Os efeitos não premeditados de uma desvalorização da taxa de câmbio

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6445O Banco Central do Japão anunciou recentemente a implementação de uma das mais inflacionárias políticas monetárias já empreendidas.  Prometendo injetar o equivalente a $1,4 trilhão de dólares na economia ao longo dos próximos dois anos, esta política tem o duplo objetivo de gerar uma inflação de preços de 2% e depreciar ainda mais o iene.  A ideia é combater a “deflação” e aumentar as exportações.

O único resultado garantido desta política será um inchaço do balancete do Banco Central do Japão (projeta-se que ele irá praticamente dobrar, para US$2,9 trilhões).  Embora esteja hoje em um nível menor do que estava 25 anos atrás, o índice de ações da bolsa de valores do Japão aumentou 70% desde novembro do ano passado.  Por mais satisfeitas que as pessoas estejam com a alta do preço das ações, os efeitos econômicos serão danosos no final; com efeito, as duas recentes quedas acentuadas nos preços das ações japonesas prenunciam ainda mais problemas futuros.

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Esta ideia puramente mercantilista de tentar expandir a oferta monetária com o intuito de depreciar a taxa de câmbio e com isso estimular a produção do setor industrial é tão antiga quanto o próprio mercantilismo.  Em seu livro The Theory of Money and Credit, escrito em 1912, Ludwig von Mises já havia abordado a questão da depreciação monetária de maneira mais completa do que os atuais livros de economia monetária.  No que mais, na versão mais refinada de sua teoria dos ciclos econômicos — apresentada em seu livro Ação Humana —, Mises esquematizou os efeitos deletérios de tais políticas de expansão monetária.

A taxa de câmbio determina o preço que um estrangeiro terá de pagar por um bem produzido domesticamente.  Aumentos na oferta monetária geram pressões inflacionárias nos preços, consequentemente levando a um aumento nos preços propriamente dito, inclusive nos preços das moedas estrangeiras.  Logo, a taxa de câmbio se torna mais depreciada, o que significa que agora são necessárias mais unidades da moeda doméstica para se adquirir uma unidade de moeda estrangeira.  Por outro lado, torna-se mais barato para os estrangeiros comprarem os bens deste país.  Consequentemente, as exportações aumentam.  Conclusão: países podem estimular suas exportações e aumentar o número de empregos nas indústrias voltadas para exportação ao inflacionarem sua oferta monetária.

Infelizmente, no entanto, a história não acaba aí.

Depreciar a sua moeda de fato faz com que seus produtos voltados para exportação se tornem mais baratos para os estrangeiros.  Porém, a depreciação da moeda também faz com que seja mais caro para você comprar bens importados.  O efeito mais imediato é tornar a sua balança comercial mais superavitária.  Um segundo efeito é a redução no investimento estrangeiro na sua economia — afinal, ao repatriarem seus lucros, as multinacionais convertem moeda nacional em moeda estrangeira.  Se a tendência é de depreciação cambial, então qualquer investimento feito será mais arriscado, pois a conversão de moeda nacional em moeda estrangeira será cada vez mais cara.

O terceiro efeito é que, se os bens que você exporta são produzidos com vários insumos (bens de capital como máquinas e ferramentas) importados, o efeito será um aumento nos seus custos de produção.  Sendo assim, os exportadores terão de pagar mais caro pelos insumos que importam e que utilizam para fabricar os produtos que pretendem vender aos estrangeiros.

Este efeito é especialmente notável em países que possuem grandes mercados exportadores, mas cuja produção nacional de insumos utilizados pelas indústrias de exportação é muito pequena.  Nenhuma outra grande economia cabe melhor nesta descrição do que a japonesa.

A ideia mais sagaz de Mises foi a de analisar os efeitos de longo prazo de tal política.  Neste processo, ele examinou também os resultados de curto prazo.

A ineficácia desta política no longo prazo se torna evidente quando se compreende como os preços — tanto os domésticos quanto os estrangeiros — interagem para determinar as taxas de câmbio.  Os exportadores serão ajudados no curto prazo, mas este efeito será cancelado no longo prazo tão logo os preços se reajustem.

Se a política é ineficaz no longo prazo, Mises também demonstrou que os ganhos de curto prazo são ilusórios.  A mesma política monetária que visa a depreciar a moeda com o intuito de estimular o comércio internacional gerará vários desarranjos domésticos.

Uma inflação monetária mais alta irá reduzir as taxas de juros.  Um resultado desta política será um maior volume de gastos voltados para o consumo.  Com juros menores, os consumidores pouparão menos e gastarão mais.  O outro resultado da redução dos juros reais é aquilo que Mises rotulou de “investimentos errôneos e insustentáveis”: com juros menores, as empresas irão investir mais em projetos que, antes da redução dos juros, eram economicamente inviáveis.  Consequentemente, recursos escassos serão demandados tanto pelos setores voltados para bens de consumo quanto pelos setores voltados para investimentos mais vultosos.  Este “cabo de guerra” gera um aumento generalizado nos preços, fazendo com que vários destes investimentos, quando finalizados, se revelem sem uma genuína demanda, pois as pessoas agora estarão mais endividadas e tendo de lidar com preços maiores em toda a economia.

Em uma economia de mercado, as empresas devem ajustar seus planos de produção de modo a ofertar não somente a quantidade de bens que os consumidores querem no presente, mas também a quantidade mais exata possível de bens que os consumidores irão demandar no futuro.  A taxa de juros é o que coordena todos estes planos ao longo do tempo.  É ela que os empreendedores utilizam para determinar quando irão produzir uma determinada quantidade de bens e qual deve ser o tipo de processo de produção escolhido (se voltado mais para o curto prazo ou para o longo prazo).  Os efeitos negativos da distorção dos juros só serão revelados bem mais tarde.

Manipular a taxa natural de juros por meio de uma política monetária inflacionária é uma medida que desajusta tanto os planos de produção das empresas quanto os planos de consumo das pessoas.  No final, a economia irá sucumbir a um ciclo econômico nos moldes descrito pela Escola Austríaca de economia, apresentado um período de crescimento econômico forte porém artificial seguido por um período de estagnação e eventual recessão, que é a quando a economia tenta se reajustar expurgando os investimentos ruins e adquirindo fundamentos mais sólidos.

Quanto mais as coisas mudam, mais elas permanecem as mesmas.  Ludwig von Mises conseguiu identificar as armadilhas criadas pelas políticas monetárias expansionistas mais de 100 anos atrás.  As autoridades políticas e monetárias aparentemente ainda não aprenderam nada destas importantes lições, e continuam a castigar seus países com as consequências geradas por estas fracassadas medidas.

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