O Liberalismo de Mises
A exposição de Ludwig von Mises sobre a filosofia econômica e política liberal, Liberalismo,[1] é digna de nota por uma série de razões.
Em primeiro lugar, não pode haver dúvida de que Mises estava entre os principais pensadores liberais do século XX, se não o mais importante.[2] Em segundo lugar, embora F.A. Hayek (1992: 145) o tenha caracterizado como “escrito às pressas”,[3] Liberalismo continua sendo a tentativa mais sistemática de Mises de “apresentar uma declaração concisa do significado essencial” de sua filosofia social e de reafirmar o liberalismo para o mundo contemporâneo (Mises 1978a: 3). Além disso, como será visto, a apresentação de Mises levanta uma série de questões altamente importantes em relação à sua versão da doutrina liberal.
O ponto de partida de Mises é bastante interessante:
“o programa do liberalismo, se pudermos condensá-lo em uma única palavra, se resumiria no termo propriedade, isto é, a propriedade privada dos meios de produção. . . . Todas as outras exigências do liberalismo resultam deste requisito fundamental.” (19, ênfase no original)
Seja deliberada ou não, a declaração de Mises é paralela à máxima de Marx e Engels no Manifesto, de que o programa comunista pode ser “resumido em uma única expressão: Abolição da propriedade privada” (1848: 22). Assim como os dois fundadores do marxismo sustentavam que o socialismo beneficiaria a grande maioria dos membros da sociedade, Mises sustentava que o liberalismo, fundado no direito à propriedade, era do interesse geral. A esse respeito, sua posição contrasta fortemente com duas obras muito mais famosas sobre o assunto publicadas na mesma época.
Em sua History of European Liberalism (1959), que foi publicado originalmente dois anos antes de Liberalismo, o filósofo italiano Guido de Ruggiero optou por lidar com o liberalismo de maneira “idealista”, limitando seu tratamento de seu aspecto econômico a algumas observações corriqueiras e hostis.[4] Em 1936, no que viria a se tornar outra obra padrão, The Rise of Liberalism, Harold Laski de fato enfatizou a dimensão econômica de seu tema. Mas, como sugere o subtítulo do livro – A Filosofia de uma Civilização Empresarial –, Laski refletia o clima de opinião de seu tempo. Ele simplesmente assumiu, sem argumentos, que, como “produto” das classes médias ou “burguesas”, o liberalismo servia apenas aos interesses dessas classes.
Nos países de língua inglesa, a abordagem de Mises vai contra a venerável tradição rastreável a Sobre a liberdade, de John Stuart Mill. Nesse trabalho presunçosamente intitulado, Mill se concentra na liberdade de discussão e “experimentos na vida”, enquanto proíbe explicitamente do debate a liberdade econômica – liberdade de trabalho, troca e contrato, propriedade etc. – áreas de interesse muito mais urgente para a grande maioria da humanidade. Mais do que qualquer outra pessoa, foi o “confuso Mill”, como Murray Rothbard (1995: 277-95) apropriadamente o denominou,[5] cuja grande influência produziu o pântano conceitual atual, com a virtual obliteração de qualquer distinção entre liberalismo e social-democracia (ver o ensaio sobre “Liberalismo Verdadeiro e Falso”, no presente volume).
Seguindo os passos de Mill, muitos expositores da ideia liberal consideraram possível discutir o assunto enquanto praticamente ignoravam os direitos de propriedade. Que eles viram como a estrada mais nobre e eticamente elevada, uma escolha que tem a vantagem de não atolar o pretenso liberal em qualquer defesa embaraçosa dos direitos dos proprietários. É o caso, por exemplo, de Isaiah Berlin, em sua época celebrado como o principal pensador liberal da Grã-Bretanha. Um crítico do liberalismo observou astutamente como, em sua defesa de Benjamin Constant, Berlin se concentra na defesa de Constant da liberdade intelectual e da privacidade pessoal, “discretamente ignorando, ou subestimando, o firme compromisso de Constant com o poder de propriedade [sic] e um mercado totalmente desregulado” (Arblaster 1984: 234 e 317 n. 29). Como inúmeros outros autores, Berlin preferiu continuar sua discussão sobre o liberalismo em termos de “neutralidade de valor da política estatal” e “as necessidades da personalidade humana”. Deste lado do Atlântico, o autor liberal atualmente mais aclamado John Rawls em sua principal obra (1971: 258) é capaz de afirmar que, “Em toda parte, a escolha entre uma economia de propriedade privada e o socialismo é deixada em aberto…”[6]
Mises e o fascismo italiano.
Em 1925, um escritor soviético já havia rotulado Mises de “um teórico do fascismo” (Kapelush 2002). A publicação de Liberalismo forneceu a seus inimigos consideravelmente mais munição. Estranhamente, praticamente o único contexto em que este trabalho foi mencionado nas últimas décadas é em conexão com o curto capítulo sobre “As razões do fascismo” (47-51). Aqui Mises declara (51):
“Não se pode negar que o fascismo [italiano] e movimentos semelhantes, visando ao estabelecimento de ditaduras, estejam cheios das melhores intenções e que sua intervenção, até o momento, salvou a civilização europeia. O mérito que, por isso, o fascismo obteve para si estará inscrito na história.”[7]
Que o fascismo “salvou a civilização europeia” do bolchevismo era uma visão comum entre os anticomunistas do período. No mesmo ano em que Liberalismo foi publicado originalmente, por exemplo, Winston Churchill visitou a Itália, encontrou-se com Mussolini e elogiou publicamente “a luta triunfante do fascismo contra os apetites e paixões bestiais do leninismo”, alegando que “ele provou ser o antídoto necessário para o veneno comunista” (New York Times 1927; cf. Hughes 1955: 119-23).
No entanto, as observações de Mises em Liberalismo e algumas passagens semelhantes de seus outros escritos deram origem a duras críticas de alguns autores socialistas. Em um artigo de 1934, posteriormente republicado, Herbert Marcuse (1968: 10) citou essa passagem na tentativa de mostrar a congruência fundamental do liberalismo e do fascismo. Perry Anderson (1992: 8) aludiu à posição inicial de Mises sobre o fascismo em uma discussão sobre a “direita intransigente” no pensamento político do século XX:
“Não havia defensor mais franco do liberalismo clássico no mundo de língua alemã dos anos 1920 [do que Mises]. No entanto, a cena política austríaca, dominada pelo conflito entre uma esquerda social-democrata e uma direita clerical, deixou pouco espaço para essa perspectiva. Neste ponto Mises não hesitou; na luta contra o movimento trabalhista, o governo autoritário pode muito bem ser necessário. Olhando para o outro lado da fronteira, ele pôde ver as virtudes de Mussolini. Os camisas negras salvaram por um momento a civilização europeia para o princípio da propriedade privada: ‘O mérito que o fascismo obteve para si estará inscrito na história.’ Conselheiro de Monsenhor Seipel, o prelado que governou a Áustria no final dos anos vinte, Mises aprovou o esmagamento do trabalhismo e da democracia por Dollfuss[8] nos anos trinta, culpando a repressão de 1934 que instalou uma ditadura clerical na loucura dos social-democratas em contestar sua aliança com a Itália.”[9]
O crítico mais agressivo de Mises nesse quesito foi um autor alemão que escreveu sobre o pensamento econômico do século XX, Claus-Dieter Krohn. Em uma obra traduzida, Krohn afirma que a simpatia de Mises pelo fascismo italiano é atribuível ao seu medo das “demandas das massas por participação em uma sociedade industrial moderna e a necessidade de regulamentação coletiva de potenciais conflitos sociais”. Citando a passagem de Liberalismo citada acima, Krohn (1993: 47) afirma que “já em 1927 Mises detectou no fascismo italiano um baluarte bem-vindo contra o avanço do coletivismo”, sugerindo, enganosamente, que Mises continuou a apoiar o fascismo depois.[10]
Krohn apresenta uma crítica mais detalhada e venenosa de Mises em um trabalho anterior (Krohn 1981: 33-38, 111-17). Nele ele afirma que Mises atingiu o ponto alto de sua influência mais tarde nos EUA, “na fase da Guerra Fria”, quando pertencia ao grupo que promovia “a chamada teoria do totalitarismo”, que era “menos uma teoria analítica do que uma ideologia defensiva-evasiva irracional [Abwehrideologie]”. Mises, na visão de Krohn, sempre esteve não tanto na tradição do liberalismo quanto na da burguesia alemã, que, por medo da “’República Vermelha’, muitas vezes buscou proteção sob as amplas asas do estado autoritário”:
“Suas concepções de ordem social, reduzidas a uma apologia da propriedade privada, exigiam necessariamente para sua realização um complemento autoritário. Assim como os grandes grupos de interesse [especiais] do final dos anos trinta revelaram um interesse crescente no corporativismo italiano, Mises também demonstrou nesse período não apenas simpatias latentes pelo fascismo.” (Krohn 1981: 37)
Ao contrário de Marcuse e Anderson, Krohn reconhece que a gratidão de Mises aos fascistas foi baseada em sua oposição à ameaça comunista percebida da época. Ele então continua, no entanto, a deturpar a posição de Mises em uma paráfrase. De acordo com Mises:
“Os movimentos fascistas na Alemanha[11] e na Itália são a força progressista do futuro, porque só eles encontraram o élan, na extrema exigência da situação, para acabar com os limites tradicionais da justiça e da moralidade e estar preparados para ‘contra-ações sangrentas’. Mesmo que, do ponto de vista do liberal, alguns excessos devam ser condenados, estes são, em qualquer caso, apenas ‘ações reflexas’ momentâneas e cometidas no calor da paixão. À medida que a raiva inicial se dissipa, a política fascista ‘tomaria um curso mais moderado e provavelmente se tornará ainda mais com o passar do tempo’, pois não se pode negar ‘que o fascismo e movimentos semelhantes, visando ao estabelecimento de ditaduras, estejam cheios das melhores intenções e que sua intervenção, até o momento, salvou a civilização europeia. O mérito que, por isso, o fascismo obteve para si estará inscrito na história’.” (Krohn 1981: 37-38)
Deve-se apontar imediatamente que a suposta referência de Mises aos movimentos fascistas alemão e italiano como “a força progressista do futuro” é pura invenção da parte de Krohn.
Também deve ficar claro que o trecho de Mises ocorre no contexto de um ataque ao fascismo italiano. Mises criticou e rejeitou o fascismo por uma série de razões cruciais: por seu programa econômico iliberal e intervencionista, sua política externa baseada na força, que “não pode deixar de causar uma série de conflitos internacionais” e, mais fundamentalmente, sua “total fé no decisivo poder da violência” em vez de argumentos racionais para obter a vitória final (49-51).[12]
Embora Krohn pelo menos aluda ao raciocínio de Mises, referindo-se à sua crença na ameaça comunista do início dos anos 1920, ele não faz, é claro, justiça ao argumento de Mises. Isso está de acordo com o hábito contemporâneo predominante de ignorar o papel do comunismo internacional em engendrar uma reação violenta da direita radical.
Meio século atrás, o grande historiador inglês Herbert Butterfield (1952: 50) reclamou que o viés ideológico estava levando a uma séria distorção da história dos anos entre guerras:
“É lamentável que o partidarismo de grande parte de nossos escritos históricos tenha levado ao enterro de muitos fatos significativos que eram bem conhecidos do mundo há algumas décadas. Entre eles está o fato de que as repetidas tentativas dos comunistas de chamar a multidão para as ruas criaram um problema desesperador para o início da república de Weimar; na verdade, eles ajudam a explicar o desenvolvimento daqueles bandos armados contrarrevolucionários que, no próximo estágio da história, ajudaram tanto os propósitos de Hitler. Da mesma forma, as extravagâncias e ultrajes do comunismo na Itália nos anos após a Primeira Guerra Mundial ajudaram a provocar um contramovimento tão sério que quase apagou a memória deles – surgiram os bandos violentos que seguiram a liderança de Mussolini.”
