorty; e os economistas Arthur Twining Hadley, Leonard P. Ayres, William T. Foster, David Friday, Edwin W. Kemmerer, Wesley C. Mitchell, Warren M. Persons, H. Parker Willis, Allyn A. Young, e Carl Snyder.

A ideia de um nível de preços estável é relativamente inócua durante uma subida de preços, que pode ajudar os defensores de uma moeda sólida a tentar frear o boom; mas ela é extremamente maligna quando os preços tendem a cair, e os estabilizacionistas pedem inflação. Ainda assim, a estabilização é mais popular enquanto clamor quando os preços estão caindo. A Stable Money League foi fundada em 1920—1921, momento de depressão, em que os preços caíam. Logo os preços começaram a subir, e alguns conservadores começaram a ver no movimento pela moeda estável um útil contrapeso aos inflacionistas extremados. O resultado foi que a League mudou seu nome para National Monetary Association [Associação Monetária Nacional] em 1923, e seus dirigentes permaneceram os mesmos, com o professor Commons na presidência. Em 1925, o nível de preços havia atingido seu pico e começava a cair, e por isso os conservadores pararam de apoiar a organização, que outra vez mudou de nome, agora para Stable Money Association [Associação da Moeda Estável]. Entre os presidentes que se sucederam na nova associação estavam H. Parker Willis, John E. Rovensky, vice-presidente executivo do Bank of America, o professor Kemmerer, e o “Tio” Frederic W. Delano[11]. Outros líderes de destaque na Stable Money Association eram o professor Willford I. King; Nicholas Murray Butler, presidente da Columbia University; John W. Davis, candidato à presidência do partido Democrata em 1924; Charles G. Dawes, diretor do Bureau of the Budget [Departamento do Orçamento] durante o governo Harding, e vice-presidente no governo Coolidge; William Green, presidente da American Federation of Labor; Charles Evans Hughes, secretário de Estado até 1925; Otto H. Kahn, banqueiro de investimentos; Frank O. Lowden, antigo governador republicano de Illinois; Elihu Root, antigo Secretário de Estado e senador; James H. Rand, Jr.; Norman Thomas, do Partido Socialista; Paul M. Warburg e Owen D. Young. Do exterior, vieram Charles Rist, do Banco da França; Eduard Benes, da Tchecoslováquia, Max Lazard, da França; Emile Moreau, do Banco da França; Louis Rothschild, da Áustria; e Sir Arthur Balfour, Sir Henry Strakosch, Lord Melchett, e Sir Josiah Stamp, da Grã-Bretanha. Entre os vice-presidentes de honra da associação estavam os presidentes das seguintes organizações: a American Association for Labor Legislation [Associação Americana para a Legislação Trabalhista], American Bar Association [Ordem Americana dos Advogados], American Farm Bureau Federation [Federação Agrícola Americana], American Farm Economic Association [Associação Econômica Agrícola Americana], American Statistical Association [Associação Estatística Americana], Brotherhood of Railroad Trainmen [Irmandade Ferroviária], National Association of Credit Men [Homens da Associação Nacional do Crédito], National Consumers’ League [Liga Nacional de Consumidores], National Education Association [Associação Nacional de Educação], American Council on Education [Conselho Americano de Educação], United Mine Workers of America [União dos Mineiros dos Estados Unidos], National Grange [Granja Nacional], Chicago Association of Commerce [Associação Comercial de Chicago], Merchants’ Association of New York [Associação Mercantil de Nova York], e associações bancárias de 43 estados e do District of Columbia.

O diretor executivo e cabeça das operações da Stable Money Association, que contava com apoios formidáveis, era Norman Lombard, trazido por Fisher em 1926. A Association proclamou sua mensagem por todos os cantos. Ela recebeu a ajuda da publicidade dada em 1922 e em 1923 à proposta feita por Thomas Edison e Henry Ford de um “dólar commodity”. Entre os demais estabilizacionistas de destaque da época estavam os professores George F. Warren e Frank Pearson, de Cornell, Royal Meeker, Hudson B. Hastings, Alvin Hansen e Lionel D. Edie. Na Europa, além dos mencionados acima, estavam entre os proponentes da moeda estável: o professor Arthur C. Pigou, Ralph G. Hawtrey, J.R. Bellerby, R.A. Lehfeldt, G.M. Lewis, Sir Arthur Salter, Knut Wicksell, Gustav Cassel, Arthur Kitson, Sir Frederick Soddy, F.W. Pethick-Lawrence, Reginald McKenna, Sir Basil Blackett e John Maynard Keynes. Keynes teve uma influência especial em sua propaganda em defesa de uma “moeda gerenciada” e de um nível de preços estabilizado, apresentada em seu A Tract on Monetary Reform [Breve tratado sobre a reforma monetária], publicado em 1923.

