17. Os limites da probabilidade numérica[1]

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Tanto Frank H. Knight quanto Ludwig von Mises são reconhecidos como fundadores de tradições intelectuais: a Escola de Chicago e a Escola neo-Austríaca de Economia, respectivamente. Ao longo de suas vidas, Knight e Mises se envolveram em controvérsias acerca da natureza do socialismo e do capital[2]. Meu foco aqui, no entanto, será em uma similaridade sistemática, porém raramente notada, entre as obras de Knight e Mises. Especificamente, ambos representam a interpretação de frequência da probabilidade, e compartilham opiniões similares quanto às limitações da teoria da probabilidade na Economia e nas ciências sociais de forma geral[3]. No texto que segue, eu irei (1) reexpor brevemente os princípios da interpretação de frequência da probabilidade; (2) mostrar por que Knight e Mises devem ser considerados teoristas da frequência; e (3) discutir e avaliar os argumentos apresentados por Knight e Mises contra a possibilidade de aplicar a teoria da probabilidade à área de previsões econômicas (tanto a nível micro quanto macro).

 

I.

O principal fundador e proponente da interpretação de frequência da probabilidade é Richard von Mises, o irmão mais novo de Ludwig[4]. Não há referência em Knight a Richard von Mises, e no que toca à obra de Knight que mais nos interessa aqui – seu Risk, Uncertainty, and Profit de 1921 – não poderíamos esperar que houvesse (apesar de Knight saber ler alemão)[5]. Mais surpreendente é o fato de que não há menção a Richard von Mises e sua interpretação de frequência no tratamento sistemático que Ludwig von Mises dá à probabilidade em sua obra de 1949, Human Action: A Treatise on Economics[6]. Não obstante, assumo a interpretação de Richard von Mises como o ponto inicial da discussão a seguir. Ficará aparente que Knight está tateando na direção da solução oferecida por Richard von Mises, e que Ludwig von Mises era obviamente familiar com o trabalho de seu irmão, apresentando em sua própria obra algo que pretende ser um refinamento da interpretação de frequência de Richard.

De acordo com Richard von Mises, a probabilidade deve ser definida, e a aplicabilidade da teoria probabilística delimitada, da seguinte maneira:

  1. É possível falar de probabilidades apenas em referência a um coletivo bem definido.[7]
  2. Um coletivo [apropriado à aplicação da teoria da probabilidade deve satisfazer] … duas condições: (i) as frequências relativas de atributos específicos dentro do coletivo tendem a limites fixos; (ii) esses limites fixos não são afetados por nenhuma seleção com base em outros atributos. Em outras palavras, se calcularmos a frequência relativa de algum atributo não na sequência original, mas em um subconjunto dela, selecionado de acordo com alguma regra fixa, então é necessário que a frequência relativa calculada para o subconjunto tenda ao mesmo limite que no conjunto original[8].
  3. A satisfação da condição (ii) será descrita como o Princípio da Aleatoriedade ou o Princípio da Impossibilidade de um Sistema de Jogos[9].

Para os propósitos deste artigo, apenas três observações quanto às interpretações de frequência de Mises se fazem necessárias. Primeiro, há a insistência enfática de Mises de que a aplicação do termo probabilidade a eventos únicos, como a “probabilidade” do Sr. X morrer durante o próximo ano, por exemplo, é “bobagem completa”[10]. “A teoria da probabilidade não pode jamais levar a uma afirmação definitiva no que toca a um evento único.[11]” Segundo, Mises é igualmente insistente quanto às probabilidades do cálculo probabilístico serem propriedades e magnitudes objetivas e empíricas (e não crenças subjetivas ou graus de confiança). Elas são baseadas na experiência, e o acúmulo de experiência poderá levar a medidas revisadas, ou à reclassificação de diversos eventos singulares em diversos coletivos. No entanto, apenas ao referir-se a probabilidades objetivas pode o cálculo probabilístico ser de algum valor prático[12]. E terceiro, e por implicação, Mises rejeita categoricamente a noção de probabilidade a priori[13]. Não existe algo como probabilidade a priori[14].

“Em um problema de cálculo probabilístico”, de acordo com Richard von Mises, “os dados, assim como os resultados, são probabilidades”[15]. “A partir de um ou mais coletivos bem definidos, um novo coletivo é derivado … O propósito da teoria da probabilidade é calcular a distribuição, em um novo coletivo, a partir da distribuição (ou distribuições) conhecidas nos coletivos iniciais”[16]. Assim como na álgebra, “[e]xistem quatro, e apenas quatro, maneiras de derivar um coletivo e todos os problemas tratados pela teoria probabilística podem ser reduzidos a uma combinação desses quatro métodos fundamentais”[17]. Novos coletivos são derivados de outros já conhecidos, através da seleção (distribuição inalterada), mistura (regra da adição), partição (regra da divisão), e/ou combinação (regra da multiplicação)[18].

 

II.

Como economistas, Frank Knight e Ludwig von Mises se aproximam indiretamente do assunto probabilidade, juntamente com a questão da fonte dos lucros e prejuízos de empreendedores. Por que, perguntam Knight e Mises, os lucros e prejuízos não desaparecem como resultado da competição entre empreendedores? Por que a competição não leva a um estado de coisas em que a soma dos preços pagos por fatores de produção é exatamente igual ao preço do produto, de forma que o valor do produto possa ser dividido perfeitamente entre seus fatores constituintes[19]? Knight e Mises dão a mesma resposta: por causa da “incerteza”. A incerteza quanto à futura constelação de oferta e demanda é a fonte última e inerradicável dos lucros e prejuízos de empreendedores[20]. E é em conjunto a suas tentativas de explicar a natureza da incerteza, então, que Knight e Mises introduzem o conceito de “risco”, como uma contingência categoricamente distinta da incerteza[21].

Knight explica:

Se todas as mudanças se realizassem de acordo com leis invariáveis e universalmente conhecidas, elas poderiam ser previstas por um período indefinidamente antecipado em relação à sua ocorrência, e não impactariam a partilha perfeita do valor do produto entre seus fatores contribuintes, e lucros (ou prejuízos) não surgiriam[22].

No entanto, a visão perfeita do futuro não precisa incluir a capacidade de prever cada evento único e a ausência de qualquer tipo de contingência (ou surpresa) para que lucros e prejuízos desaparecessem. Como explica Knight:

[É] desnecessário para a imputação perfeita e sem lucro que ocorrências particulares sejam previsíveis, se todas as possibilidades alternativas são conhecidas e a probabilidade de ocorrência de cada uma possa ser avaliada acuradamente. Apesar de o homem de negócios não conhecer antecipadamente os resultados de empreendimentos individuais, ele poderia operar, e basear suas ofertas competitivas, no conhecimento antecipado do futuro, se o conhecimento quantitativo da probabilidade de cada resultado possível puder ser obtido. Pois ao calcular com base em um grande número de empreendimentos (sejam dele próprio ou dos negócios em geral) as perdas poderiam ser convertidas em custos fixos[23].

[Dessa forma, por exemplo,] o estouro de garrafas não introduz incerteza ou perigo no negócio de produção de champanhe; já que na operação de qualquer produtor, uma proporção conhecida e praticamente constante de garrafas estoura, não é nem sequer particularmente importante se a proporção é grande ou pequena. A perda torna-se um custo fixo … E mesmo que um produtor em particular não lide com um número grande o suficiente de casos da contingência em questão … para garantir constância em seus efeitos, o mesmo resultado pode ser facilmente atingido através de uma organização que inclua um grande número de produtores. Este, é claro, é o princípio da indústria de seguros, como ilustrado de forma familiar pelo risco de perdas com incêndios. Ninguém pode dizer se uma construção específica pegará fogo, e a maioria dos donos de imóveis não opera em uma escala suficiente para reduzir as perdas a um fator constante … Mas como se sabe, o efeito dos seguros é estender essa base para cobrir as operações de um grande número de pessoas, e converter a contingência em um custo fixo[24].

