Introdução à quarta edição
Parece haver um ciclo de novas edições deste livro. A segunda edição foi publicada em meio à recessão inflacionária de 1969—71, a terceira na grande depressão inflacionária de 1973—75. A economia agora atravessa outra depressão inflacionária pelo menos tão severa, e talvez até mais, do que a contração de 1973—75, que havia sido a pior desde a década de 1930.
A confusão e o desespero intelectual que observamos na introdução à terceira edição agora se intensificaram. Já se admite de maneira geral que o keynesianismo está intelectualmente falido, e assistimos ao espetáculo de keynesianos veteranos pedindo aumentos de impostos durante uma séria depressão, uma mudança de frente que poucas pessoas consideram digna de observar, e menos ainda de tentar explicar.
Parte da perplexidade geral se deve ao fato de que a forte depressão atual, a de 1981—83, veio logo depois da recessão de 1979—80, de modo que começa a parecer que a breve e incerta recuperação de 1980—81 pode ter sido não mais do que um interlúdio em meio à recessão crônica que já dura desde 1979. A produção vem se estagnando há anos, a indústria automotiva está em péssima forma, caixas de poupança vão à falência toda semana, e o desemprego está em seu ponto mais alto desde os anos 1930.
Uma característica notável da depressão de 1981—83 é que, ao contrário da de 1973—75, a política e o pensamento econômicos não tenderam para o planejamento coletivista, mas para supostas políticas de livre mercado. O governo Reagan começou com uma fanfarra de cortes supostamente drásticos no orçamento e nos impostos, todos levemente disfarçando maciços aumentos nos impostos e nos gastos, de modo que o presidente Reagan hoje preside os maiores déficits e os mais elevados orçamentos da história americana. Se os keynesianos e agora o governo Reagan pedem aumentos de impostos para diminuir o déficit, vemos o espetáculo igualmente bizarro de economistas liberais clássicos veteranos nos primeiros dias do mesmo governo desculpando-se, dizendo que os déficits do governo não são importantes. Se teoricamente é verdade que os déficits financiados pela venda de títulos ao público não são inflacionários, também é verdade que imensos déficits (a) exercem uma pressão política enorme sobre o Fed para que ele monetize a dívida; e (b) prejudicam gravemente as poupanças privadas deslocando os investimentos privados e canalizando-os para inutilidades governamentais que também vão forçar as gerações futuras a pagar mais impostos.
As características gêmeas da Reaganomics até agora foram imensos déficits e taxas de juros especialmente altas. Enquanto os déficits são muitas vezes inflacionários e sempre perniciosos, curá-los pelo aumento de impostos equivale a curar uma doença dando um tiro no paciente. Em primeiro lugar, politicamente os impostos mais altos simplesmente darão ao governo mais dinheiro para gastar, de modo que as despesas e portanto os déficits tenderão a subir ainda mais. O corte de impostos, por outro lado, pressiona fortemente o congresso e o executivo a cortar as despesas.
Mas, de modo mais direto, é absurdo afirmar que um imposto é melhor do ponto de vista do consumidor-pagador de impostos do que um preço mais alto. Se o preço de um produto sobe por causa da inflação, a situação do consumidor piora, mas pelo menos ele ainda pode desfrutar do produto. Porém, se o governo eleva os impostos para evitar aquela subida de preços, o consumidor não está ganhando nada em troca disso. Ele simplesmente perde seu dinheiro, e a única coisa de que pode desfrutar em troca dele são ordens das autoridades que foi forçado a subsidiar. Tudo o mais constante, uma subida de preços é sempre preferível a um imposto.
Finalmente, como observamos neste livro, a inflação não é causada por déficits, mas pelo aumento da oferta monetária pelo Federal Reserve. Assim, é altamente provável que impostos mais altos não tenham qualquer efeito na inflação.
Os déficits devem portanto ser eliminados, mas somente por meio do corte de gastos do governo. Se os impostos e os gastos do governo forem reduzidos ao mesmo tempo, então o resultado salutar será a diminuição do fardo parasita dos impostos e dos gastos governamentais sobre as atividades produtivas do setor privado.