Ralph Hawtrey acabou se mostrando um dos gênios malignos da década de 1920. Economista influente numa terra em que os economistas informaram a política de maneira muito mais influente do que nos Estados Unidos, Hawtrey, diretor de Estudos Financeiros no Tesouro britânico, defendia o controle internacional de crédito por parte dos bancos centrais, a fim de estabilizar o nível de preços, já em 1913. Em 1919, Hawtrey foi uma das primeiras pessoas a pedir a adoção de um padrão câmbio-ouro nos países europeus, amarrando-o à cooperação internacional dos bancos centrais. Hawtrey foi um dos maiores trombeteadores das habilidades do governador Benjamin Strong. Em 1932, época em que Robertson havia percebido os males da estabilização, Hawtrey afirmou: “O experimento americano de estabilização entre 1922 e 1928 mostrou que um tratamento antecipado poderia frear a tendência para a inflação ou para a depressão… O experimento americano foi um grande progresso em relação às práticas do século XIX”, em que o ciclo econômico era aceito passivamente.[12] Quando o governador Strong faleceu, Hawtrey disse que isso era “um desastre para o mundo”[13]. Por fim, Hawtrey foi a principal inspiração para as resoluções estabilizacionistas da Conferência de Gênova de 1922.

Era inevitável que toda essa opinião elegante se traduzisse em pressão legislativa, senão em ação legislativa. O deputado T. Alan Goldsborough, de Maryland, apresentou uma lei para “Estabilizar o Poder de Compra da Moeda” em maio de 1922, que era essencialmente a proposta do professor Fisher, repassada a Goldsborough pelo antigo vice-presidente Marshall. Os professores Fisher, Rogers, King e Kemmerer testemunharam a favor da lei, mas a comissão não a devolveu ao Congresso para votação. No começo de 1924, Goldsborough tentou de novo, e o deputado O. B. Burtness, da Dakota do Norte, apresentou outra lei de estabilização. Nenhuma delas chegou a ser devolvida pela comissão. O grande esforço após esse foi uma lei do deputado Hames G. Strong, do Kansas, apresentada em janeiro de 1926, por insistência de George H. Shibley, veterano estabilizacionista, que já promovia a causa dos preços estáveis desde 1896. No lugar da proposta anterior de Fisher de um “dólar compensado” para manipular o nível de preços, a lei Strong teria obrigado o Federal Reserve a agir diretamente para estabilizar o nível de preços. As audiências aconteceram entre março de 1926 e fevereiro de 1927. Testemunharam a favor da lei Shibley, Fisher, Lombard, o dr. William T. Foster, Rogers, Bellerby e Commons. Commons, o deputado Strong e o governador Strong então reescreveram a lei, como indicado anteriormente, e as audiências a respeito da segunda lei Strong aconteceram na primavera de 1928.

O ponto alto dos testemunhos para a segunda lei Strong foi a fala do professor sueco Gustav Cassel, cuja fama fez a sala de audiências do Congresso ficar cheia. Cassel promovia a estabilização desde 1903. O conselho desse sábio era que o governo não empregasse nem medidas qualitativas nem quantitativas para frear o boom, já que elas reduziriam o nível geral de preços. Numa série de palestras nos Estados Unidos, Cassel também insistiu para que o Fed reduzisse as proporções de reservas, e também para que houvesse cooperação entre os bancos centrais do mundo inteiro para a estabilização do nível de preços.

