Poluentes violam o direito à propriedade privada
A poluição é uma questão séria, sobre a qual praticamente todos os dias lemos ou ouvimos notícias, algumas das quais que nos deixam indignados e com razão. Mas o que é poluição? Se pegarmos um dicionário qualquer e procurarmos sua definição, vamos encontrar algo como “a presença ou a introdução de uma substância tóxica no ambiente”. À primeira vista, essa definição faz sentido, mas se formos pensar melhor é um tanto vaga. Que ambiente? Quem decide se a substância é tóxica? E se for tóxica, mas pessoas voluntariamente a desejarem?
Ao processo de trazermos um conceito do mundo das ideias para o mundo real, damos o nome de “operacionalização”. Operacionalizar o conceito de “poluição” dentro do paradigma libertário, jusnaturalista, é simples e claro. Dentro desse paradigma, podemos defini-la como “a presença ou a introdução de uma substância tóxica indesejada na propriedade de alguém”. Portanto, a poluição representa uma violação do direito natural à propriedade privada, o que inclui o corpo de alguém. Assim, se uma pessoa introduz uma substância nociva e indesejada na propriedade de outrem está o agredindo.
Note que, nessa lógica, temos o direito de nos defendermos se formos agredidos. Logo, se alguém polui nossa propriedade ou parte dela, temos o direito de nos defendermos, usando os meios que forem necessários para cessarmos imediatamente a agressão. Temos o direito também de buscarmos reparação se acharmos que é o caso. Quaisquer disputas que houver devem ser resolvidas em tribunais privados, voluntários e jusnaturalistas, que terão condições de julgá-las prontamente, pois possuem um único critério claro – uma eventual violação de propriedade privada – para definir quem tem razão.
Embora um estatista vá argumentar que hoje em dia também temos esses direitos, as coisas não são bem assim. Dentro do paradigma estatal, com sua violação contumaz à propriedade privada e sua socialização dos recursos naturais, conflitos relacionados à poluição não têm como serem satisfatoriamente resolvidos. Logo, em última instância, políticos – sujeitos a interesses pessoais e de grupos de pressão – é que decidem o que é poluição. Nesse caso, com sua legislação positivista, temos que poluição é basicamente “aquilo que o estado diz que é poluição”, o que torna difícil resolver os problemas existentes e cria problemas novos.
Vejamos um exemplo. Em Barcarena, no interior do Pará, a empresa Hydro Alunorte minera bauxita, uma rocha sedimentar rica em alumínio. Aparentemente, em fevereiro de 2018, durante suas operações, houve vazamento de bauxita, que contaminou os rios da região. Após denúncias dos moradores, fiscais inspecionaram as instalações da mineradora e não encontraram nenhum vazamento. Porém, análises químicas da água dos rios confirmaram a contaminação pelo vazamento de barragens da empresa. Posteriormente, foi encontrado um duto clandestino que despejava poluentes nos rios.
A reação tradicional para casos como esse é de culpar o mercado e de pedir mais intervenção estatal. “A culpa é do mercado, a empresa só pensa no lucro! O estado deve intervir mais ainda!” — exige o indignado ativista ambiental. Não, meu caro ativista, o problema não é do mercado, nem do lucro, mas sim da violação da propriedade privada dos moradores. E pedir mais intervenção estatal só vai piorar o problema. A incapacidade de o estado proteger os moradores e o meio ambiente é uma consequência direta da legislação positivista, que não reconhece o direito natural à autopropriedade.
Em setembro de 2018, a empresa assinou um termo de ajuste de conduta, em que se comprometia a reduzir à metade a produção do minério, a investir em medidas emergenciais e a pagar uma indenização mensal às famílias atingidas. Contudo, um anos após o vazamento, a mineradora continuava o negando e, com isso, protelava a reparação. Essa história mostra o quão difícil é determinar a culpa e fazer com que vítimas sejam indenizadas quando se relativiza a autopropriedade. Em um tribunal privado, quem pudesse provar que teve seu corpo ou seus bens prejudicados teria direito a uma indenização justa, direta e imediata.