Isso nos traz a um novo ponto de vista econômico que surgiu após a última edição deste livro — a ?escolasupply-side de economia — e sua variante extrema, a Curva de Laffer. Na medida em que os supply-sidersafirmam que as reduções de impostos estimularão o trabalho, a poupança e a produtividade, estão apenas ressaltando verdades há muito conhecidas dos economistas austríacos. Mas um problema é que os supply-siders, ao mesmo tempo em que pedem grandes cortes no imposto de renda, defendem a manutenção do nível atual de despesas do governo, de modo que o ônus de transferir recursos de gastos privados produtivos para desperdícios governamentais continuará.
A variante de Laffer do supply-side acrescenta a ideia de que um declínio nas taxas de imposto de renda aumentará tanto a arrecadação advinda da produção e da renda maiores que o orçamento permanecerá equilibrado. Entre os lafferistas, porém, pouco se discute o quanto esse processo deve levar, e não há qualquer evidência de que a renda vá aumentar o suficiente para equilibrar o orçamento, ou simplesmente aumentar. Se, por exemplo, o governo agora aumentasse as alíquotas do imposto de renda em 30%, alguém realmente acredita que a arrecadação total fosse cair?
Outro problema é que é preciso perguntar por que o objetivo prioritário da política fiscal deveria ser maximizar a arrecadação. Um objetivo muito mais saudável seria minimizar a arrecadação e os recursos sugados pelo setor público.
De qualquer modo, a Curva de Laffer praticamente nem foi testada pelo governo Reagan, já que os tão alardeados cortes de impostos, além de terem sido truncados e reduzidos em relação ao plano Reagan original, foram mais do que contrabalançadas por um aumento programado nos impostos da previdência social e pelo bracket creep. O bracket creep surge quando a inflação leva as pessoas para alíquotas nominais mais altas (mas não realmente mais altas) de imposto de renda, em que o imposto de renda que elas pagam sobe automaticamente.
De modo geral, concorda-se que a recuperação da atual depressão ainda não veio porque as taxas de juros permaneceram altas, apesar da queda na taxa de inflação causada pela depressão. Os friedmanistas decretaram que as taxas de juros ?reais? (as taxas nominais menos a taxa de inflação) sempre ficam por volta de 3%. Quando a inflação caiu agudamente, portanto, de 12% para 5% ou menos, os monetaristas previram com confiança que as taxas de juros iriam cair drasticamente, estimulando uma recuperação cíclica. Contudo, as taxas de juros reais persistiram num patamar muito maior do que 3%. Como explicar isso?
A resposta é que as expectativas são puramente subjetivas, e não podem ser capturadas pelo uso mecânico de tabelas e de regressões. Após diversas décadas de inflação contínua e cada vez mais forte, o povo americano acostumou-se a esperar ainda mais inflação crônica. Períodos de alívio durante depressões profundas, a propaganda e o equilibrismo governamental não conseguem mais inverter essas expectativas. Enquanto persistirem as expectativas inflacionárias, a inflação esperada, incorporada às taxas de juros, permanecerá alta, e as taxas de juros não vão cair por nenhum período considerável de tempo.
Claro que o governo Reagan sabia que as expectativas inflacionárias tinham de ser investidas, mas seu erro de cálculo foi basear-se na propaganda sem substância. De fato, todo o programa da Reaganomics pode ser considerado um espetáculo cujo tema são impostos e gastos, por trás do qual os monetaristas, no controle do Fed e do Tesouro, supostamente iriam pouco a pouco reduzindo a taxa de expansão monetária. O espetáculo serviria para inverter as expectativas inflacionárias; o gradualismo eliminaria a inflação sem forçar a economia a sofrer as dores de uma recessão ou de uma depressão. Os friedmanistas nunca compreenderam a intuição austríaca de que a recessão é necessária para liquidar os investimentos insustentáveis do boominflacionário. O resultado é que a tentativa do gradualismo friedmanista de fazer o ajuste fino da economia para que ela caminhasse para uma desinflação sem recessão seguiu pelo mesmo caminho do ajuste fino keynesiano, que os monetaristas haviam criticado por décadas. O ajuste fino friedmanista nos trouxe uma ?desinflação? temporária acompanhada de outra grave depressão.