Butterfield está certamente correto aqui. À medida que os eventos das décadas anteriores à Segunda Guerra Mundial – e da própria guerra – são cada vez mais reduzidos a um conjunto de estereótipos de Hollywood, qualquer senso de um processo dialético em ação desaparece. Assim, as circunstâncias que ocasionaram – e justificaram – a aprovação de Mises aos fascistas em uma conjuntura histórica inicial são hoje virtualmente esquecidas. Por essa razão, e porque levanta questões de fundamental importância para a teoria liberal, a questão merece uma discussão mais extensa.
Mises começa apontando que o fascismo italiano (e até certo ponto movimentos semelhantes em outros países, como os Freikorps na Alemanha) ganhou proeminência em resposta ao que muitos milhões na Europa perceberam como um desafio mortal. Em 1919, Lenin formou a Terceira Internacional Comunista (Comintern), constituída pelos partidos comunistas de todo o mundo e abertamente visando a revolução mundial por todos os meios necessários. Como Mises afirma (47), os partidos do Comintern não se esquivaram da “franca adoção de uma política de aniquilação de oponentes”.[13]
Já “em dezembro de 1917, Lenin havia lançado uma campanha de incitamento ao terror, encorajando as massas a fazer justiça com as próprias mãos, “para ‘roubar os ladrões’ [ou seja, espoliar os latifundiários e a burguesia], para perpetrar a ‘justiça de rua’ [praticar a lei de linchamento], contra os ‘especuladores’ [ou seja, os comerciantes do mercado negro] e, em geral, para se envolver em carnificina de classe fratricida na cidade e no campo” (Leggett: 1981: 54). Grigory Zinoviev, primeiro chefe do Comintern, declarou, em 1918, que, se necessário, os bolcheviques exterminariam 10.000.000 de pessoas na Rússia (Nolte 1987: 558-59 n. 41). No final, o total foi consideravelmente maior. A criação em 1918 da Cheka – a primeira encarnação da polícia secreta soviética – deu início à conversão do Terror Vermelho em um sistema. Isso, e as transformações econômicas que destruíram a economia e produziram fome em massa, foi o que o Comintern prometeu levar as nações da Europa e depois para o mundo.[14]
Levantes comunistas eclodiram em várias partes da Alemanha, e repúblicas soviéticas foram estabelecidas, brevemente, na Baviera e na Hungria. Em 1920, Lenin transformou a guerra polaco-soviética em uma campanha pela conquista e comunização da Polônia, como um prelúdio para uma maior expansão para o oeste (Pipes 1993: 177-83, 187-93). Ele pediu a “liquidação impiedosa de latifundiários e kulaks [fazendeiros bem-sucedidos]” e propôs o pagamento de recompensas a assassinos de “inimigos de classe” (Pipes 1993: 188). Os poloneses, no entanto, permaneceram firmes e pararam o Exército Vermelho nos portões de Varsóvia.
A ameaça da revolução comunista na Itália
Lenin e os outros líderes bolcheviques viam a Itália como uma área particularmente promissora para a revolução. O Partido Socialista Italiano (PSI) caiu sob o controle dos “maximalistas”, que se consideravam leninistas e se voltavam para o Comintern em busca de direção ideológica.
No programa adotado no XVI Congresso do Partido, em Bolonha, em outubro de 1919, o PSI proclamou o início de “um período de luta revolucionária, para realizar a repressão violenta da burguesia em um curto espaço de tempo” e chamou pela “insurreição armada das massas proletárias e dos soldados proletários”, para instituir a ditadura do proletariado (citado em Peterson 1982: 279).[15] Os socialistas declararam que “o proletariado deve recorrer ao uso da violência para a conquista do poder sobre a burguesia. . . devemos usar organizações novas e proletárias, como os sovietes de trabalhadores, e devemos aderir à Terceira Internacional” (citado em Smith 1959: 327-28).
Com as eleições gerais de 1919, o PSI tornou-se o maior partido do parlamento, bem como o mais bem organizado.[16] Seus porta-vozes e agitadores anunciaram a revolução socialista que se aproximava, enquanto o PSI operava para desestabilizar as instituições do estado, incluindo o parlamento como um prelúdio (Morgan 1995: 11).[17] O jornal do partido, Avanti!, chegou ao ponto de afirmar que “em breve todos os partidos serão eliminados” (Settembrini 1978: 125-26 e 125 n. 5). Quando o esquerdista Francesco Nitti foi nomeado primeiro-ministro, o principal intelectual do partido, Antonio Gramsci, saudou-o como o Kerensky da iminente revolução comunista italiana (Smith 1959: 330).
A violência socialista há muito era uma característica da vida pública na Itália. Dirigido contra a propriedade dos empregadores e especialmente contra os trabalhadores não grevistas, ela foi sistematicamente praticada pelos sindicatos durante as disputas industriais. Em 1906, o principal cientista social italiano, Vilfredo Pareto (1974: 97-98), queixou-se de que o direito de greve havia se transformado em “a liberdade, para os grevistas, de bater nos miolos dos trabalhadores que desejam continuar a trabalhar e incendiar as fábricas impunemente”. Uma década e meia depois, a situação não havia melhorado. Em um de seus últimos ensaios, Pareto novamente protestou que o direito de greve passou a ser entendido como incluindo “a capacidade de constranger outros a fazê-la e punir os fura-greves”. Todo tipo de pressão e violência foi permitido aos grevistas e justificado como necessário “para promover a greve, estabelecer condições vantajosas para o trabalho, para facilitar ‘a ascensão do proletariado’, as transformações exigidas pela ‘modernidade’“ (Pareto 1981: 141). Em sua época, os únicos que restavam para defender a liberdade de trabalhar eram, escreveu Pareto ironicamente, “aqueles abomináveis manchesterianos” (ou seja, os partidários do laissez-faire) (Pareto 1992: 328).
Essa violência sindical endêmica – não limitada à Itália, é claro – desapareceu do quadro comum da ascensão do fascismo, bem como da história do século XX em geral. A causa de tal lacuna orwelliana na consciência histórica deve ser buscada na classe intelectual mediadora que produziu o quadro benigno da violência “trabalhista” (principalmente contra outros trabalhadores) e que sempre esteve profundamente comprometida com os mesmos preconceitos pró-sindicato que Pareto condenou.
A violência sindical na Itália não se limitou aos centros industriais. A coerção sistemática já havia sido introduzida em grandes partes do campo pelos sindicatos agrícolas socialistas. Um autor simpático a esses sindicatos escreveu, sobre as terras do vale do Pó, sujeitas a um excedente crônico de mão de obra:
“Através de um notável tour de force, as ligas camponesas socialistas superaram essa dificuldade nas duas primeiras décadas do século. Mas sua conquista teve um preço. A necessidade de manter a coesão diante da constante ameaça de fura-greve [sic] por trabalhadores desempregados ou migrantes tornou necessários métodos extremamente duros de disciplina. Boicotes e intimidações violentas eram frequentes nas províncias ‘vermelhas’.” (Lyttelton 1982: 258)
O período de 1919 a 1920 é conhecido como biennio rosso, “os dois anos vermelhos”. Greves e manifestações foram conduzidas em uma atmosfera de retórica selvagem e “expectativas revolucionárias messiânicas” (Morgan 1995: 21-34; Lyttelton 1982: 258). A Itália foi atingida por uma verdadeira “euforia de greves” (scioperomania), uma série incessante de greves politicamente motivadas que, além de criar uma confusão econômica, fez muitas vítimas mortas e feridas (Salvatorelli e Mira 1964: 127-35, 148-49). Os excessos socialistas no campo e nas cidades do norte e do centro, e a falta de qualquer resposta adequada do governo, levaram muitos a temer uma tomada revolucionária iminente.
O número de membros do sindicato agrícola socialista, o Federterra, aumentou; em 1920, ele havia recrutado cerca de um milhão de membros. Seu objetivo final era coletivizar todas as terras agrícolas, que seriam trabalhadas por cooperativas de trabalhadores. Uma greve em julho de 1920, envolvendo a maioria dos trabalhadores agrícolas da Toscana, terminou com um contrato que os proprietários de terras consideraram que “destruiu a própria viabilidade do sistema de parceria comercializado”. O que os empregadores se ressentiram especialmente foi a demanda da Federterra de controlar a oferta de mão de obra e as oportunidades de emprego. No final, os empregadores foram forçados a “reconhecer os departamentos de emprego administrados pela Federterra como a fonte exclusiva de fornecimento de mão de obra e. . . cotas de emprego durante todo o ano [foram impostas] a todos os agricultores, grandes e pequenos. . . (Morgan 25–26; ver também De Grand 1982: 28–29). Como escreveu um historiador:
“Um monopólio absoluto da mão de obra era tão crucial, mas tão precário no campo superpovoado, que só poderia ser mantido pela disciplina e controle de todo o setor agrícola, incluindo os pequenos camponeses que tinham que ser impedidos de trocar trabalho e, assim, evitar a cota. O sistema tinha que ser estanque para funcionar. Isso explicava os aspectos coercitivos das tentativas das ligas [socialistas] de garantir e manter o monopólio da mão de obra, por meio de multas, boicote e sabotagem das plantações, gado e propriedade dos fazendeiros que empregavam mão de obra não sindicalizada e dos trabalhadores ‘fura-greve’ que concordavam em trabalhar para eles.” (Morgan 1995: 26)[18]
Outro historiador observa que a violência contra empregadores e não-grevistas “muitas vezes se estendia à intolerância à dissidência política ou religiosa. . . . Mesmo onde a liderança [socialista] local professava princípios reformistas, seus métodos de controle estavam longe de serem compatíveis com a ordem liberal burguesa” (Lyttelton 1982: 258-59; ver também Joes 1982: 168-70).
Em julho de 1920, representantes da Confederação Geral Italiana do Trabalho (CGL) assinaram um pacto em Moscou, aderindo à revolução social e à república universal dos sovietes. Em setembro, trabalhadores sindicais em Milão, Turim e Gênova hastearam a bandeira vermelha, assumiram o controle das fábricas e começaram a tentar administrá-las. “Para proteger o experimento, as produções foram colocadas em estado de defesa, com Guardas Vermelhos e, em alguns casos, arame farpado e metralhadoras” (Salvatorelli e Mira 1964: 152). Os sindicatos socialistas exigiram o controle do emprego e desafiaram a direção da produção dos proprietários. Em Turim, foram formados conselhos operários, que Gramsci e outros intelectuais comunistas saudaram como a versão italiana dos sovietes russos (Morgan 1995: 27).
As eleições locais de novembro de 1920 colocaram o controle de quase um terço dos conselhos comunais e metade de todos os conselhos provinciais nas mãos do PSI. Como a influência socialista no sul era mínima, isso equivalia à dominação vermelha de muitos dos distritos do norte e do centro, especialmente na Toscana, Lombardia, Emilia e Romagna. Às vezes declarando suas cidades como “repúblicas” revolucionárias, os socialistas locais “anunciaram sua intenção de usar as comunas como trampolim para a revolução” (Lyttelton 1982: 259). “Os conselhos socialistas usaram seus poderes para aumentar os impostos sobre a riqueza e a propriedade, aumentar os gastos com serviços públicos, favorecer as cooperativas de trabalhadores em contratos municipais e subsidiar as cooperativas de consumo para minar o comércio privado de varejo e distribuição” (Morgan 1995: 27).[19]
Milhões de pessoas da classe média se convenceram de que o bolchevismo estava a ponto de dominar o país. Hoje em dia, tornou-se costume sustentar que a ameaça comunista era só blefe e postura, mero “revolucionarismo verbal” (Knox 2000: 34),[20] “só latido e nenhuma mordida” (Smith 1959: 328).[21] Esta não era, no entanto, a visão dos contemporâneos.[22] Como escreve Philip Morgan (1995: 27), sobre a perspectiva real de uma Itália bolchevique: “no final de 1920, depois que as classes proprietárias sofreram derrotas econômicas e políticas desastrosas no norte e no centro da Itália, essa era exatamente a percepção dos eventos recentes. Em nível local e provincial, a revolução socialista estava sendo inaugurada; já estava em andamento.”[23]
Enquanto isso, o governo vacilou. Um decreto de 1919 permitiu a “ocupação temporária de terras não cultivadas”, o que teve o efeito previsível de incitar mais ocupações. O governo assumiu oficialmente uma postura de “neutralidade” nas disputas trabalhistas, o que significava pouca proteção aos direitos de propriedade ou dos trabalhadores não grevistas. Na tomada das fábricas, ele recusou-se a usar a força para despejar os trabalhadores e, de fato, apoiou seu direito de participar da administração das fábricas (Lyttelton 1973: 38; Salvatorelli e Mira 1964: 40-41).