Algo perverso e engenhoso é que, dentro do paradigma estatal, quando o estado estabelece uma concentração máxima de um dado poluente ou concede uma licença ambiental a um empreendimento, na verdade ele está dando permissão para que se polua, desde que se respeitem alguns limites. Em outras palavras, limites impostos arbitrariamente pelo estado são, na verdade, permissões para se poluir até aqueles limites. Sendo assim, ainda que haja danos à saúde ou aos bens dos cidadãos, não há nada que estes possam fazer se a empresa estiver obedecendo às regulações estatais.
Um problema adicional que existe no exemplo da mineradora é que os rios são socializados, isto é, são considerados um bem comum. Como discutimos antes, “se são de todos, não são de ninguém”. Se os rios da região tivessem donos, haveria incentivos para defendê-los, o que criaria uma externalidade positiva para todos que vivem na região. Se houvesse ali uma ordem libertária, provavelmente sequer ouviríamos falar desse caso, que seria evitado ou prontamente resolvido. Na ordem – ou desordem – socialista em que vivemos, porém, o estado promete proteger o meio ambiente e fornecer justiça, mas falha em ambos os casos.
O estado é o maior poluidor
Graças ao roubo em escala colossal, ao controle total do sistema monetário e ao estímulo para políticas demagógicas, o estado é capaz de ter ao seu dispor quantias volumosas de dinheiro e realizar obras faraônicas, necessariamente desperdiçando recursos, sem se preocupar com suas consequencias negativas. Ademais, tendo o monopólio da criação de leis, de sua aplicação e do julgamento de eventuais transgressões, é muito difícil que membros dos primeiros escalões estatais sejam punidos. Não por acaso, os principais poluidores são os estados-nações, notadamente aqueles maiores e mais populosos.
Isso ficou evidente no ocaso da União Soviética, no início dos anos 1990, quando o enfraquecimento do controle estatal da informação permitiu que ambientalistas ocidentais observassem o que ocorria lá. À época, aproximadamente 40% dos soviéticos viviam em locais com altíssimos níveis de poluição. A situação era precária mesmo nas maiores cidades. Em Moscou, metade do lixo sanitário não era tratado e a rede de saneamento era bastante rudimentar. Em São Petersburgo, então chamada de Leningrado, metade das crianças tinha problemas intestinais graças à ingestão de água contaminada.
O lago Karachai, na Rússia, hoje considerado o lago mais poluído do planeta, exemplifica bem como o planejamento central levou à poluição. Entre 1946 e 1948, o estado soviético decidiu construir na região, em segredo absoluto, uma usina nuclear para produzir o plutônio que seria usado nas bombas atômicas. Sempre em nome do “bem maior”, não houve nenhuma consideração pela saúde dos trabalhadores ou pela proteção do meio ambiente. A linha de produção, otimizada para a criação do plutônio, gerava diariamente toneladas de dejetos radioativos, incluindo milhares de litros d’água usados no resfriamento dos reatores.
Essa água vinha justamente do lago Karachai, que, ainda por cima, recebia os dejetos sólidos radioativos. Isso aconteceu até 1957, quando a falta de manutenção em um dos tanques de resfriamento provocou uma explosão, contaminando toda a área e afetando milhares de pessoas. Como sempre, na tentativa de abafar o caso, a população local foi evacuada sem que nada lhe fosse explicado. Nos anos 1960, o lago começou a secar e, em 1968, uma seca combinada com fortes ventos fez com que poeira radioativa fosse espalhada por toda a área, afetando cerca de meio milhão de pessoas.
Para minimizar o problema, o governo soviético decidiu cobrir o lago, entre 1978 e 1986, com 10.000 blocos de concreto. Em 1990, Boris Iéltsin permitiu a presença de cientistas no local, que mediram o nível de radiação nas margens do lago e observaram que bastariam 30 minutos ali para matar uma pessoa desprotegida. E isso para não mencionar o desastre nuclear de Chernobil, na Ucrânia, cujos danos também foram exacerbados pelo fato de o governo soviético ter escondido informações e protelado medidas mitigadoras, poluindo centenas de milhares de quilômetros quadrados e contaminando milhões de pessoas.
