Há mais de vinte anos, a glasnost e o consequente colapso da URSS explicitaram ao mundo o terrível histórico ambiental do regime socialista soviético. Durante esses mesmos 20 anos, a economia da China ultrapassou a dos Estado Unidos como a maior emissora de gases poluidores. Ainda assim, continua um lugar-comum apontar o capitalismo como a maior ameaça ambiental para o nosso planeta e apontar o socialismo como sua salvação.
Uma contundente manifestação do argumento ambientalista contra o capitalismo pode ser encontrada na Declaração Ecossocialista de Belém, que é resultado de uma conferência realizada em Paris, em 2007. Esse documento especifica a seguinte cadeia de causa e efeito: o capitalismo requer lucro, o lucro requer crescimento econômico e crescimento econômico significa destruição ambiental. Aqui estão alguns trechos:
A humanidade enfrenta hoje uma escolha difícil: eco-socialismo ou barbárie… Não precisamos de mais provas da barbárie do capitalismo, o sistema parasita que explora igualmente a humanidade e a natureza. Seu único motor é a busca pelo lucro e, portanto, a necessidade de crescimento constante… A necessidade que o capitalismo tem de buscar o crescimento existe em todos os níveis, desde uma microempresa até o sistema como um todo. A fome insaciável das corporações é facilitada pela expansão imperialista em busca de cada vez mais acesso aos recursos naturais… O sistema econômico capitalista não tolera limites ao crescimento; a sua necessidade constante de expansão subverte todos os limites que podem ser impostos… pois estabelecer limites ao crescimento significaria estabelecer limites à acumulação de capital — uma opção inaceitável para um sistema predicado na seguinte regra: crescer ou morrer!
Para ser bem franco, há um ponto de veracidade nesta crítica. De fato, há pessoas que dizem ser absolutamente aceitável prospectar e explorar petróleo sem a mais mínima consideração para com o ambiente ao redor. Tal postura é um prato cheio para a crítica eco-socialista. Claramente, nem o capitalismo e nem o socialismo possui um monopólio sobre o pecado ambiental ou sobre a virtude ambiental. Chegar a um julgamento ponderado sobre os impactos econômicos relativos desses sistemas requer duas perguntas:
1) Qual sistema tem sido, na prática, mais ambientalmente destrutivo: o capitalismo ou socialismo?
2) Qual sistema, o capitalismo ou o socialismo, é mais receptivo às eventuais mudanças que precisam ser feitas para se alcançar uma proclamada sustentabilidade ambiental de longo prazo?
Para qualquer indivíduo minimamente interessado no assunto, e que já se deu ao trabalho de pesquisar, é algo incontroverso que a mais proeminente experiência socialista do mundo, a União Soviética, foi a que gerou os mais sérios problemas ambientais. Em 1972, muitos destes problemas já haviam sido detalhados por Marshall Goldman em seu livro The Spoils of Progress: Environmental Pollution in the Soviet Union.
A perestroika do início da década de 1990 e o consequente colapso da União Soviética tornaram o acesso à informação mais fácil para autores como Murray Feshbach e Alfred Friendly, Jr., que forneceram um estudo aprofundado a respeito do “ecocídio” ocorrido na URSS em seu livro Ecocide in the USSR: Health And Nature Under Siege. Abaixo, uma lista de alguns dos problemas mais proeminentes apresentados nesta e em outras fontes:
A poluição do Lago Baikal, o mais antigo, o mais profundo e o até então mais limpo corpo de água doce do mundo. A poluição foi causada por fábricas de papel e por outras indústrias soviéticas que despejavam resíduos não-tratados no lago.
O quase desaparecimento do outrora vasto mar de Aral, que secou devido ao desvio de sua água para irrigação, deixando para trás um deserto de sal envenenado por agroquímicos.