A reação fascista como autoajuda da classe média
Os eventos do biennio rosso proporcionaram a ocasião para a ascensão espetacular do movimento fascista, que até então carecia de foco e apoio. É surpreendente, mas sintomático, que a torrente de violência socialista não seja mencionada em um trabalho padrão sobre Mussolini de Denis Mack Smith, do All Souls College, Oxford, o decano dos historiadores anglófonos da Itália moderna.[24]
O grande aumento do número de membros e influência fascista ocorreu inicialmente nas áreas rurais, onde esquadrões fascistas (squadre) foram formados. (Este elemento do movimento fascista geral é referido como squadrismo, e os membros do squadre como squadristi.)
“Os esquadrões eram gangues de jovens de classe média, muitos dos quais serviram como oficiais de baixa patente durante a guerra. Eles eram estudantes universitários e secundários, filhos de profissionais, comerciantes locais, funcionários públicos, empresários e fazendeiros que apoiavam ou simpatizavam com o impulso do fascismo contra o socialismo.” (Morgan 1995: 50)
O programa socialista alienou até mesmo muitos meeiros e arrendatários, que, junto com outros agrários e empresários locais, financiaram e equiparam o squadre fascista. Especialmente no vale do Pó, o esquadrão era frequentemente apoiado e acompanhado por pequenos proprietários, arrendatários e meeiros, como uma medida defensiva contra a mobilização dos trabalhadores diaristas pelos socialistas e seu objetivo de longo prazo de coletivizar a terra.[25]
Agricultores e empresários locais reclamaram veementemente do fracasso do governo em proteger suas propriedades. Para eles, apoiar o squadre era “uma espécie de autoajuda da classe média” (Morgan 1995: 56; ver também Lyttelton 1973: 37, 60-61). Em Carrara, onde as autoridades socialistas locais ameaçaram a expropriação total das pedreiras de mármore, os squadristi interromperam com muita força seus planos. Em Gênova, os esquadrões, em grande parte compostos por trabalhadores não sindicalizados, quebraram o monopólio sindical sobre as docas, ganhando a aclamação dos trabalhadores que até então haviam sido excluídos (Lyttelton 1973: 70-71).
As contra-ações do squadre não eram de forma alguma meramente defensivas em qualquer sentido estrito. Em vez disso, eles empreenderam uma campanha bem-sucedida de violência para erradicar a “infraestrutura” socialista. Aplicando força física que seus oponentes não podiam igualar, os fascistas destruíram prefeituras administradas por socialistas, sedes sindicais, jornais e “centros culturais”.
Nem é preciso dizer que os fascistas podem ser severa e legitimamente criticados em vários aspectos, incluindo seus excessos violentos e seu programa estatista final. É estranho, no entanto, ler em uma história padrão da chegada do fascista ao poder “os fatos sórdidos por trás do squadrismo”, a saber, sua “dependência da conivência policial oficial e fundos de industriais ou agrários” (Lyttelton 1973: 54). Alguém se pergunta o que exatamente era “sórdido” sobre os proprietários recorrerem ao único meio disponível para salvaguardar seus direitos. Tais repreensões – e são rotineiras – trazem à mente o ditado francês:
Cet animal est très méchant;
Quand on l’attaque il se défend.
Este animal é muito perverso;
Quando ele é atacado, ele se defende. [26]
Os economistas italianos e “a insurreição contra o bolchevismo”
A questão de como manter os princípios constitucionais liberais em face de um movimento socialista radical que ameaçava os fundamentos da ordem social – acima de tudo, a propriedade privada – havia perturbado profundamente os liberais na Europa Central e Oriental no final do século XIX. Confrontado com um partido socialista em ascensão em um Império Alemão, onde o Reichstag foi eleito por sufrágio universal masculino, John Prince Smith, o fundador do movimento de livre comércio alemão e seu líder por mais de três décadas, terminou como um defensor do estado militar-autoritário (Raico 1999: 77-86).[27] Na Rússia, Boris Chicherin, eminente historiador jurídico e filósofo social e o principal liberal russo de seu tempo, declarou: “À vista deste movimento comunista, nada resta para o liberal sincero a não ser apoiar o absolutismo [czarista] . . .” (Leontovitsch 1957: 142). Na crise produzida pelo socialismo radical na Itália, os liberais – incluindo notáveis como Benedetto Croce e Luigi Albertini – reagiram de forma semelhante, acolhendo o fascismo em um grau ou outro (Benedetti 1967; Cannistraro (ed.) 1982; Lyttelton 1973: 38).[28] Entre os apoiadores mais entusiasmados do movimento fascista estavam os economistas liberais italianos.
Em sua História da Análise Econômica, Joseph Schumpeter (1954: 855) escreveu:
“O observador mais benevolente não poderia ter feito nenhum elogio à economia italiana no início da década de 1870; o observador mais malévolo não poderia ter negado que ela era inigualável em 1914.”
A maioria dos notáveis economistas italianos que Schumpeter tinha em mente eram politicamente falando liberais econômicos clássicos, ou, na terminologia italiana, liberisti.[29]
Um pequeno, mas prestigioso movimento econômico-liberal existiu na Itália ao longo do século XIX. Nas últimas décadas do século, os autores desse campo foram duros críticos tanto do Estado italiano intervencionista, com seu apoio corrupto aos interesses especiais capitalistas às custas dos pagadores de impostos e consumidores, quanto do incipiente movimento socialista.
Com a virada leninista do PSI após a Primeira Guerra Mundial e o surgimento do movimento fascista, os economistas liberais começaram a se aliar abertamente a este último. Um membro particularmente distinto do grupo foi Maffeo Pantaleoni, a quem Hayek se referiu (1991: 360) como o autor de “um dos mais brilhantes resumos da teoria econômica que já existiu”.[30] Pantaleoni, o amigo de longa data de Vilfredo Pareto, a quem apresentou os escritos de Walras, estava entre os primeiros e mais fervorosos apoiadores do fascismo. “Se não fosse pela intervenção do fascismo”, escreveu ele (1922: vii), “a Itália teria sofrido não apenas uma catástrofe econômica e política, mas sim uma catástrofe de sua própria civilização, igual em sua espécie à da Rússia e da Hungria”.[31]
O mais famoso (ou notório) defensor liberal do fascismo, o próprio Pareto, não era de forma alguma o mais comprometido. No entanto, no final, ele endossou a tomada fascista e, um ano antes de sua morte, permitiu que Mussolini o nomeasse para o Senado.
No início de sua carreira como economista, Pareto era, ideologicamente, um doutrinário liberal vigoroso, uma versão italiana dos autores do Journal des Économistes, como Gustave de Molinari, com quem mantinha contato próximo e a quem se dirigia como cher maître. Pareto contribuiu frequentemente para aquele jornal parisiense, o carro-chefe da ideia do laissez-faire na Europa, e até ocasionalmente para a Liberty, o órgão do movimento individualista-anarquista americano liderado por Benjamin Tucker. Ele revelou seus motivos idealistas a seu amigo Pantaleoni (Pareto 1962, 1: 103): “De que adianta mesmo se avançarmos a ciência econômica, se então estamos sozinhos, os poucos de nós, para saber a verdade? Não é nosso dever fazer com que os outros também saibam disso? Lutar para que a justiça vença a corrupção e a injustiça que nos oprimem?” Seu principal animus era reservado para o establishment intervencionista ladrão e “pró-negócios”, enquanto ele expressava admiração pela coragem e sinceridade dos jovens italianos que estavam se convertendo ao socialismo. Durante a perseguição da esquerda pelo governo italiano no final da década de 1890, ele ajudou pessoalmente os refugiados socialistas em sua casa em Lausanne, como Pantaleoni fez em Genebra. (Pareto 1962, 1: 500; 2: 197).[32]
Mas Pareto logo começou a ficar cético em relação à boa fé dos socialistas. Mesmo enquanto o governo italiano oprimia os socialistas, em Genebra os trabalhadores liderados pelos socialistas, incluindo muitos italianos, agrediam fisicamente os trabalhadores que se recusavam a participar de uma greve de pedreiros: “Os senhores socialistas na Itália pedem apenas liberdade; aqui [na Suíça] eles têm, e vejam só eles se tornando os tiranos. Deixam de ser vítimas apenas para se tornarem perseguidores . . . os atos violentos dos socialistas em Genebra, na França etc., terminarão justificando os governos italiano e alemão” em sua repressão ao socialismo. Em 1898, ele já havia concluído que: “Contra a força não resta nada a se opor além da força” (Pareto 1962, 2: 224-25).[33]
Nos anos que se seguiram, Pareto ficou amargurado e completamente desiludido. A surpreendente popularidade do marxismo na Itália levou-o a reformular suas visões sociológicas para enfatizar a prioridade do irracional nos assuntos humanos (Finer 1966: 11, Finer 1968: 447-48; e Rothbard 1995: 455-59). As teorias sociais e econômicas são implantadas nas lutas políticas não em virtude de seu “valor objetivo”, mas “principalmente pela qualidade que podem ter de evocar emoções” (Pareto 1974: 98).
Pareto estava particularmente enojado com o crescente “humanitarismo” da burguesia, que se expressava em simpatia pelos excessos do trabalho sindicalizado e até mesmo em uma “euforia sentimental” pelo elemento criminoso. A burguesia manifestou sua decadência por meio de seu apoio a educadores que ensinavam que o capitalismo era fundado no roubo e a autores que manchavam todo valor social decente e minavam os próprios fundamentos da sociedade (Pareto 1981: 90-95). Em vez de lutar corajosamente por seus direitos, a burguesia estava se rendendo vilmente a seus inimigos socialistas. Pareto gostava de citar o provérbio genovês: “Aquele que brinca de ovelha encontrará o açougueiro”.[34]
A decadência da burguesia italiana pode ser rastreada na transformação de sua expressão política, o Partido Liberal, de acordo com Pareto. “No tempo de Cavour, o partido que se dizia liberal visava respeitar a liberdade de dispor dos próprios bens, então a limitou cada vez mais, finalmente permitindo a ocupação das terras e fábricas e os infinitos atos de insolência demagógica do biennio 1919-20” (Pareto 1981: 157). Na verdade, ele passou a ver o liberalismo como tendo pavimentado o caminho para “a opressão demagógica” de seu próprio tempo. Os liberais que exigiam igualdade de tributação em nome dos pobres, por exemplo, “não imaginavam que obteriam tributação progressiva em desvantagem dos abastados, e que acabariam com um arranjo em que os impostos são votados por aqueles que não os pagam” (Pareto 1974: 97-98).