Com esta definição de “probabilidade empírico-estatística” como contingência “segurável” ou “risco”, Knight está completamente de acordo com a interpretação de frequência de Richard von Mises. Às vezes, ele parece desviar da interpretação de Mises, como quando ele assume também a possibilidade de probabilidade a priori (além da probabilidade empírico-estatística). Mas Knight não apenas nega que a probabilidade a priori tenha qualquer importância na condução de negócios, como também este desvio se mostra pouco mais que um escorregão infeliz, porém de pouca importância[25]. De qualquer maneira, Knight merece crédito por separar estritamente a probabilidade a priori da probabilidade empírico-estatística, com esta última sendo a única com importância prática (e na qual considerações a priori não têm qualquer relevância), e em particular por excluir o “risco” (contingências seguráveis) como potencial fonte de lucro e prejuízo, e separá-lo estritamente da “incerteza”, como dois tipos de contingência categoricamente distintos.

Ludwig von Mises chega à mesma conclusão. No entanto, escrevendo quatro décadas depois, seu tratamento do assunto, ao contrário de Knight, está em total ciência da interpretação de frequência de Richard von Mises.

Ludwig von Mises primeiro apresenta uma definição geral (abrangente) de probabilidade:

Uma afirmação é provável se nosso conhecimento acerca de seu conteúdo é deficiente. Não sabemos tudo que seria necessário para uma decisão definitiva entre verdadeiro e não verdadeiro. Mas por outro lado, sabemos algo sobre ela; estamos em posição de dizer algo além de non liquet ou ignoramus[26].

Dentro desta categoria geral de afirmações probabilísticas, Mises então faz uma distinção entre duas subclasses categoricamente distintas. A primeira – probabilidade no sentido estrito, permitindo aplicação de cálculo probabilístico – é chamada de “probabilidade de classe (ou probabilidade de frequência)”.

Probabilidade de classe significa: nós conhecemos, ou assumimos conhecer, acerca do problema em questão, tudo sobre o comportamento de toda uma classe de eventos ou fenômenos; mas sobre eventos ou fenômenos particulares nós não sabemos nada além de que são membros daquela classe[27].

Com essa definição de probabilidade de classe, Ludwig von Mises mostra-se em total concordância com seu irmão. Para este último, também não existe probabilidade a priori. Também não existe probabilidade de um evento único. Afirmações sobre probabilidade se referem à probabilidade “objetiva” de coletivos (classes). Elas se baseiam em observações empíricas. E podem ser corrigidas por tais observações. E no entanto, ao mesmo tempo, a definição de probabilidade de classe de Mises representa uma simplificação e refinamento engenhosos da interpretação de frequência de Richard. Por um lado, ao exigir que se saiba (ou assuma-se saber) tudo a respeito do comportamento de toda a classe, Ludwig von Mises contorna as dificuldades associadas com a noção de limite de Richard e sua aplicação a sequências de eventos necessariamente finitas. Por outro lado, ao exigir de cada evento único que nada seja sabido sobre ele, exceto que é membro de uma determinada classe, Ludwig von Mises elimina a necessidade do critério de “aleatoriedade” adicionado à definição de um coletivo adequado para o tratamento pelo cálculo probabilístico[28]. A definição de probabilidade de classe de Ludwig von Mises implica uma definição de aleatoriedade (e “homogeneidade lógica”): afirmar que nada é conhecido sobre qualquer evento em particular, exceto que pertence a uma classe comum de eventos, é equivalente a dizer que – até onde se sabe – cada evento específico é logicamente “homogêneo” (no que toca ao risco em consideração) com cada outro, e/ou que não se conhece nenhuma lei (e consequentemente nenhum método de seleção que afete a distribuição probabilística) governando aquela sequência particular de eventos[29].

No entanto, por mais comuns que sejam os “riscos” (contingências seguráveis), e apesar da consequente importância da probabilidade de classe ou frequência, Ludwig von Mises concorda com Knight no ponto de que riscos não são a fonte de lucros e prejuízos de empreendedores. Para explicar lucros e prejuízos, uma outra forma de contingência (uma forma diferente de “probabilidade”) deve ser postulada. Qual, então é a natureza desta contingência que tanto Knight como Mises consideram como estando fora do conjunto de fenômenos tratáveis pelo cálculo probabilístico, e que dá origem aos lucros e prejuízos dos empreendedores?

 

III.

Knight chama este outro tipo de contingência “incerteza verdadeira”, e a caracteriza da seguinte forma:

A probabilidade na qual o estudante de risco de negócios está interessado é uma estimativa, … uma estimativa de julgamento intuitivo é semelhante a um julgamento probabilístico, mas muito diferente de qualquer um dos tipos de julgamento probabilísticos descritos até aqui [a priori e empírico-estatístico][30].

A diferença teórica entre a probabilidade ligada a uma estimativa, e aquela envolvida com fenômenos tratados pela indústria de seguros, é da maior importância. Tome como exemplo qualquer decisão de negócios típica. O dono de uma fábrica está considerando a sabedoria de fazer um grande investimento na expansão de sua capacidade produtiva. Ele “põe na balança” a proposta, levando em consideração na medida do possível os vários fatores que podem ser medidos de alguma forma, mas o cálculo final é uma “estimativa” do resultado provável de qualquer curso de ação proposto. Qual será a “probabilidade” de erro (estritamente, de qualquer magnitude de erro) do julgamento empreendedor? É evidentemente sem sentido falar de calcular tal probabilidade a priori, ou determina-la empiricamente estudando um grande número de casos. O fato essencial e evidente é que o “caso” em questão é tão inteiramente único que não há nenhum outro, ou um número insuficiente para que se possa tabulá-los em uma planilha para formar a base de qualquer inferência de valor sobre qualquer probabilidade real no caso em que estamos interessados. A mesma questão obviamente se aplica à maioria das decisões de conduta, e não apenas de negócios[31].

Decisões de negócios

lidam com situações que são demasiado únicas, em termos gerais, para qualquer tipo de tabulação estatística ter qualquer valor como guia de ação. O conceito de uma probabilidade ou chance objetivamente mensurável simplesmente não se aplica. … É este terceiro tipo de probabilidade ou incerteza que foi negligenciado na teoria econômica, e que nós propomos elevar ao seu justo lugar … aquela forma superior de incerteza, não suscetível à mensuração, e portanto à eliminação. É esta incerteza verdadeira que, ao impossibilitar a resolução perfeita das tendências competitivas, dá a característica de “empresa” à organização econômica como um todo, e explica a renda peculiar do empreendedor[32].

É notável no argumento de Knight a ênfase em eventos únicos. De fato, se o cálculo probabilístico é aplicável apenas a classes ou coletivos, então segue-se logicamente que ele não pode ser aplicado a eventos que não são membros de nenhuma classe (ou, como diria Ludwig von Mises, eventos que formam uma classe em si próprios) e são, dessa forma, únicos. No entanto, Knight é menos claro no que toca à questão que se segue imediatamente: O que exatamente torna certos eventos únicos, de tal forma que eles não podem ser (ou não podem ser concebidos como sendo) membros de uma classe com outros eventos; e como identificamos e distinguimos tais eventos daqueles que podem ser classificados[33]?

