Influência da Teoria do Valor no pensamento econômico

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  1. Origens gregas

A discussão sobre o valor é quase que primitiva, certamente acompanhou o desenvolvimento do comércio na antiguidade e prolongou-se através de uma dualidade que problematiza discussões até hoje. Há muito pouco para falar sobre o pensamento econômico da antiguidade, na verdade seria fácil resumir em breves comentários que pouco dizem além do que é conhecimento popular.

Neste contexto, a discussão sobre o valor já se fazia presente, como um ponto de encontro entre o que consideramos hoje como Ciência Econômica e Filosofia. Nos parece evidente que, a dualidade dita anteriormente já podia ser encontrada no pensamento antigo, como veremos. A coerência que a razão nos impele a seguir já guiava alguns pensadores que, mesmo com poucas ferramentas para investigação, já compreendiam que cada indivíduo através de suas preferências, valorava de maneira diferente as mercadorias. No sentido oposto, vários outros partiam para caminhos um tanto obscuros em uma busca alternativa para a explicação do que é valor. Este desvio da teoria coerente possibilitou o emergir das mais diferentes formas para definição de valor, a mais comum é a crença na extensividade, que culmina na teoria do valor-trabalho, que veremos de modo mais aprofundado posteriormente.

Nesse contexto, Os Trabalhos e os Dias de Hesíodo (Século VIII a.C), aparece como a primeira obra a trazer este reflexo do que se tornaria a Economia. O autor que sintetizou a gênese dos deuses gregos também possui escritos que fogem da temática mitológica, pelo menos em parte, pois naquele texto já vemos uma tendência à uma explicação racional, mesmo que não se desvencilhe completamente da explicação mitológica. Entretanto, como Murray Rothbard (1926 – 1995) apresenta em seu livro História do Pensamento Econômico: Uma Perspectiva Austríaca, o conceito de valor toma forma mais precisamente através de Demócrito (460 a.C. – 370 a.C.). Rothbard atribui a ele a positividade de ser o pai da teoria do valor subjetivo, porquanto se entende que em sua filosofia apenas valorações no âmbito moral e ético eram absolutas, as valorações econômicas eram puramente particulares. Evidente que se trata apenas de um esboço bastante primitivo do que viria a se tornar a teoria do valor posteriormente, ou mesmo uma formalização racional do saber popular.

  1. Aristóteles

A obra de Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.) dedicada à Economia, diferentemente do que é intuitivo pensar, não diz respeito ao seu Tratado de Economia Doméstica (que também tem sua autoria atribuída a Xenofante), visto que este trata de temas relacionados à administração doméstica e nacional, mas sim da Ética a Nicômaco. Em sua Ética, Aristóteles aborda temas como virtude, justiça, e, além disso, temas relacionados à Economia como a moeda (que em sua visão tem origem convencional, por lei) e, o que é de nosso maior interesse, o valor.

O que notamos primariamente nos excertos presentes no livro supracitado é a confusa busca por algum equilíbrio no que tange às relações de troca. Ele define que, como se parecesse óbvio, que para que toda e qualquer troca aconteça de forma justa, faz-se necessário que os bens permutados possuam igual valor. Temos, portanto, um elemento acrescentado, que segundo Murray Rothbard, é herança da tradição mística pitagórica. Este elemento, que se refere à igualdade, é problemático se encararmos com o ponto de vista moderno/austríaco. A noção que temos de troca não implica igualdade, muito pelo contrário, cremos que nesta relação cada uma das partes espera receber algo de maior valor do que aquilo que possuía anteriormente. Esse fato é óbvio como motivação para o ato de troca, é fato básico da ação humana, é necessário que na troca o indivíduo espere obter lucro e este atua como um motivador para o ato. Se existisse esta alegada igualdade, ninguém seria impelido a se envolver em uma troca. Este problema retornará posteriormente quando analisarmos o desenvolvimento da teoria no período moderno.

