[Originalmente publicado como “Taking Money Back”, The Freeman (outubro de 1995), parte 1.]
A moeda é um posto de comando crucial de qualquer economia, portanto, de qualquer sociedade. A sociedade repousa sobre uma rede de trocas voluntárias, também conhecida como “economia de livre mercado”; essas trocas implicam uma divisão do trabalho na sociedade, na qual produtores de ovos, pregos, cavalos, madeira, bem como de serviços imateriais como ensino, assistência médica e shows, trocam seus bens pelos bens de outros. A cada passo do caminho, cada participante da troca se beneficia imensamente, pois se todos fossem forçados a ser autossuficientes, os poucos que conseguissem sobreviver seriam reduzidos a um padrão de vida lastimável.
A troca direta de bens e serviços, também conhecida como “escambo”, é tão improdutiva que não tem como superar o nível mais primitivo e, de fato, toda tribo “primitiva” logo deu um jeito de descobrir os enormes benefícios de introduzir no mercado uma mercadoria particularmente comercializável, de demanda geral, para ser usada como um “meio” de “troca indireta”. Se uma determinada mercadoria está em uso generalizado como meio em uma sociedade, então esse meio geral de troca é chamado de “moeda”.
A moeda-mercadoria torna-se um termo em cada uma das inúmeras trocas na economia de mercado. Vendo meus serviços como professor por dinheiro; eu uso esse dinheiro para comprar mantimentos, máquinas de escrever ou acomodações de viagem; e esses produtores, por sua vez, usam o dinheiro para pagar seus trabalhadores, comprar equipamentos e estoques e pagar aluguel de seus prédios. Daí a tentação sempre presente de um ou mais grupos de assumir o controle da função vital de suprimento de moeda.
Muitos bens úteis foram escolhidos como moeda nas sociedades humanas. Sal na África, açúcar no Caribe, peixe na Nova Inglaterra colonial, tabaco na região colonial da Baía de Chesapeake, búzios, enxadas de ferro e muitas outras mercadorias têm sido usadas como moeda. Essas moedas não servem apenas como meio de troca; elas permitem que indivíduos e empresas se envolvam no “cálculo” necessário para qualquer economia avançada. As moedas são negociadas e calculadas em termos de uma unidade monetária, quase sempre unidades de peso. O tabaco, por exemplo, era calculado em libras. Os preços de outros bens e serviços podiam ser calculados em libras de tabaco; um certo cavalo pode valer oitenta libras no mercado. Uma empresa poderia, então, calcular seu lucro ou prejuízo do mês anterior; poderia calcular que sua receita no mês anterior foi de 1.000 libras e suas despesas de 800 libras, resultando em um lucro líquido de 200 libras.
Ouro ou papel do governo
Ao longo da história, duas mercadorias foram capazes de superar todas as outras e serem escolhidas no mercado como moeda – dois metais preciosos, ouro e prata (com o cobre entrando quando um dos outros metais preciosos não estava disponível). O ouro e a prata abundavam no que podemos chamar de qualidades de “dinheiro”, qualidades que os tornavam superiores a todas as outras mercadorias. Eles são raros o suficiente para que seu valor seja estável e de alto valor por unidade de peso; portanto, peças de ouro ou prata são facilmente transportáveis e utilizáveis nas transações do dia a dia; eles também são raros o suficiente, de modo que há pouca probabilidade de descobertas repentinas ou aumentos na oferta. Eles são duráveis o bastante para que possam durar virtualmente para sempre, logo, fornecem uma “reserva de valor” segura para o futuro. Ainda, ouro e prata são divisíveis, de modo que podem ser divididos em pequenos pedaços sem perder seu valor; ao contrário dos diamantes, por exemplo, eles são homogêneos, de modo que uma onça de ouro terá o mesmo valor que qualquer outra.
O uso universal e antigo de ouro e prata como dinheiro foi apontado pelo primeiro grande teórico monetário, o eminente escolástico francês do século XIV Jean Buridan, estando posteriormente presente em todas as discussões sobre dinheiro e nos livros didáticos sobre moeda e sistemas bancários até que os governos ocidentais aboliram o padrão-ouro no início da década de 1930. Franklin D. Roosevelt juntou-se a este movimento tirando os Estados Unidos do ouro em 1933.