Testemunhando o nascimento do movimento fascista (ele morreu em 1923), Pareto o viu como uma reação saudável à crise do corpo político italiano:
“Um dos principais fins de todo governo é a proteção de pessoas e propriedades; se negligenciar isso, então do seio do povo surgem forças capazes de suprir a deficiência. . . . [O fascismo surgiu] como uma reação espontânea e um tanto anárquica de uma parte da população à ‘tirania vermelha’, que o governo permitiu que corresse solta, deixando apenas para os indivíduos privados se defenderem.” (Pareto 1981: 148)[35]
O fascismo foi um sinal bem-vindo de que pelo menos uma certa coragem física não faltava na burguesia italiana. Mas, essencialmente um liberal clássico até o fim, em um de seus últimos artigos, Pareto alertou os líderes fascistas contra os perigos de abusos de poder e de envolvimento em aventuras militares estrangeiras. Para evitar tais erros, ele pediu a provisão de “uma ampla liberdade de imprensa” (Pareto 1981: 160).
Outro importante economista do livre comércio foi Antonio de Viti de Marco. Olhando para trás depois de uma década, de Viti de Marco descreveu o “período terrível de completa anarquia” do biennio rosso, quando a autoridade da lei deu lugar “à vontade arbitrária de grupos privados, até mesmo ao instinto destrutivo das favelas e dos homens violentos de todos os grupos privados”. Os trabalhadores ferroviários e telegráficos se consideravam os patrões dos serviços públicos, greves foram convocadas para intimidar o público, os sem-teto ocuparam as casas de cidadãos particulares, as lojas foram saqueadas sob os olhos da polícia, os trabalhadores tomaram as fábricas e os trabalhadores agrícolas tomaram a terra (de Viti de Marco 1929: viii-ix).
“Contra o caos, levantou-se o fascismo, a organização privada da resistência, sem dúvida um sinal de vitalidade na nação. Com o squadrismo, tinha-se os fenômenos típicos de uma guerra civil. O partido vitorioso restabeleceu a ordem pública e tomou o lugar do estado que praticamente havia desaparecido; então o moldou pouco a pouco à sua imagem.” (de Viti de Marco 1929: ix)
De todos os economistas italianos do livre comércio, Luigi Einaudi se tornaria o mais proeminente e alcançaria a maior influência política. Após a Segunda Guerra Mundial, Einaudi tornou-se o primeiro presidente da República Italiana e provavelmente o liberal mais conhecido da Europa. Embora não fosse um liberal “dogmático”, ele compartilhava as opiniões da escola liberisti tanto sobre a malignidade básica da ordem política e econômica italiana quanto sobre os perigos do socialismo para seu país. A aliança sinistra do parasitismo dos industriais e dos trabalhadores sindicalizados privilegiados foi um alvo especial de seus ataques. Junto com os outros economistas, Einaudi saudou o surgimento do movimento fascista e a ascensão de Mussolini ao poder. Revoltado com os socialistas, que estavam preocupados em “obter fundos, empréstimos, obras e favores para suas cooperativas, influenciar os assuntos econômicos de seus organizadores, mesmo ao custo de arruinar a indústria com seus controles”, Einaudi exaltou os Camisas Negras como “aqueles jovens ardentes que convocaram os italianos para a insurreição contra o bolchevismo”. A luta entre fascistas e socialistas ele caracterizou como um conflito entre “o espírito de liberdade e o espírito de opressão” (Decleva 1965: 218; Vivarelli 1981: 309-10).[36]
Assim, Mises não estava sozinho entre os pensadores liberais em elogiar o fascismo em um estágio inicial do movimento. Na verdade, ele estava simplesmente reiterando as opiniões daqueles na Itália que estavam em posição de saber melhor o contexto. Seus críticos, no entanto, seja por pura ignorância ou má-fé, negligenciaram esse fato.
O impasse do Estado rent-seeking italiano
A condenação do Estado “liberal” italiano pelos economistas liberais resultou de sua filosofia social fundamental. Baseando-se na rica tradição liberal de análise social do século XIX, incluindo o pensamento de Herbert Spencer, os liberisti enfatizaram que a sociedade prospera e progride por meio da produção e troca humana criativa. No entanto, historicamente, grande parte desse avanço foi tornado inútil pelo processo de espogliazione, ou pilhagem – por bandos errantes de bárbaros, por criminosos ou por aqueles que fazem uso do poder do estado para seus próprios fins vorazes. As décadas seguintes à unificação, eles acreditavam, viram a criação de um sistema multifacetado de pilhagem, organizado pela classe governante para o benefício de várias categorias parasitárias da população (Vivarelli 1981: 241-53 e passim).[37]
A dominação da política italiana por interesses especiais era evidente praticamente desde os primórdios da monarquia constitucional italiana. Mais tarde, sob o regime “liberal” de Giovanni Giolitti, a Câmara dos Deputados foi transformada em um carnaval permanente de desavergonhados e seus agentes que buscavam viver de privilégios concedidos pelo estado. Como de Viti de Marco (1929: vii) esboçou:
“O avanço da ideia liberal e democrática consistiu na extensão gradual dos favores legislativos, passando dos grupos maiores para os menores, dos grupos mais antigos para os recém-estabelecidos, dos proprietários de terras para os industriais, para os funcionários públicos, para as cooperativas de trabalhadores, para as organizações proletárias. Havia a hierarquia dos grandes, dos médios e dos pequenos privilégios. O Parlamento tornou-se, logicamente, o mercado onde os favores do estado, grandes e pequenos, eram negociados, cujos custos eram pagos pela grande massa de consumidores e pagadores de impostos. A defesa deste último foi banida da arena parlamentar.”
Como um típico economista italiano, Pareto era um oponente feroz e até fanático da “plutocracia” ou “pluto-democracia” que reinava na Itália (Femia 1998). Tarifas, contratos governamentais, gastos navais e militares, indústrias nacionalizadas, política tributária, bem-estar social, o privilégio legal dos sindicatos estavam entre os meios à disposição da classe governante para explorar o público em geral em benefício de suas várias clientelas. Como observou um estudioso, na visão de Pareto:
“O Parlamento é uma parte necessária desse arranjo, pois atua como um fórum no qual essas transações e arranjos entre as várias clientelas. . . são ‘agregados’ e também atua como uma plataforma pela qual as massas são persuadidas a concordar com eles.” (Finer 1968: 447-48)
Assim, desde o início, liberais como Pareto não tinham grande amor pela “democracia parlamentar”.
Por um tempo, Mussolini deu a impressão de que pretendia limpar os estábulos de Augias do Estado rent-seeking italiano. Ele falou em privatizar os serviços públicos, incluindo o ensino médio, em cortar gastos, impostos e burocracia, até mesmo em reduzir o estado a, em sua frase, “concepção manchesteriana”. Havia sugestões de uma revolução “paretiana” à vista, com Mussolini chamando por uma nova frente de “produtores” para combater os “parasitas” da classe política e da burocracia comunal socialista (Smith 1959: 350-51; Morgan 1995: 48, 51).[38]
O programa econômico fascista de julho de 1922, elaborado por Ottavio Corgini e Massimo Rocca, dois liberais econômicos, parecia anunciar tal revolução (Papa 1970: 66). Einaudi endossou o programa com entusiasmo, descrevendo-o como um retorno “às tradições liberais antiquadas. . . às fontes primitivas do estado moderno” (Decleva 1965: 228). A nomeação de Mussolini do liberista Alberto de Stefani como ministro das Finanças foi vista sob a mesma luz positiva.[39] Visto por seus admiradores como um Turgot moderno, de Stefani estava, infelizmente, condenado a sofrer o mesmo destino que Turgot teve na França da década de 1770, quando seu programa de liberalização colidiu com as duras realidades da política de interesse especial entrincheirada.
Edoardo Giretti provavelmente chegou mais perto do que qualquer outra pessoa de ser uma versão italiana de Richard Cobden, embora seja profundamente decepcionante que Giretti, como os outros economistas liberais, tenha apoiado a entrada desastrosa de seu país na Guerra Europeia, uma posição que Cobden não teria tolerado por nem um minuto.[40] Durante décadas um cruzado incansável pelo livre comércio, Giretti foi um dos principais participantes do movimento pacifista italiano, um veemente oponente dos gastos militares e aventuras coloniais, particularmente contra a guerra da Líbia de 1911 (Cooper 1986: 210-11). Ele gostava do “lema sublime” de Guilherme, o Silencioso: “Não há necessidade de esperança para se esforçar, nem de sucesso para perseverar”. Em um obituário, seu amigo Luigi Einaudi disse que o lema se aplicava perfeitamente à vida de Giretti (Einaudi 1941: 67. Veja também Josephson [ed.] [1985] s.v. “Giretti, Edoardo”).
O apoio inicial de Giretti ao movimento fascista é altamente esclarecedor:
“Estou mais do que nunca convencido de que, sem liberdade econômica, o liberalismo é uma abstração desprovida de qualquer conteúdo real, ou até uma mera hipocrisia e impostura eleitoral. Se Mussolini, com sua ditadura política, nos der um regime de maior liberdade econômica do que aquele que tivemos das máfias parlamentares dominantes nos últimos cem anos, a soma do bem que o país poderia tirar de seu governo superaria em muito a do mal.” (Papa 1970: 67)[41]
Assim, neste ponto inicial, Giretti, como os outros liberisti, compartilhou a interpretação do fascismo que um estudioso atribuiu a Luigi Albertini, editor do jornal mais influente da Itália, Corriere della Sera, de que era “um movimento ao mesmo tempo anti-bolchevique (em nome da autoridade do estado) e economicamente liberal, capaz, isto é, de dar um novo vigor” à ideia liberal na Itália (Decleva 1965: 233).
Uma importante figura fascista que também era um liberal econômico foi Leandro Arpinati, líder dos squadristi de Bolonha. Arpinati mais tarde rompeu com Mussolini por causa das políticas econômicas cada vez mais intervencionistas deste último e foi colocado sob rígida vigilância fascista. Ele foi assassinado em 1945, durante a libertação, por guerrilheiros comunistas (Iraci 1970).
Dilemas democratas
O episódio do fascismo e o apoio que ele recebeu dos economistas liberais sugerem certos problemas para a teoria democrática, particularmente como estabelecido por Mises em Liberalismo.
De acordo com Mises (1978a: 39), um estado liberal “deve não apenas proteger a propriedade privada. Deve, também, ser constituído de tal forma que o curso suave e pacífico de seu desenvolvimento nunca seja interrompido por guerras civis, revoluções ou insurreições.” Mises não era adepto do ideal “republicano clássico” ou “humanista cívico”. Ao contrário de Benjamin Constant e particularmente de Alexis de Tocqueville, por exemplo, ele não menciona o valor da participação democrática na elevação e ajuda a aperfeiçoamento do caráter dos cidadãos. Na análise de Mises (41-42), a justificativa fundamental da democracia é que, quando se trata dela, “a maioria terá poder de levar a efeito seus propósitos pela força. . . . A democracia é a forma de constituição política que torna possível a adaptação do governo aos desejos dos governados, sem lutas violentas. . . . não é necessária uma guerra civil para colocar, no governo, quem deseja governar segundo a maioria.”[42]
Embora seja verdade que na Itália, durante o biennio rosso, os socialistas nunca desfrutaram de maioria parlamentar,[43] eles obtiveram maiorias em numerosas eleições municipais e distritais. Pareto (1981: 150) descreve como os socialistas vitoriosos se comportaram:
“A conquista dos municípios era para [os socialistas] apenas a ocasião para saquear, para dividir entre si o produto dos impostos, aumentando-os além de qualquer medida e desperdiçando as dotações das instituições de caridade e hospitais. Houve um momento em que Milão e Bolonha se tornaram pequenos estados independentes do poder central.”[44]
Algumas perguntas surgem. Com base em que um liberal é obrigado a se submeter à “vontade da maioria” em casos como este? É possível que o curso adotado pela squadre fascista, de perturbar os governos socialistas democraticamente eleitos, fosse preferível a permitir-lhes saquear propriedades à vontade? Suponha que os socialistas italianos tivessem conquistado a maioria no país em geral e procedessem à implementação de um programa econômico leninista por meios parlamentares: seus oponentes teriam sido obrigados a concordar com isso?
