O método matemático, assim como várias outras falácias, conseguiu adentrar e dominar o pensamento econômico moderno por causa da influente epistemologia do positivismo. O positivismo é essencialmente a metodologia da física elevada a uma teoria geral do conhecimento para todas as áreas do saber.
O raciocínio que fundamenta a adoção da metodologia da física no pensamento econômico é o seguinte: a física é a única ciência realmente bem-sucedida. As “ciências sociais” são retrógradas porque são incapazes de mensurar, de prever com exatidão etc. Por conseguinte, elas têm de adotar o método da física se quiserem se tornar bem-sucedidas. E um dos pilares da física é, obviamente, o uso da matemática.
Os positivistas tendem a separar o mundo em dois lados imiscíveis: de um lado estão as verdades incontestáveis da física; de outro, a mera “poesia”. Daí sua predileção pelo uso difundido da matemática e seu desprezo pela explicação verbal como sendo algo meramente “literário”.
Como Ludwig von Mises havia observado, há uma distinção crucial entre o mundo natural estudado pela física e o mundo da ação humana.
Na física, os fatos da natureza nos são dados. Eles podem ser decompostos até seus mais simples elementos em um laboratório e, em seguida, ter seus movimentos observados. No entanto, não conhecemos as leis que geram os movimentos das partículas físicas; partículas físicas não têm uma motivação.
Consequentemente, torna-se necessário determinar as causas criando hipóteses e formulando teorias gerais, de modo que, destes axiomas, seja possível deduzir não somente os fatos originais da natureza, mas também outras teorias que possam ser diretamente testadas pelo fato (o famoso conceito do “significado operacional”). Por mais que possamos evoluir no conhecimento das leis da física, nosso conhecimento jamais será absoluto, uma vez que leis sempre podem ser corrigidas por outras leis mais gerais ou por meio de novos testes empíricos.
Na economia, por outro lado, as condições são praticamente opostas. Na economia conhecemos a causa, pois a ação humana, ao contrário do movimento das pedras, é motivada. Sendo assim, é possível construir a ciência econômica partindo de axiomas básicos — como a existência incontestável da ação humana e as implicações lógicas da ação —, axiomas estes que são originalmente reconhecidos como verdadeiros.
Destes axiomas, podemos deduzir passo a passo várias leis que também são reconhecidas como incontestavelmente verdadeiras. E este conhecimento é absoluto, e não relativo, exatamente porque os axiomas originais já são conhecidos. Eis alguns exemplos:
Sempre que duas pessoas, A e B, se envolvem em uma troca voluntária, ambas esperam se beneficiar desta troca. E elas devem ter ordens de preferência inversas para os bens e serviços trocados, de modo que A valoriza mais aquilo que ele recebe de B do que aquilo ele dá para B, e B avalia as mesmas coisas do modo contrário.
Sempre que uma troca não é voluntária e ocorre em decorrência de uma coerção, uma parte se beneficia à custa da outra.
Sempre que a oferta de um bem aumenta em uma unidade, contanto que cada unidade seja considerada idêntica em utilidade por uma pessoa, o valor imputado a esta unidade deve ser menor que o da unidade imediatamente anterior.
Entre dois produtores, se A é mais eficiente do que B na produção de dois tipos de bens, eles ainda assim podem participar de uma divisão de trabalho mutuamente benéfica. Isto porque a produtividade física geral será maior se “A” se especializar na produção de um bem que ele possa produzir mais eficientemente, em vez de “A” e “B” produzirem ambos os bens autônoma e separadamente.
Sempre que leis de salário mínimo forem impostas obrigando os salários a serem maiores do que os salários que vigorariam em um livre mercado, um desemprego involuntário será o resultado.
Sempre que a quantidade de dinheiro na economia aumentar sem que a demanda por dinheiro também seja elevada, o poder de compra da moeda irá diminuir.
Por outro lado, não existem elementos simples ou “fatos da natureza” na ação humana; os eventos da história são fenômenos complexos, os quais não podem “testar” nada. Eles, por si sós, somente podem ser explicados se forem aplicadas várias teorias relevantes aos diferentes aspectos de um determinado “fato” complexo que está sendo analisado.
Por que a matemática é tão útil na física? Exatamente porque os próprios axiomas utilizados, bem como as leis deles deduzidas, são desconhecidos e, com efeito, sem significado. Seu significado é exclusivamente “operacional”, uma vez que eles são significantes somente na medida em que podem explicar determinados fatos.
Por exemplo, a equação da lei da gravidade, por si só, não tem sentido nenhum; ela só adquire sentido quando nós humanos observamos determinados fatos que a lei pode explicar. Consequentemente, a matemática, que efetua operações dedutivas sobre símbolos por si só inexpressivos (sem significado), é perfeitamente apropriada para os métodos da física.