Ainda no período comunista, mas na Polônia, o lançamento de poluentes – fossem resíduos de fábricas ou esgoto doméstico – em rios era considerado crime. Contudo, tanto as fábricas quanto a coleta de esgoto eram controladas pelo estado. Nesse caso, responsabilizar alguém pela poluição equivalia a culpar o Partido Comunista, o que obviamente jamais poderia acontecer. Logo, ninguém era punido, e corpos d’água eram poluídos a tal ponto que a biota era severamente afetada e sua água não podia sequer ser usada para a irrigação. Eis aí mais um exemplo da “tragédia dos comuns”.
Ao contrário do que lhe é ensinado pelo sistema de doutrinação atual, o socialismo, com seu planejamento econômico central, leva inevitavelmente à poluição do meio ambiente. Sem um regime de propriedade privada plena, os custos da poluição não são internalizados e sua responsabilização é enormemente dificultada. E, lembre-se, quando me refiro a socialismo, não estou me referindo apenas a essa centralização extrema dos regimes comunistas. Qualquer estado é, com maior ou menor intensidade, socialista, responsável pela violação sistemática da autopropriedade e, logo, com grandes chances de ser um agente poluidor.
A propósito, você sabe qual é o principal poluidor do mundo? Algumas das principais empresas, como a Apple ou a Amazon? A BHP, a maior companhia de mineração? Não, caro leitor, o principal poluidor é o Departamento de Defesa dos Estados Unidos, que, em 2019, teve um orçamento de quase 700 bilhões de dólares. Apenas para termos uma ideia do que isso significa, esse valor é só um pouco menor do que o produto interno bruto da Suíça, de aproximadamente 740 bilhões de dólares em 2019, e mais de três vezes maior o orçamento da Apple para o mesmo ano, que foi de quase 200 bilhões de dólares.
Esse Departamento de Defesa produz mais poluentes do que as cinco maiores companhias químicas estadunidenses juntas, tendo deixado um legado tóxico espalhado por todo o mundo, sob a forma de urânio empobrecido, óleo, combustível, pesticida, chumbo e desfoliante, como o famigerado Agente Laranja. As forças armadas estadunidenses emitem mais poluentes do que 100 países combinados. Apenas nos Estados Unidos, o órgão é responsável por mais de 4.000 instalações, que cobrem 7,6 milhões de hectares ou 10 milhões de campos de futebol, nos quais há quase 40.000 sítios contaminados.
As suas bases militares, tanto no país quanto fora dele, estão entre os locais mais poluídos do mundo, já que percloratos e outras substâncias presentes nos combustíveis contaminam os corpos d’água, os aqüiferos e o solo. Além disso, os inúmeros testes nucleares realizados pelos Estados Unidos são responsáveis por grandes quantidades de radiação em várias ilhas no Oceano Pacífico. Ainda, a recente campanha militar no Iraque resultou na desertificação de 90% do seu território, destruindo a agricultura do país, que agora precisa importar 80% de seus alimentos. A lista continua, mas já deu para você ter uma ideia.
Para quem entendeu como o estado funciona, isso não é surpresa nenhuma. Temos nas forças armadas estadunidenses o maior aparato bélico da história da humanidade, um órgão altamente centralizado e uma quase impossibilidade de responsabilização no caso da emissão de poluentes. E tudo isso sendo possível graças a um orçamento bilionário, conseguido pelo roubo sistematizado da população do país via impostos. Se não houvesse essa estrutura coercitiva chamada estado, externalizando os custos das operações militares, incluindo aí os custos da poluição, certamente não teríamos essa situação. Ah, mas o problema é o canudinho da lanchonete…
A guerra ao plástico
Agora já eleito, Jorginho do Açougue tem à sua disposição o aparato coercitivo estatal para ser usado como lhe convier. Entediado, com centenas de milhares de reais de verba de gabinete para gastar, ele está preocupado em descobrir uma maneira de usar essa vultuosa quantia para garantir sua reeleição. Para passar o tempo, ele liga o televisor de 50 polegadas, comprado em uma licitação, e começa a assistir ao jornal. Uma notícia em particular lhe chama a atenção: na praia, uma tartaruga morta, enrolada em uma sacola plástica, causa comoção na população, que chora copiosamente. “Pronto, aí está minha reeleição!” — pensa Jorginho.
