Introdução
A história dos Estados Unidos e a natureza moral da política têm tudo a ver com liberdade. A Declaração da Independência estabelece que vida, liberdade e a busca da felicidade são direitos inalienáveis, mas eu acredito que tanto a vida como a busca da felicidade também dependem da liberdade como alicerce fundamental do nosso país. Usamos a palavra “liberdade” quase como um clichê. Mas será que sabemos o que ela significa? Podemos reconhecê-la quando a vemos? E o mais importante, podemos reconhecer o oposto de liberdade quando ele nos é vendido como uma forma de liberdade?
Liberdade quer dizer o exercício dos direitos humanos em qualquer maneira que a pessoa escolher, desde que não interfira no exercício dos direitos dos outros. Acima de tudo, isso significa manter o governo fora de nossas vidas. Somente este caminho leva a desencadear as energias humanas que constroem a civilização, proporcionam segurança, geram riquezas e protegem as pessoas da violação sistemática dos direitos. Nestes termos, somente a liberdade pode de fato evitar a tirania, este grande e eterno predador da humanidade.
A definição de liberdade que eu uso é a mesma aceita por Thomas Jefferson e sua geração. É o entendimento decorrente da grande tradição de liberdade, uma vez que o próprio Jefferson tomou como base o entendimento de John Locke (1632 — 1704). Uso o termo “liberal” sem ironia ou desdém, posto que a tradição liberal no sentido verdadeiro, desde a Idade Média até o começo do século XX[1] foi orientada para liberar a sociedade das algemas do estado. Esta é uma ordem de ideias que eu adoto, e que penso deveria ser adotada por todos os norte-americanos.
Acreditar em liberdade não é acreditar em qualquer resultado econômico ou social específico. É confiar na ordem espontânea que emerge quando o estado não interfere na volição e cooperação humanas. Ela permite que as pessoas resolvam por si mesmas seus próprios problemas, construam suas vidas por si mesmas, assumam os riscos e aceitem a responsabilidade pelos resultados e tomem suas próprias decisões.Os nossos líderes em Washington acreditam em liberdade? Às vezes eles dizem que sim. Eu não acredito que estejam dizendo a verdade. A prova de que realmente não acreditam é a existência do estado leviatã — sugador de riquezas — na capital em Washington: essa enorme e surrealista maquinaria que ninguém consegue controlar e que, pelo menos até agora, ninguém desafiou seriamente. Um monstro, que é uma presença constante em todos os aspectos de nossas vidas. O fato é que nenhum dos dois partidos está hoje sinceramente dedicado aos ideais clássicos e fundamentais que deram origem à Revolução Americana.
Naturalmente, os custos deste leviatã são inestimavelmente altos. O século XX passou por duas guerras mundiais, uma depressão mundial, e 45 anos de “Guerra Fria” com duas superpotências se ameaçando com dezenas de milhares de mísseis armados com ogivas nucleares. Ainda assim, a ameaça do governo hoje, em todo o mundo, pode bem apresentar perigo maior do que tudo o que ocorreu no século XX. Somos policiados, onde quer que estejamos: no trabalho, fazendo compras, em casa ou na igreja. Nada mais é privado: nem propriedade, nem família, nem mesmo nossos templos religiosos. Somos incentivados a vigiar uns aos outros e permanecer quietos enquanto agentes do governo nos revistam, nos hostilizam e, dia após dia, nos põem em nossos lugares. Se você reclama, seu nome vai para uma lista negra. Se você luta para revelar a verdade, como fizeram WikiLeaks e outros websites, você passa a ser alvo e pode ser destruído. Algumas vezes parece que estamos vivendo numa distopia como 1984 ou O Admirável Mundo Novo, ou pior que isso: com menos liberdade econômica. Alguns dirão que estou exagerando, outros saberão exatamente do que estou falando.