O conceito aristotélico de valor igual na troca está simplesmente errado, como a Escola Austríaca apontaria no final do século XIX. Se A troca sapatos por sacos de trigo de propriedade de B, A o faz porque prefere o trigo aos sapatos, enquanto as preferências de B são precisamente o oposto. Se uma troca ocorre, isso implica não uma igualdade de valores, mas sim uma desigualdade reversa de valores nas duas partes que fazem a troca. (ROTHBARD, s.d, p.43)

 Doravante, esta questão foi alvo de investigações de diversas partes, mesmo sendo carente de sentido, diversos pesquisadores perscrutaram o que realmente queria dizer Aristóteles com as equiparações presentes no livro V de sua Ética, em que é posto que a troca necessita de uma obscura igualdade entre os bens, ou mesmo, pois não fica claro, entre os produtores dos bens. São muitas as teorias, entre as mais tendenciosas há aquelas que dizem que o Filósofo postulou que o trabalho seria a fonte desta igualdade. Interessante é o fato de que, na verdade, o dinheiro é que tem a função de possibilitar essa igualdade: deve haver comensuração para haver permutação, a moeda faz esse papel de igualar bens diferentes. Consequentemente, é também importante notar que se é necessário um meio externo para que haja tal comensuração, a saber, a moeda, não deve existir uma substância em comum entre bens distintos que possa ser a fonte de valor entre eles. Há neste ponto uma tendência para se rejeitar a simpatia de Aristóteles pelo valor-trabalho ou qualquer outra teoria semelhante.

A dificuldade para entender os comentários de Aristóteles ao tema do valor é assustadora. Em trechos de outros livros se tem a marca subjetivista, retornando à Ética, em determinado ponto também do capítulo V temos comentários sobre a justiça envolvendo as trocas:

[…] é evidente que a ação justa é intermediária entre o agir injustamente e o ser vítima de injustiça; pois um deles é ter demais e o outro é ter demasiado pouco. A justiça é uma espécie de meio-termo, porém não no mesmo sentido que as outras virtudes, e sim porque se relaciona com uma quantia ou quantidade intermediária, enquanto a injustiça se relaciona com os extremos. (ARISTÓTELES, 2015, p.109)

Aristóteles traz à tona a ideia de que existem trocas justas e estas precisam seguir uma determinada regra: nenhuma das partes pode exceder em relação ao outro. É citado que na justiça reside toda virtude, assim, na troca injusta há um vício, algo contrário à virtude. Neste caso, há a o excesso de vantagem para um lado, enquanto há a excesso do que é prejudicial para o outro. Rothbard ressalta que a visão aristotélica não contempla o fato de que os indivíduos se envolvem voluntariamente em trocas “injustas”.

Em Ética a Nicômaco, Aristóteles defende que o justo se dá pelo proporcional, assim, as trocas justas são proporcionais. De um modo geral, sua teoria econômica é oscilante, em determinados pontos vemos um reflexo subjetivista, entretanto, a ideia predominante é de uma necessidade de proporção e igualdade nas relações de trocas. O “matematicismo” pitagórico, de algum modo, surge na Ética. A rigidez desta teoria que exige igualdade e proporcionalidade nas trocas se distancia de qualquer teoria que possa privilegiar a liberdade de permutação, em que na verdade o justo é o que respeita o contrato, que é livremente estabelecido pelos indivíduos envolvidos, e não uma regra aritmética estabelecida por um terceiro ou por leis naturais. Assim, embora sua contribuição em diversas áreas seja inegável, temos dificuldades em considerar o Estagirita como um percursor da teoria econômica moderna/subjetivista.

  1. Após Aristóteles

O ulterior desenvolvimento da Economia segue a passos lentos, são poucos os interessados na possibilidade de desenvolvimento de uma nova ciência social que tratasse de temas econômicos. O que vemos são excertos que refletem a sabedoria popular, o conhecimento natural da influência da oferta e da procura nas oscilações de preços, quando mais coerentes.

Como vimos, Aristóteles buscou aprofundar a pesquisa sobre o valor em sua Ética, sendo bem verdadeiro o fato de que pouco do que foi dito possui coerência e clareza. Na verdade, é muito difícil reconhecer a lógica exposta e isso levou diversos pesquisadores a se perderem em um labirinto que ora levava ao subjetivismo, ora ao objetivismo.

É notório que muitos também buscaram ir além e buscar incessantemente a essência do valor, ou o que seria o valor real das coisas. Na antiguidade, o que percebemos é que essas correntes permaneceram na marginalidade aparecendo ocasionalmente sem grandes influências posteriores.