Ele chama um de seus 10 assessores e ordena: “Precisamos proibir sacolas, canudos e copos plásticos na cidade. Escreva um projeto de lei!” Usando contatos na grande imprensa, com ajuda de grupos de pressão, ele consegue convencer um número suficiente de comparsas a transformarem sua proposta em legislação municipal. Muitos eleitores comemoram: “Ainda bem que votei nele, esse sim me representa!” Mal sabem esses eleitores que a conta vai ser paga por eles, bem como pela população em geral. Ébrio pelo sucesso de seu plano maquiavélico, Jorginho leva seus assessores para celebrar a vitória em uma churrascaria.
Assim como nosso Jorginho do Açougue, vários políticos têm conseguido aprovar projetos desse tipo em seus respectivos currais. Note que legislações como essa são uma violação do nosso direito natural à autopropriedade. Agora, por uma decisão de alguns políticos que se acham no direito de mandar nos outros, cidadãos pacíficos estão proibidos de usar um certo tipo de material, sob a ameaça de multa, prisão ou morte. Não há nada que justifique esse tipo de legislação do ponto de vista ético. Além disso, mais uma vez, isso traz consequências negativas tanto econômica quanto ambientalmente.
Por causa de uma regra arbitrária como essa, todas as interações voluntárias da população são afetadas. Lanchonetes têm de usar canudos de outro material, mais caro; supermercados têm de fornecer sacolas de papel ou de tecido, também mais caras; todos que reaproveitavam as sacolas plásticas de várias formas têm de buscar alternativas; empresas que produzem plástico vão à falência, desempregando milhares de pessoas; mas aliados dos políticos, que coincidentemente têm empresas de “materiais ecológicos”, prontamente podem oferecer seus dispendiosos produtos àqueles que estiverem buscando alternativas ao plástico.
O saldo final é que problemas desnecessários são criados, conflitos que não existiam antes aparecem, vários produtos ficam mais caros e tarefas cotidianas banais, como ir ao supermercado, viram algo complicado. Contudo, políticos e seus comparsas se beneficiam. Jorginho, por exemplo, não tem dúvidas de que será reeleito. “Ah, mas precisamos fazer sacrifícios, esse é o preço que pagamos para salvar as tartarugas-marinhas!” — exalta-se o ativista ambiental. Não, querido ativista, além de antiético, não há nenhuma garantia de que isso vá resolver o problema da poluição – ao contrário, pode agravá-lo.
Se, por um lado, o plástico entope bueiros, emporcalha as ruas, suja rios e mata animais, por outro torna nossa vida mais fácil, embalando produtos que consumimos, ajudando-nos a transportá-los, acondicionando nosso lixo, entre tantos outros usos. E tudo isso por um preço extremamente baixo. Não é à toa que o plástico se tornou algo ubíquo. Como quase tudo na vida, há nele prós e contras, e a única maneira de usá-lo ética e racionalmente é dentro de um sistema de livre-mercado. Mesmo do ponto de vista ambiental, o plástico não é necessariamente o vilão que costuma ser pintado.
Em um relatório publicado na Irlanda do Norte, em 2011, Kirsty Bell e Suzie Cave compararam os impactos ambientais de sacolas feitas de plástico, papel e tecido. Os resultados foram bem interessantes. Elas observaram que enquanto as sacolas de papel e de tecido demandam recursos naturais próprios, como pasta de celulose e fibras, as de plástico são um subproduto do petróleo e do gás natural, ou seja, são um aproveitamento de algo que, de outra forma, seria descartado. Ainda, a produção de sacolas de papel demanda quatro vezes mais energia do que a de plástico.
As sacolas de tecido, feitas de juta ou algodão, são bem mais grossas. Consequentemente, um contêiner que pode acomodar 2,5 milhões de sacolas plásticas consegue acomodar apenas 30.000 sacolas de tecido. Logo, para transportar o mesmo número de sacolas, no segundo caso são necessários 80 vezes mais navios, 80 vezes mais caminhões, 80 vezes mais combustível e assim por diante. Imagine a quantidade adicional de poluentes gerada nesse caso. Ainda que fina, uma sacola de plástico é capaz de carregar 2.500 vezes o seu peso e permanece resistente mesmo quando molhada.