A lei Strong teve o mesmo destino de suas predecessoras, e nunca foi devolvida pela comissão. Mas a pressão exercida durante as diversas audiências dessas leis, assim como o peso da opinião e as ideias do governador Strong, serviram para fazer com que as autoridades do Federal Reserve tentassem manipular o crédito com o fim de estabilizar os preços.

A pressão internacional estimulou o movimento por um nível de preços estável. As ações oficiais começaram com a Conferência de Gênova, na primavera de 1922. Essa conferência foi convocada pela Liga das Nações por iniciativa de Lloyd George, primeiro-ministro britânico, que por sua vez foi inspirado pela figura dominante de Montagu Norman. A Comissão Financeira da Conferência adotou um conjunto de resoluções que, nas palavras de Fisher, “por anos serviram de forte armadura para os defensores da moeda estável no mundo inteiro”[14]. As resoluções instavam à colaboração internacional entre os bancos centrais para estabilizar o nível mundial de preços, e também sugeriam um padrão câmbio-ouro. Na Comissão Financeira estavam fervorosos estabilizacionistas como Sir Basil Blackett, o professor Casel, o dr. Vissering e Sir Henry Strakosch.[15] A Liga das Nações de fato foi rapidamente tomada pelos estabilizacionistas. O Comitê Financeiro da Liga era amplamente inspirado e dirigido pelo presidente Montagu Norman, que trabalhava por meio de dois colegas próximos, Sir Otto Niemeyer e Sir Henry Strakosch. Sir Henry, como indicamos, era um famoso estabilizacionista.[16] Além disso, Sir Charles Addis, o principal assessor de Norman para assuntos internacionais, também era um ardente estabilizacionista.[17]

Em 1921, um Comitê Conjunto para Crises Financeiras foi formado pela Conferência Geral do Trabalho, pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) da Liga das Nações, e pelo Comitê Financeiro da Liga. Nesse Comitê Conjunto havia três estabilizacionistas de destaque: Albert Thomas, Henri Fuss e o major J. R. Bellerby. Em 1923, o relatório de Thomas advertia que uma queda no nível de preços “quase invariavelmente” causa desemprego. Henry Fuss, da OIT, propagandeou os níveis de preços estáveis na International Labour Review em 1926. O Comitê Conjunto reuniu-se em junho de 1925 para afirmar os princípios da Conferência de Gênova. Nesse ínterim, duas organizações internacionais privadas, a Associação Internacional de Legislação Trabalhista e a Associação Internacional do Desemprego fizeram em conjunto um Congresso Internacional de Políticas Sociais em Praga em outubro de 1924. O Congresso pediu a adoção geral dos princípios da Conferência de Gênova por meio da estabilização do nível geral de preços. A Associação Internacional para o Progresso Social adotou um relatório em sua reunião em setembro de 1928 em Viena, preparado pelo estabilizacionista Max Lazard, do banco de investimentos Lazard Frères em Paris, pedindo a estabilidade de preços. A OIT fez o mesmo em junho de 1929, afirmando que a queda nos preços causava desemprego. E, por fim, o Comitê Consultivo da Liga endossou os princípios de Gênova no verão de 1928.

Assim como os professores Cassel e Commons não queriam nenhuma restrição ao crédito em 1928 e em 1929, também o deputado Louis T. McFadden, o poderoso presidente do Comitê de Bancos e de Moeda da Câmara, exerceu uma pressão similar, mas mais forte, sobre as autoridades do Federal Reserve. Em 7 de fevereiro de 1929, um dia depois da carta do Conselho do Federal Reserve aos Federal Reserve Banks advertindo para a especulação no mercado de ações, o próprio deputado McFadden advertiu a Câmara para uma reação econômica contrária a essa movimentação. Ele observou que, se não havia ocorrido nenhum aumento no nível de preços das commodities, então como poderia haver qualquer risco de inflação? O Fed, disse ele de modo assustadiço, não deveria ocupar-se do mercado de ações ou de empréstimos para compra de títulos, sob o risco de produzir uma queda generalizada. A restrição monetária dificultaria o financiamento de capital, e, junto com a subsequente perda de confiança, precipitariam uma depressão. Aliás, McFadden afirmou que o Fed deveria estar preparado para afrouxar as taxas monetárias assim que aparecessem qualquer queda nos preços ou no emprego.[18] Outras vozes influentes que se levantaram contra qualquer restrição ao crédito foram as de W. T. Foster e de Waddill Catchings, destacados estabilizacionistas, e conhecidos por suas teorias de subconsumo. Catchings era um conhecido banqueiro de investimentos (da Goldman, Sachs & Co.), e magnata do ferro e do aço, e ambos eram íntimos do governo Hoover. (Como veremos, seu “plano” para curar o desemprego chegou a ser adotado por Hoover num determinado momento.) Em abril de 1929, Foster e Catchings advertiram que qualquer restrição ao crédito reduziria o nível de preços e prejudicaria a economia. A alta do mercado, como eles asseguraram ao público — junto com Fisher, com Commons e com o resto — tinha como base o sólido fundamento da confiança e do crescimento americanos.[19] E os especuladores da alta, é claro, ecoavam o grito de que todos deveriam “investir nos Estados Unidos”. Qualquer pessoa que criticasse o boom era vista como antipatriota e acusada de “não dar o devido valor aos Estados Unidos”.