Ludwig von Mises, escrevendo mais tarde e em reconhecimento da interpretação de frequência de seu irmão, fornece maiores esclarecimentos nesta questão. De acordo com Ludwig von Mises (e há pouca dúvida de que Knight concordaria com ele), dois tipos categoricamente distintos de eventos empíricos existem: de um lado, eventos naturais, que poderiam ser chamados acidentes; e de outro, ações humanas. A probabilidade de classe (ou risco) é aplicável exclusivamente ao primeiro tipo de evento, i.e., acidentes; e não é permissível aplica-la à ação humana. Esta última é a fonte da incerteza “verdadeira” e não quantificável (knightiana), e responsável pelo surgimento de lucros e prejuízos. Como afirma Ludwig von Mises,

[h]á dois casos inteiramente diferentes de probabilidade; podemos chama-los de probabilidade de classe (ou probabilidade de frequência) e probabilidade de caso (ou o entendimento específico das ciências da ação humana)[34]. O campo de aplicação da primeira é o das ciências naturais, controlado totalmente pela causalidade; o campo de aplicação da segunda é o campo das ciências da ação humana, controlado totalmente pela teleologia[35].

Infelizmente, no capítulo relevante (VI) de seu Magnum opus, Ludwig von Mises é menos do que claro quanto ao porquê de ações humanas (escolhas) serem intratáveis pela teoria da probabilidade (na interpretação de frequência). Sua resposta pode ser inferida, no entanto.

A pergunta é: É cientificamente legítimo atribuir probabilidades quantitativas à execução de certas ações (seja por indivíduos, ou grupos de indivíduos)? Há uma probabilidade numérica de que eu assistirei basquete na TV hoje à noite, que gastarei $5 em cerveja e $10 em vinho tinto no mercado do Von na Rua Primeira hoje, que Hillary Clinton será eleita em 2008, que um milhão de turistas alemães gastarão entre 3 e 3,5 milhões de Euros para comprar por volta de três milhões de Bratwursts em Maiorca em 2007, que Linda se divorciará de George, que Ben Bernanke criará 5 bilhões de dólares na semana que vem, ou que mais pessoas assistirão à MTV do que à Fox na próxima noite de Natal?

Para o teorista de frequência, a resposta para essas perguntas é um claro não. Certamente que estamos constantemente fazendo previsões quanto a ações-eventos como estes, mas cálculos de probabilidade não têm – e não podem, legitimamente, ter – qualquer papel nessas previsões.

Primeiramente, o teorista de frequência nos lembrará de que a aplicação do termo probabilidade a um único evento – e todas as ações-eventos mencionadas acima são eventos únicos! – é, nas palavras de Richard von Mises, “bobagem completa”. “A teoria da probabilidade jamais pode levar a uma afirmação definitiva acerca de um único evento.” “É possível falar de probabilidades apenas em referência a um coletivo adequadamente definido.” “A definição de probabilidade … está preocupada apenas com ‘a probabilidade de encontrar um determinado atributo em um determinado coletivo.’”[36]

Quais são, então, os coletivos ou classes às quais pertencem os eventos únicos mencionados acima? Qual, por exemplo, é a classe à qual pertence o evento “assistir basquete na TV hoje à noite”; de qual coletivo o evento “um milhão de turistas alemães gastarem 3-3,5 milhões de Euros com Bratwursts em Maiorca em 2007” é membro; e qual é o coletivo apropriado de “Linda se divorcia de George”? Sem um coletivo especificado e uma contagem (que se presume) completa de seus membros individuais e seus vários atributos, nenhuma afirmação de probabilidade numérica é possível (ou, se for feita, é arbitrária).

De um ponto de vista de lógica formal, não há nenhuma dificuldade em cumprir tal requisito. Para cada evento único, uma (ou mais) classe(s) correspondente(s) pode(m) ser definida(s). Por exemplo, “eu assisto basquete na TV hoje à noite” pode ser considerado membro da classe “pessoas assistindo ou não basquete na TV hoje à noite”, ou “americanos do sexo masculino” fazendo-o. Ou pode ser considerado um elemento da classe “assisto basquete na TV toda noite”. Os um milhão de alemães comedores de Bratwurst em Maiorca podem ser considerados membros da classe “gastos anuais per capita com Bratwurst por turistas alemães em Maiorca”. “Linda se divorcia de George” pode ser um elemento de “mulheres se divorciando ou não de homens”, ou “Lindas se divorciando ou não de Georges”, etc.

No entanto, para termos um coletivo bem definido – e realmente contado e pesquisado – é apenas um dos muitos requisitos que precisam ser satisfeitos para permitir o uso de afirmações de probabilidade numérica. A segunda condição a ser satisfeita é a de “aleatoriedade”. Nas palavras de Richard von Mises, “apenas aquelas sequências de eventos ou observações que satisfaçam os requisitos de completa imprevisibilidade ou ‘aleatoriedade’ [são verdadeiros] coletivos”. Para empregar o cálculo probabilístico, deve ser impossível criar “um método de selecionar os elementos de forma a produzir uma mudança fundamental nas frequências relativas”[37]. “Os valores limite das frequências relativas em um coletivo devem ser independentes de todas as seleções por atributos”[38]. Ou, como Ludwig von Mises expressou o mesmo requisito: para cada elemento de uma classe, deve ser verdade que nada é conhecido sobre seus atributos sob consideração, exceto que é elemento desta classe (e que sabe-se tudo sobre as frequências relativas de atributos especificados para a classe como um todo).

É no que toca a este requisito de aleatoriedade que Ludwig von Mises (e, presume-se, Knight) veem dificuldades insuperáveis na aplicação da teoria probabilística a ações humanas. É verdade que, pela lógica formal, para cada evento único um coletivo equivalente pode ser definido. Mas ontologicamente, ações humanas (seja de indivíduos ou grupos) não podem ser agrupadas em coletivos “verdadeiros”, e devem ser concebidas como eventos únicos. Por quê? Como Ludwig von Mises presumivelmente responderia, a suposição de que nada se sabe sobre qualquer evento em particular exceto seu status como membro de uma classe é falsa no caso de ações humanas; ou, como Richard von Mises diria, no caso de ações humanas nós conhecemos uma “regra de seleção por atributos” cuja aplicação levaria a mudanças fundamentais quanto à frequência relativa (probabilidade) do atributo em questão (eliminando assim a possibilidade de uso do cálculo probabilístico).

 

IV.

A suposição de aleatoriedade (ou homogeneidade) pode ser feita em relação a eventos do tipo acidente. Por exemplo, nada sabemos quanto ao atributo “quebrará ou não?” de uma garrafa em particular, exceto que a garrafa é membro de uma classe de garrafas (da qual conhecemos a probabilidade de garrafas quebrarem ou não); e nada sabemos sobre os atributos de um lançamento de dados em particular (sairá um seis ou não?) exceto que o lançamento faz parte de uma classe de lançamentos de dados (da qual sabemos a probabilidade de sair um seis).

Mas no caso de ações humanas, essa suposição é incorreta. No caso de ações humanas, “sabemos”, escreve Ludwig von Mises, “acerca de um evento específico, alguns dos fatores que determin[am] seu resultado”[39]. Assim, na medida em que sabemos mais sobre um evento único do que meramente sua participação em uma dada classe de eventos dos quais sabemos a frequência de determinados atributos, estamos em posição melhor para realizar previsões do que no caso de “acidentes”, sobre os quais nada se sabe quanto a eventos específicos – uma garrafa ou outra quebrar.