  1. Desenvolvimento escolástico e Tomás de Aquino

No decorrer do pensamento cristão, as teorias sociais de um modo geral abraçaram a sabedoria natural do subjetivismo relativo ao valor, sendo poucos os desvios desta linha de pensamento. Embora tenham sido levados à consideração, principalmente por influência aristotélica, da crença de um preço justo e, além disso, que a justiça relativa às trocas se daria de forma semelhante à exposta na Ética a Nicomânco, eles tiveram importância crucial no desenvolvimento moderno da teoria.

O pensamento econômico de Tomás de Aquino (1225 – 1274) pode ser facilmente comparado ao parágrafo anterior. Não é possível afirmar com veemência que ele também foi um importante percursor do subjetivismo. Evidentemente, sua tradição foi aristotélica e, como também se pode esperar, levou consigo a teoria do Filósofo com todas suas dificuldades quanto ao bom entendimento. Segundo Rothbard, ele continua a ideia intuitiva sobre a influência da oferta e procura sobre os preços, sendo uma marca proto-austríaca, embora tenha acrescentado o elemento do custo na determinação de valor. Como não se escreviam tratados específicos para comentar assuntos relacionados à Economia, esta se viu primeiramente interligada com a Filosofia e agora com a Teologia. Citações soltas como aquelas que se referem aos custos se tornam objeto de discussões acerca das reais intenções de Tomás de Aquino ao tratar do assunto. Rothbard defende que na verdade ele poderia estar apenas tratando os custos como forma de determinar o lucro, e não como determinante do valor.

Embora se tenha diversas outras figuras importantes que deram prosseguimento à teoria, não nos é interessante delongar discussões mais importantes para comentar intelectuais que possuem poucas frases a respeito do tema interessado. Apenas se faz necessário, em conformidade com nossos objetivos, expressar que muitos foram os pensadores contemporâneos ou posteriores a São Tomás de Aquino que teceram comentários sobre o valor econômico e, na maioria dos casos, defendiam, claramente ou não, a ideia de subjetividade.

  1. Bernardino de Siena e Antonino de Florença

Não obstante, seria uma falta grave esquecer de comentar a respeito de dois escolásticos italianos: Bernardino de Siena (1380 – 1444) e Antonino de Florença (1389 – 1459). Ambos foram contemporâneos e, como seus predecessores, não desvinculavam seus escritos sobre Economia dos livros de Teologia. O fato marcante é que eles herdaram a tradição que remontava a Tomás de Aquino, entretanto, ao encarar o problema do valor, conseguiram explicar com perfeita coerência e clareza.

O historiador belga Raymond de Roover (1904 – 1972) cita em San Bernardino of Siena and Sant’Antonino of Florence: the Two Great Economic Thinkers of the Middle Ages fatores predisponentes como possíveis determinantes para que os dois teólogos pudessem chegar em suas conclusões, especialmente o local onde nasceram. É importante notar que ambos foram contemporâneos do avanço do capitalismo nas cidades da península itálica e, provavelmente, a possibilidade de visualizar o crescimento econômico em uma sociedade progressivamente mais livre permitiu-lhes encarar de outro modo a questão[1].

Mesmo que Bernardino e Antonino sejam os mais relevantes e por esse motivo focaremos a análise em ambos, é provável que o primeiro escolástico a expor a ideia de utilidade quanto a determinação do valor tenha sido o teólogo francês Pierre de Jean Olivi (1248 – 1298), porém nos abstemos de comentá-lo devido a inacessibilidade de sua obra. A dificuldade que encontramos é a seguinte: No texto de Raymond de Roover, Bernardino aparece como autor da teoria sobre valor que veremos a seguir, entretanto, se assume que ele herda de Olivi. Em Rothbard já temos um comentário mais contundente a respeito da originalidade de Olivi.

Bernardino examina o tema do valor no livro Dos Contratos e da Usura, em que aborda assuntos de matéria econômica sempre pautados pela ética. Esta é uma característica marcante nos filósofos medievais, a ética está sempre delimitando qualquer discussão social e, embora consideramos uma positividade o fato de estabelecerem suas teorias econômicas pautadas pelo edifício ético cristão, a conjunção de trechos provenientes da ética aristotélica com a má interpretação de excertos de difícil de interpretação da Bíblia levaram a maioria destes teólogos a condenarem por séculos práticas como o empréstimo com juros como usura.