Assim, o monetarismo perdeu uma oportunidade. O corte do Fed na taxa de expansão monetária foi forte o bastante para precipitar a inevitável recessão, mas fraco demais, gradual demais para acabar com a inflação de uma vez por todas. Em vez de uma recessão forte mas curta que liquidasse os mal-investimentos do boomanterior, agora temos uma depressão crônica duradoura associada a uma estagnação contínua e dolorosa da produtividade e do crescimento econômico. O gradualismo pusilânime nos trouxe o pior de dois mundos: inflação contínua e recessão forte, desemprego alto e estagnação crônica.
Uma das razões da recessão e da estagnação crônicas é que o mercado aprende. As expectativas inflacionárias constituem uma resposta aprendida após décadas de inflação, e elas colocam ágio nas taxas de juro puras para compensar a inflação. O resultado é que método consagrado pelo tempo de diminuir as taxas de juros — a expansão pelo Fed da oferta de moeda e de crédito — não pode funcionar por muito tempo porque isso simplesmente elevaria as expectativas inflacionárias e as taxas de juros em vez de reduzi-las. Chegamos ao ponto em que tudo que o governo faz é contraproducente; a conclusão, é claro, é que o governo não deveria fazer nada, isso é, deveria retirar-se rapidamente do cenário monetário e econômico e deixar que a liberdade e os mercados livres façam seu trabalho.
Além disso, é tarde demais para o gradualismo. A única solução foi exposta por F. A. Hayek, decano da Escola Austríaca, em sua crítica ao gradualismo igualmente desastroso do governo Thatcher na Grã-Bretanha. A única maneira de sair da bagunça atual é ?pisar fundo no freio?, parar a inflação monetária nos trilhos. Assim, a inevitável recessão será dura, mas breve e rápida, e o livre mercado, assumindo a direção, retornará, tendo uma recuperação genuína num período impressionantemente breve. Somente um pisar fundo nos freios, drástico, que tenha credibilidade, pode efetivamente inverter as expectativas inflacionárias do povo americano. Mas o público, sabiamente, não confia mais no Fed nem no governo federal. Para que uma pisada no freio realmente tenha credibilidade, é preciso que haja uma cirurgia radical nas instituições monetárias americanas, uma cirurgia similar em escopo à criação do rentenmark na Alemanha, que finalmente acabou com a inflação descontrolada de 1923. Um passo importante seria desnacionalizar o dólar fiduciário de curso forçado e retornar a um dólar que corresponda a uma unidade de peso em ouro. Uma política que se seguiria a essa proibiria o Federal Reserve de reduzir o mínimo de reservas exigido por lei ou de jamais voltar a adquirir ativos; melhor ainda, o Federal Reserve System deveria ser abolido, e o governo, por fim, totalmente separado da oferta monetária.
De todo modo, não há qualquer sinal de uma política assim no horizonte. Após um breve flerte com o ouro, a Gold Commission [Comissão do Ouro], cheia de friedmanistas pró-moeda fiduciária e de seus cúmplices keynesianos, rejeitou o ouro, como se podia esperar, por uma margem avassaladora. A Reaganomics — uma mistura de monetarismo e de keynesianismo fiscal embrulhada numa retórica de liberalismo clássico e de economia supply-side — não vai de jeito nenhum resolver o problema da depressão inflacionária ou do ciclo econômico.