Enquanto eventos naturais – acidentes – são ocorrências determinadas por, de forma geral, forças que não variam com o tempo ou o lugar, e que agem de forma “cega” e “indiscriminada” em um ambiente determinado, nós sabemos que ações-eventos são ocorrências determinadas individualmente, por julgamentos de valor, conhecimentos, e propriedades efetivas em um determinado lugar e momento (o que caracteriza uma restrição). Ou seja, sabemos que escolhas e ações humanas resultam de julgamentos de valor (subjetivos e momentâneos); que julgamentos de valor envolvem a priorização de fins, e o conhecimento (presumido correto) de como atingir esses fins através de alguma combinação de meios; e que a avaliação de fins e a seleção de meios está restrita pela quantidade e qualidade das propriedades (possessões) à disposição de um agente humano individual[40].

Com base nesse conhecimento geral da natureza das ações humanas, e sua distinção em relação a acidentes, nós estamos em posse de um método que, de acordo com a teoria de frequência de Richard von Mises, nós definitivamente não poderíamos possuir, se desejamos aplicar o cálculo probabilístico: um método de seleção por atributos. Nós não conhecemos nenhuma regra para distinguir uma garrafa da outra no que toca a qual delas irá estourar (de outra forma, elas não estariam todas na mesma classe). No entanto, para qualquer coletivo presumido de ações-eventos (como “homens assistem basquete na TV hoje à noite”), nós conhecemos tal regra. Nós conhecemos um método de decompor e de-homogeneizar todo coletivo-ação concebível, até o nível de elementos individuais (como “homens americanos, adolescentes, eu, você, Pedro e Paulo assistem basquete” e “eu assisto basquete na segunda, terça e quarta”). Este método de seleção por atributos – a possibilidade de criar um método para selecionar os elementos de forma a produzir uma mudança fundamental nas frequências relativas dos atributos em questão – é chamado de “Verstehen” (compreensão).

Ludwig von Mises caracteriza esse método da seguinte forma: o Verstehen

lida com as atividades mentais dos homens que determinam suas ações. Ele lida com os processos mentais que resultam em certos tipos de comportamento, com as reações da mente às condições do ambiente do indivíduo. Ele lida com algo invisível e intangível que não pode ser percebido pelo método das ciências naturais … Esta visão específica das ciências da ação humana tem como objetivo estabelecer os fatos de que os homens dão um certo significado ao estado de seu ambiente, que eles atribuem valor a este estado e, motivados por esses julgamentos de valor, recorrem a certos meios para preservar ou para atingir um certo estado de coisas diferente daquele que se realizaria, caso se abstivesse de qualquer reação com propósito. A Compreensão lida com julgamentos de valor, com a escolha de fins e de meios aos quais se recorre para a realização desses fins, e com a atribuição de valor ao resultado das ações realizadas.

Os métodos de investigação científica não são categoricamente diferentes dos processos aplicados por todos em seu comportamento mundano diário. Eles são simplesmente mais refinados e, na medida do possível, purificados de inconsistências e contradições. A Compreensão não é um método de procedimento peculiar apenas a historiadores. É praticado por crianças assim que superam o estágio meramente vegetativo de seus primeiros dias e semanas …

O conceito de Compreensão foi elaborado pela primeira vez por filósofos e historiadores que queriam refutar o ataque dos positivistas aos métodos da historiografia … Mas os serviços prestados pela compreensão ao homem ao iluminar o passado são apenas um estágio preliminar na empresa de antecipar o que pode acontecer no futuro … A Compreensão busca antecipar as condições futuras, na medida em que dependem das ideias, juízos de valor, e ações humanas[41].

Infelizmente, em sua caracterização do método de Verstehen, Ludwig von Mises não o identifica expressamente como um método de seleção de atributos, o que deixa sua análise da distinção categórica entre probabilidade de classe e de caso em um estado menos que satisfatório. No entanto, essa imperfeição pode ser retificada pela adição de duas observações intimamente relacionada à sua caracterização de Verstehen.

Em primeiro lugar, deve-se adicionar à caracterização de Mises que o Verstehen é atingido, e possivelmente refinado, através de comunicação verbal (interação simbólica), seja ela real ou virtual[42], com a entidade demonstrando (ou esperando-se que demonstre) certo comportamento ou atributo. A partir disso procedem dois outros insights elementares quanto à distinção entre eventos naturais (acidentes) e ações-eventos.

Por um lado, procede que temos um acesso a algumas entidades: agentes humanos, que não temos a outros como dados, garrafas, pedras, ou o Sol. Podemos nos comunicar com – e, portanto, compreender – aqueles, mas não (com) estes. Sendo assim, podemos responder a perguntas acerca de agentes humanos que são simplesmente impossíveis de responder no caso de eventos naturais. Não sabemos, e não temos como saber, por que é que dados, garrafas, pedras, ou o Sol se comportam daquela forma. É verdade que podemos nos referir a leis naturais para explicar seu comportamento. Mas não sabemos por que essas leis são como são. Por algum motivo, elas são assim, e não de alguma outra forma, e neste sentido, o comportamento de dados, garrafas, pedras, e do Sol é, e sempre será, ininteligível pra nós. Em contraste, nos sabemos, e temos um método para descobrir, por que agentes humanos se comportam de uma certa forma. Agentes têm motivos para agirem de uma certa forma, e podemos compreender esses motivos, o que torna suas ações eventos inteligíveis (ao contrário de meras “ocorrências”)[43].

Por outro lado, enquanto entidades como dados, garrafas, pedras, e o Sol oferecem “igual acesso” a todos os observadores, i.e., cada pessoa tem a possibilidade de adquirir o mesmo conhecimento acerca delas, e atingir o mesmo sucesso em prever seu comportamento, essa igualdade não está presente no caso de ações humanas. Certamente que, como fato empírico, uma pessoa pode ter mais sucesso que outra em prever o comportamento de dados, garrafas, pedras, e do Sol. Isso pode ocorrer porque um observador possui habilidades cognitivas (inclusive matemáticas) que o outro simplesmente não tem, ou porque aquele fez uma nova descoberta. No entanto, em princípio, não há nenhum obstáculo impedindo alguém de aprender sobre tais entidades aquilo que outra pessoa sabe, ou acabou de descobrir, sobre seu comportamento. Todo conhecimento e cada nova descoberta a seu respeito é pública, aberta, e pronta para ser adquirida por qualquer um.

Em contraste distinto, o acesso a agentes humanos por meio de comunicação verbal não é igual e público, mas privilegiado e privado. Cada pessoa tem acesso privilegiado a si própria. Ou seja, em princípio, cada pessoa está melhor equipada do que qualquer outra para entender e prever suas próprias ações, e especialmente suas ações imediatamente iminentes. Da mesma forma, como cada agente tem acesso privilegiado a si próprio, o acesso a outros agentes – o que se chama de Fremdvesrstehen, ou conhecimento de “estranhos” – é privado. Ou seja, cada “outro” ou “estranho” pode ou não se comunicar como alguém, e revelar muito ou pouco sobre si próprio. Ou, em outras palavras, agentes humanos podem revelar ou guardar segredos, e seus investigadores podem, assim, saber mais ou menos sobre o comportamento desta ou daquela pessoa, enquanto entidades como dados, garrafas, pedras ou o Sol não têm nenhum segredo para esconder de quem quer que seja.

Em segundo lugar, estes insights relacionados à acessibilidade cognitiva de agentes humanos, em contraste com entidades não-comunicativas, nos levam imediatamente à conclusão final e definitiva: que o Verstehen através da comunicação verbal representa um método único de “individualização”. Certamente que, ao usarmos um sistema de coordenadas espaciais e temporais, podemos sempre distinguir um determinado dado, garrafa, ou pedra de outra, e da mesma forma, um evento de lançamento de pedra ou um nascer do Sol de outro algum outro que se refira à mesma pedra ou Sol. Mas é exatamente nossa incapacidade de usar qualquer outro método de individualização que torna possível formar “coletivos” ou “classes” de pedras e garrafas distintas, e de diferentes lançamentos da mesma pedra ou nasceres do mesmo sol. Em outras palavras, é apenas por sermos incapazes de distinguir um dado, garrafa, ou pedra de outras, exceto quanto a suas posições no tempo e no espaço, que estamos aptos a dizer, de acordo com a definição de probabilidade de classe de Ludwig von Mises, que sabemos tudo sobre a frequência relativa de atributos específicos para uma classe como um todo, e não sabemos nada sobre o comportamento de uma entidade particular, exceto que é membro desta classe.