A questão já havia sido levantada e respondida pelo mentor de Pareto, Gustave de Molinari, neste famoso ensaio “Da Produção de Segurança“, a primeira exposição do argumento anarcocapitalista. Molinari rejeita veementemente a noção de que os proprietários eram de alguma forma obrigados a aderir passivamente às medidas confiscatórias de uma maioria democrática socialista. Este ponto é discutido no ensaio sobre “A centralidade do Liberalismo Francês”, no presente volume.
Hoje, a questão da legitimidade do regime democrático – do direito moral do estado democrático à obediência de seus súditos – torna-se mais premente à medida que esse estado reivindica porções cada vez maiores da propriedade de seus súditos e níveis cada vez mais profundos de sua liberdade. Em que ponto os cidadãos estão moralmente justificados em responder com força à expropriação estatal de sua riqueza para fins redistribucionistas – ou de sua suposição de controle cada vez maior sobre as mentes e o caráter de si mesmos e de seus filhos? Que recurso resta legitimamente aos cidadãos se o estado democrático decidir, por exemplo, confiscar todas as armas de fogo em mãos privadas?
Mises admite (45) que “se homens sensatos veem seu país ou todas as nações do mundo caminharem para a destruição”, eles podem muito bem ser tentados a usar meios violentos para evitar um desastre geral. Mas essa minoria esclarecida não poderá, segundo ele, manter-se no poder a menos que convença a maioria. No entanto, é necessariamente assim? Tudo aqui não depende das circunstâncias particulares do caso, da relativa passividade da maioria e da determinação inabalável da minoria ameaçada em seus direitos?[45]
Questões semelhantes surgem em relação à segunda consideração na mente dos economistas italianos: a possibilidade de usar o fascismo para quebrar o impasse do estado rent-seeking. Na realidade, isso não aconteceu; em vez disso, sob Mussolini, o estado tornou-se ainda mais intervencionista e oneroso do que antes, além de envolver a Itália em aventuras militares absurdas e catastróficas. No entanto, tal resultado não parece ser inevitável, dadas as diferentes condições históricas.
Parece, então, que um liberal com o modo de pensar de Mises deve uma resposta à proposição de Pareto (1981: 154), estabelecida após a assunção do poder por Mussolini: “Um golpe de estado pode ser útil ou prejudicial ao país, dependendo do uso que é feito do poder obtido por ele. Por enquanto, parece que na Itália estamos no caminho certo.”
Mas como uma ordem liberal deve ser mantida?
Em suas memórias, Mises escreveu (1978c: 68), sobre as grandes questões da política:
“O povo deve decidir. É verdade que os economistas têm o dever de informar seus semelhantes. Mas o que acontece se esses economistas não estiverem à altura da tarefa dialética e forem superados pelos demagogos? Ou se as massas não têm inteligência para entender os ensinamentos dos economistas? A tentativa de guiar as pessoas no caminho certo não é inútil, especialmente quando reconhecemos que homens como John Maynard Keynes, Bertrand Russell, Harold Laski e Albert Einstein não conseguiam compreender os problemas econômicos?”
Essa foi uma expressão do desespero que acometeu Mises na época da Primeira Guerra Mundial. Por quais meios as massas nas sociedades democráticas poderiam ser convencidas sobre os benefícios dos princípios da propriedade privada e do livre mercado? Era um problema que chamava a atenção dos liberais pelo menos desde a época dos Idéologues por volta de 1800, na França. Richard Cobden e o líder liberal alemão Eugen Richter estavam entre aqueles que seguiram esses autores franceses ao propor o uso do sistema de educação pública para incutir os princípios da economia sólida nas massas.[46] De forma mais geral, supunha-se que a tarefa de todos os verdadeiros liberais promovessem o “esclarecimento público” para evitar a aceitação popular de políticas econômicas e sociais desastrosas. Mises (1978c: 69, grifo nosso) considera essa opção:
“Foi dito que o problema está na educação e informação públicas. Mas estamos muito enganados ao acreditar que mais escolas e palestras, ou uma popularização de livros e periódicos, poderiam promover a doutrina correta até a vitória. Na verdade, falsas doutrinas podem recrutar seus seguidores da mesma maneira. O mal consiste precisamente nas limitações intelectuais do povo para escolher os meios que levam aos objetivos desejados. O fato de que decisões superficiais podem ser impostas ao povo demonstra que ele é incapaz de julgamento independente. Este é precisamente o grande perigo.”
Mises admite abertamente a implicação lógica dessa visão, no que lhe dizia respeito pessoalmente: “Assim, cheguei a esse pessimismo desesperado que por muito tempo sobrecarregou as melhores mentes da Europa”. Que escapatória poderia haver desse pessimismo? Ele nos conta que em sua época de Gymnasium ele escolheu como lema pessoal um verso de Virgílio: Tu ne cede malis sed contra audentior ito (“Não ceda ao mal, mas sempre se oponha a ele com coragem”). Ele resolveu “fazer tudo o que um economista poderia fazer. Eu não me cansaria de professar o que sabia ser certo.” Ele prosseguiu com seu plano de escrever uma grande obra sobre o socialismo (Mises 1978c: 69-70), que de fato realizou muito bem (ver o prefácio de Hayek a Mises 1981: xix).
Ainda assim, a questão permanece: a longo prazo, que garantias de liberdade e propriedade podem existir em um regime democrático?
Mises conclui Liberalismo (193) falando do futuro da ideologia e do que ela deve fazer para prevalecer. O liberalismo, ele sustenta, está em uma posição radicalmente diferente de seus rivais:
“Nenhuma seita, nenhum partido político estaria disposto a abster-se de promover sua causa, por apelar aos sentimentos dos homens. Retórica bombástica, músicas e canções, bandeiras tremulantes, flores e cores servem como símbolos, e os líderes procuram ligar seus seguidores às suas próprias pessoas. O liberalismo nada tem a ver com tudo isso. Não tem flor alguma e cor alguma como símbolo partidário, nem canções ou ídolos, nem símbolos ou slogans. Tem a substância e os argumentos. Estes, necessariamente, o levarão à vitória.”
Assim, tendo superado seu pessimismo pessoal com uma espécie de salto existencial de fé no valor do argumento racional na luta ideológica, Mises imputa essa posição austera ao liberalismo como um todo. Infelizmente, isso não parece ser satisfatório.
Em Capitalismo, Socialismo e Democracia, Joseph Schumpeter (1950: 144) abordou esta própria questão:
“por que deveria a ordem capitalista necessitar de proteção de forças extracapitalistas ou lealdades extra-racionais? Não poderia sair vitoriosa da provação? Não mostra a nossa argumentação anterior suficientemente bem que a ordem capitalista possuí credenciais de utilidade para exibir? Não se poderia basear uma defesa perfeita nessas credenciais?”
A resposta schumpeteriana a essas perguntas é: “Sim, certamente, mas com a ressalva de que tudo isso é irrelevante”.
Ele fornece uma série de razões para essa resposta negativa. Praticamente sem conhecimento ou interesse pela história, as massas simplesmente consideram que seus altos padrões de vida sem precedentes sob o capitalismo estejam garantidos. Além disso, os inevitáveis ressentimentos mesquinhos decorrentes da vida cotidiana são frequentemente dirigidos contra o sistema capitalista porque o “laço emocional ligando-nos à ordem social” é algo que o capitalismo é “constitucionalmente incapaz de despertar” (1950: 145, ênfase no original).
Duas das outras razões de Schumpeter são aquelas que Mises poderia ter endossado. Primeiro, o ataque ao capitalismo muitas vezes surge de bases “extra-racionais”, e a “razão utilitária” não é párea para tais bases extra-racionais de ação. O próprio Mises admitiu isso na seção de Liberalismo sobre “As raízes psicológicas do antiliberalismo” (13-17), onde ele discorre sobre o “complexo de Fourier”. A psicanálise é inútil aqui, porque “o número de pessoas afligidas [por esse complexo] é muito grande”. Novamente, a solução que Mises propõe (17) é puramente racionalista: “Por si só [o indivíduo aflito] deve procurar aprender a suportar o seu destino, sem buscar um bode expiatório sobre o qual possa jogar toda a culpa, e precisa se esforçar para compreender as leis fundamentais da cooperação social”. Uma vez que tal compreensão parece estar além do alcance de indivíduos comuns e não “neuróticos”, para não mencionar pessoas como Bertrand Russell e Albert Einstein, é um mistério que esperança isso poderia oferecer para a ordem liberal.
Schumpeter, talvez de forma mais realista, não vê solução alguma. É nesse contexto que ele pronuncia (1950: 144) seu famoso julgamento de que “o capitalismo é julgado perante juízes que têm a sentença de morte em seus bolsos”. Além disso, o ethos promovido pela economia de mercado agrava o problema, porque faz com que os impulsos antirracionais e anticapitalistas ganhem vantagem ao subverter as restrições tradicionais e religiosas.
Schumpeter prossegue observando que o caso do capitalismo “jamais poderia ser tornada simples”. Aqui (1950: 144) ele ecoa Mises em sua forma mais sombria:
“O povo em geral teria de possuir uma intuição e poder de análise que estão muito além de sua capacidade. Além do mais, todos os absurdos que já se disseram a respeito do capitalismo sempre tiveram por paladino algum pretenso economista.”
Conectado a isso está o fato de que “Toda a argumentação pró-capitalista deve se basear em considerações a longo prazo. . . o desempregado de hoje teria de esquecer inteiramente seu destino pessoal, e o político de hoje a sua ambição. . . No que tange às massas, o que as interessa é a perspectiva a curto prazo. . . do ponto-de-vista do utilitarismo individualista, eles estão sendo perfeitamente racionais, se com isso se satisfazem” (1950: 144-45).[47]
A crítica de Walter Sulzbach
O mesmo ponto já havia sido feito na mais extensa revisão do Liberalismo de Mises, pelo simpático economista austríaco Walter Sulzbach (1928). Sulzbach expressa sua concordância com Mises em uma ampla gama de questões importantes, como a propriedade privada como o requisito básico do liberalismo, o caráter neutro de classe do liberalismo e a natureza do estado. “O fato é que a mais importante das teses fundamentais do liberalismo permanece sem refutação.” Apesar de seus sucessos evidentes, no entanto, ele passou por tempos difíceis: “o liberalismo já dominou e foi voluntariamente abandonado”. Há várias razões para isso, de acordo com Sulzbach, mas uma que ele apresenta impugna o sistema misesiano mais seriamente. Ele pergunta: “Os interesses de todos os indivíduos são realmente idênticos em última análise? Essa é a questão central do liberalismo” (383, 385, 389).
A resposta afirmativa a essa pergunta é o tema presente em toda a obra Liberalismo. Mises chega a afirmar (1962: 22) que: “Nós [liberais] condenamos a servidão involuntária, não a despeito do fato de que seja vantajosa para ‘’ os senhores’, mas porque estamos convencidos de que, em última análise, ela fere os interesses de todos os membros da sociedade humana, inclusive os ‘senhores’”. O mesmo vale para todos aqueles que desfrutam de privilégios especiais: trabalhadores sindicalizados, trabalhadores protegidos da concorrência de imigrantes, industriais “protegidos” e assim por diante.