Mas se a Reagonomics está fadada a ser um fiasco, o que é provável que aconteça? Será que vamos enfrentar uma reprise, como muitas vozes preveem cada vez mais, da Grande Depressão da década de 1930? Certamente há muitos sinais e paralelos funestos. O fato de que a Reaganomics não consegue reduzir as taxas de juros por muito tempo coloca um freio no mercado de ações, que sofre de problemas crônicos desde meados da década de 1960 e está em forma cada vez pior. O mercado de títulos já está a caminho do colapso. O mercado imobiliário enfim parou bruscamente por causa das altas taxas das hipotecas, e a mesma coisa aconteceu com muitos itens de coleção. O desemprego sobe cronicamente a cada década, e agora está no ponto mais alto desde a Grande Depressão, sem sinais de que vá melhorar. O boom inflacionário das três décadas posteriores à Segunda Guerra Mundial, cada vez mais acelerado, criou um peso de investimentos insustentáveis para a economia, e com ele uma opressora pilha de dívidas: dos consumidores, dos proprietários de imóveis, das empresas e de dívidas com o estrangeiro. Nas últimas décadas, as empresas na verdade confiaram na inflação para liquidar a dívida, mas se a ?desinflação? (a diminuição da inflação em 1981 e pelo menos na primeira metade de 1982) continuar, o que acontecerá com a dívida? Cada vez mais, as respostas serão falências e uma depressão ainda pior. A taxa de falências já é a maior desde a Grande Depressão da década de 1930. As caixas de poupança presas entre altas taxas de juros a pagar aos depositantes e taxas baixas a receber de hipotecas de longo prazo vão cada vez mais ir à falência ou ser forçadas a fusões quase em estado de falência com outras instituições, as quais serão empurradas ainda mais para baixo pelo peso dos novos ônus. Até mesmo os bancos comerciais, protegidos pela rede de segurança do FDIC [Federal Deposit Insurance Corporation, agência responsável pela garantia dos depósitos bancários], estão começando a ir ralo abaixo, empurrados por seus empréstimos insustentáveis da última década.
As coisas ficam ainda piores do lado internacional. Durante o grande boom do crédito, os bancos americanos imprudentemente emprestaram dólares inflados para governos e instituições estrangeiras insolventes e altamente arriscados, especialmente nos governos comunistas e no Terceiro Mundo. O Depository Control Act[Lei de Controle Depositário] de 1980, que o governo Reagan não dá qualquer sinal de que vá derrubar, permite que o Federal Reserve compre quantidades ilimitadas de moeda estrangeira (ou quaisquer outros ativos) ou que diminua para zero as reservas mínimas exigidas. Em outras palavras, ele prepara o cenário para que o Fed infle ilimitadamente a moeda e o crédito. O auxílio ao governo polonês, e a recusa por parte dos Estados Unidos a declará-lo falido, de modo que o pagador de impostos americano (ou proprietário de dólares) possa pagar a conta indefinidamente, é uma sinistra profecia para o futuro. Somente uma inflação maciça poderá conseguir auxiliar os devedores estrangeiros e os bancos credores americanos.
Como o gradualismo friedmanista não permitirá que uma recessão suficientemente aguda limpe a dívida, isso significa que a economia americana cada vez mais se deparará com duas alternativas: ou uma depressão ao estilo de 1929, maciçamente deflacionária, que limpe a dívida, ou um auxílio inflacionário maciço por parte do Federal Reserve. Com ou sem o discurso da moeda forte, a timidez e a confusão da Reaganomics deixa bem claro que sua escolha será: maciça inflação de dinheiro e crédito, e por isso a retomada de uma inflação de dois dígitos ou talvez mais, o que fará com que as taxas de juros subam ainda mais, impedindo a recuperação. Pode-se esperar que um governo Democrata vá inflacionar com ainda mais entusiasmo. Podemos aguardar, então, não exatamente uma depressão como a de 1929, mas uma depressão inflacionária de vastas proporções. Até lá, o programa austríaco de moeda forte, padrão ouro, abolição do Fed e laissez-faire, terá sido rejeitado por todos: economistas, políticos e o público leigo, que o considerarão severo demais, draconiano. Mas as políticas austríacas são confortáveis e moderadas diante do inferno econômico de inflação permanente, estagnação, alto desemprego e depressão inflacionário em que os keynesianos e os friedmanistas neokeynesianos nos colocaram. Talvez esse holocausto econômico presente e futuro vá fazer com que o povo americano se afaste de panaceias fracassadas e considere a análise e as conclusões políticas da Escola Austríaca.
Murray N. Rothbard
Stanford, Califórnia
Setembro de 1982