Em contraste, no caso de agentes humanos, a comunicação oferece esse outro método de individualização. Através da comunicação verbal, estamos em posição de distinguir precisamente um agente de qualquer outro agente, e uma ação de um dado agente de qualquer ação subsequente do mesmo agente. Ou seja, a comunicação verbal representa um método de individualização tanto sincrônico como diacrônico.

Da perspectiva sincrônica, é impossível formar um “coletivo” de agentes composto de Pedro, Paulo, João, Jaime, etc., porque é claramente falso afirmar que nada sabemos sobre suas ações específicas, além de serem ações de homens, homens americanos, ou adolescentes americanos do sexo masculino, de cuja categoria nós conhecemos as frequências relativas de algum atributo específico, como por exemplo, comprar um engradado de cerveja no dia de hoje. Podemos nos comunicar com Pedro, Paulo, João, e Jaime, e assim entender os julgamentos de valor, conhecimentos, e restrições de propriedade de Pedro, Paulo, João e Jaime. Cada um deles enfrenta suas próprias restrições de propriedade e tem suas próprias razões para agir de certa forma.

De forma semelhante, da perspectiva diacrônica, é impossível formar qualquer “coletivo” de agentes formado por mim e minhas ações realizadas ao longo do tempo, ou de Pedro e suas ações, porque também é falso afirmar que eu nada sei sobre minhas ações ou as ações de Pedro hoje, amanhã, em uma semana, ou daqui a um mês, exceto que são minhas ações ou de Pedro, e que eu tudo sei sobre a frequência relativa de certos atributos dentro da classe de todas as minhas ações, ou todas as ações de Pedro. Essa afirmação é falsa por dois motivos.

Por um lado, é falsa porque eu sei mais sobre minhas ações ou as de Pedro hoje, amanhã, em uma semana, e assim em diante, do que simplesmente que são minhas ações ou de Pedro. Eu sei que minhas ações e as de Pedro hoje são o resultado dos presentes julgamentos de valor, conhecimentos, e restrições de propriedade minhas e de Pedro, e que minhas ações e as de Pedro amanhã ou em uma semana são o resultado dos meus futuros julgamentos de valor, conhecimentos, e restrições de propriedade – ou os de Pedro. Além disso, sei também que independentemente do resultado – sucesso ou fracasso – das ações presentes minhas ou de Pedro, os meus julgamentos de valor, conhecimentos, e restrições de propriedade (ou os de Pedro) mudarão como resultado de nossas ações presente, de tal forma que minhas ações futuras, bem com as de Pedro, serão realizadas por um eu diferente e por um Pedro diferente, sob restrições diferentes. Ademais, sei que as mudanças que ocorrerão em mim, em Pedro, e em nossas circunstâncias como resultado de nossas ações presentes não podem ser por nós previstas antecipadamente, mas apenas reconstruídas após o evento, demandando assim esforços contínuos de Verstehen[44].

Por outro lado e da mesma maneira, não podemos dizer que sabemos nada sobre os atributos de um evento particular, mas tudo sobre a frequência relativa dos mesmos atributos para toda a classe de ações minhas e de Pedro, porque os atributos possíveis de nossas ações constituem uma classe “aberta” ou “infinita”. Para entidades como dados e garrafas, por exemplo, nós conhecemos todos os atributos possíveis. Um lançamento do dado tem seis resultados possíveis, e uma garrafa pode quebrar ou não. E é apenas pelo número de resultados possíveis ser “fechado” que a noção de uma série de observações “suficientemente longa” (Richard von Mises) pode assumir algum significado operacional. Apenas pelo número de atributos possíveis ser definido podemos afirmar razoavelmente que uma série de observações foi “suficientemente longa” para que todos os atributos tivessem uma chance de aparecer, permitindo assim que calculemos a frequência relativa de qualquer um deles. No entanto, se o homem pode aprender de formas imprevisíveis, e os potenciais atributos de suas ações estão em aberto, então nenhuma série de observações pode ser considerada “suficientemente longa”, e, portanto, torna-se impossível calcular a frequência relativa de um dado atributo qualquer dentro de uma classe de eventos.

 

  1. Conclusão

Isso nos traz à nossa conclusão final. Frank H. Knight e Ludwig von Mises estão inteiramente corretos em insistirem que o uso de probabilidades numéricas é impossível em nossas tentativas diárias de prever nossas próprias ações, e as de nossos pares. Como afirmou inequivocamente Richard von Mises, o originador da interpretação de frequência da probabilidade: a aplicação do termo probabilidade a um evento único é “bobagem completa”. É possível falar de probabilidades numéricas apenas em referência a um coletivo adequadamente definido. Mas ontologicamente, não existe nenhum coletivo assim no que toca a ações humanas. Cada ação humana deve ser considerada um evento único, constituindo uma classe de si própria. O método de Verstehen através da comunicação verbal representa uma técnica de individualização sincrônica, bem como diacrônica. Através do Verstehen cada agente (e cada grupo de agentes) pode ser de-homogeneizado em relação a qualquer outro agente (ou grupo), e cada dado agente hoje pode ser de-homogeneizado em relação ao mesmo agente (ou mesmo grupo) amanhã. Ou, nas palavras de Richard von Mises, Verstehen nos fornece uma “regra de seleção” que proíbe o uso de afirmações de “frequência relativa”, pois, por definição, frequências relativas (numéricas) requerem uma classe formada de mais que um elemento apenas[45].

 

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Notas

[1] Publicado originalmente no Quarterly Journal of Austrian Economics 10, no. 1 (primavera de 2007).

[2] Frank H. Knight, “Professor Mises and the Theory of Capital”, Economica, n.s. 8, no. 32 (1941): pp. 409-27; idem, “The Place of Marginalist Economics in a Collectivist System”, American Economic Review: Supplement 26 (1936): pp. 255-66; idem, “Review of Ludwig von Mises, Socialism”, Journal of Political Economy 46 (1938): pp. 267-68; Ludwig von Mises, Human Action: A Treatise on Economics (Chicago: Regnery, 1966 [1949]), pp. 490-93, 848 f.

[3] É interessante notar que, por mais influentes que Knight e Mises tenham sido em moldar suas respectivas escolas, nenhum deles foi completamente bem-sucedido em convencer seus seguidores dessa parte de suas doutrinas. Similarmente, como céticos quanto ao uso da probabilidade, Knight e Mises eram proponentes da teoria econômica “a priori”, e neste ponto, também, nenhum deles foi totalmente bem-sucedido com seus estudantes. Ver Knight, “Review of T.W. Hutchison, The Significance and Basic Postulates of Economic Theory”, Journal of Political Economy 48, no. 1 (1940); e Mises, Human Action, cap. 2.

[4] Richard von Mises (1883-1953) foi professor de matemática na Universidade de Estrasburgo (1909-1919). Em 1921 ele foi nomeado professor de matemática e diretor do Instituto de Matemática Aplicada na Universidade de Berlim. Quando os Nacionais-Socialistas o demitiram dessa posição em 1933, Mises foi primeiro a Istanbul, Turquia, e em 1939 emigrou para os Estados Unidos, onde ele terminou sua carreira como Professor Gordon McKay de Aerodinâmica e Matemática Aplicada na Universidade de Harvard. O trabalho pioneiro de Mises sobre as fundações da teoria da probabilidade apareceu em 1919 em duas edições da Matematische Zeltschrift. Seu principal trabalho nesta área, publicado originalmente em alemão em 1928, é Probability, Statistics and Truth; ver também seu Positivism: A Study in Human Understanding (Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 1951).

