Como privatizar serviços de infraestrutura

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IMG_5889Para uma economia ser desenvolvida e funcionar bem, ela tem de ter uma infraestrutura de qualidade.  É uma infraestrutura de qualidade que irá facilitar o fluxo de bens, de pessoas, de informação e de energia.  É uma infraestrutura de qualidade que permitirá o escoamento da produção, fazendo com que oferta e demanda estejam sempre no mesmo compasso.  Consequentemente, portos, estradas, pontes, ferrovias, aeroportos, redes de comunicação, linhas de transmissão de energia, sistemas de fornecimento e distribuição de água, gás encanado, metrô e vários outros sistemas de infraestrutura representam insumos essenciais para uma economia.

Uma infraestrutura ruim — tanto em termos de quantidade quanto em termos de qualidade — não somente aumenta os custos da produção e da distribuição, mas também pode literalmente deixar uma economia de joelhos.  Grandes economias como Índia, Brasil e várias nações da Ásia e da América Latina têm sido severamente afetadas por sua pobre infraestrutura, que é majoritariamente gerida pelo estado.

Mesmo a nação mais rica do mundo tem problemas de infraestrutura.  Nos EUA, por exemplo, o número de veículos dobrou desde 1980, mas a capacidade viária total do país aumentou apenas 6%.  O resultado foi um dramático aumento dos custos gerados pelos congestionamentos (tempo perdido, combustível extra etc.).

Em todo o mundo, os gastos com manutenção e com investimentos em infraestrutura são de 2% do PIB.  Europa e Ásia gastam mais (quase 7% do PIB) e a América Latina e o Caribe gastam menos (3,02% do PIB).  Países ricos podem se dar ao luxo de direcionar mais recursos para infraestrutura do que países pobres, que direcionam seus gastos (ineficientes, como todos os gastos do governo) para outras prioridades.

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O que nos leva a uma pergunta crítica: a infraestrutura deve ser ofertada e gerenciada pelo setor público ou pelo setor privado?

Adam Smith já havia respondido a esta pergunta em seu livro A Riqueza das Nações (1776).  Ele concluiu que: “Não há personagens mais incompatíveis do que o comerciante e o soberano”, uma vez que as pessoas são mais esbanjadoras e imprevidentes com a riqueza dos outros do que com a riqueza própria.

Ele acreditava que a propriedade e a gerência estatais eram negligentes e dispendiosas porque burocratas e funcionários públicos não possuem um interesse direto no resultado comercial de suas ações.

Análises comparativas dos custos do fornecimento privado e do fornecimento público de bens e serviços dão suporte à conclusão de que empresas privadas são mais eficazes — tanto em termos de custos quanto em termos de qualidade — do que empresas estatais.  E evidências consideráveis sugerem que o custo estatal incorrido pelo fornecimento de uma determinada quantidade e qualidade de serviço é aproximadamente duas vezes maior do que o fornecimento privado.  Este resultado ocorre com tamanha frequência, que acabou dando origem a uma regra empírica: “a regra burocrática do dois”. Tudo custa duas vezes mais quando fornecido pelo estado.

A privatização da infraestrutura, no entanto, pode levar a um problema: como introduzir e manter a concorrência na área privatizada.  Economistas neoclássicos argumentam que projetos de infraestrutura possuem a característica do monopólio natural, de modo que a privatização destes setores traria um problema de falta de concorrência.  Já economistas austríacos são desconfiados da própria tese de que existe de fato algo chamado monopólio natural.

É claro que todos os economistas liberais defendem que a iniciativa privada possa construir e gerir serviços de infraestrutura; porém, infelizmente, tal realidade nem sempre é exequível.  Afinal, dado que a infraestrutura já existe e foi majoritariamente construída pelo estado, seria desarrazoado imaginar que empresas privadas poderiam, em pé de igualdade, construir sua própria infraestrutura para concorrer em condições de igualdade com o estado.  Dado que rodovias, portos, aeroportos, metrô, linhas de transmissão e sistemas de fornecimento e distribuição de água já existem, não faz sentido imaginar empresas privadas construindo sistemas paralelos para concorrer com o estado.  O custo de se abrir uma nova estrada, um novo aeroporto, um novo porto ou um novo sistema de fornecimento e distribuição de água para concorrer com um já existente seria absolutamente proibitivo.