A ciência econômica, por outro lado, parte de um axioma que é conhecido e possui significado para todos nós: a ação humana. Dado que a ação humana, em si própria, possui significado (o que não quer dizer que ela sempre será avaliada como racional e correta), todas as leis deduzidas passo a passo da ação humana são significativas. Esta é a resposta para aqueles críticos que exigiram que o professor Mises utilizasse métodos da lógica matemática em vez da lógica verbal. Ora, se a lógica matemática tem de lidar com símbolos inexpressivos, então seu uso iria destituir a economia de todo o seu significado.
Por outro lado, a lógica verbal permite que toda e qualquer lei tenha sentido quando deduzida. As leis da economia já são conhecidas aprioristicamente como significativamente verdadeiras; elas não têm de recorrer a testes “operacionais” para adquirir significância. O máximo que a matemática pode fazer, portanto, é converter laboriosamente símbolos verbais em símbolos formais inexpressivos e, então, passo a passo, reconvertê-los em palavras.
No entanto, por causa da esterilidade dos símbolos matemáticos, tal procedimento tende a gerar graves erros. Se um indivíduo for obstinado o bastante para, ainda assim, embarcar em tal aventura, podemos apenas desejar-lhe boa sorte. O fato é que, por mais metódico que este indivíduo seja, este procedimento de conversão de palavras em símbolos matemáticos e posterior reconversão de símbolos matemáticos em palavras não sobrevive à Navalha de Occam — o famoso princípio científico que diz que não deve haver nenhuma multiplicação desnecessária de entidades, ou seja, que a ciência deve ser o mais simples possível.[1]
Dado que, na física, o conhecimento nunca é certo e absoluto, os positivistas jamais conseguirão entender como economistas podem chegar a verdades específicas; por isso, eles acusam os economistas de serem “dogmáticos” e “aprioristas”. Similarmente, a causa, na física, tende a ser frágil, e os positivistas sempre foram propensos a substituir o conceito de causa pelo de “determinação mútua”. Equações matemáticas são exclusivamente apropriadas para descrever um estado de determinação mútua de fatores, e não de relações de causa e efeito determinadas isoladamente. Portanto, e novamente, a matemática é apropriada singularmente para a física, e não para as ciências humanas.
Tenho sérias dúvidas filosóficas sobre se o conceito de causa pode realmente ser omitido da física. No entanto, ele certamente não pode ser removido da economia. Pois, na economia, a causa é conhecida desde o início — a ação humana utiliza meios para se alcançar determinados fins. Disso, podemos deduzir apenas determinados efeitos, e não equações mutuamente determinadas. Esta é outra razão pela qual a matemática é singularmente inadequada para a economia.
Economistas positivistas ridicularizam economistas praxeológicos como sendo interessantes, mas irremediavelmente não-instruídos em matemática. “Tautológicos” é uma das acusações preferidas.
Tentei neste curto artigo analisar o uso da matemática na economia pelo melhor ângulo possível. A realidade, no entanto, é que os métodos matemáticos necessariamente introduzem vários erros e futilidades que não podem ser plenamente desenvolvidos neste espaço.
Por exemplo, o uso das ferramentas do cálculo, como as integrais — algo que tem se tornado endêmico na economia matemática —, pressupõe passos infinitamente pequenos. Passos infinitamente pequenos são ótimos para as análises físicas, em que partículas viajam ao longo de um determinado caminho; mas são completamente inapropriados em uma ciência baseada na ação humana, em que indivíduos somente passam a considerar determinadas questões quando estas se tornam grandes o bastante para serem visíveis e importantes. A ação humana ocorre em passos discretos, e não em passos infinitamente pequenos.
Um exemplo do cúmulo deste absurdo pode ser encontrado em um artigo no jornal acadêmico Metroeconomica, do economista indiano S. S. Sengupta: “Complex Numbers: An Essay in Identification”, (Dezembro de 1954, pp. 129 – 35). Sengupta trata uma transação de trocas como se fosse um número complexo; consequentemente, se $3 é trocado por duas unidades de bens, isso gera um número complexo utilizando três e dois. Se $4 é trocado por seis unidades de bens, teremos outro número complexo. E então ele sai somando e multiplicando os números complexos, e genuinamente acredita que está chegando a grandes verdades econômicas.
O melhor guia para a selva da economia matemática é ignorar o pomposo e sofisticado emaranhado de equações e se concentrar na busca pelas hipóteses que dão sustento a essas equações. Invariavelmente, tais hipóteses são poucas, simples e erradas. E elas são erradas exatamente porque os economistas matemáticos são positivistas, que ignoram que a economia se baseia em genuínos axiomas.
Os economistas matemáticos, portanto, criam hipóteses que são admitidamente falsas ou parcialmente falsas, mas as quais eles esperam ao menos poderem servir como aproximações úteis, como ocorre no mundo da física.
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[1] A popularidade da lógica matemática na filosofia em detrimento da lógica verbal pode ser atribuída à influência do positivismo na filosofia. Para uma constatação de que a lógica matemática é essencialmente subordinada à lógica verbal, ver as observações de Andreé Laelandes e Renée Poirier sobre “lógica” e “logística” in (A. Laelande, ed.) Vocabulaire Technique et Critique de la Philosophie, 6th eEd. (Paris, 1951). Pp. 574, 579.