Como o Ocidente levou a guerra para a Ucrânia

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[Revisão do livro How the West Brought War to Ukraine: Understanding How US and NATO Policies Led to Crisis, War, and the Risk of Nuclear Catastrophe, de Benjamin Abelow, Siland Press]

A guerra da Ucrânia gerou grande controvérsia, mas em um ponto não pode haver dúvida, e Benjamin Abelow, um médico com interesse de longa data em assuntos públicos, enfatizou isso adequadamente em seu breve e excelente livro. A política dos Estados Unidos em relação à guerra e, de forma mais geral, em relação ao regime russo de Vladimir Putin, tem sido de confronto direto e não de acomodação pacífica. Não é uma surpresa que os defensores de uma política não intervencionista tenham criticado os Estados Unidos por isso, mas vários daqueles no “establishment” da política externa também o fizeram, e Abelow conseguiu garantir o endosso de alguns desses para o livro dele. Jack Matlock Jr., por exemplo, o último embaixador americano na União Soviética, escreve que o livro é uma “explicação brilhante e notavelmente concisa do perigo que o envolvimento militar dos EUA e da OTAN [Organização do Tratado do Atlântico Norte] na Ucrânia criou”.

A divisão no establishment da política externa levanta uma questão. Qual é exatamente a objeção desses dissidentes à atual política dos EUA na Ucrânia? Não pode ser apenas uma política externa “ativista”, pois eles não rejeitam em princípio o papel dos EUA como uma superpotência global. É que os formuladores de políticas americanos foram longe demais e, ao fazê-lo, desconsideraram um fato fundamental; a saber, que uma Ucrânia amigável não é um interesse nacional vital para os Estados Unidos, mas sim para a Rússia. A Rússia vê uma Ucrânia hostil como uma ameaça “existencial”, e se os EUA continuarem a se opor maciçamente à Rússia, isso pode levar a uma guerra nuclear, com consequências desastrosas.

Abelow afirma o ponto essencial desta forma:

    Mesmo de uma perspectiva americana limitada, todo o plano ocidental era um perigoso jogo de blefe, encenado por razões difíceis de entender. A Ucrânia não é, de forma alguma, um interesse vital de segurança dos Estados Unidos. Na verdade, a Ucrânia quase não importa…. Em contraste, para a Rússia – com sua fronteira compartilhada de 1.900 km e seu histórico de três grandes invasões terrestres do Ocidente, a mais recente das quais, durante a Segunda Guerra Mundial, causou a morte de aproximadamente 13% de toda a população russa – a Ucrânia é o mais vital dos interesses nacionais. (pp. 60–61, ênfase removida)

Alguém pode se inclinar a objetar: mesmo que Abelow esteja correto, não é o caso de Putin ser o principal responsável pela crise atual devido à sua incursão militar, que tem como objetivo o retorno de boa parte da, se não de toda, Ucrânia à soberania russa? Suponha que isso fosse verdade, embora, como tentarei mostrar, seja de fato falso. É irrelevante para o ponto para o qual Abelow chamou nossa atenção. Mesmo que a responsabilidade de Putin pela guerra fosse total, isso não enfraqueceria o fato inescapável de que uma política agressiva dos EUA arrisca uma guerra nuclear por causa do que é uma ameaça existencial para a Rússia, mas não para os Estados Unidos. Podemos ir mais longe. Mesmo que Putin deseje restaurar a Rússia à posição que ocupava antes do colapso da União Soviética em 1991, seu sucesso em fazê-lo ainda não representaria uma ameaça direta à segurança dos Estados Unidos.

Na verdade, porém, não é o caso de Putin ser o principal responsável pela crise. Abelow com concisão característica ele chega ao cerne da questão:

    A causa subjacente da guerra não está em um expansionismo desenfreado de Putin, ou em delírios paranoicos de planejadores militares no Kremlin, mas em uma história de 30 anos de provocações ocidentais, dirigidas à Rússia, que começaram durante a dissolução do governo da União Soviética e continuou até o início da guerra. Essas provocações colocaram a Rússia em uma situação insustentável, para a qual a guerra parecia, para Putin e seus militares, a única solução viável. (pág. 7)

Abelow documenta sua tese ao máximo, dando grande ênfase à promessa dos Estados Unidos de se abster da expansão da OTAN para as fronteiras da Rússia. Os defensores da política atual dos Estados Unidos contra-atacaram apontando que os Estados Unidos não se comprometeram por escrito com esse efeito, mas isso é mero tecnicismo, e o peso das evidências apoia a visão russa da questão.

       Ao descrever este episódio, não estou sugerindo que as garantias ocidentais eram juridicamente vinculativas, ou que a violação dessas garantias explica plenamente a invasão da Ucrânia pela Rússia… Quero apenas observar que o Ocidente agiu de maneira calculada para enganar Moscou, e esse episódio lançou as bases para a evolução da percepção russa de que a OTAN, e os Estados Unidos em particular, não eram confiáveis. (pág. 12)

Nos anos que se seguiram a essa promessa quebrada, os EUA continuaram uma política de provocação e hostilidade.

      No final de 2013 e início de 2014, protestos contra o governo ocorreram na Praça da Independência em Kiev. Esses protestos, que foram apoiados pelos Estados Unidos, foram subvertidos por provocadores violentos. A violência culminou em um golpe no qual ultranacionalistas ucranianos armados de extrema direita tomaram os prédios do governo e forçaram o presidente pró-Rússia democraticamente eleito a fugir do país. (pág. 15)

Logo depois veio à tona que Virginia Nuland, uma belicista neoconservadora de longa data, e alguns de seus colegas participaram desses desenvolvimentos.

Como se isso não bastasse, os Estados Unidos declararam repetidas vezes a intenção de admitir a Ucrânia na OTAN, em face das repetidas declarações de Putin de que esta seria uma situação intolerável para a Rússia.

Seria um grave erro considerar Abelow indevidamente pró-Rússia e descarta-lo. As iniciativas que ele apoia para garantir um acordo pacífico fazendo concessões à Rússia são do interesse dos próprios ucranianos, mesmo daqueles hostis à Rússia. Os verdadeiros amigos da Ucrânia não devem enviar grandes quantidades de ajuda militar ao intransigente regime de Zelensky: esse é o caminho para o que Kant em outro contexto chama apropriadamente de paz do cemitério.

 

 

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