No entanto, é impossível negar que esses grupos são, em um sentido importante, beneficiados por seus vários privilégios. A alegação de Mises é que a renúncia a essas vantagens é apenas “provisória”, que “rapidamente cobrirão os seus custos em ganhos maiores e mais duradouros”. Mas isso não funcionará, de acordo com Sulzbach (390):
“Para que um grupo em particular se comporte de uma maneira que seja útil para o ‘todo’, o que é necessário é um apelo à sua consciência, não ao iluminismo, como o liberalismo racionalista no final sempre acreditou. . . O problema é menos o de um sacrifício presente em favor do futuro do que o de um sacrifício pessoal em favor do agrupamento social maior e, portanto, é menos uma questão de uma compreensão iluminada do que da prontidão para a renúncia pessoal. . . . Na melhor das hipóteses, o liberalismo poderia mostrar de uma forma logicamente convincente que, se os interesses da humanidade devem ser salvaguardados, a livre concorrência é o caminho correto para esse objetivo. Mas de onde vem o postulado de que o indivíduo ou o pequeno grupo deve se sacrificar pela humanidade – se sua justificativa não for encontrada na esfera religiosa ou na metafísica?”
Assim, Sulzbach argumenta persuasivamente (391), a suposta fundamentação do liberalismo de Mises no alicerce da ciência é uma miragem. Na realidade, “é a velha doutrina teológica cristã da eleição especial da alma humana que vive em todo o iluminismo liberal e democrático, e que, por ter esquecido sua origem, se considera o resultado da ‘ciência’“.
A questão da imigração ilimitada
Sérios problemas, novamente envolvendo o estado democrático, surgem para Mises na questão da imigração ilimitada. Sua posição em Liberalismo (130-34) é que o livre comércio, com a divisão internacional do trabalho, foi apenas um ponto de partida para o liberalismo. O ideal liberal final é um mundo onde não apenas os bens, mas também o capital e particularmente o trabalho são livres para se mover para as áreas de maior produtividade. A demanda liberal é “que toda pessoa tenha o direito de viver onde desejar” (137).[48]
Mises considera o contra-argumento dos “interesses nacionais”: que com fronteiras abertas os imigrantes “inundariam”, por exemplo, a Austrália e os Estados Unidos, que “eles viriam em número tão grande que não mais se poderia esperar por sua assimilação”.
No que diz respeito aos Estados Unidos, ele afirma que esse medo é “talvez exagerado” (presumivelmente por causa de sua população muito maior).[49] Mas com a Austrália, que tinha quase tantas pessoas quanto a Áustria quando Mises estava escrevendo, o caso é bem diferente: “Se se permitisse a livre imigração na Austrália, pode-se supor que, com grande probabilidade, a maior parte de sua população, em poucos anos, seria constituída de japoneses, chineses e malaios.” (139-40). Não são apenas os sindicatos que se opõem a essa perspectiva: “a nação toda. . . é unânime no temor da inundação de estrangeiros”. Há uma óbvia “aversão” aos membros de outras nações e especialmente de outras raças (140-41).
No entanto, Mises parece colocar a culpa exclusiva pela existência de um problema no estado intervencionista (142):[50]
“Não se pode negar que tais temores se justifiquem. Em razão do enorme poder que hoje se encontra nas mãos do estado, uma minoria nacional espera pelo pior de uma maioria constituída de uma nacionalidade diferente. Uma vez que se concedem ao estado os amplos poderes que hoje detém, o que a opinião pública considera correto, pensar em ter de viver num estado cujo governo permanece em mãos de nacionalidade estrangeira é, positivamente, terrível.”
A solução de Mises (142) é a adoção do laissez-faire na vida econômica e social – a redução das funções governamentais à proteção da vida e da propriedade – após o que quaisquer problemas relacionados à imigração livre “desapareceriam completamente”. “Numa Austrália governada por princípios liberais, que dificuldades poderiam surgir do fato de que, em algumas partes do continente, os japoneses e, em outras partes, os ingleses constituíssem a maioria?”
Essa pergunta retórica parece peculiarmente construída. Uma vez que Mises não tem nenhuma teoria de quais forças tendem a criar e manter uma sociedade liberal – além da incessante argumentação econômica racional – ele não tem razão para supor que uma Austrália governada em um certo ponto de acordo com os princípios liberais continuaria a ser governada assim. Mas se a Austrália deveria, por algum acaso, voltar ao intervencionismo, então a “minoria nacional [agora australianos de ascendência europeia] deve esperar o pior” da maioria dos japoneses, malaios e outros. No entanto, Mises não considera o que, dinamicamente, pode ser necessário para a criação de uma maioria política em um país com imigração livre. Muitos anos depois, ele admitiu (1944: 244) que “a manutenção de barreiras migratórias contra nações totalitárias que visam a conquista do mundo é indispensável para a defesa política e militar”. Mas o que dizer então dos casos em que a ordem social liberal é ameaçada pelo influxo de imigrantes que, por causa da história e da cultura, provavelmente não irão apoiar essa ordem?
A imigração livre parece estar em uma categoria diferente de outras decisões políticas, pois suas consequências alteram permanente e radicalmente a própria composição do corpo político democrático que assume a autoridade para tomar essas decisões. A ordem liberal, onde e em qualquer grau que exista, é o produto de um desenvolvimento cultural altamente complexo. O fato de Mises implicar a necessidade de assimilar novos imigrantes à cultura dos países anfitriões como Austrália e Estados Unidos sugere que ele estava bem ciente desse fato.
No entanto, hoje os proponentes da imigração livre parecem não atentar ao seu potencial de mudança estrutural prejudicial no país anfitrião. Alguém se pergunta, por exemplo, o que seria da sociedade relativamente liberal da Suíça sob um regime de “fronteiras abertas”.
Mises era um imperialista?
Em Liberalismo, Mises (125) usa palavras duras em relação as práticas das potências coloniais europeias (“Nenhuma página da história foi mais banhada em sangue do que a história do colonialismo.”, etc.). Na época em que ele estava escrevendo, o colonialismo ocidental, embora destinado a desmoronar em algumas décadas, ainda estava no auge. O Império Britânico sozinho cobria um quarto do globo, enquanto o Império Francês incluía vastos territórios na África e domínios em outros lugares, e os holandeses, portugueses e outros governavam áreas coloniais menores.
Apesar do histórico atroz do imperialismo, Mises afirma (127-28) que a retirada das potências ocidentais de seus territórios ultramarinos está fora de questão: “A economia da Europa, hoje, depende bastante da inclusão da África e de grande parte da Ásia na economia mundial, como supridores de matérias-primas de todos os tipos. . . . Funcionários, tropas e policiais europeus têm de permanecer nessas áreas, na medida em que sua presença é necessária para manter as condições legais e políticas para assegurar a participação dos territórios coloniais no comércio internacional.”
Mises havia se expressado ainda mais vigorosamente a favor do domínio imperialista em um momento anterior. Em Socialismo (1981: 207), ele elogia extravagantemente o imperialismo britânico: “As guerras travadas pela Inglaterra durante a era do liberalismo para estender seu império colonial e abrir territórios que se recusavam a admitir o comércio exterior lançaram as bases da economia mundial moderna. Para medir o verdadeiro significado dessas guerras, basta imaginar o que teria acontecido se a Índia e a China e seu interior tivessem permanecido fechados ao comércio mundial.” Ele insiste (1981: 208) que
“O liberalismo visa abrir todas as portas fechadas ao comércio. . . . Seu antagonismo se limita aos governos que, impondo proibições e outras limitações ao comércio, excluem seus súditos das vantagens de participar do comércio mundial.”
De fato, o imperialismo britânico não poderia nem mesmo ser corretamente chamado por esse nome: “A política liberal não tem nada em comum com o imperialismo. Pelo contrário, destina-se a derrubar o imperialismo e expulsá-lo da esfera do comércio internacional.” Isso implica que, no uso pessoal de Mises, “imperialismo” não retém seu significado habitual, mas significa algo como protecionismo aplicado a territórios coloniais.
Mises afirma que essa foi, historicamente, a posição do liberalismo clássico. No entanto, os mais famosos defensores do livre comércio do século XIX – Richard Cobden e John Bright, os líderes da escola de Manchester, ou Bastiat na França – eram oponentes ferrenhos de qualquer uso do poder estatal para estender o comércio. É irônico que Mises (1981: 207 n. 2) defenda as Guerras do Ópio inglesas contra a China, que foram amargamente atacadas por Cobden como exemplos do imperialismo mais graduado.
No geral, deve-se dizer que as visões de Mises sobre essas questões estão em nítido contraste com a perspectiva liberal tradicional representada por Cobden e sua escola, que sustentava que qualquer envolvimento do governo no comércio internacional era ilegítimo (Hobson 1968 e Dawson 1927). Além disso, Mises está aberto a uma objeção padrão aos imperialistas do “livre comércio”: a Grã-Bretanha teria justificativas legítimas no final do século XIX em aplicar pressão diplomática ou mesmo militar sobre os Estados Unidos para abandonar o protecionismo e abrir seu mercado para produtos estrangeiros? A única objeção a essa hipotética política britânica é o fato de que os Estados Unidos eram poderosos demais para que tal estratagema fosse bem-sucedido, enquanto a China Imperial era razoavelmente fraca?
Uma grande parte do problema de Mises aqui, como ocasionalmente em outros lugares, reside em sua concepção antisséptica do estado. Para ele, o estado é simplesmente “o aparato de compulsão e coerção”. Ele rejeita com desprezo (57) o ditado de Nietzsche de que “o estado é o mais frio de todos os monstros frios”: “O estado não é frio nem quente. . . . Toda atividade estatal é atividade humana”, e seu objetivo é “a preservação da sociedade”.
Mas e se o aparato estatal tiver um dinamismo próprio? E se o imperialismo e as burocracias militares e civis que ele cria levarem ao ativismo estatal muito além de apenas garantir o livre comércio? Como Schumpeter escreveu sobre a evolução do imperialismo (1951: 25, ênfase no original): “Criado por guerras que o exigiram, a máquina agora criou as guerras de que necessitava”. No entanto, nada disso parece ter entrado nos cálculos econômicos de Mises.
Ele também não considera o efeito histórico do imperialismo britânico como um modelo e estímulo a esforços expansionistas em outras nações, nos Estados Unidos e em outras, acima de tudo na Alemanha, com todas as consequências nefastas que se seguiram.
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Notas
[1] Publicado originalmente como Liberalismus em 1927, em Jena por Gustav Fischer e republicado em alemão em 1997, com uma importante introdução de Hans-Hermann Hoppe. A primeira edição em inglês, traduzida por mim, (Mises 1962) foi intitulada, por sugestão de Mises, The Free and Prosperous Commonwealth. Em sua segunda edição (1978a), a versão em inglês foi intitulada Liberalism: A Socio-Economic Exposition, com prefácio de Louis M. Spadaro. A terceira edição (1985), com prefácio de Bettina Bien Greaves, trazia o título Liberalism. In the Classical Tradition. As citações no texto serão da edição de 1978.
[2] F.A. Hayek 1992: 127, por exemplo, observou que já com a publicação em 1922 de Socialismo, Mises foi marcado como “o principal intérprete e defensor do sistema de livre iniciativa”. Veja também as homenagens a Mises em Sennholz (ed.), 1956.
[3] Hayek também afirma que foi “menos bem-sucedido” do que Socialismo, longe der ser uma grande crítica.
[4] A edição original italiana data de 1925. A atitude consistentemente antagônica de Ruggiero em relação ao liberalismo econômico se reflete em seu ataque a Frédéric Bastiat. De acordo com Ruggiero 1951: 187, as obras do grande liberal francês “muito apropriadamente se tornaram um alvo para a sátira dos socialistas”, uma vez que nelas “a hostilidade em relação ao estado que marca o liberalismo anterior encontra. . . uma expressão singularmente tosca e grotesca”.