O desastre nuclear de Chernobyl em 1986, o pior do mundo, causado não apenas por erros de operação, mas também por um projeto negligente que não especificou nenhum recipiente de contenção em caso de acidente. O acidente nuclear que até então era considerado o pior do mundo àquela época também havia ocorrido na União Soviética: a explosão de um tanque de armazenamento de resíduos sólidos no complexo de armas nucleares de Mayak, em 1957, o que dispersou de 50 a 100 toneladas de resíduos altamente radioativos, contaminando um imenso território a leste dos Urais.
Desastrosos incêndios em regiões de turfas nos arredores de Moscou, um legado de projetos soviéticos mal planejados e mal implantados que tinham o objetivo de drenar os pântanos locais.
Enormes emissões de gases poluentes em decorrência de uma forte dependência de carvão e de uma matriz energética muito menos eficiente do que as das economias capitalistas.
Elevados níveis de poluição do ar nas grandes cidades, causados por fábricas próximas a áreas povoadas e que operavam com um mínimo, ou nenhum, controle de poluição.
Práticas agrícolas e florestais destrutivas, levando a uma erosão generalizada e à destruição de habitats.
Já a China, a outra grande economia socialista do mundo, também tem a sua longa lista de pecados ambientais. Em grande parte devido ao uso intensivo de carvão, o país assumiu recentemente a liderança mundial nas emissões de gases causadores de efeito estufa, apesar de ter uma economia cujo tamanho absoluto é metade da economia dos Estados Unidos. Em termos de qualidade do ar, a China tem 16 das 20 cidades mais poluídas do mundo. A poluição da água é um desastre nacional generalizado. A liderança chinesa na produção de metais raros foi alcançada em grande parte devido à mineração ilegal, o que causou uma intensa poluição gerada por metais pesados e um consequente desastre na saúde pública local. Uma crescente porcentagem de poluentes, do mercúrio à fuligem, que estão sendo observados na costa oeste dos Estados Unidos tem suas origens na China.
Para dar um crédito aos eco-socialistas, documentos como a Declaração de Belém fazem ao menos algumas críticas tímidas àquilo que eles chamam de socialismo “produtivista” — isto é, o socialismo voltado para a produção de bens. Ao inventarem este conceito, os eco-socialistas definitivamente estão em busca de algum objetivo, embora talvez não exatamente aquele que eles imaginam.
O adjetivo “produtivista”, quando aplicado à economia, parece querer caracterizar uma economia que se concentra na maximização da produção sem levar em consideração os custos dos insumos. Quando digo “custos dos insumos”, refiro-me àquilo que os economistas chamam de ‘custo de oportunidade’, ou seja, custos mensurados em termos do valor de todos os usos alternativos que poderiam ser dados a estes mesmos recursos. O custo de oportunidade da produção industrial inclui tanto os custos do esgotamento de recursos não-renováveis (a perda de oportunidades de se usar os mesmos recursos para outros propósitos no futuro) quanto os custos externos (por exemplo, as oportunidades perdidas de se usar ou usufruir bens danificados pela poluição).
O fato é que as empresas buscam o lucro, e elas tendem a ir atrás de toda e qualquer oportunidades de lucro. Aplaudimos quando empresários aumentam seus lucros ao melhorarem seus produtos ou quando reduzem seus custos de produção e, consequentemente, seus preços. No entanto, os lucros também podem ser elevados por meio de lobby junto ao governo com o intuito de restringir as atividades dos concorrentes, ou por meio de lobby para a aprovação de leis que permitem a uma empresa transferir parte de seus custos de produção a terceiros, como ocorre nos casos de empresas que conseguem autorização governamental para poluir lagos, rios e até mesmo o ar. Ayn Rand tinha uma definição precisa para os lucros oriundos destas medidas: espoliação. Poluidores são espoliadores.
Voltemos então para a crítica eco-socialista. O que se está realmente criticando não é o capitalismo em si, mas sim o “produtivismo”. Logo, a pergunta que devemos fazer é: qual sistema, capitalismo ou socialismo, é mais suscetível a tentações produtivistas? Creio não haver dúvidas de que a resposta é o socialismo, muito embora o arranjo corporativista acima descrito também mereça ser acusado.