Sacolas de plásticos podem ser dobradas, carregadas no bolso de uma calça ou em uma bolsa e usadas inúmeras vezes. Também são bastante versáteis e reaproveitadas de várias formas, como para acondicionar o lixo ou coletar fezes de animais de estimação. Sacolas de papel só são vantajosas se usadas 40 vezes ou mais do que as de plástico, porém dificilmente resistem por tanto tempo. Sacolas de tecido podem ser reutilizadas várias vezes, mas teriam de ser usadas duas vezes por semana, por 191 anos, para serem vantajosas. Ademais, sacolas de tecido não são higiênicas, pois são um hábitat para a proliferação de bactérias e fungos.
A reciclagem de uma sacola de plástico demanda 91% menos de energia do que uma de papel. Papel e plástico se decompõem à mesma velocidade e, ainda por cima, aquele ocupa mais espaço do que este nos aterros. No processo de degradação, sacolas de papel geram 50% a mais de poluentes do que sacolas de plástico. Mesmo que todos os países banissem sacolas plásticas, isso faria pouca diferença, pois elas constituem menos de 1% do volume de plástico nos oceanos. A imensa maioria do material plástico que está nos oceanos hoje vem de atividades pesqueiras.
Banir sacolas plásticas também traz resultados contraproducentes. Por exemplo, o seu banimento na Califórnia eliminou o consumo de 20.000 toneladas de plástico, mas fez com que o consumo de sacos de lixo aumentasse em 6.000 toneladas e o de sacolas de papel aumentasse em 40.000 toneladas. Proibir o uso de utensílios descartáveis de plástico, como pratos e talheres, aumenta a incidência de doenças, com todas as consequências negativas que isso traz. Assim, se os benefícios da guerra ao plástico são em boa parte ilusórios, seus prejuízos são bem reais.
Se quisermos resolver o problema do plástico, devemos privatizar tudo, desonerar quem quiser buscar alternativas e fazer com que poluidores sejam justamente responsabilizados. Apenas empreendedores – motivados pelo lucro, guiados pelas preferências subjetivas dos consumidores e estimulados para vencer a concorrência – é que poderão buscar soluções éticas e racionais para os problemas relacionados ao plástico. “Isso jamais vai acontecer; sem alguém para lhes dizer o que é certo, as pessoas não se preocupam com a poluição. Por isso, precisamos do estado!” — protesta o justiceiro. Será que não se preocupam? Vejamos.
As iniciativas privadas
Se nos distanciarmos do paradigma estatal e começarmos a prestar atenção a iniciativas privadas para resolver problemas ligados ao plástico, perceberemos que já há várias pessoas abrindo suas carteiras, colocando a mão na massa e buscando soluções. E isso apesar de todas as dificuldades criadas pelo estado por meio de regulações e taxações. Felizmente, o instinto de empreender é tão forte e natural em nós, que há aqueles que se arriscam nessas empreitadas, mesmo com todo o desestímulo estatal. Aqui também seria possível escrever um livro inteiro só com esse tipo de iniciativa, mas vou me ater a alguns exemplos.
Matando dois coelhos com uma cajadada só, a empresa sul-africana Shisalanga Construction vem usando garrafas plásticas recicladas para asfaltar uma estrada na costa leste do país. Para asfaltar 100 metros de pista, usam-se 10.000 garrafas plásticas, mostrando como o mercado transforma lixo em recurso. A empresa aquece o polietileno até sua dissolução, mistura aditivos e produz um composto mais durável e resistente do que o asfalto convencional. Segundo a empresa, o processo libera menos poluentes e é economicamente vantajoso, porque as estradas devem durar mais do que os 20 anos que duram atualmente.
Um outro exemplo vem da empresa Adidas, que, desde 2015, tem uma parceria com a organização não-governamental Parley for the Oceans para criar uma linha de calçados feitos a partir de plástico coletado nas praias. Graças à demanda dos consumidores, o número de pares produzidos vem aumentando ano após ano, chegando a 11 milhões em 2019. O preço maior desses calçados feitos com o plástico retirado das praias ilustra bem a questão do valor subjetivo e da satisfação psíquica: há pessoas que preferem pagar mais por esses pares de tênis por acreditarem que assim estão ajudando a resolver o problema da poluição.