[5] Rothbard (277) destaca o desprezo da famosa agilidade de Mill na “síntese” intelectual por produzir “um vasto amontoado de posições diversas e contraditórias”. Um bom exemplo dessa característica em Mill é sua afirmação (1977: 308) da conveniência de “possuir permanentemente um corpo de funcionários habilidosos e eficientes – acima de tudo, um corpo capaz de originar e disposto a adotar melhorias” – isso depois de páginas de advertência sobre os muitos perigos da burocracia estatal.
[6] As implicações terrivelmente anti-individualistas do sistema de Rawls são demonstradas de forma convincente por Antony Flew 1989.
[7] Quando me comprometi a traduzir Liberalismus para o inglês no final dos anos 1950, Mises a certa altura sugeriu que eu incluísse uma nota do tradutor explicando o contexto histórico dessas e de outras observações semelhantes sobre o fascismo italiano. Minha resposta, em retrospecto equivocada, foi que tal nota era supérflua, uma vez que os fundamentos para as opiniões que ele expressou em 1927 eram óbvios. A tradução para o inglês foi publicada, infelizmente, sem tal explicação. Eu havia subestimado muito a prevalência da falta de noção histórica entre os críticos socialistas de Mises.
[8] Como é costume entre os autores de história moderna, por “trabalho” e “movimento trabalhista” Anderson quer dizer sindicalismo coercitivo. Por “democracia”, ele parece ter em mente o regime dominado pelos socialistas na Viena da época, que empregou sua autoridade coercitiva para saquear os proprietários; veja as observações de Richard M. Ebeling, nota 403, abaixo.
[9] Ver também Anderson 1993: 17–18. Esta é uma versão traduzida do ensaio em inglês, com notas de rodapé adicionadas. (Sou grato ao professor Anderson por esta referência.) Anderson prossegue afirmando que Mises também tentou obter uma “absolvição da Áustria”, incriminando apenas a Alemanha nos atos dos nazistas. Ele cita a afirmação de Mises de que os austríacos eram “as únicas pessoas no continente europeu que – na época do Heimwehr – ‘resistiram seriamente a Hitler’“. (Cf. Mises 1978c: 142.) Nesse ponto bastante trivial, Mises talvez possa ser perdoado por seu patriotismo austríaco. Sobre seu apoio implícito ao governo austríaco na supressão dos social-democratas, deve-se notar que Mises sustentou (1978c: 140-41), corretamente, que Mussolini “era o único governo pronto para apoiar a Áustria em sua luta contra a tomada nazista” em 1934, e que a violenta oposição dos social-democratas à aliança com Mussolini ameaçava levar a uma absorção nazista da Áustria, o que acabou acontecendo.
[10] De qualquer forma, a declaração de Krohn é caracteristicamente enganosa, uma vez que as observações de Mises pertencem ao período de 1919-22, antes do estabelecimento do regime fascista.
[11] Este é apenas um dos muitos exemplos da desonestidade total de Krohn. O entendimento comum do “fascismo alemão” hoje, especialmente na Alemanha, é o nacional-socialismo, ou nazismo. Mises, é claro, sempre rejeitou veementemente o nazismo em todos os aspectos. Quando ele se referiu ao movimento alemão que era semelhante ao fascismo italiano em sua oposição agressiva ao comunismo, ele tinha em mente (48) os “militaristas e nacionalistas” dos primeiros anos após a Primeira Guerra Mundial, particularmente os Freikorps. Ao apresentar a situação em Omnipotent Government (1944: 198-200, 206-07), o perigo de uma conquista bolchevique da Alemanha em janeiro de 1919 era muito real. Os comunistas alemães haviam se rebelado em revolta armada e controlavam a maior parte de Berlim, além de outros centros. “Se não fosse pelas gangues e tropas nacionalistas e pelos remanescentes do antigo exército, eles poderiam ter tomado o poder em toda a Alemanha. Havia apenas um fator que poderia impedir seu ataque e que realmente o impediu: as forças armadas da direita “(1944: 200-01). Veja também seus elogios, bem como críticas aos bandos Freikorps (1944: 206-07). A interpretação de Mises sobre o papel das forças direitistas na repressão ao levante comunista de 1919 é apoiada pelo historiador de Weimar, Hagen Schulze 1982: 180-82.
[12] Ver também Murray N. Rothbard 1981: 251, n. 3, para uma defesa de Mises contra Marcuse nesta questão. Um crítico muito mais equilibrado de Mises, Gerald Mozetic (1992: 33-34 e 36 n. 22 e 33), refere-se à afirmação de Mises de que o fascismo e movimentos semelhantes na Alemanha nunca poderiam se tornar tão brutais quanto o bolchevismo, uma vez que se desenvolveram em países com mil anos de civilização por trás deles. Como Mozetic afirma, isso foi “infelizmente, um desastre prognóstico”, mas ele observa que “Mises compartilhava essa opinião com Karl Renner [o líder socialdemocrata austríaco], que também considerava a cultura avançada dos alemães um obstáculo insuperável ao fascismo, e com muitos outros contemporâneos”.
[13] A análise de Mises sobre o caráter do leninismo e do Comintern é confirmada por Stanley G. Payne (1995: 77-78), que escreve que entre as muitas políticas opressivas introduzidas por Lenin na equação política europeia estavam “o terror em massa sistemático e o assassinato em massa, com campos de concentração permanentes institucionalizados para prisioneiros políticos, com trabalho forçado em larga escala combinado com políticas liquidacionistas,” e a liquidação ou eliminação de classes e categorias inteiras de pessoas. . . a Internacional [Comunista] criou um desafio persistente e uma ameaça da extrema esquerda revolucionária que nunca havia existido antes. . . . A resposta não foi simplesmente políticas mais rigorosas e repressivas de muitos governos, mas a formação de novos grupos anticomunistas de direita prontos para, por sua vez, praticar a violência. . .”
[14] No verão de 1919, Zinoviev (mais tarde assassinado por Stalin) declarou (citado em Pipes 1993: 174-75): “O movimento avança com uma velocidade tão vertiginosa que se pode dizer com confiança: em um ano. . . toda a Europa será comunista. E a luta pelo comunismo será transferida para a América, e talvez para a Ásia e outras partes do mundo.”
[15] Petersen enfatiza, no entanto, que “de fato, nada aconteceu para dar a essa retórica de revolução e violência uma base firme sobre a qual planejar e agir”. Ver também Salvatorelli e Mira 1964: 103–04.
[16] Vale a pena notar que os bolcheviques obtiveram apenas cerca de 25% dos votos para a Assembleia Constituinte que se reuniu em Petrogrado em janeiro de 1918.
[17] Na ala esquerda do Partido Católico (PPI), havia aqueles que se juntaram à luta leninista em nome do “proletariado cristão” (Morgan 1995: 19).
[18] Cf. outro historiador simpático aos sindicatos socialistas, Lyttelton 1973: 62-63: “A disciplina das ligas [socialistas], a fim de evitar os fura-greves [sic], foi extremamente dura; e muitos trabalhadores individuais sofreram.” Cf. Settembrini 1978: 154: “As ligas socialistas de fato baseavam seu poder no monopólio do trabalho manual, exercido por meio do assédio, seja dos proprietários de terras, grandes e pequenos, e até mesmo dos meeiros e arrendatários, ou dos próprios trabalhadores.”
[19] Maffeo Pantaleoni (1922: xxxvi) observou que o governo socialista em Milão chegou ao ponto de pegar um empréstimo nos Estados Unidos, “a fim de consumir até mesmo a receita futura dos pagadores de impostos”. Curiosamente, como aponta Richard M. Ebeling (2002: xxix-xxxi), os social-democratas que controlaram a Viena pós-Primeira Guerra Mundial seguiram um programa semelhante, subsidiando massivamente suas clientelas por meio de uma série de programas de bem-estar social e controle de aluguéis e outras regulamentações. O pesado fardo de novos impostos e outras medidas equivalia à pilhagem em larga escala daqueles considerados relativamente ricos. Naturalmente, Mises foi um observador atento desses eventos e lutou arduamente contra os socialistas, mas, como ele finalmente admitiu, com pouco sucesso. Veja também Hoppe 1993: 21.
[20] Cf. Vivarelli 1991: 40: “um vasto número de monografias sobre situações locais, bem como sobre aspectos gerais da política socialista durante os anos 1918-22, provou, sem sombra de dúvida, o quão fatalmente prejudicial o socialismo revolucionário foi ao perturbar o regime parlamentar italiano e ao espalhar por todo o país o medo da guerra civil. É bem sabido o quão bem esse medo foi utilizado pelos fascistas.
[21] Em um trabalho posterior (1982: 41), Smith continua a sustentar que deveria ter sido óbvio que “os sindicalistas e socialistas da Itália não eram da laia de Lenin e nunca tomariam o controle do estado: eles eram revolucionários apenas no nome e ficariam indefesos se os esquadrões armados fascistas entrassem em ação contra eles.” Ele acrescenta (55), sobre o amplo apoio público à tomada do poder por Mussolini em 1922: “O medo do comunismo pode ter sido apenas um motivo menor, pois não havia ameaça comunista”. Este é um surpreendente non sequitur para um historiador tão famoso ter cometido. Deixando de lado a questão da realidade de uma ameaça comunista, o que é mais óbvio do que dizer que as ações das pessoas sejam condicionadas por suas percepções e estimativas subjetivas e não apenas pela situação “objetiva”?
[22] Settembrini (1978: 125-29) afirma que o único contemporâneo que entendeu a posição real dos socialistas na Itália foi – Mussolini, o ex-socialista, que compôs uma análise sofisticada das realidades políticas enfrentadas por seus ex-camaradas.
[23] Philip Morgan escreve (1995: 34): “O socialismo forneceu a plataforma para a contra-reação do fascismo. Criou os medos sobre os quais o fascismo cresceu e quase literalmente preparou o terreno para o fascismo.” Cf. Carsten 1967: 55: “É, portanto, um tanto superficial considerar que os medos das classes médias fossem injustificados e exagerados. Em retrospecto, eles certamente eram, mas na época a existência da classe média parecia em jogo, e o perigo bolchevique parecia muito real. Veja também os argumentos de um dos primeiros fascistas liberais, Leandro Arpinati, de que o fascismo impediu uma tomada comunista, em Iraci 1970: 41-45.
[24] Ver Mussolini 1982: 35-56, incluindo sua declaração extraordinária (36) de que os socialistas eram “essencialmente pacifistas”. Em um trabalho anterior 1959: 348, Smith afirmou: “A contra-violência socialista [sic] no campo era igualmente horrível e indesculpável. . . Quem quer que tenha começado o reinado de terror, os fascistas certamente estavam mais bem organizados, mais bem armados e tinham mais dinheiro. . . De uma forma ou de outra, duas décadas depois, Smith havia perdido de vista a “horrível e indesculpável” “contra-violência” dos “pacifistas” socialistas. A conclusão de Jan Petersen 1982: 278 parece muito direta: “o fato de que a violência da esquerda e da direita existiram sucessiva e simultaneamente, que suas causas e justificativas estão inextricavelmente emaranhadas, constitui uma característica muito singular que até agora não foi adequadamente estudada. . .” Em um artigo notavelmente desinformado, o professor de Oxford John Gray (1996: 14) é capaz de tratar o fascismo europeu sem nenhuma menção a qualquer ameaça comunista em qualquer lugar nas décadas de 1920 e 30, e nenhuma menção ao Comintern. Em vez disso, ele encontra espaço em sua crítica para castigar os seguidores de Herbert Spencer e Albert Jay Nock como perigos para a democracia atual.
[25] Cf. Lyttelton 1982: 267: “Aqui é impossível ignorar a contribuição da violência socialista para a gênese do squadrismo agrário. Em Ferrara, pelo menos, eram os pequenos arrendatários [anti-socialistas] que mais corriam perigo de vida. . . Os socialistas frequentemente atacavam até mesmo membros das organizações camponesas católicas. Salvatorelli e Mira (1964: 171) apontam que no vale do Pó muitos proprietários de terras mais velhos, temendo os socialistas, venderam aos arrendatários e meeiros: “ao defender as posses que finalmente adquiriram, com os direitos e interesses a eles associados, os novos proprietários exibiram uma combatividade desconhecida de seus antecessores.”