A primeira razão pela qual o socialismo é mais propenso a desenvolver tendências produtivistas prejudiciais ao ambiente é que os incentivos econômicos não funcionam sob uma economia socialista. Em uma sociedade genuinamente capitalista, em que há respeito à propriedade privada, não apenas as empresas poluidoras têm de pagar por eventuais danos à propriedade privada de terceiros, como também as externalidades são plenamente incorporadas aos preços de mercado. Se o preço da gasolina na bomba refletir integralmente os custos de oportunidade da poluição e o esgotamento de recursos, então os motoristas, independentemente da sensibilidade ambiental de cada um deles, serão forçados a pensar sobre a possibilidade de dirigir menos ou até mesmo de comprar um veículo mais eficiente.
O mesmo princípio se aplica a usuários de energia industrial, sejam eles fabricantes de plásticos, agricultores, ou usinas nucleares. Não é meu intuito subestimar a dificuldade de estipular leis que protejam devidamente os direitos de propriedade. Porém, quando se usa o sistema de preços para combater a poluição, a medida parece funcionar. Por exemplo, durante a década de 1990 e início de 2000, um sistema de licenças negociáveis foi implantado nos EUA com o intuito derrubar as emissões de dióxido de enxofre de usinas de energia à base carvão. O resultado foi a redução pela metade na intensidade de chuva ácida na costa leste do país.
Já sob o socialismo, os incentivos econômicos para se combater a poluição não funcionam. Sim, estou bem a par de que há uma construção teórica chamada de “socialismo de mercado”. Sob este sistema hipotético, defendido por escritores do século XX como Oskar Lange e Abba Lerner, os gerentes das empresas de propriedade coletiva orientariam sua produção não segundo os reais preços de mercado, definidos pela oferta e demanda, mas sim de acordo com “preços-sombra”, que são estipulados pelos planejadores do governo a um nível que supostamente é igual ao custo de oportunidade.
Em teoria, não haveria nenhum motivo para que os preços-sombra não pudessem incluir ajustes apropriados para os impactos ambientais. Não é o escopo deste artigo recapitular todo o debate sobre o socialismo de mercado aqui. O conceito já foi amplamente considerado impraticável e, até onde se sabe, não possui defensores vivos. [O IMB possui um livro a respeito deste tema]. Creio que Ludwig von Mises já finalizou a questão ao afirmar que um sistema de mercado real está para o socialismo de mercado assim como uma ferrovia real está para um menino brincando com trenzinhos. Logo, deixemos o imaginativo cenário do socialismo de mercado de lado e olhemos para o socialismo no mundo real.
Na União Soviética, como explicou Marshall Goldman, tanto a lei quanto a ideologia previam um nível de proteção ambiental. Ao menos em algum pequeno grau, essa proteção foi sustentada por sanções econômicas contra os poluidores. O problema, no entanto, era que os gestores das indústrias não apenas eram insensíveis a incentivos econômicos para a proteção do meio ambiente, como também eram insensíveis a todo e qualquer tipo de incentivo econômico. O sistema soviético não apenas incentivava a depredação ambiental, como também era esbanjador e gerava desperdícios em todos os sentidos possíveis. Ele desperdiçava trabalho, capital, energia, recursos naturais, cimento, aço, carvão, tratores, fertilizantes, madeira, água — desperdiçava tudo. Por quê? Porque não havia busca pelo lucro.
O segundo motivo pelo qual o socialismo tende a ser mais “produtivista” do que um genuíno capitalismo está relacionado às atitudes sociais que surgem quando não há direitos de propriedade. Onde há direitos de propriedade bem definidos, sempre haverá um proprietário que resistirá à transgressão, seja ela feita por pessoas a pé ou por produtos químicos nocivos jogados no ar. Sim, é verdade que o sistema judiciário não funciona perfeitamente. Muitas vezes, os proprietários não conseguem proteger adequadamente os seus direitos. Mas os direitos existem. Se não estão sendo impingidos, isso é culpa do estado, que detém o monopólio do sistema judiciário. Adicionalmente, quando a noção de propriedade privada se torna generalizada, ocorrendo até mesmo sobre minúsculos pedaços de terra, o respeito aos direitos de propriedade de terceiros também se torna difuso — embora, infelizmente, não de forma universal.