(É claro que tal alternativa não pode jamais ser proibida.  Sempre que uma empresa privada quiser construir seu próprio porto, seu próprio aeroporto, sua própria estrada, seu próprio metrô, seu próprio sistema de distribuição de água etc. ela deve ser perfeitamente livre para tal — e, neste caso, também deve ser perfeitamente livre para cobrar os preços que quiser).

Sendo assim, seria mais prático e realista concentrarmo-nos em como melhorar a infraestrutura já existente.  E isso envolve retirar do estado e entregar ao setor privado a gerência destes serviços.  Só que, neste cenário, mesmo que não haja nenhuma barreira artificial à concorrência, é muito provável que a empresa privada para a qual o serviço for entregue não terá concorrência, pois, por uma questão de economias de escala, uma única empresa pode fornecer serviços de infraestrutura de forma mais barata do que várias empresas (múltiplos portos, aeroportos, rodovias, pontes, metrôs e sistema de fornecimento e distribuição de água na “mesma” localidade não são economicamente viáveis).

Os oponentes da infraestrutura fornecida pelo setor privado são rápidos em apontar justamente para este fantasma do monopólio natural, utilizando-o para justificar a necessidade de que apenas o estado esteja neste setor.

Felizmente, há uma maneira de solucionar este impasse.  Há uma maneira de contornar a questão do monopólio natural e introduzir concorrência no fornecimento privado de serviços de infraestrutura.

E tal maneira envolve um sistema de licitação competitiva no qual uma empresa privada irá adquirir a concessão de uma determinada infraestrutura.  Embora a concorrência prática dentro de um mercado possa ser impossível, os benefícios gerados pela concorrência naquele mercado podem ser alcançáveis.

Enquanto houver um vigoroso processo de licitação pela concessão de uma infraestrutura, o melhor dos dois mundos será possível: não haverá desperdício de recursos com a duplicação de estruturas (algo que seria supérfluo e desnecessário) e os preços cobrados serão competitivos.  Em teoria, tal sistema pode garantir que os incentivos benéficos normalmente associados à gerência privada de uma empresa (por exemplo, o fato de que proprietários privados terão interesse em controlar custos e aprimorar a eficiência como forma de maximizar seus lucros) estarão presentes.

Como funciona?

O segredo para um processo de licitação competitiva é o seguinte: a licitação para a concessão de um serviço de infraestrutura não deve ser em termos de uma soma de dinheiro a ser paga pelo direito de explora a concessão, mas sim termos dos preços que o vencedor da concessão irá cobrar e dos serviços que irá ofertar ao público em troca do privilégio de ser o ofertante exclusivo.

Se a concessão fosse meramente entregue ao licitante que ofertasse o maior preço por esse direito exclusivo, a própria concorrência entre as empresas iria jogar o valor dos lances no leilão para uma soma igual ao valor presente dos lucros futuros esperados para este mercado.  E, vale lembrar, os lucros futuros esperados seriam lucros de monopólio.

Tal processo de licitação iria apenas transferir os lucros monopolistas do vencedor da concessão para o governo.  E, no final, os consumidores ainda pagariam preços monopolistas pelos serviços.

Em vez disso, um leilão deve ser feito de maneira que a concessão seja entregue ao licitante que prometer a melhor combinação entre preço e qualidade para os consumidores.  Neste caso, a concorrência iria derrubar os preços cobrados pelos serviços.  Para cada nível de qualidade exigido haveria um preço.  E este seria sempre o menor possível.

No entanto, a teoria nem sempre vira realidade.  Com efeito, vários estudiosos do assunto já manifestaram suas ressalvas quanto a este processo de licitação.  Uma das preocupações está relacionada ao próprio formato do processo.

Selecionar um vencedor (isto é, determinar uma estrutura ótima de preços e de combinação de serviços) pode ser algo extremamente complexo e subjetivo, e não há nenhuma garantia de que o processo de licitação será realmente competitivo.  Por exemplo, quando um prazo de concessão estiver próximo do fim, outras empresas podem se mostrar relutantes a participar do novo processo de licitação se a concessionária atual também estiver participando do leilão, pois esta certamente estará mais bem informada do que suas rivais quanto aos verdadeiros custos e à real demanda do mercado.

Outra preocupação está relacionada ao comportamento do vencedor da concessão durante a vigência de seu contrato.  Se o contrato for para um prazo razoavelmente longo, será necessário que haja alguma fórmula que permita alterações nas tarifas cobradas à medida que o custo, a demanda e a tecnologia mudem ao longo do tempo — em última instância, renegociações de tarifa devem ser permitidas.