Cassel representava a típica opinião europeia ao insistir em movimentações inflacionárias ainda maiores por parte do Federal Reserve System. Sir Ralph Hawtrey, ao visitar Harvard em 1928—1929, espalhou a mensagem da estabilização do nível de preços para sua plateia americana.[20] Philip Snowden, influente membro do Partido Trabalhista britânico, instou em 1927 a que os Estados Unidos tomassem parte num plano mundial de estabilização de preços, a fim de impedir um prolongado declínio. O Statist, de Londres, e o Nation (também de Londres), ambos criticaram a “deflação” do Federal Reserve. Mais extremo, talvez, foi o artigo loucamente inflacionista do respeitado economista Allyn A. Young, professor americano que à época trabalhava na Universidade de Londres. Young, em janeiro de 1929, advertiu para a tendência secular de queda de preços, e instou todos os bancos centrais  a não “entesourar” ouro, e a inflacionar sem parar. Dizia ele: “Os bancos centrais do mundo parecem estar com medo da prosperidade. Enquanto eles tiverem esse medo, sua influência retardará o crescimento da produção.”[21]

O artigo do professor Young foi talvez a pièce de résistance que coroou uma era de tolices — seu texto era muito mais digno de censura do que os erros superficialmente mais óbvios de economistas como Irving Fisher e Charles A. Dice sobre a suposta “nova era” de prosperidade do mercado de ações mundial. Meramente extrapolar as condições presentes do mercado de ações, afinal, não é nem de longe tão repreensível quanto considerar que a deflação é a principal ameaça em meio a uma era desvairadamente inflacionária. Mas era essa a conclusão lógica da posição estabilizacionista.

Podemos concluir que as autoridades do Federal Reserve, ao promulgar suas políticas inflacionárias, foram motivadas não apenas pelo desejo de contribuir para a inflação britânica e de subsidiar o setor agrícola, mas foram também guiados — ou melhor, perdidos — pela elegante teoria de que um nível de preços estável deveria ser o objetivo da manipulação monetária.[22]



[1] O aspecto qualitativo do crédito é importante na medida em que os empréstimos bancários devem ser feitos às empresas, e não ao governo ou aos consumidores, para que o mecanismo do ciclo comercial seja posto em movimento.

[2] O índice de preços do National Industry Conference Board [Conselho da Conferência Nacional da Indústria] (NICB) subiu de 102,3 (1923 = 100) em 1921 para 104,3 em 1926, e depois caiu para 100,1 em 1929; o índice de preços ao consumidor do Bureau of Labor Statistics [Departamento de Estatísticas do Trabalho] (BLS) caiu de 127,7 (1935–1939 = 100) em 1921 para 122,5 em 1929. Historical Statistics of the U.S., 1789–1945 (Washington, D.C.: U.S. Department of Commerce, 1949), pp. 226–36, 344.

[3] C. A. Phillips, T. F. McManus, e R. W. Nelson, Banking and the Business Cycle (Nova York: Macmillan, 1937), pp. 176ss.

[4] Lester V. Chandler, Benjamin Strong, Central Banker (Washington, D.C.: Brookings Institution, 1958), p. 312. Nessa visão, é claro que Strong tinha o caloroso apoio de Montagu Norman. Ibid., p. 315.

