A liberdade compensa o abuso

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prop98viteN. do T.: Esse artigo foi escrito em Maio para condenar a apropriação estatal da propriedade privada, assunto esse que foi levado às urnas em 3 de junho último. A Proposição 98 aboliria o controle de aluguéis. A Proposição 99 permitiria a expropriação para usufruto “público” e não aboliria o controle de aluguéis. A Proposição 99 venceu, levando muitos a celebrar a vitória da democracia. No entanto, o que de fato ocorreu foi uma derrota da liberdade.[1]

 

Sofremos muitos abusos nós que publicamente defendemos os direitos da propriedade privada e acordos voluntários contra as várias formas de pilhagem do governo. Ter de enfrentar tais ataques é parte substancial do custo de se expressar e provavelmente explica por que mais pessoas não assumem esse risco.

Para aqueles que talvez considerem tomar publicamente a causa “vida, liberdade e propriedade”, ofereço o seguinte exemplo para dar-lhe uma idéia do que esperar.

Perceba que este está longe de ser o exemplo mais rude que pude relatar; sua intenção não é desencorajá-lo, mas apenas prepará-lo para o fardo que talvez tenha de suportar e a ajudá-lo a desenvolver o atributo da tenacidade.

Na Califórnia, há duas proposições expropriantes (dominium eminens)[2] concorrentes para o sufrágio de 3 de junho. Uma (Proposição 98) ofereceria proteção real contra tais abusos; já a outra (Proposição 99), escrita e preparada por aqueles que causam os abusos (i.e., entidades governamentais) e pelos seus beneficiários (e.g., grandes construtoras), é destinada a confundir os votantes a ponto de barrar as verdadeiras reformas.

Declarações falaciosas (repetidas em inúmeros anúncios) se concentraram no fato de a reforma real acabar com o controle de aluguéis aos poucos uma vez que os arrendatários partam, criando terríveis histórias sobre como tal resultado seria ruim para os pobres e os idosos para sempre. Ignorando a vasta literatura sobre o efeito docontrole de aluguéis e a ironia de opor-se às tomadas pela expropriação, porque tomadas similares pelo controle de aluguel pudessem estar ameaçadas, o Los Angeles Times seguiu linha editorial pela falsa reforma e contra a primeira com falsa lógica.

Escrevi a seguinte carta como resposta ao editor, que acabou publicada (uma verdadeira surpresa, dada a tendenciosidade do Times) em 14 de Maio:

 

Corrijam um erro, apóiem Prop 98

Re “Nada de bait-and-switch”, editorial, 12 de Maio

O Times opõe-se à Proposição 98 porque acabaria aos poucos com o controle de aluguéis. Entretanto, há sérios problemas com esse argumento.

O “debate sério” acerca do controle de aluguéis, que supostamente deveria vir primeiro está, há muito, encerrado. As condições sociais adversas que ele produz – incluindo redução de construção de apartamentos, moradias em deterioração, déficits, discriminação crescente e hostilidades entre locador e locatário – estão entre as proposições mais universalmente aceitas entre economistas. E elas existem porque controle de aluguéis é roubo.

Controle de aluguéis é roubo porque ele retira o direito do locador a melhores propostas de aluguel, tomando, assim, uma boa parte do valor de sua propriedade (que é manifestado em valores de mercado cadentes quando o controle é promulgado) e dando-lhes aos locatários (sendo essa a razão por que inquilinos nunca partem).

Esse é outro motivo pelo qual questões relacionadas ao controle de aluguéis não são bem decididas pelos eleitores. Quando uma maioria de eleitores em certa jurisdição (locatários) toma a propriedade de uma minoria (proprietários), seria a mesma coisa se essa maioria subjugasse com armas esses proprietários – com a diferença que isso resultaria em prisão.

Alguns podem chamar isso de ‘democracia em ação’, mas a maioria dos votos não legitima o roubo e é por isso que a maioria dos estados proíbe o controle de aluguéis.

Gary M. Galles

Professor de Economia

Essa carta, aliada à escolha do Times de citar minha frase “Controle de Aluguéis é Roubo” em letras garrafais no topo da seção de cartas, gerou muita reação. Alguns poucos concordaram comigo, mas a maioria consistiu de libelos abusivos, insultos e ataques ad hominem. Recebi tantas ligações telefônicas ilógicas e abusivas que eu desistia de responder e desligava. Uma pessoa alegando ser uma contribuinte doadora da universidade até ligou para meu “chefe” exigindo um pedido de desculpas formal por parte da universidade e sua desaprovação por mim (creio que não ouviram falar de liberdade acadêmica). Meu e-mail “preferido”, e de certa forma enigmático, incluía o seguinte parágrafo:

Controle de aluguéis é roubo? É como subjugar proprietários com armas? O Professor Gary M. Galles está falando sério?

Controle de aluguéis seria roubo somente se os proprietários tivessem direito a uma quantia específica de renda pelo aluguel. Contudo, no curso que estou tendo com Galles, ouvi dele que não há preço justamente fixado para nada.