Há também iniciativas individuais, de pessoas que acumularam capital e que decidiram voluntariamente contribuir para a solução do problema. Uma delas é o empresário norueguês Kjell Inge Røkke, acionista majoritário de companhias náuticas e petrolíferas, que decidiu investir parte de sua fortuna para construir um navio de pesquisa marinha. Além de laboratórios e até 60 cientistas a bordo, desenvolvendo pesquisas sobre a poluição no mar e a proteção da vida marinha, o navio está adaptado para recolher cinco toneladas de plástico dos oceanos diariamente.
Em vez de implorar para que políticos proíbam o plástico, há aqueles que procuram desenvolver soluções para que esse material seja rapidamente degradado. Por exemplo, dois empreendedores chilenos, Roberto Astete e Cristian Olivares, da empresa SoluBag, desenvolveram recentemente sacolas plásticas reutilizáveis, que se dissolvem na água em apenas cinco minutos. Para isso, no processo de produção do plástico, eles trocaram o petróleo por uma pedra calcária, que não causa danos ao meio ambiente. Eles estão agora tentando aplicar a técnica à produção de talheres, copos, pratos e embalagens.
Uma iniciativa semelhante veio do biólogo indonésio Kevin Kumala. Ao voltar ao seu país em 2009, após 10 anos nos Estados Unidos, Kumala encontrou as praias repletas de plástico – nada surpreendemente, pois, afinal, as praias na Indonésia também não costumam ter donos. Disposto a solucionar o problema, ele abriu a empresa Avani Eco. Usando o amido da mandioca, planta comum no país, e seguindo o mesmo processo de fabricação das sacolas plásticas, Kumala criou, em 2018, uma sacola que, embora custe alguns centavos a mais, se degrada em menos de 100 dias e se dissolve na água quente em poucos minutos.
“Você só falou do plástico! O plástico não é o único poluente que existe!” — protesta, irredutível, nosso ativista ambiental. Sim, por enquanto, só falei do plástico, mas o mesmo se aplica aos outros poluentes. Quer um exemplo? A poluição atmosférica na Cidade do México é um problema crônico. Em 1992, ela foi considerada “a cidade mais poluída do mundo” e, em 1998, recebeu o título de “a cidade mais perigosa para crianças”. Entre os compostos presentes no seu ar, estão poluentes primários como monóxido de carbono e dióxido de enxofre, e secundários, como sulfatos e ozônio.
Em uma sociedade de leis privadas, quem emite poluentes seria prontamente responsabilizado, mas, como somos governados por uma legislação positivista, isso raramente acontece. Sendo assim, se quiser soluções reais, o que resta à população é tentar empreender e encontrar alternativas inovadoras apesar das interferências estatais. Assim o fez um jovem mexicano chamado Carlos Monroy Sampieri, da empresa BiomiTech, que inventou um equipamento – uma espécie de torre com cerca de cinco metros de altura – capaz de filtrar o ar e remover poluentes atmosféricos.
Essa torre, batizada de BioUrban, tem uma estrutura de metal e um sistema de biofiltragem, realizada por microalgas capazes de fotossintetizar todos os 365 dias do ano, que retira poluentes do ar e devolve oxigênio. Segundo a empresa, uma única torre dessas realiza o trabalho de 368 árvores. Em cidades bastante urbanizadas, com alta densidade populacional e sem áreas verdes o suficiente, essas torres ajudariam bastante a melhorar a qualidade do ar. O sistema ainda gera biomassa, que pode ser usada como combustível. Mais uma vez, um empreendedor, motivado pelo lucro, buscando e encontrando uma solução.
Citando mais um caso, no final de 2019, houve um grande derramamento de petróleo cru no litoral brasileiro, que atingiu os nove estados do Nordeste e chegou ao Espírito Santo e ao Rio de Janeiro, afetando mais de 2.000 quilômetros da costa. O impacto causado na biota marinha, inclusive em ambientes frágeis como corais e manguezais, persistirá por décadas. Houve ainda impactos sobre pessoas que entraram em contato com óleo e tiveram reações alérgicas. Embora considerado “o maior desastre ambiental já registrado no litoral brasileiro”, as investigações do governo brasileiro ainda não determinaram o responsável.