O arranjo em que há uma fórmula é preferível; porém, se ele for impraticável e optar-se pela renegociação, então sugere-se que uma empresa privada — uma empresa de auditoria e contabilidade, por exemplo — seja escolhida para auditar a concessionária e confirmar se os termos do contrato estão sendo observados.  A escolha desta empresa de auditoria também pode ocorrer por meio do mesmo processo de licitação: aquela que ofertar o menor preço pelo serviço de auditoria, ganha.  E, desnecessário dizer, tal empresa terá todo o interesse em ser imparcial: afinal, trata-se de uma empresa privada que opera no mercado, e zelar por sua reputação é extremamente importante.

Outros problemas podem surgir à medida que o fim do contrato vai se aproximando e a atual concessionária não tiver interesse em participar do novo processo de licitação: sendo assim, ela poderá reduzir suas operações de manutenção e deixar de investir em novos ativos, deixando para a próxima empresa a tarefa de lidar com os problemas resultantes.

Todos estes problemas são importantes, mas não são insolúveis.  As variáveis realmente cruciais são o grau de complexidade tecnológica e a rapidez em que ocorrem mudanças tecnológicas nos setores concessionados.  Selecionar um licitante pode ser difícil em uma área em que a tecnologia criou incontáveis opções de serviços potenciais.  Já em uma área em que é possível especificar um limitado número de serviços, bem como seu padrão, selecionar uma concessionária por meio do processo de licitação aqui defendido não traz dificuldade alguma.

E naqueles setores em que o ritmo das mudanças tecnológicas não é muito rápido, é fácil concordar com algum tipo de fórmula que governe alterações nas tarifas, de modo que uma renegociação dos termos do contrato durante a vigência do contrato nunca seja necessária.

Conclusão

Este arranjo que envolve licitação competitiva, especificação antecipada de preços e de tipo de serviço ofertado, e auditoria privada em caso de renegociação de contrato é capaz de gerar o melhor dos dois mundos: a empresa vencedora da licitação poderá explorar todas as possíveis economias de escala na oferta de seus serviços ao mesmo tempo em que os preços cobrados, que foram determinados em um processo concorrencial, serão os menores possíveis.  Isso impede que a empresa vencedora da concessão utilize sua posição privilegiada para cobrar preços abusivos e ofertar serviços ruins.  Mais ainda: o arranjo faz com que as empresas tenham de controlar seus custos eficientemente caso queiram maximizar seus lucros.

Para criar incentivos adicionais para que os detentores das concessões aprimorem continuamente a qualidade dos serviços, os contratos podem estipular que a concessionária faça uma espécie de depósito-caução, o qual seria dado à agência de auditoria caso a concessionária violasse os termos da concessão.

Uma vez em prática, a concessionária teria todos os incentivos para agressivamente cortar seus custos e adotar novas tecnologias, pois cada centavo economizado representa um centavo de lucro.  Se os proprietários da empresa não atentarem para o controle de custos, os lucros da empresa cairão, o valor de suas ações despencará e a empresa passará a ser o alvo favorito de uma aquisição por outros proprietários mais bem capacitados e ansiosos para auferir os ganhos resultantes de uma troca de gerência.

São várias as nações do globo que enfrentam problemas dantescos de infraestrutura.  Para solucioná-los, métodos testados e aprovados de oferta privada destes serviços devem ser adotados.  Serviços de infraestrutura ofertados por franquias privadas, quando corretamente especificados e auditados, são a chave para a melhoria deste setor.  E o que é melhor: a um preço baixo e sem grandes pirotecnias.

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Leia também:

Sobre as privatizações (parte 1)

Sobre as privatizações (Final)

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Steve Hanke
Steve Hanke é professor de Economia Aplicada e co-diretor do Institute for Applied Economics, Global Health, and the Study of Business Enterprise da Universidade Johns Hopkins, em Baltimore, EUA. O Professor Hanke também é membro sênior do Cato Institute em Washington, D.C.; professor eminente da Universitas Pelita Harapan em Jacarta, Indonésia; conselheiro sênior do Instituto Internacional de Pesquisa Monetária da Universidade da China, em Pequim; conselheiro especial do Center for Financial Stability, de Nova York; membro do Comitê Consultivo Internacional do Banco Central do Kuwait; membro do Conselho Consultivo Financeiro dos Emirados Árabes Unidos; e articulista da Revista Globe Asia.

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