São Bernardino brilha ao demonstrar sistematicamente a definição de valor econômico, sendo este composto, segundo ele, de utilidade, escassez e desejabilidade. Aqui não há mais discussões acerca da incompreensibilidade do que o autor quis dizer, nem mesmo obscuridade na busca de uma essência objetiva para o valor: Bernardino deixa claro que o valor é algo puramente subjetivo. Joseph Schumpeter (1883 – 1950) descreve Bernardino em História da Análise Econômica como “o primeiro homem a quem é possível atribuir uma visão compreensível do processo econômico” (SCHUMPETER, 1997, p.98). Facilmente podemos colocá-lo como um predecessor da teoria econômica moderna, porquanto sua definição é de fato muito coerente, apenas não incluindo o elemento marginalista, que apenas surgiria no pensamento econômico no século XIX.

São Bernardino dá sua contribuição mais importante ao afirmar que o valor se compõe de três elementos: (1) Utilidade (virtuositas); (2) escassez (raritas); e (3) prazer ou desejabilidade (complabilitas). Sobre o significado de escassez, não há problema e é lógico que quanto mais raros os bens, mais valiosos eles são. […] Virtuositas é, explica ele, uma virtude, ou propriedade inerente aos próprios bens, de satisfazer, direta ou indiretamente, as necessidades humanas. Pode, portanto, ser definida como utilidade objetiva. A complacibilitas é inegavelmente um fator subjetivo que depende do humor e da preferência do consumidor. Como explica San Bernardino, é o prazer maior ou menor que melhor se traduz como desejabilidade. […] (ROOVER, 1967, p.23)  

 É interessante notar que ele divide a utilidade em objetiva e subjetiva, o que é estranho ao posterior desenvolvimento da teoria, mas que permanece em Antonino e outros escolásticos. A utilidade objetiva se trata daquela universal aos bens econômicos. Por outro lado, a utilidade subjetiva corresponderia, portanto, aos desejos e valorações particulares que cada indivíduo realiza. Por exemplo, um determinado bem pode ser útil e demasiadamente valorado, entretanto, para determinadas pessoas ele pode simplesmente não ser desejado. Estamos, como é perceptível, em frente de uma dualidade: na utilidade se atualiza fatores objetivos e subjetivos, ambos se complementam, embora sejam fatores opostos. Veremos posteriormente como esta ideia pode se desenvolver.

Ademais, ele foi capaz de resolver o que posteriormente foi alcunhado como paradoxo do valor e que confundiu diversos economistas de maior renome, como veremos. O fato de um diamante valer mais que mais que a água, embora esta seja de maior utilidade, pode ser explicado através da ideia de escassez que compunha sua teoria do valor.

Antonino de Florença, como discípulo de Bernardino, deu prosseguimento às ideias do mestre, sendo que para Murray Rothbard a grande contribuição daquele foi a disseminação de ideias, apesar que a teoria subjetivista do valor não alcançou nenhum grande patamar de popularidade para se tornar uma ideia ortodoxa até o século XIX. O que se segue é que ela ressurgia ocasionalmente e, também ocasionalmente, caía em desuso.

Como corolário da teoria do valor subjetivo, Roover aponta que Antonino defendia a ideia também associavelmente moderna de agentes tomadores de preço em competição no mercado. Além disso, a ideia de custos aparece apenas como uma referência para assinalar se um determinado empreendimento é viável, excluindo-se a possibilidade de ser um determinante do preço em livre concorrência.

Outra confirmação é encontrada em outra declaração de Santo Antonino, que diz que um comerciante não tem permissão para fixar seu próprio preço e pode ter que se resignar às vezes a uma perda, uma vez que suas mercadorias podem valer mais ou menos, dependendo de serem escassas. ou abundantes e se são difíceis ou fáceis de encontrar. (ROOVER, 1967, p.33)    

  1. Escolásticos espanhóis.

Os filósofos da chamada Escola de Salamanca também desempenharam a mesma função de Antonino de Florença. Herdando o conhecimento de seus predecessores italianos, eles se destacaram em desenvolver e disseminar a teoria social/econômica subjetivista.