Não há aspecto da economia de livre mercado que tenha sofrido mais desprezo e descaso por economistas “modernos” – sejam keynesianos francamente estatistas ou supostamente “livre mercadistas” de Chicago – do que o ouro. O ouro, há não muito saudado como o fundamento e a base de qualquer sistema monetário sólido, agora é regularmente denunciado como um “fetiche” ou, como no caso de Keynes, como uma “relíquia bárbara”. Bem, o ouro é de fato uma “relíquia” da barbárie em certo sentido; nenhum “bárbaro” digno de seu nome jamais aceitaria o papel falso e o crédito bancário que nós, sofisticados modernos, fomos enganados em usar como dinheiro.
Mas os “aficionados em ouro” não são fetichistas; não nos encaixamos na imagem padrão de avarentos correndo os dedos por seu tesouro de moedas de ouro enquanto cacarejam de maneira sinistra. A melhor coisa do ouro é que ele, e somente ele, é dinheiro fornecido pelo livre mercado, pelas pessoas que trabalham. A escolha difícil diante de nós sempre foi: ouro (ou prata) ou governo. O ouro é dinheiro de mercado, uma mercadoria que deve ser fornecida ao ser extraída do solo e depois processada; mas o governo, ao contrário, fornece papel-moeda ou cheques bancários praticamente sem custo e do nada.
Sabemos, em primeiro lugar, que toda operação governamental é um desperdício, é ineficiente e serve mais ao burocrata do que ao consumidor. Preferimos ter sapatos produzidos por empresas privadas competitivas no livre mercado ou por um monopólio gigante do governo federal? A função de fornecer dinheiro não poderia ser melhor tratada pelo governo. A situação do dinheiro, contudo, é muito pior do que para sapatos ou qualquer outra mercadoria. Se o governo produz sapatos, pelo menos eles podem ser usados, mesmo que sejam caros, apertados e não satisfaçam os desejos do consumidor.
A moeda difere de todas as outras mercadorias: todo o restante permanecendo igual, mais sapatos ou mais descobertas de petróleo ou cobre beneficiam a sociedade, pois ajudam a aliviar a escassez natural. Uma vez que uma mercadoria é estabelecida como moeda no mercado, não é necessário mais dinheiro. Como o único uso do dinheiro é para troca e cálculo, mais dólares, libras ou marcos em circulação não podem conferir um benefício social: eles simplesmente diluirão o valor de troca de cada dólar, libra ou marco existente. Portanto, é um grande benefício que o ouro ou a prata sejam escassos e sejam caros para aumentar a oferta.
Mas se o governo consegue estabelecer bilhetes de papel ou crédito bancário como moeda, equivalente a gramas ou onças de ouro, então o governo, como fornecedor de moeda dominante, fica livre para criar dinheiro sem custos e à vontade. Como resultado, essa “inflação” da oferta monetária destrói o valor do dólar ou da libra, eleva os preços, paralisa o cálculo econômico e afeta e prejudica seriamente o funcionamento da economia de mercado.
A tendência natural do governo, uma vez encarregado da moeda, é inflar e destruir seu valor. Para entender essa verdade, devemos examinar a natureza do governo e da criação de dinheiro. Ao longo da história, os governos têm estado cronicamente com falta de receita. A razão deve ser clara: diferentemente de você e de mim, os governos não produzem bens e serviços úteis que possam ser vendidos no mercado; os governos, em vez de produzir e vender serviços, vivem parasitariamente do mercado e da sociedade. Ao contrário de todas as outras pessoas e instituições da sociedade, o governo obtém sua receita da coerção: da tributação. Em épocas mais antigas e mais sãs, de fato, o rei era capaz de obter receita suficiente dos produtos de suas próprias terras e florestas particulares, bem como por meio de pedágios nas estradas. Para o estado conseguir uma tributação regularizada em tempo de paz foi uma luta de séculos. E mesmo depois que a tributação foi estabelecida, os reis perceberam que não poderiam facilmente impor novos impostos ou taxas mais altas sobre os antigos impostos; se o fizessem, era muito provável que uma revolução estourasse.
Controlando a oferta de moeda
Se a tributação está permanentemente aquém do estilo de gastos desejado pelo estado, como pode compensar a diferença? Obtendo o controle da oferta monetária ou, para ser franco, falsificando. Na economia de mercado, só podemos obter um bom dinheiro vendendo um bem ou serviço em troca de ouro, ou recebendo um presente; a única outra maneira de conseguir dinheiro é se engajar no custoso processo de extrair ouro do solo. O falsificador, por outro lado, é um ladrão que tenta lucrar com a falsificação, por exemplo, pintando um pedaço de latão para parecer uma moeda de ouro. Se sua falsificação for detectada imediatamente, ele não causará nenhum dano real, porém, na medida em que sua falsificação não for detectada, o falsificador poderá roubar não apenas dos produtores cujos produtos ele compra, pois o falsificador, ao introduzir dinheiro falso na economia, é capaz de roubar de todos, roubando de cada pessoa o valor de seu dinheiro. Diluindo o valor de cada onça (ou dólar) de dinheiro genuíno, o roubo do falsificador é mais sinistro e mais verdadeiramente subversivo do que o do salteador, pois ele rouba a todos na sociedade, e o roubo é furtivo e oculto, de modo que a relação de causa e efeito é camuflada.