O que está em jogo é o próprio sonho americano, o qual é conectado ao nosso padrão de vida. Frequentemente subestimamos o que a expressão “padrão de vida” quer realmente dizer. No meu modo de ver, está relacionada com tudo o que afeta nosso bem-estar e, por isso, condiciona nossa visão da própria vida: se somos esperançosos ou pessimistas, se esperamos progresso ou recessão, e se achamos que nossos filhos, mais adiante, estarão em melhor ou pior situação do que estamos hoje. Todas essas considerações vão ao cerne da ideia de felicidade. A expressão “padrão de vida” inclui praticamente tudo o que esperamos da vida na terra. Significa, simplesmente, como somos capazes de definir nossas vidas.
Nossos padrões de vida hoje nos foram possibilitados pela abençoada instituição da liberdade. Quando nossa liberdade é atacada, tudo o que prezamos está sob ataque. Governos, pela sua própria natureza, notoriamente competem com a liberdade, mesmo quando proteger a liberdade é o exato propósito declarado para o estabelecimento de um determinado governo.Tome o exemplo dos Estados Unidos. Nosso país foi fundado sobre os mais elevados ideais e o mais alto respeito pela liberdade individual já visto. E, no entanto, veja onde é que chegamos hoje: gastos devastadores e dívida descontrolada, uma burocracia monstruosa regulando cada um de nossos passos; total desconsideração pela propriedade privada, pela economia de mercado, pelo valor do dinheiro e pela privacidade das pessoas; e uma política externa dedicada ao expansionismo militar. As restrições ao estado, incluídas pelos fundadores na constituição não funcionam. Poderosos interesses especiais imperam e parece não haver como lutar contra eles. Enquanto a classe média vai sendo destruída, os pobres sofrem e os justamente ricos vão sendo assaltados, ao passo que os injustamente ricos enriquecem cada vez mais. A riqueza do país caiu nas mãos de uns poucos em detrimento de muitos. Alguns dizem que esses problemas ocorrem por falta de regulação sobre Wall Street, mas esta afirmação não está certa. A raiz do problema está muito mais além.A ameaça à liberdade não se limita aos Estados Unidos. A hegemonia do dólar globalizou a crise. Jamais ocorreu nada semelhante ao que está acontecendo agora. Todas as economias estão entrelaçadas e dependentes da manutenção do valor do dólar, ao mesmo tempo em que se espera que a expansão sem fim da reserva de dinheiro em dólar vá resgatar a todos.Essa globalização do dólar se torna mais perigosa ainda porque os governos estão agindo irresponsavelmente, expandindo seus poderes e gastando além dos seus próprios recursos. A dívida mundial é um problema que tende a se agravar se continuarmos neste caminho. No entanto, todos os governos, e especialmente o nosso, não hesitam em continuar a expandir seus poderes à custa de nossas liberdades em um esforço fútil para impor seus objetivos sobre nós. Eles simplesmente conseguem expandir as dívidas e mergulhar ainda mais nelas.
Compreender como os governos sempre competem com a liberdade e destroem o progresso, a criatividade e a prosperidade, é crucial para que possamos nos empenhar em reverter o curso no qual nos encontramos. Essa competição entre o poder abusivo do governo e a liberdade individual vem de longo tempo. O conceito de liberdade, reconhecido como um direito natural, necessitou de milhares de anos para ser compreendido pelas massas em reação contra a tirania imposta pelos que só desejam dominar os outros e viver à custa de sua escravização.Esse conflito foi compreendido pelos defensores da República Romana, pelos israelitas do Velho Testamento, pelos barões rebelados de 1215 que demandavam o direito ao habeas corpus, e certamente pelos fundadores dos Estados Unidos, que imaginavam a possibilidade de uma sociedade sem reis e déspotas, e então estabeleceram um arcabouço que desde aquela época vem inspirando movimentos de libertação. É compreendido por cada vez mais norte-americanos que exigem respostas e reivindicam o fim da hegemonia de Washington sobre o país e sobre o mundo.
Ainda assim, mesmo entre os amigos da liberdade, muita gente se deixa enganar pela crença de que o governo pode lhes dar segurança contra todas as mazelas, prover segurança econômica equitativa e melhorar o comportamento moral dos indivíduos. Se dermos ao governo o monopólio do uso da força para atingir esses objetivos, a história mostra que tal poder sempre será usado abusivamente. Absolutamente todas as vezes.