Como cientistas sociais foram célebres ao analisar o imbróglio geopolítico da época, inserindo o período de desenvolvimento espanhol em uma teoria econômica coerente. Jesús Huerta de Soto (1956 -), também espanhol, defende em A Escola Austríaca que os filósofos da Escola de Salamanca podem ser considerados os mais legítimos percussores da Escola Austríaca. Entre os nomes mais importantes ele cita Diego de Covarrubias (1512 – 1577), Martín de Azpilcueta (1492 – 1586) e Juan de Mariana (1536 – 1624).

  1. Reforma Protestante

Prosseguindo cronologicamente nossa análise, chegamos agora na Reforma Protestante e seu impacto no pensamento econômico. O luteranismo, com seu tom messiânico, considerava o trabalho como um chamado, algo quase que inerente ao pleno desenvolvimento pessoal.

O papel do calvinismo é ainda mais relevante, porquanto exerceu grande influência especialmente nos economistas ingleses e escoceses. Em A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, Max Weber (1864 – 1920) associa o desenvolvimento do capitalismo com os elementos culturais que emergiam das comunidades ascéticas, especialmente das calvinistas. Rejeitamos esta posição enquanto se propõe a explicar o desenvolvimento econômico moderno, não obstante, é positiva a análise feita quanto ao comportamento daquelas seitas.

Weber propõe que o protestantismo ascético tem o trabalho profissional como um meio de alcançar a ascese religiosa. A sobrevalorização da prática laboral é basilar na formação do pensamento econômico socialista, especialmente aquele de forma autoritária.

  1. Richard Cantillon

Richard Cantillon (1680 – 1734) foi um economista irlandês tido pelos nossos predecessores austríacos como o pai da teoria econômica moderna. Sua principal obra, Ensaio Sobre a Natureza do Comércio, é inovadora ao desvincular a Ciência Econômica da tutela dos tratados de Teologia e Filosofia. É importante não criar uma confusão quanto essa desvinculação, porquanto não tratamos de abstrair da Economia o fator multidisciplinar que a enriquece, mas sim desta ganhar a possibilidade de se desenvolver como uma ciência única, que atualize também suas particularidades.

Diferentemente dos economistas ingleses e escoceses, Cantillon não sofre a mesma influência protestante que se revelou, como veremos, nociva. Poderíamos ainda dizer que Cantillon dá, de alguma forma, prosseguimento à tradição dos escolásticos em sua obra, incluindo elementos novos. No capítulo que mais nos é interessante de sua obra, ele propõe o conceito de valor intrínseco de um bem. O valor intrínseco consistiria no custo necessário para a produção que, consequentemente, seria um determinante do preço. Pode-se especular que o preço real tende ao equilíbrio que se sustenta no valor intrínseco objetivo, contrariamente, ainda no mesmo capítulo, Cantillon ressalta fatores subjetivos quando defende que o valor intrínseco não se atualiza em todos casos, como regra, pois a escolha final sempre dependia de valorações subjetivas individuais.

Tais considerações e exemplos permitirão, acredito, que se compreenda que o preço ou o valor intrínseco de uma coisa tem como medida a quantidade de terra e de trabalho que entram na sua produção, levando-se em conta a qualidade ou o rendimento da terra e a qualidade do trabalho. Ocorre frequentemente que várias coisas que atualmente têm valor intrínseco não se vendem no mercado segundo este valor: isto dependerá do capricho e das fantasias dos homens, e do consumo que farão. (CANTILLON, 2002, p.33)

  1. Adam Smith e Ricardo

Considerado pela maioria dos economistas como o pai da Ciência Econômica moderna, Adam Smith (1723 – 1790) revela através de sua teoria do valor-trabalho a influência protestante em sua obra. A verdade é que Smith foi o primeiro a emergir com essa ideia do plano marginal que estava relegada, em toda história do pensamento econômico o que vemos são pequenos excertos que ressurgem aparentemente desconectados em figuras na maioria das vezes pouco importantes, levantando suposições pouco claras a respeito do trabalho ser um fundamento do valor econômico.