[5] Há algumas poucas referências a F.Y. Edgeworth, cujas opiniões sobre probabilidade eram um tanto quanto ecléticas.

[6] Os dois irmãos Mises passaram muito tempo em termos pouco amigáveis, a só se reconciliaram durante seu exílio em comum nos EUA.

[7] Richard von Mises, Probability, Statistics and Truth (Nova York: Dover Publications, 1957), p. 28.

[8] Ibid., pp. 28-29.

[9] Richard von Mises explica em mais detalhes o significado da condição (ii) (aleatoriedade) por meio de um contra-exemplo:

Imagine, por exemplo, uma estrada ao longa da qual pedras marcadoras de distância são posicionadas: grandes para milhas completas, e pequenas para décimos de milha. Se andarmos o suficiente por esta estrada, calculando as frequências relativas de pedras grandes, o valor encontrado desta forma será em torno de 1/10 … Os desvios do valor 0.1 serão menores e menores à medida que aumenta o número de pedras que passaram; em outras palavras, a frequência relativa tende ao valor limite de 0.1. (Ibid., p. 23)

Ou seja, a condição (i) é satisfeita. No entanto, a condição (ii) está ausente neste caso, porque

[a] sequência de observações de pedras grandes e pequenas difere essencialmente de uma sequência de observações de, por exemplo, os resultados de jogos de azar, no sentido de que a primeira sequência obedece a uma regra facilmente reconhecível. Exatamente cada décima observação leva ao atributo “grande” todas as outras ao atributo “pequeno”. (Ibid., p. 23)

A diferença essencial entre a sequência de resultados obtidos com o lançamento de dados e a sequência regular de marcadores de distância grandes e pequenos consiste da possibilidade de criar um método de selecionar os elementos de forma a produzir uma mudança fundamental nas frequências relativas.

Começamos, por exemplo, com uma pedra grande, e registramos apenas cada segunda pedra que passamos. A frequência relativa de pedras pequenas e grandes agora convergirá para 1/5, e não para 1/10 … A impossibilidade de afetar as chances de um jogo de azar através de um sistema de seleção, esta inutilidade de todos os sistemas de jogos, é a propriedade característica e decisiva comum a todas as sequências de observações, ou fenômenos de massa que constituem o objeto apropriado do cálculo probabilístico … Os valores limite das frequências relativas em um coletivo precisam ser independentes de todas as possíveis seleções por características. (Ibid., pp. 24-25)

[10] Ibid., pp. 17-18.

[11] Ibid., p. 32.

[12] Quanto a interpretações subjetivistas da probabilidade, Mises primeiramente aponta que subjetivistas como John Maynard Keynes, por exemplo, erram ao não reconhecer “que se não sabemos nada sobre uma coisa, não podemos dizer nada sobre sua probabilidade”, e ele nota então que “[a] abordagem peculiar dos subjetivistas está no fato de que eles consideram ‘eu presumo que estes casos são igualmente prováveis’ como equivalente a ‘estes casos são igualmente prováveis’ já que, para eles, probabilidade é apenas uma questão subjetiva.” (R. Mises, Probability, Statistics and Truth, pp. 75-76)

[13] Ver também a nota de rodapé 25, abaixo.

[14] Frequentemente se afirma, explica Mises quanto a esse ponto, que

Se alguém joga cara ou coroa com uma moeda “perfeita” (“correta”) e realiza um número suficientemente grande de lançamentos, é quase certo que a proporção de caras será desviar menos de 0,1% de 50%. Quanto a isso, podemos notar apenas que: A transição da proposição aritmética para esta proposição empírica só pode ser feita declarando-se que a moeda “perfeita” é uma na qual a probabilidade de ambos os resultados é ½, e assim definindo a probabilidade precisamente da forma sugerida por nós, i.e., como frequências relativas empíricas em longas sequências. (Lehrbuch des Positivismus, p. 267)

“Como é possível ter certeza”, pergunta Mises aos proponentes da probabilidade a priori, “que cada um dos seis lados de um dado tem igual probabilidade de aparecer … Nossa resposta, é claro, é que não sabemos de fato a não ser que o dado … tenha sido submetido a uma sequência suficientemente longa de experimentos para demonstrar este fato.” (R. Mises, Probability, Statistics and Truth, p. 71)

[15] Ibid., p. 33.

[16] Ibid., p. 37.

[17] Ibid., p. 38.

[18] Ibid., p. 57.

[19] As visões de Knight e Mises quanto à imputação regressiva (partilha) diferem significativamente. Em equilíbrio, de acordo com Knight, cada fator de produção é remunerado de acordo com seu valor de produção marginal, enquanto de acordo com Mises cada fator de produção é pago de acordo com seu valor de produção marginal descontado, i.e., seu valor de produção marginal descontado pela taxa de juros originária. Esta diferença não afeta nenhum dos argumentos apresentados aqui ou abaixo, no entanto.

[20] Ver seção III abaixo.

[21] Frank H. Knight, Risk, Uncertainty and Profit (Chicago: University of Chicago Press, 1971), caps. 7 e 8; L. Mises, Human Action, cap. 6, e pp. 289-94.

[22] Risk, Uncertainty and Profit, p. 198. De forma semelhante, Mises escreve:

Se todos estão corretos em sua antecipação do estado futuro do mercado de um determinado produto, seu preço e os preços dos fatores de produção complementares relevantes já estariam hoje ajustados a esse estado futuro. Nem lucro nem prejuízo pode ocorrer para aqueles que entrem nesse ramo de negócios. (L. Mises, Human Action, p. 290)

[23] Knight, Risk, Uncertainty and Profit, pp. 198-99.

[24] Ibid., pp. 212-13. Similarmente, ver L. Mises, Human Action, pp. 291-92.

[25] De acordo com Knight,

[E]xistem duas formas fundamentalmente diferentes de se chegar ao julgamento de probabilidade na forma de que uma dada proporção numérica de Xs também sejam Ys. O primeiro método é por cálculo a priori … Como ilustração do primeiro tipo de probabilidade, podemos tomar o lançamento de um dado perfeito. Se o dado é realmente perfeito, e isso é sabido, seria meramente ridículo realizar o esforço de jogá-lo algumas centenas de vezes para verificar a probabilidade de ele repousar sobre uma face ou outra. (Knight, Risk, Uncertainty and Profit, pp. 214-15)

A resposta de Ludwig von Mises a essa definição pode ser inferida a partir da citação na nota 14 acima: Precisamente. Mas essa definição mostra apenas que não existe probabilidade a priori. Pois para classificar um dado como perfeito, é necessário antes demonstrar que isso é verdade, e isso não pode ser feito senão através de extensa observação.

[26] L. Mises, Human Action, p. 107.