[26] Cf. Salvatorelli e Mira 1964: 177: “Muitos da burguesia, especialmente os jovens e veteranos de guerra” passaram a acreditar que “a neutralidade do governo no conflito de classes [era] . . . agora incapaz de garantir o respeito à lei e à ordem constituída, e voltaram-se para o fascismo”. Em 1921, Pantaleoni 1922: 108 estava exultante com o fato de o contra-ataque fascista ter demonstrado quão “desacreditada é agora a teoria de que a burguesia [italiana], como a aristocracia francesa de 1789, subiria por conta própria na carroça que a levava à guilhotina”.
[27] O primeiro pensador liberal importante a ter evoluído para um defensor de um estado autoritário sob a ameaça percebida do socialismo pode muito bem ter sido Charles Dunoyer; ver Edgard Allix 1911 e o ensaio sobre “O conflito de classes: a teoria Liberal vs. a teoria Marxista”, no presente trabalho.
[28] Denis Mack Smith 1959: 360-61 professa estar perplexo com esse apoio geral ao movimento fascista inicial pelos liberais italianos; isso mostra, ele afirma, que eles “colocam riquezas e conforto acima da liberdade”. Dado que os liberais acreditavam que a Itália poderia muito bem estar à beira de uma revolução leninista – com todo o terror, perseguição, assassinato em massa e fome que isso implicava – é incrível o quão pouca Verstehen histórica sobre os motivos dos liberais italianos Smith exibe em sua ingênua “análise”.
[29] O italiano parece ser a única língua em que se distingue entre liberale, liberalismo (liberal, liberalismo) por um lado, e liberista, liberismo (liberal econômico, liberalismo econômico), por outro.
[30] Hayek tinha em mente os Principii di economia pura (1889) de Pantaleoni. Schumpeter também (1954: 857 e n. 4) tinha uma opinião elevada sobre este trabalho, assim como sobre as contribuições científicas de Pantaleoni em geral. Ele endossou o julgamento de Edgeworth de que os Principi eram uma “joia” e escreveu que Pantaleoni “entendia a ‘teoria pura’ como poucas pessoas entendiam”. Deve-se notar, no entanto, que a metodologia de Pantaleoni era essencialmente walrasiana e de forma alguma na tradição da escola austríaca.
[31] Pantaleoni acrescenta (1922: viii, xxxi ênfase no original): “Eu digo: uma catástrofe do tipo russo ou húngaro, porque conosco teria sido ainda mais grave, em razão da enorme densidade de nossa população.” A Itália foi salva do “furacão destrutivo” do bolchevismo “apenas pelo fascismo e pelo heroísmo dos fascistas que morreram pro libertate Patriae na luta da guerra civil”. Sobre a política de Pantaleoni, veja a Enciclopedia Italiana e Ricci 1939: 15–16, 25, onde Pantaleoni é referido como um “amigo de Mussolini e do fascismo”. A posição de Pantaleoni era semelhante à de Mises, por exemplo, quando o economista italiano afirma 1922: 131-32: “No que diz respeito ao socialismo em ação, não há outro remédio senão opor a força à força. E é aqui que, no atual estado de coisas, o trabalho do fascismo é o trabalho mais útil de todos para a salvação da civilização de nosso país. Quando o ataque bolchevique – cuja preparação ao longo de muitos anos toleramos – tiver sido interrompido, então nosso trabalho de educação, de propaganda e de vigilância poderá ser eficaz na formação de sentimentos diferentes dos atuais e na ampliação da esfera de influência das ações lógicas.”
[32] Ver também Pareto 1980: 108. Esta obra é uma excelente compilação do essencialmente liberal Pareto nas várias fases de sua carreira.
[33] Outro indício da posição pró-fascista posterior de Pareto é sua sugestão de que o autor de um artigo no jornal socialista Avanti! endossando a violência dos grevistas deveria ser cuidado pelo general Bava Beccaris, que acabara de supervisionar um massacre de socialistas que protestavam violentamente em Milão.
[34] Cf. afirmação de Pareto 1991, 93: “Faltar a coragem necessária para se defender, abandonar qualquer resistência, submeter-se ainda mais à generosidade do vencedor, levar a covardia a ponto de ajudá-lo e facilitar sua vitória, é a característica do homem débil e degenerado. Tal indivíduo não merece nada além de desprezo e, para o bem da sociedade, é útil que ele desapareça o mais rápido possível.”
[35] Cf. Femia 1998: 160, que escreve que não era de se admirar que Pareto “acolhesse o fascismo como o único salvador possível de valores que ele prezava – moeda sólida, probidade pública, disciplina de mercado, responsabilidade pessoal. Pareto tornou-se assim um fascista por contumácia. . . . A natureza totalitária do fascismo não era evidente naqueles estágios embrionários.”
[36] A maioria dos liberais, incluindo Einaudi e os outros economistas, rompeu com o regime fascista, na maioria dos casos rapidamente. Eles estavam desiludidos com os métodos ditatoriais e, no caso dos economistas, com a continuação e até mesmo a intensificação do parasitismo sob o novo regime. De Viti de Marco 1929: ix distinguiu claramente os dois aspectos da relação liberisti com o fascismo: “Estas são duas fases distintas: na primeira, o fascismo confrontou o socialismo que havia degenerado em bolchevismo; na segunda, opõe-se àqueles que colocam as liberdades do indivíduo na base do estado. Tínhamos em comum com o fascismo um ponto de partida: a crítica e a luta contra o antigo regime”.
[37] Não foi por acaso, é claro, que vários desses economistas liberais estavam entre os pioneiros da “Scienza delle finanze”, que James Buchanan 1960: 24-74 credita por influenciar sua orientação de escolha pública. No entanto, ao discutir “a teoria da classe dominante” dos economistas italianos (32-33), Buchanan, neste ensaio inicial, negligencia a derivação real dessa abordagem, que é de Dunoyer e Charles Comte, via Bastiat, Molinari e Francesco Ferrara; aqui, o conceito-chave era a espoliação. Buchanan também confunde a questão ao sugerir que a tomada de decisão democrática forneceria, na teoria italiana, uma solução para os problemas do governo da classe dominante. Pantaleoni, por exemplo, era um oponente ferrenho do sufrágio universal precisamente por causa da imensa visão que abre para a pilhagem das classes mais baixas dos economicamente bem-sucedidos.
[38] O principal pronunciamento de Mussolini nesse sentido foi seu discurso de 21 de junho de 1921 na Câmara, que Pantaleoni 1922: 211-13, sem surpresa, elogiou profusamente. Curiosamente, ele endossou (212) a exigência de Mussolini de que o estado deixasse de agir como “o monopolizador e censor do pensamento com [seu controle do] correio e da escola”. Pantaleoni também ficou feliz em relatar (249) que em um discurso de 8 de novembro de 1921, Mussolini declarou: “Em questões econômicas, somos liberais no sentido mais clássico da palavra”.
[39] Os interesses industriais forçaram De Stefani a deixar o cargo em 1925, por causa de sua oposição a tarifas e subsídios. Ver Cannistraro (ed.) 1982, s.v. “De Stefani, Alberto.”
[40] Ao assumir uma posição pró-guerra, os liberais italianos foram tragicamente enganados por sua equação da Alemanha com o estatismo e da Grã-Bretanha e da França com o “liberalismo”. Nesse caso, eles estavam alheios não apenas à dinâmica da mobilização do estado para a guerra, mas também à “lei das consequências não intencionais” que rege a política.
[41] O termo usado por Giretti que é aqui traduzido como “máfias” é camorre e se refere à versão napolitana da máfia siciliana.
[42] Hans-Hermann Hoppe (2001: 79-80) afirma, com base em alguns dos escritos anteriores de Mises e na seção de Liberalismo sobre “O direito à autodeterminação” (108-10), que a proclamação de Mises de um direito virtualmente ilimitado de secessão (até “uma simples vila, todo um distrito, ou uma série de distritos adjacentes.”) evitaria os perigos para a liberdade e a propriedade representados pelo governo democrático no sentido convencional. Mas Mises também afirma que a autodeterminação em seu sentido levaria à “formação de estados compostos de uma única nacionalidade” (110). Além disso, ele escreve que a realização da autodeterminação “é o único meio possível e efetivo de evitar revoluções e guerras civis e internacionais” (109). Como isso pode se aplicar à Itália pós-Primeira Guerra Mundial? Poderia uma ordem liberal ter sido preservada, digamos, pela secessão dos distritos mais ricos de Milão e Bolonha das jurisdições municipais socialistas? Sua secessão teria evitado a guerra civil nessas áreas?
[43] Na Alemanha, em 1919, é certo que os comunistas não tinham o apoio da maioria da população.
[44] Pareto sustentou que, em vez de tomar o poder na Itália, os socialistas se ocuparam em dividir imediatamente os despojos de suas vitórias.
[45] Mises (1978a: 45-46) cita os bolcheviques como um exemplo da futilidade das tentativas de governo da minoria: eles foram forçados contra sua vontade a conceder a propriedade privada da terra por causa das demandas irresistíveis dos camponeses. Mas Mises escreveu isso em 1927; poucos anos depois, os soviéticos reverteram totalmente sua política sobre a questão da terra, realizaram terrorismo sem precedentes e assassinato em massa do campesinato e governaram por mais sessenta anos.
[46] Esse curso naufragou, entre outras razões, porque a direção da educação pública nos países ocidentais acabou sendo assumida por forças hostis aos ideais liberais. Benjamin Constant, no início do século XIX, já havia alertado contra o uso do poder do estado – incluindo o sistema educacional – para promover uma ideologia desejável pela simples razão de que era, nesse sentido, uma faca de dois gumes. Montalembert, líder dos católicos liberais franceses em meados do século XIX, entendeu por que a educação pública e os professores estatais minavam a religião e os direitos de propriedade. Veja o ensaio “A centralidade do liberalismo francês”, no presente livro.
[47] Schumpeter faz o ponto auxiliar, mas altamente significativo: “Os interesses a longo prazo da sociedade estão tão profundamente embebidos na camada superior da sociedade burguesa que é perfeitamente normal que sejam considerados como interesses apenas daquela classe”.
[48] Ao afirmar isso, Mises sem dúvida não tinha em mente a situação atual em todos os países ocidentais, onde uma panóplia de leis de “direitos civis” aboliu o direito à discriminação racial, étnica e outras e onde um generoso estado de bem-estar social atrai hordas de imigrantes que procuram viver sem participar da divisão social do trabalho.
[49] Mises parece basear essa afirmação na grande população dos Estados Unidos naquela época (mais de 100 milhões, de acordo com o censo de 1920) e no número relativamente limitado de imigrantes em potencial. É uma questão em aberto como Mises teria lidado com a situação atual, incluindo a baixa taxa de natalidade dos nativos americanos em relação aos imigrantes, e a ânsia de dezenas de milhões ao sul do Rio Grande de emigrar para os Estados Unidos (ver Brimelow 1996).
[50] Cf. a observação de Milton Friedman (Forbes 1997), opondo-se à posição de “fronteiras abertas” do The Wall Street Journal como “uma ideia fixa”: “É óbvio que você não pode ter imigração livre e um estado de bem-estar social”. A noção de que os defensores do livre mercado devem necessariamente também apoiar a imigração livre é abundante tanto nos campos pró quanto anti-imigração, mas não deixa de ser falaciosa; ver, por exemplo, Hoppe 1998 e outros colaboradores dessa edição do The Journal of Libertarian Studies.