Em A Riqueza das Nações o trabalho não é apenas uma forma de atingir a ascese religiosa como vimos anteriormente na cosmovisão ascética protestante, mas transforma-se, portanto, na fonte verdadeira do valor.

Ainda no começo de sua magnum opus, Smith considera duas formas à definição de valor: valor de uso e valor de troca. O valor de uso corresponde à utilidade, enquanto que valor de troca consiste no preço adquirido pelo bem. Segundo ele, ambos seguem uma proporção inversa: quanto maior o valor de uso, menor o valor de troca, ou seja, bens que são extremamente úteis têm, geralmente, menor preço. O principal objetivo dos primeiros capítulos de seu livro consiste em perscrutar a “essência” do valor de troca.

No capítulo 5 temos a genitura daquele que talvez seja o maior erro da história do pensamento econômico. Contra a tradição que se desenvolvia desde a antiguidade grega, Smith inova negativamente postulando que o trabalho é “medida real do valor de troca de todas as mercadorias”. (SMITH, 2017, p.43) Assim, mercadorias que têm a mesma “quantidade” de trabalho podem ser permutadas. A quantidade de trabalho se dá pelo tempo necessário para produzir um determinado bem e por quão árdua é esta produção. Portanto, quanto mais complexo o produto, mais valor ele “contém”, independentemente do quão útil ou desejado ele seja. Ele chega a afirmar que o trabalho é o preço real, enquanto que o dinheiro é apenas o preço nominal.

No capítulo posterior a análise segue com corolários das conclusões iniciais sobre o valor. O preço, segundo se diz, é composto de três fatores, a saber: trabalho, renda e lucro. Esta composição se atualiza mais perfeitamente em sociedades desenvolvidas, sendo que em sociedades primitivas o preço de mercado é composto apenas pelo trabalho. Neste último caso, ao trabalhador pertence o produto de seu trabalho, naturalmente.

Adam Smith enfrenta o problema da flutuação que se verifica nos mercados com relação ao valor de troca, ou preço, e, para isto, dificulta cada vez mais o entendimento de sua teoria. É introduzido o conceito de preço natural, que aparentemente se identifica com o valor de troca, consistindo no quão custosa ou trabalhosa se dá determinada produção. Para ele, como se vê, o preço real ou de mercado oscila em torno do preço natural, sempre tendendo a este, por algum motivo inexplicado. Porém, é explicado o motivo para tal oscilação que consiste na interação entre oferta e demanda dos produtos. Há aqui, finalmente, alguma positividade em sua obra que segue ofuscada pela base incoerente.

O preço de mercado de toda mercadoria é regulado pela proporção entre a quantidade que é realmente trazida ao mercado e a demanda daqueles que desejam pagar o preço natural da mercadoria, ou todo o valor da renda, trabalho e lucro, que deve ser pago de modo a poder trazê-la. (SMITH, 2017, p.65)   

Esta oscilação se apresenta como um elemento subjetivista que é determinado pela procura de produtos que, no final das contas, é determinada pelos “caprichos” humanos e a oferta, mas Smith segue afirmando que embora isto exista, o preço vai sempre tender ao preço natural, o custo, por algum motivo obscuro. Como notamos, é essa ideia um corolário do valor determinado pelo trabalho, pelo custo, e contrariando toda coerência, Smith não prevê situações em que um produto deixa de ser valorado, mas não perde a “quantidade” necessária de trabalho para fabricá-lo.

O chamado “Pai do Liberalismo” demonstra em sua vida a falsidade de qualquer ideologia baseada no “meliorismo”[2] no campo das ideias. Tínhamos um crescente desenvolvimento da teoria econômica que, embora ainda não se desvinculasse de outros campos do conhecimento, se tornava um corpo coerente, como vimos. Em Richard Cantillon ainda se verifica esta crescente melhora, em Adam Smith temos uma ruptura, uma ideia que por seu abstracionismo consideramos como primitiva retorna com face científica e impacta permanentemente a Ciência Econômica.

O prestígio adquirido por Smith ainda perdura, independentemente da validade de sua teoria, ele é beatificado no panteão dos intelectuais com a privilegiada posição de “Pai da Ciência Econômica”. Seu sucessor mais notável, David Ricardo (1772 – 1823), deu continuidade à teoria do valor trabalho em sua principal obra Princípios de Economia Política e Tributação.