[27] Ibid., p. 107. “Suponhamos,” Mises esclarece,

… que dez bilhetes, cada um com o nome de um homem diferente, são colocados em uma caixa. Um bilhete será retirado, e o homem cujo nome estiver no bilhete terá que pagar 100 dólares. Nesse caso, uma seguradora poderá prometer ao perdedor uma indenização total, se ela puder segurar os dez por um prêmio de dez dólares cada. Ela coletará 100 dólares e terá que pagar o mesmo valor a um dos dez. Mas se ela segurasse apenas um deles à taxa determinada por esse cálculo, estaria entrando não no negócio de seguros, mas de jogos de azar. … O seguro, seja ele baseado no princípio de negócios ou de mutualismo, requer que toda uma classe seja segurada, ou algo que possa razoavelmente ser considerado como tal. … A marca característica de um seguro é que ele lida com toda a classe de eventos. Como assumimos saber tudo sobre o comportamento de toda a classe, não parece haver nenhum risco específico envolvido na conduta desse negócio. … Também não há nenhum risco específico no negócio de um banco de jogos, ou uma empresa de loteria. Do ponto de vista de uma loteria, o resultado é previsível, assumindo que todos os bilhetes sejam vendidos. Se alguns bilhetes não forem vendidos, o empresário está na mesma posição em relação a eles que cada comprador de um bilhete em relação aos bilhetes que comprou. (Ibid., pp. 108-10)

[28] Ver seção I.

[29] Ludwig von Mises claramente estava ciente da vantagem desta definição. Assim, ele nota:

A definição da essência da probabilidade de classe, como oferecida acima, é a única logicamente satisfatória. Ela evita a circularidade grosseira implicada em todas as definições que se referem à equiprobabilidade dos eventos possíveis. Ao afirmarmos que nada sabemos sobre eventos reais específicos, exceto que são elementos de uma classe cujo comportamento é totalmente conhecido, esse círculo vicioso é eliminado. Ademais, é supérfluo adicionar uma segunda condição chamada de ausência de qualquer regularidade na sequência de eventos singulares. (L. Mises, Human Action, p. 109)

[30] Knight, Risk, Uncertainty and Profit, pp. 223-24.

[31] Ibid., p. 226.

[32] Ibid., pp. 231-32.

[33] Knight está muito ciente do caráter não satisfatório de sua explicação da probabilidade-incerteza (versus probabilidade-risco). Assim, ele nota que “[e]sta forma de probabilidade está envolvida na maior dificuldade lógica de todas, e nenhuma discussão muito satisfatória da mesma pode ser dada, mas sua distinção de todos os outros tipos deve ser enfatizada”. (Risk, Uncertainty and Profit, p. 225). E ainda: “[a] lógica, ou psicologia última destas deliberações é obscura, parte do mistério cientificamente insondável da vida e da mente” (Ibid., p.227). E, no entanto,

[é] indisputável que este procedimento é na verdade seguido em grande medida, e que um número estonteante de decisões na verdade se baseia em tal julgamento de probabilidade, apesar de não poder ser explicitado na forma de uma determinação estatística definida. Ou seja, os homens de fato criam, com base na experiência, opiniões mais ou menos válidas quanto à sua própria capacidade de formar julgamentos corretos, e até da capacidade de outros homens neste quesito. (Id., p. 228)

[34] Sobre probabilidade de caso, ver a seção IV abaixo.

[35] L. Mises, Human Action, p. 107.

[36] R. Mises, Probability, Statistics and Truth, pp. 17, 33, 28, 12.

[37] Ibid., p. 24.

[38] Ibid., pp. 24-25; ver também nota de rodapé 9 acima.

[39] L. Mises, Human Action, p. 110, ênfase adicionada. Na verdade, em alguns casos nós conhecemos todos os fatores que determinam o resultado. Ver nota de rodapé 45 abaixo.

[40] É verdade que os defensores do programa de pesquisa positivista-falsificacionista negam a distinção categórica feita aqui entre eventos naturais (acidentes) e ações, e alegam que a mesma metodologia se aplica a ambas as categorias de fenômenos (monismo). De acordo com eles, tanto eventos naturais quanto ações humanas são explicáveis por causas eficientes gerais, hipoteticamente válidas (e, portanto, empiricamente falsificáveis), e invariantes no tempo e no espaço. Em ambos os casos, “explicamos” através da formulação de hipóteses causais, que são confirmadas ou falsificadas por experiências reais. No entanto, se podemos conceber ações como sendo governadas por causas operacionais invariantes no espaço e no tempo, assim como eventos naturais, então é certamente apropriado perguntar: como se explicam as ações dos explicadores, i.e., os pesquisadores causais? Eles são, afinal, as pessoas que executam o próprio processo de, primeiramente, formular hipóteses causais, e então agregar as experiências que confirmem ou falsifiquem as hipóteses. Para assimilar as experiências confirmadoras ou falsificadoras – para confirmar, revisar, ou substituir sua hipótese inicial – assume-se que o pesquisador causal deva ser capaz de aprender com a experiência. Todo positivista-falsificacionista é forçado a admitir isto. De outra forma, por que se dedicar à pesquisa causal? No entanto, se é possível aprender com a experiência de formas inicialmente desconhecidas, admite-se que não é possível saber, em um dado momento no tempo, aquilo que se saberá em algum momento futuro, e consequentemente, como se agirá com base nesse conhecimento posterior. Só é possível a uma pessoa reconstruir as “causas” de suas ações após o fato, assim como só é possível explicar o conhecimento após tê-lo adquirido. De fato, nenhum avanço científico poderia jamais alterar o fato de que é necessário considerar o conhecimento, e as ações baseadas nesse conhecimento, como imprevisíveis, com base em causas que estão em operação contínua. É possível encarar essa concepção de liberdade como uma ilusão. E isso pode bem ser verdade do ponto de vista de um cientista com poderes cognitivos substancialmente superiores a qualquer inteligência humana, ou do ponto de vista de Deus. Mas nós não somos Deus, e mesmo que nossa liberdade seja ilusória do Seu ponto de vista e nossas ações sigam um caminho previsível, para nós essa é uma ilusão necessária e inevitável. Não podemos prever com antecedência, com base em nosso estado anterior de conhecimento, nosso estado futuro de conhecimento ou nossas ações manifestando este conhecimento. Podemos apenas reconstruí-los após o fato. Dessa forma, a metodologia positivista-falsificacionista é simplesmente contraditória quando aplicada ao campo do conhecimento e da ação – a qual contém conhecimento como um ingrediente necessário. O positivista-falsificacionista que formula uma explicação causal (assumindo causas operacionais invariantes no tempo e no espaço) para alguma ação está simplesmente escrevendo bobagem. Sua atividade de se dedicar a um empreendimento – pesquisa, o resultado da qual ele deve admitir que não pode saber antecipadamente, pois precisa ser capaz de aprender – prova que aquilo que ele pretende fazer não pode ser feito. Ver também Hoppe, Kritik der kausalwissenschaftlichen Sozialforschung (Opladen: Westdeutscher, 1987); e idem, Economic Science and the Austrian Method (Auburn, Ala.: Ludwig von Mises Institute, 2007 [1995]).

[41] Ludwig von Mises, The Ultimate Foundation of Economic Science (Kansas City: Sheed Andrews and McMeel, 1978), pp. 47-49.

[42] Obviamente, é possível se comunicar apenas como entidades presentes; daí a distinção entre comunicação real e virtual. No que toca a entidades passadas – e, até certo ponto, também as distantes – apenas a comunicação virtual é possível. Eu não posso me comunicar de forma real com César, por exemplo, para descobrir por que ele atravessou o Rubicão. Mas posso estudar os escritos de César e os de seus precursores e contemporâneos, para adquirir algum conhecimento de seu tempo, sua personalidade, e a situação que enfrentava quando tomou a decisão em questão.

[43] Peter Winch, The Idea of a Social Science and Its Relation to Philosophy (Londres: Routledge and Kegan Paul, 1970).