Recentemente, vimos a manchete assustadora: “O governo iraniano tenta destruir a economia dos EUA falsificando notas de US$100”. Se os aiatolás tinham objetivos tão grandiosos em mente é duvidoso; os falsificadores não precisam de uma grande justificativa para obter recursos imprimindo dinheiro. Mas toda falsificação é de fato subversiva e destrutiva, além de inflacionária.
O que devemos dizer quando o governo assume o controle da oferta monetária, abole o ouro como moeda e estabelece seus próprios bilhetes impressos como a única moeda? Em outras palavras: o que devemos dizer quando o governo se torna o monopólio falsificador legalizado?
Não apenas a falsificação foi detectada, mas o Grande Falsificador, nos Estados Unidos, o Federal Reserve System, em vez de ser vilipendiado como um grande ladrão e destruidor, é saudado e celebrado como o sábio manipulador e regulador de nossa “macroeconomia”, a agência na qual confiamos para nos manter fora de recessões e inflações, e com a qual contamos para determinar taxas de juros, preços de capital e emprego. Em vez de ser habitualmente bombardeado com tomates e ovos podres, o presidente do Federal Reserve Board, quem quer que seja, seja o imponente Paul Volcker ou o apalermado Alan Greenspan, é universalmente saudado como o Sr. Indispensável para o sistema econômico e financeiro.
De fato, a melhor maneira de penetrar nos mistérios do moderno sistema monetário e bancário é perceber que o governo e seu banco central agem exatamente como um Grande Falsário, com efeitos sociais e econômicos muito semelhantes. Muitos anos atrás, a revista New Yorker, na época em que seus cartuns ainda eram engraçados, publicou um cartum de um grupo de falsificadores olhando ansiosamente para sua impressora enquanto a primeira nota de US$10 era impressa. “Rapaz”, disse um membro da equipe, “os gastos no varejo no bairro certamente serão incentivados”.
E são. À medida que os falsificadores imprimem dinheiro novo, os gastos aumentam em tudo o que os falsificadores desejam comprar: bens pessoais de varejo para si mesmos, bem como empréstimos e outros fins de “bem-estar geral” no caso do governo. Mas a “prosperidade” resultante é falsa; tudo o que acontece é que mais dinheiro elimina os recursos existentes, de modo que os preços aumentam. Além disso, os falsificadores e os primeiros destinatários do novo dinheiro podem pagar mais pelos recursos do que os pobres otários que estão no fim da fila de recebimento do novo dinheiro, ou que nunca o recebem.
O novo dinheiro injetado na economia tem um efeito cascata inevitável: os primeiros recebedores do novo dinheiro gastam mais e aumentam os preços, enquanto os recebedores posteriores (ou aqueles com renda fixa) descobrem que os preços dos bens que devem comprar aumentam inexplicavelmente; suas próprias rendas ficando para trás ou permanecem as mesmas. A inflação, em outras palavras, não apenas eleva os preços e destrói o valor da unidade monetária; também atua como um gigantesco sistema de expropriação dos últimos recebedores pelos próprios falsificadores e pelos outros primeiros recebedores. A expansão monetária é um esquema maciço de redistribuição oculta.
Quando o governo é o falsificador, o processo de falsificação não só pode ser “detectado”; ele proclama-se abertamente como estadista monetário para o bem público. A expansão monetária torna-se um gigantesco esquema de tributação oculta, o imposto recaindo sobre grupos de renda fixa, sobre aqueles grupos distantes dos gastos e subsídios do governo e sobre poupadores econômicos que são ingênuos e confiantes o suficiente para manter seu dinheiro, por terem fé no valor da moeda.
Os gastos e o endividamento são incentivados; parcimônia e trabalho duro são desencorajados e penalizados. Não só isso: os grupos que se beneficiam são os grupos de interesse especial que estão politicamente próximos do governo e podem exercer pressão para que o novo dinheiro seja gasto com eles, para que suas rendas possam subir mais rápido do que a inflação de preços. Empreiteiros do governo, empresas politicamente conectadas, sindicatos e outros grupos de pressão se beneficiarão às custas do público inconsciente e desorganizado.