Antes de continuar tomamos a liberdade de fazer um importante adendo. A teoria do valor é o tema mais basilar de qualquer tratado sobre Economia, por esse motivo, em todos tratados que já analisamos, os artigos direcionados a este tema estão sempre no início. Tal fato ocorreu em Cantillon, Smith, agora ocorre em Ricardo, e nos economistas que serão posteriormente comentados também. A teoria nasce a partir do conceito de valor, e quando este é incoerente todo edifício intelectual almejado cai por carência de bases logicamente seguras.

Ricardo dá início à sua obra com a terrível frase: “O valor de uma mercadoria, ou a quantidade de qualquer outra pela qual pode ser trocada, depende da quantidade relativa de trabalho necessário para sua produção […]”. (RICARDO, 1996, p.23).  Aqui se faz questão de deixar claro, como um pré-marxista, que a utilidade só tem importância para determinar se o objeto é de fato um bem econômico: sem utilidade não há valor de uso nem de troca. Consequentemente, o valor de troca nada mais tem a ver com a utilidade, é integralmente definido por dois fatores: Trabalho e oferta.

Para não dizer que só há negatividades, o fator oferta é atualizado. Para Ricardo, existem mercadorias que apenas dependem da escassez, como por exemplo peças raras que foram produzidas há muito tempo. Neste caso pouco importa o quanto de trabalho foi dispendido, o preço desse tipo de mercadoria varia de acordo com a oferta que se verifica no mercado, a preferência pessoal é desconsiderada.

Os grandes nomes do liberalismo clássico, ironicamente, na verdade foram os predecessores do marxismo como veremos a seguir. A maior complexidade deste fato se dá especialmente por um problema semântico, assim, se criou um espantalho sobre a definição de “liberalismo”, em que quem quer que seja que defenda um mínimo de liberdade já se enquadra neste conceito. De fato, Smith e Ricardo defenderam pautas como a importância do livre comércio e da divisão do trabalho para o desenvolvimento econômico, porém, também não foram originais. Por outro lado, foram defensores de um Estado regulador que se ocupa da vida de seus súditos e, neste ponto, só divergem de Marx em grau, porquanto os valores são semelhantes.

  1. Karl Marx

A discussão sobre a “substância” do valor ganha tal complexidade em Karl Marx (1818 – 1883) que seria necessário um trabalho dedicado apenas à sua obra. O reconhecimento desta complexidade não diz respeito à qualidade e coerência de sua teoria, mas sim à extensão dos problemas gerados e influência que tiveram no pensamento econômico posterior.

Como já observamos anteriormente, Marx se nutre na inoficiosa herança do valor-trabalho deixada pelos liberais clássicos. Em O Capital, segundo a forma como enxergamos, tem-se apenas a teoria primariamente exposta por Adam Smith levada às últimas consequências.

O mais básico a se notar na obra de Marx é que o valor, como algo objetivo como postulado pelos liberais, é dotado de substância. Como se observa nas Categorias de Aristóteles, substância se trata daquilo que permanece no ente, em oposição aos seus acidentes. Portanto, a substância do valor seria o trabalho, ou seja, aquilo que não se altera, que sub está. Por ser esta substância que, redundantemente, é invariante, o trabalho se torna o único fator que se identifica em todas as mercadorias e, deste modo, é capaz de igualar qualquer mercadoria, como por exemplo: um casaco = três sapatos. Para o ideólogo comunista, tal relação só é possível porque em um casaco há o mesmo quantum de trabalho que nos três sapatos.

O quantum de trabalho consiste no tempo médio para se produzir a mercadoria: se o trabalhador demora 10 horas para produzir um bem que, em média leva 5 horas, ele desperdiça 5 horas de trabalho em sua ineficiência, pois seu produto deverá valer apenas o tempo de trabalho socialmente necessário.