Porém, se as iniciativas estatais não resultaram em muita coisa, as iniciativas individuais – de pessoas que se sensibilizaram com a tragédia, que se dispuseram voluntariamente a arregaçar suas mangas e que tentaram ajudar de alguma forma – trouxeram resultados concretos. Enquanto políticos desta ou daquela facção tentavam emplacar a narrativa que mais lhes conviesse, muitos cidadãos se deslocaram aos locais afetados e retiraram o óleo que estava na superfície do mar, no fundo, na areia, em pedras e em corais da melhor maneira que puderam.
Conforme relatos, embora até houvesse alguns militares e funcionários públicos tentando minimizar o problema, a grande maioria era formada por pessoas comuns, organizadas em grupos de amigos, em pequenos empreendimentos ou em organizações não-governamentais locais, procurando coordenar as ações, trocando informações via redes sociais e viabilizando recursos como comida, transporte e equipamentos de proteção. Assim, quem de fato ajudou a resolver esse problema ambiental não foram os políticos e seus agentes, mas a população como um todo. Aliás, como sói acontecer.
Certificadoras privadas
Hoje em dia, a maioria das pessoas espera que o estado certifique que uma empresa não polui por meio de regulações, laudos, vistorias, alvarás e afins. Como vimos, não tem como isso funcionar, porque o estado não possui os incentivos corretos. Por ser monopolista e coercitiva, qualquer certificação estatal será inevitavelmente falha. Como isso funcionaria em um livre-mercado? Como há demanda por isso, já que ninguém gosta de ser agredido por uma substância tóxica, haverá certificadoras privadas, que emitirão um selo de, digamos, “empresa não poluidora” se tal empresa cumprir certas exigências.
Muitas vezes não atentamos para isso, mas hoje mesmo já existem várias certificadoras privadas atestando reputações de modo bastante confiável. Sítios como o Reclame Aqui, que recebe reclamações sobre compra e venda de produtos e serviços, fazem isso, mediando disputas entre consumidores e fornecedores e atestando as reputações destes. Empresas que atendam a certos critérios do sítio, relacionados a um bom atendimento, recebem o selo “RA1000”. De modo parecido, empresas como o AirBnB e o Uber não só intermedeiam as demandas dos consumidores e dos fornecedores, como quantificam as reputações de ambos.
Há ainda os chamados “selos verdes”, decorrentes justamente dessa preocupação das pessoas com o meio ambiente. Por exemplo, o Forest Stewardship Council confere um selo àqueles que manejam florestas corretamente, segundo os critérios da organização, que envolvem aspectos ambientais, sociais e econômicos. A Rainforest Alliance dá um selo a empreedimentos que satisfazem critérios relacionados a boas práticas ambientais e sociais. A ISO 14001 é outro certificado que atesta se uma empresa procura minimizar os impactos ambientais de suas operações.
No caso da poluição, certificadoras privadas que atestem se empresas minimizam a produção de poluentes e dão fins adequados a estes serão muito mais confiáveis do que qualquer órgão estatal de vigilância. “Mas e se a empresa corromper a certificadora e comprar seu selo de não-poluidora mesmo não se preocupando com a quantidade e o destino de seus resíduos?” — questiona o ativista ambiental. Ora, e isso não acontece hoje com os órgãos estatais? Não só acontece, como atualmente os mecanismos para combater esse tipo de corrupção são bastante precários.
Lembre-se que, em um livre-mercado, sem as barreiras de entrada impostas pelo estado, a competição tende a ser ferrenha. As próprias certificadoras terão as suas reputações e estarão competindo umas com as outras para ver quem melhor atesta se uma empresa polui ou não. Uma boa reputação é algo extremamente difícil de ser conquistado, mas muito fácil de ser perdido. Se, digamos, uma fábrica que tem o selo de não-poluidora de uma certificadora privada for responsável por uma tragédia ambiental, não só a boa reputação da fábrica será arruinada, como também a da certificadora.
A busca das pessoas por bens e serviços que respeitassem suas demandas por preservação ambiental levaria a certificações eficientes e éticas e não a essas regulações ilógicas e antiéticas impostas agressivamente pelo estado. Hoje em dia, temos cidadãos pacíficos que são punidos previamente e impedidos de usar algo inofensivo como um canudo plástico, porque assim quiseram alguns políticos e tecnocratas. Uma punição prévia de pessoas que nada fizeram de errado implica uma deturpação moral da civilização e faz com que percamos a verdadeira noção de crime e de responsabilidade. É algo que precisa acabar.
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