[5] Ver também ibid., pp. 199ss. E Charles Rist recorda que, em suas conversas privadas, “Strong estava convencido de que era capaz de fixar o nível de preços com sua política de juros e de crédito”. Charles Rist, “Notice Biographique”, Revue d’Économie Politique (novambro-dezembro de 1955): 1029.

[6] Strong portanto superou seu pronunciado ceticismo em relação a qualquer mandato legislativo para a estabilização de preços. Antes disso, ele preferia deixar a questão inteiramente a cargo do Fed. Ver Chandler, Benjamin Strong, Central Banker, pp. 202ss.

[7] Ver o relato em Irving Fisher, ibid., pp. 170–71. Sobre o governador Strong, escreveu Commons: “Admirei-o tanto por mostrar uma mente tão aberta ao ajudar-nos com a lei, quanto por sua reserva quanto a acompanhar seus colegas.”

[8] Ver o elogio de Snyder por Fisher, Stabilised Money, pp. 64–67; e Carl Snyder, “The Stabilization of Gold: A Plan”, American Economic Review (junho de 1923): 276–85; idem, Capitalism the Creator (Nova York: Macmillan, 1940), pp. 226–28.

[9] D. H. Robertson, “The Trade Cycle”, Encyclopaedia Britannica, 14th ed. (1929), vol. 22, p. 354.

[10] D. H. Robertson, “How Do We Want Gold to Behave?”, em The International Gold Problem (Londres: Humphrey Milford, 1932), p. 45; citado em Phillips, et al., Banking and the Business Cycle, pp. 187–87.

[11] N. do T.: Tio do futuro presidente Franklin Delano Roosevelt.

[12] Ralph O. Hawtrey, The Art of Central Banking (Londres: Longmans, Green, 1932), p. 300.

[13] Norman Lombard, um dos principais estabilizacionistas, também elogiou o suposto feito de Strong: “Ao aplicar os princípios expostos neste livro… ele [Strong] manteve nos Estados Unidos um nível de preços bastante estável e por conseguinte uma condição de amplo bem-estar econômico entre 1922 e 1928.” Norman Lombard, Monetary Statesmanship (Nova York: Harpers, 1934), p. 32n. Sobre a influência das ideias de preço estável na política do Federal Reserve, ver também David A. Friedman, “Study of Price Theoris Behind Federal Reserve Credit Policy, 1921–29” (dissertação de mestrado não publicada, Columbia University, 1938).

[14] Fisher, Stabilised Money, p. 282. Nossa explicação do crescimento do movimento pela moeda estável se baseia em grande parte na obra de Fisher.

[15] Ao mesmo tempo em que Hawtrey era a principal inspiração para as resoluções, ele as criticava por não ir longe o bastante.

[16] Ver Paul Einzig, Montagu Norman (Londres: Kegan Paul, 1932), pp. 67, 78.

[17] Sir Henry Clay, Lord Norman (Londres: Macmillan, 1957), p. 138.

[18] Citado em Joseph Stigg Lawrence, Wall Sreet and Washington (Princeton, NJL Princeton University Press, 1929), pp. 437–43.

[19] Commercial and Financial Chronicle (abril de 1929): 2204–06. Ver também Beckhart, “Federal Reserve Policy and the Money Market”, em Beckhart et al., The New York Money Market (Nova York: Columbia University Press, 1931), vol. 2, pp. 99ss.

[20] Ver Joseph Dorfman, The Economic Mind in American Civilization (Nova York: Viking Press, 1959), vol. 4, p. 178.

[21] Allyn A. Young, “Downward Price Trend Probable, due to Hoarding of Gold by Central Banks”, The Annalist (18 de janeiro de 1929): 96–97. Ver também “Our Reserve Bank Policy as Europe Thinks It Sees It”, The Annalist (2 de setembro de 1927): 374–75.

[22] Seymour Harris, Twenty Years of Federal Reserve Policy (Cambridge, Mass: Harvard University Press, 1933), vol. 1, 192ss., e Aldrich, The Causes of the Present Depression and Possible Remedies (Nova York, 1933), pp. 20–21.

 

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