Digamos que uma construtora constrói um grande complexo de apartamentos de forma antecipada a um crescimento populacional que não ocorre. Ou digamos que uma fábrica fecha as portas e alguns dos operários se mudam para outra cidade. Os dois cenários levariam a uma super oferta de casas e a aluguéis mais baixos. Teriam a construtora e a fábrica roubado dos locadores locais? Claro que não, mas o efeito dessa flutuação de mercado na receita dos proprietários seria a mesma que do controle de aluguéis, mais até que subjugação armada.

Controle de aluguéis pode ser uma boa política ou não, mas não é roubo. Economia é a ciência cujos achados podem ajudar-nos a resolver questões políticas, mas esse tipo de hipérbole não é útil.

(Nome ocultado pelo autor)

Depois de considerar reprovar o aluno por sua má compreensão e capacidade de raciocínio (não irei), decidi tentar transformar isso em aprendizado. Dado que eu quase nunca vi uma réplica a uma carta publicada no Times, decidi abusar da sorte e oferecer a seguinte tréplica na esperança que algumas pessoas pudessem reconsiderar o problema cuidadosamente visando a aumentar seu entendimento e talvez até mudarem de idéia:

 

“Controle de aluguéis é de fato roubo”, apresentado em 21 de Maio de 2008.

[Nome ocultado pelo autor] alega que controle de aluguéis não é roubo porque os proprietários não têm direito a uma quantia específica de aluguel e porque as condições de mercado inusitadas que reduzem as ofertas de aluguel não são roubo. Conquanto verdade, esses fatos não refutam em nada que controle de aluguéis é roubo.

Por mais que proprietários não tenham direito a uma quantia específica de aluguel, eles têm, sim, o direito de aceitar o que os locatários voluntariamente dariam por suas unidades. Condições de mercado que reduzem os aluguéis não são roubo, pois os direitos de propriedade do locador não são violados. No entanto, controle de aluguéis, que forçosamente reduzem os aluguéis a preços abaixo do que locatários voluntariamente ofereceriam, subtrai o direito de propriedade e boa parte do valor dos imóveis do proprietário no processo. Isso é roubo impingido pelas armas do governo em vez das do ladrão. Pior ainda, isso diretamente viola o papel central do governo – a proteção dos existentes direitos de propriedade dos cidadãos – como Locke explicou tempos atrás e foi ecoado pelos fundadores da América.

Não há diferença de resultados entre os inquilinos roubarem $500 de seus locadores, como já fazem todo mês, ou eles votarem para si mesmos reduções mensais de $500 nos aluguéis, com a diferença de que controle de aluguéis toma o dinheiro dos proprietários antes de chegar em suas mãos. Mas tomar o valor da propriedade de alguém antes de recebê-lo, ao invés de fazê-lo depois, não transforma o que todos nós conhecemos por roubo em algo legítimo a não ser que não se esteja disposto a reconhecer sua equivalência.

Dado o local de destaque que o Times deu ao meu argumento de que controle de aluguéis é roubo e todo o abuso que meu argumento me acarretou, considerei por um momento, antes de apertar a tecla para enviar a resposta, se reiterá-lo compensaria os subseqüentes ataques por ele ocasionados. A despeito de todos os avisos de minha esposa do tipo “o que você esperava?” quando compartilho as mais loucas respostas a meu argumento, decidi que os potenciais resultados (uma chance melhor de uma bem sucedida expansão da proteção aos direitos de propriedade dos californianos em 3 de junho) eram suficientemente vastos.

Ainda que esse artigo possa parecer desencorajador, por favor, não o deixe detê-lo caso esteja considerando expressar-se mais publicamente em prol do autodomínio (a base dos direito de propriedade) e de acordos voluntários. Muitos me escreveram ao longo dos anos a fim de me encorajar – encorajamento esse que é maior que as adversidades a serem vencidas. Entretanto, o encorajamento deles tem freqüentemente sido seguido de pedidos para que eu escreva sobre abusos de que estão cientes e até mesmo por eles sofridos. Quase sempre os incentivo a defender aquilo em que acreditam, mas não conheço muitos que tenham acabado dando o próximo passo. Não é verdade que “paus e pedras podem quebrar meus ossos (pelo menos até agora não houve esse tipo de ameaça), mas palavras nunca me ferirão”[3] . Contudo, defender o único alicerce em que a sociedade pode conviver de maneira pacífica é uma nobre causa e há poucas pessoas a fazê-lo.

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[1]Números do resultado: http://www.indybay.org/newsitems/2008/06/04/18504290.php

[2]http://www.latimes.com/news/printedition/opinion/la-le-wednesday14-2008may14,0,318684.story?page=2

[3]Dito popular inglês: “Sticks and stones may break my bones, but words will never hurt me. [N. do T.]

radução de Natan Cerqueira

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