[44] Assim, em contraste com o comportamento de entidades não-comunicativas, que é invariante no tempo, agentes humanos variam no tempo, e precisamos nos comunicar com eles repetidamente para prever suas ações. Se o homem, como dizem os positivistas, interpreta um sucesso preditivo como confirmação de sua hipótese, de forma que ele empregaria, na mesma circunstância, o mesmo conhecimento no futuro, e se ele interpreta um fracasso preditivo como falsificação, de forma que ele não empregaria a mesma hipótese no futuro, mas sim uma diferente, ele pode fazê-lo apenas se ele assume – mesmo que só implicitamente – que o comportamento dos objetos em consideração não muda ao longo do tempo. De outra forma, se seu comportamento não for suposto invariante no tempo – se os mesmos objetos se comportassem às vezes desta forma, e outras de uma forma diferente – não procederia nenhuma conclusão sobre como interpretar um sucesso ou fracasso preditivo. Um sucesso não implicaria que uma hipótese foi temporariamente confirmada, e portanto, que o mesmo conhecimento deveria ser usado no futuro. E um fracasso preditivo não significaria que não se deve usar a mesma hipótese novamente sob as mesmas circunstâncias. Mas esta suposição – que os objetos investigados não mudam seu comportamento ao longo do tempo – não pode ser feita com respeito ao próprio sujeito que investiga, sem cair em autocontradição. Pois ao interpretar suas previsões bem-sucedidas como confirmações, e suas previsões malsucedidas como falsificações, o pesquisador deve necessariamente assumir-se capaz de aprendizado – alguém que pode aprender sobre o comportamento de objetos concebidos por ele como não sendo capazes de aprender. Assim, mesmo que se assuma todo o resto constante na natureza, o homem como pesquisador não pode assumir o mesmo quanto a si próprio. Ele deve ser uma pessoa diferente do que era antes após cada confirmação ou falsificação, e é sua natureza ser capaz de mudar ao longo do tempo. Ver também a nota 40 acima.

Consequentemente, enquanto no caso de entidades não-comunicativas o significado de um sucesso ou fracasso preditivo é inequívoco – o sucesso significa “até aqui sua hipótese não foi falsificada, portanto aplique-a novamente”, e o fracasso significa “sua hipótese em sua forma atual está errada, portanto mude-a” – no caso de agentes humanos o significado do sucesso ou fracasso preditivo é necessariamente ambíguo. Como os julgamentos de valor, conhecimentos, e restrições de propriedade de um dado agente podem mudar ao longo do tempo, podemos repetir uma previsão específica mesmo que tenha se mostrado errada antes, ou muda-la mesmo que tenha se mostrado correta. Ou seja, não podemos nunca nos encostar em nossos sucessos anteriores, mas começar sempre do zero e avaliar novamente a aplicabilidade de nosso conhecimento passado; e portanto, não podemos nunca acumular um estoque de conhecimento no qual possamos cegamente confiar no futuro. Ver também Hoppe, “On Certainty and Uncertainty”, Review of Austrian Economics 10, no. 1 (1997): 60-61; capítulo 14 republicado neste volume.

[45] Enquanto Ludwig von Mises se preocupa exclusivamente com afirmações de probabilidade e a distinção categórica entre probabilidade de classe (risco) e probabilidade de caso (incerteza), sua análise também pode ser estendida a proposições determinísticas, i.e., declarações acerca das quais nosso conhecimento de seu conteúdo não é deficiente, de forma que nós sabemos tudo que seria necessário para uma decisão definitiva entre verdadeiro ou falso. Da mesma forma que existe uma distinção categórica entre probabilidade de classe e de caso, também existe uma distinção categórica entre determinismo de classe (certeza de um evento ou acidente) ou determinismo de caso (certeza de ação).

Por exemplo (de perspectiva síncrona), eu tenho certeza sobre o que acontecerá se uma pedra for jogada no ar: que ela cairá no chão. Na verdade, toda pedra fará isso, e nesse sentido minha certeza se estende a todo evento de lançamento de pedra. Similarmente (de uma perspectiva diacrônica), eu estou certo de que verei o Sol nascer e se pôr no mesmo padrão constante todo dia, e nessa medida, minha certeza também se estende a eventos específicos: ao Sol na segunda, terça, quarta, etc. No entanto, apesar de minha certeza quanto ao resultado de eventos particulares, ainda é verdade que aquilo que Ludwig von Mises define como o characteristicum specificum da probabilidade de classe – a saber, que nada é conhecido sobre qualquer evento particular exceto que é membro de uma dada classe, ao mesmo tempo que se sabe tudo sobre o comportamento da classe de eventos como um todo. A probabilidade objetiva dos eventos em consideração, com base em observações de frequência e longo prazo, é 1; daí minha certeza quanto a cada evento singular. Eu posso ter certeza quanto a cada evento singular e real, porque eu tenho certeza do comportamento da classe, mas não tenho meios de distinguir eventos singulares. Eles são homogêneos no que toca aos atributos em questão. Cada evento singular é o resultado da mesma lei geral (determinística).

Com isso, contrastamos distintamente os seguintes exemplos: eu estou certo de que meu braço esquerdo se levantará em um segundo. Eu estou certo de que beberei uma cerveja hoje à noite. Estou certo de que levantarei da cama amanhã de manhã. No que toca à certeza desses eventos, não é menos que a das pedras e do Sol. De fato, pode-se dizer que a certeza acerca daqueles eventos é ainda maior que a destes. Afinal, a validade das leis determinísticas sobre as quais repousa a segunda certeza é apenas hipotética, enquanto que nos primeiros casos há o que poderíamos chamar de certeza voluntarista-construtivista: eu estou tornando certos os eventos em questão; sua ocorrência depende apenas de minha vontade (além do fato de eu não estar paralisado, de possuir uma cerveja, uma cama, etc.).

No entanto, como nota Ludwig von Mises acerca de afirmações probabilísticas, assim como a “probabilidade de caso nada tem em comum com a probabilidade de classe além da incompletude de nosso conhecimento” (Human Action, p. 110), também o determinismo de caso (certeza de ação) nada tem em comum com o determinismo de classe (certeza de evento ou acidente), além da completude de nosso conhecimento. Em todos os outros aspectos os dois são inteiramente diferentes. Para um, apesar de eu não saber por que pedras e o Sol se comportam de tal maneira (posso dizer que eles se comportam assim devido à gravitação ou às leis de movimento de Newton, mas não há então nenhuma resposta quanto à questão de por que essas leis são como são, sem ninguém entender por que, no que toca às minhas próprias ações (levantar meu braço, beber uma cerveja, levantar da cama) eu conheço sua causa última: elas acontecem porque é assim que eu quero que as coisas sejam. Ademais, enquanto minha certeza quanto ao comportamento das pedras e do Sol se baseiam em observações de frequência de longo prazo (e o fato de que essas observações revelaram até hoje sempre o mesmo resultado idêntico, sem exceções, minha certeza quanto ao levantar de meu braço, meu consumo de cerveja, e meu despertar e levantar da cama é baseada apenas em minha compreensão de mim mesmo e minhas circunstâncias presentes. No entanto, a partir de minha certeza acerca deste caso particular de levantar de braço, consumo de cerveja ou levantar da cama, não procede nenhuma afirmação quanto a atos futuros de levantar de braço, consumo de cerveja, ou levantar da cama. Em vez disso, qualquer certeza quanto a tais atos meus no futuro deve se basear em um outro ato futuro de compreensão de mim mesmo e minhas circunstâncias. Em contraste, a partir de minha certeza quanto ao comportamento de um ato específico de lançamento de pedra e ao comportamento do Sol na segunda-feira, procede que tenho a mesma certeza quanto ao resultado do próximo lançamento de pedra, ou do comportamento do Sol na terça-feira. (Incidentalmente, além destes dois tipos de certeza empírica [a posteriori], existe também um terceiro tipo: a certeza lógica e praxeológica [a priori].

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