O terceiro motivo que faz o socialismo ser mais produtivista do que o capitalismo advém da economia política. E isso ocorre de uma forma curiosa: mesmo quando a propriedade privada acaba fornecendo uma base de poder político para vários grupos de interesse, a situação tende a se equilibrar. Por exemplo, quando os sindicatos dos mineradores dos Apalaches e os proprietários das minas de carvão se juntaram para fazer lobby contra as restrições sobre emissões de dióxido de enxofre, o que prejudicava o ambiente, os produtores de carvão de baixo teor de enxofre dos estados do oeste americano também pressionaram no sentido oposto, chegando-se assim a algum equilíbrio.
Além disso, entidades ambientais podem utilizar os mecanismos de propriedade privada para proteger habitats críticos. Veja ótimos exemplos práticos aqui e aqui. Por fim, a propriedade privada dos meios de comunicação pode sustentar uma voz independente para mídias alternativas, que podem então divulgar suas causas ambientais. Até os eco-socialistas desfrutam da proteção da propriedade privada em seus sites e suas conferências.
Já em um sistema socialista, os produtores detêm o total controle das alavancas do poder político. Afinal, na condição de empresas estatais, eles não são apenas meros lobistas; eles são parte integrante da estrutura do governo. Por exemplo, Marshall Goldman observou que houve protestos na União Soviética quando as fábricas de papel começaram a lançar seus resíduos no lago Baikal. No entanto, os próprios manifestantes eram membros do governo, e normalmente era uma instituição do governo que brigava com outra — por exemplo, o Instituto Limnológico da Academia de Ciências entrava em conflito com o Ministério da Madeira, Papel e Carpintaria.
Todo o sistema de incentivos da economia soviética, desde o Politburo até o gerente de uma fábrica local, estava focado em apenas uma coisa: alcançar as inatingíveis metas de produção do Plano Quinquenal. O ambiente sempre era a vítima.
Por fim, vale enfatizar que a propriedade privada é uma condição necessária para a proteção do ambiente, mas não é uma condição suficiente. A lamentável história ambiental da Rússia pós-soviética é um exemplo característico. A Rússia, em teoria, já não mais é socialista, mas sim uma economia corporativista, na qual o estado está em conluio com as grandes empresas. Há propriedade privada, mas a economia não é genuinamente de livre mercado. Essa variante mercantilista que substituiu o socialismo não é menos “produtivista” que o próprio socialismo. A sociedade civil e as instituições são fracas. Ao contrário do que ocorria no socialismo, hoje não são mais os participantes de piqueniques casuais os responsáveis pela derrubada de árvores e destruição das mudas do cinturão verde de Moscou, mas sim os oligarcas multimilionários que, com a autorização do governo, se apropriam de faixas inteiras de habitats protegidos para construir suas suntuosas casas de campo (as dachas).
O petróleo comanda, e se faz vista grossa para os derramamentos que ocorrem em terra ou no mar. A British Petroleum, que foi fustigada pela imprensa ocidental em decorrência do episódio do Golfo do México, está se preparando para explorar petróleo entre os icebergs à deriva ao longo da costa norte da Rússia. Os tigres siberianos são alvos constantes de tiros disparados do helicóptero de algum oligarca ou ministro do governo que decidiu praticar “esporte” no fim de semana.
Quer realmente proteger o ambiente? Uma genuína economia de mercado — na qual os direitos de propriedade são respeitados, os transgressores são devidamente punidos, o governo não determina vencedores e perdedores e há um sistema de preços livres estimulando a alocação de recursos do modo mais eficiente possível — é um arranjo incomparável e até hoje insuperável.
Tradução de Pedro Borges Griese