Esta quarta-feira foi um dia especial. Nos Países Baixos as crianças holandesas celebraram a chegada do Sinterklas (juntamente com seu controverso ajudante ZwartePiet). Walt Disney estaria comemorando seu 117º aniversário. Parece que também foi um dia mundial do solo. Mas o 5 de dezembro de 2018 também marcou um aniversário particularmente especial: o fim da proibição nos Estados Unidos. Oitenta e cinco anos atrás, a 21ª Emenda à constituição foi ratificada, revogando oficialmente a 18ª Emenda que proibia a venda e o transporte de bebidas alcoólicas. Após 30 anos os cidadãos americanos podiam finalmente desfrutar de uma bebida, legalmente.
Hoje, a proibição é considerada um fracasso colossal. Impulsionada pela pressão do Movimento pela Temperança, que via o álcool e a embriaguez que ele causa como prejudiciais a sociedade. O álcool foi responsabilizado pelo crime, pela desordem e pela pobreza. A proibição da bebida, aparentemente se pensava, iria proteger os consumidores deles próprios, e a sociedade de seus comportamentos enquanto estivessem sob a influência do álcool.
Obviamente que não foi assim que ocorreu. Ao invés de erradicar o mercado de bebidas, ela simplesmente transferiu a importação, produção e venda de bebidas para as mãos de traficantes e mafiosos.
Na verdade, o mercado negro de bebidas durante a era da proibição era tão lucrativo que alguns consideram que o banimento foi responsável pela criação da máfia moderna. O controle total sobre o mercado de álcool proporcionou um grande incentivo para gangues – como aquelas que vieram nas imigrações em massa da Itália no início dos anos de 1900 – passarem de simples chantagistas locais à organizações hierárquicas ao estilo de grandes firmas.
Ao passo que estas gangues certamente atendiam uma demanda reprimida com seu mercado negro de bebidas e bares, não há dúvidas que os consumidores e o resto da sociedade sofriam. Notoriamente, gangues preferem tratar a concorrência amistosa com um porrete ao invés de uma nova campanha de marketing. Enquanto isso, aqueles que consumiam bebidas ilegais não contavam com nenhuma proteção do estado, e nenhuma garantia sobre o exato conteúdo de seus drinks. Enquanto os bandidos ganhavam milhões, todos os outros tinham que pagar o preço.
Então, o aniversário de 85 anos da morte dessa desastrosa tentativa de engenharia social com certeza merece ser comemorado (talvez com um drink?). Mas será que realmente aprendemos com a experiência?
Não completamente. Na verdade, é possível ler toda a primeira metade deste artigo, substituir “bebida” por “cocaína” ou “maconha”, e “máfia” por “cartel”, e teremos uma descrição bastante precisa da atual guerra contra as drogas.
Exatamente como os americanos dos anos 1920s que apreciavam uma cerveja, alguém que queira algo mais pesado hoje é entregue totalmente aos caprichos de criminosos organizados, e não conta com nenhuma ajuda do estado. De acordo com a aliança de políticas de drogas, quase 1,4 milhões de pessoas nos EUA foram presas somente por posse.
Além disso, os consumidores de drogas hoje geralmente não têm nenhuma garantia que o que eles estão obtendo é realmente aquilo pelo que eles pagaram. Enquanto cidades como Amsterdam agora oferecem teste anônimos de substâncias. A maioria das pessoas não tem o que fazer se cheirarem uma carreira de sabão em pó ao invés de cocaína.
Enquanto isso, os fornecedores do mercado negro participam de uma indústria global estimada em meio trilhão de dólares. No entanto, enquanto cartéis e traficantes de drogas enchem seus bolsos, as comunidades próximas a eles têm de lidar com a violência e as mortes que sempre acompanham mercados que são criminalizados.
Considero prudente fazer um adendo aqui: Não estou defendendo o uso de drogas pesadas. Ao invés disso, defendo que o caminho de menor dano deva ser seguido. Exatamente como a proibição do álcool criou a máfia, trazendo com ela violência, produtos mais perigosos e sofrimento geral, a guerra contra as drogas, também, não fez nada para proteger usuários ou prevenir crimes; na verdade fez o oposto.
Há 85 anos o governo dos EUA aprendeu sua lição, e seguiu o caminho de menor dano. Ao fazer isso, permitiram aos usuários acesso a ajuda e suporte e despojaram os criminosos de seus monopólios. Enquanto começamos a fazer progressos, com países como Canadá, Luxemburgo, bem como alguns estados Americanos, que passaram a descriminalizar a cannabis, há muito mais trabalho a ser feito antes que todo o sofrimento causado pela guerra contra as drogas possa chegar ao fim.
Tradução de Fernando Chiocca.
Artigo original aqui.
Ótimo artigo
Encontrar o equilíbrio para essa mudança de paradigma é o grande desafio da sociedade atual.