Durante séculos, progrediu-se na compreensão do conceito de liberdade individual e da necessidade de constante vigília, no sentido de conter os abusos dos governos no uso de seus poderes. Apesar do progresso continuado, periodicamente têm ocorrido retrocessos e estagnação. Nos últimos 100 anos, os Estados Unidos e a maior parte do mundo têm testemunhado um retrocesso em termos de liberdade. Apesar de todos os avanços da tecnologia, apesar do entendimento mais refinado dos direitos das minorias, apesar de todos os avanços econômicos, os indivíduos estão muito menos protegidos contra o estado do que há um século.
Desde o início do século passado, muitas sementes de destruição foram plantadas, e agora elas germinam em um atentado sistemático às nossas liberdades. No meio de uma crise financeira e monetária horrendas, já instaladas sobre nós e se estendendo pelo futuro a perder de vista, fica bastante evidente que a dívida nacional é insustentável, que a liberdade está ameaçada e a raiva e o temor das pessoas estão crescendo. E mais importante, está agora claro que as promessas e panaceias do governo não valem nada. O governo falhou mais uma vez e, dia após dia, eleva-se o tom do clamor por mudanças. Apenas testemunhe a dramática alternância dos partidos no poder.
A única coisa que as promessas do governo fizeram foi iludir as pessoas, levando-as a um falso sentimento de segurança. A complacência e a desconfiança resultaram em um tremendo risco moral, levando grande quantidade de pessoas a se comportarem de maneira perigosa. Autonomia e responsabilidade individual foram substituídas por marginais organizados que maliciosamente adquiriram controle sobre o processo pelo qual a riqueza pilhada da nação era distribuída.
Eis a escolha que está diante de nós: avançar na direção do autoritarismo ou renovar o esforço na promoção da causa da liberdade individual. Não há terceira opção. Esta decisão deve incorporar a compreensão moderna e mais sofisticada da magnificência da economia de mercado, e a urgência de uma reforma monetária, principalmente em sua base moral e prática. Também deve ser incluído o completo entendimento do profundo dano causado pelo poder governamental que solapa o gênio criativo das mentes livres e da propriedade privada.
O conflito entre governo e liberdade, agora em ebulição devido à maior quebradeira da história, tem gerado protestos raivosos espontâneos que estão estourando por todo o país — e pelo mundo. Os produtores de riqueza estão se rebelando e os beneficiários das mamatas estão enraivecidos e inquietos.
A crise requer uma revolução intelectual. Felizmente, esta revolução está a caminho, e quem a procurar seriamente poderá vê-la. Participar dela está aberto a todos. Nossas ideias de liberdade não somente têm sido desenvolvidas por séculos, como também têm sido atualmente debatidas ativamente, e já se avista um entendimento moderno e avançado do conceito no horizonte. A Revolução está viva e passa bem.
O objetivo deste livro não é fornecer um esboço de um futuro programa libertário, ou uma defesa abrangente dele. O que ofereço aqui são pensamentos sobre vários tópicos controvertidos geralmente confusos para o público, e esses tópicos são interpretados aqui à luz de minha própria experiência e meus pensamentos. Não apresento respostas definitivas, mas referências para uma séria reflexão sobre esses temas. Certamente não espero que todos os leitores concordem com minhas crenças, mas faço votos que eu possa inspirar reflexão e debates sérios, fundamentais e raciocínios independentes sobre esses tópicos.Acima de tudo, o tema é liberdade. O objetivo é liberdade. A liberdade tem como resultado todas aquelas coisas que amamos. Nenhuma delas pode ser proporcionada pelo governo. Devemos ter a oportunidade de fornecer essas coisas a nós mesmos, como indivíduos, como famílias, como sociedade e como um país. Vamos lá: A a Z.
[1] Um excelente apanhado histórico da noção de liberdade e seus direitos pode ser encontrado na obra de Rodney Stark, The Victory of Reason: How Christianity Led to Freedom, Capitalism and Western Success(Random House, 2005), e no livro de Ludwig von Mises, Liberalismo: segundo a tradição clássica (Instituto Ludwig von Mises Brasil [1929] 2010).