Como víamos em Ética a Nicômaco, Aristóteles definia que a troca exige uma certa igualdade entre os bens permutados, entretanto, não fica claro como tal igualdade se possibilitaria. Sem uma solução viável, Aristóteles considera a necessidade de uma outra mercadoria para permitir que bens diferentes se igualem: a moeda. Em O Capital este problema retorna e a proposta é que a medida definitiva do valor, o trabalho, é que possibilita que qualquer bem econômico seja igualado a outro, obviamente através da quantidade de trabalho que “possuem”. Esta igualdade, em última instância, não contempla a ideia de desigualdade em que cada parte valoriza mais o que irá receber do que aquilo que cede no ato de troca.

O valor de uso consiste, como em David Ricardo, apenas em uma condição necessária para que se tenha um bem econômico. Sendo esta condição satisfeita, o valor se atualiza apenas com o valor de troca, que se fundamenta no quantum de trabalho. Após dispendido, o trabalho é como uma geleia, amorfa, uma entidade abstrata e indiferenciada, que se apossa de qualquer objeto e o transforma em um objeto de valor, se a condição de valor de uso for satisfeita.

Pela primeira vez, esse mesmo valor aparece verdadeiramente como geleia de trabalho humano indiferenciado. Pois o trabalho que o cria é, agora, expressamente representado como trabalho que equivale a qualquer outro trabalho humano, indiferentemente da forma natural que ele possua e, portanto, do objeto no qual ele se incorpora, se no casaco, ou no trigo, ou no ferro, ou no ouro etc. (MARX, 2011, p.116)

Este fetichismo com relação ao trabalho transforma-o, sem exagero com o termo, em uma entidade mágica. Toda esta abstração é revestida com ares de cientificismo, e o profeta esclarecido prega com veemência suas verdades e conclui aquela que deve ser a mais nociva das suas contribuições ao pensamento econômico: a mais-valia. Entendemos que a mais-valia é um corolário da teoria do valor-trabalho dos liberais clássicos, se levada às últimas consequências. E nesse ponto, Marx é apenas um pupilo que explora o máximo que a teoria de seus predecessores poderia oferecer.

A mais-valia se trata do lucro que retorna ao capitalista sem geração adicional de valor no produto. Como o valor só poderia ser adicionado por unidades adicionais de trabalho, o lucro obtido sem esta adição de trabalho não pode corresponder ao valor verdadeiro, mas sim a um excedente. Para Marx o capitalista “quer produzir não só um valor de uso, mas uma mercadoria; não só valor de uso, mas valor, e não só valor, mas também mais-valor” (MARX, 2011, p.194). Esse ato de ganhar dinheiro sem produzir fundamenta sua ideia de exploração, que sem dúvidas fornece uma das principais bases teóricas para seu Manifesto do Partido Comunista. A classe proletária é explorada, e cientificamente estaria provado, agora o emergir do oprimido se faz mais do que nunca necessário.

Mário Ferreira dos Santos (1907 – 1968) em Análise de Temas Sociais Volume II aponta que a teoria marxista do valor é falha quanto à lógica, pois analisa algumas mercadorias que são fruto do trabalho e assim conclui que todas mercadorias têm seu valor derivado do trabalho. Há bens que são fruto do trabalho e são valorados e há bens que não fruto de trabalho e também são valorados. O que todas mercadorias têm em comum não é a procedência laboriosa, mas sim a utilidade que dispõe às necessidades humanas. No mesmo livro, ele ainda aponta que a segunda falha seria considerar que o capital é improdutivo[3].

Os economistas verdadeiramente liberais objetaram posteriormente acerca da invalidade da mais-valia, argumentando que a fonte do lucro não se repousava em um ato pernicioso como defendia Marx. O fator risco, que foi desestimado em O Capital, agora adquire feição nova ao justificar o lucro do empreendedor. Este último, carrega na semântica de sua alcunha a ideia de um agente que inova, empreende, e justifica seus lucros pois é responsável por identificar novos processos que satisfaçam as necessidades dos outros indivíduos. O ressurgimento da ideia de utilidade no pensamento econômico com a Revolução Marginalista no final do século XIX ressaltou o papel do empreendedor e justificou seus lucros, como veremos posteriormente. Resultado da imaginação ou não, diz-se que após as publicações de Carl Menger (1840 – 1921), Marx teria se retirado e abandonado definitivamente O Capital. Abstendo-nos de avaliar a veracidade deste fato, apenas concordamos com o simbolismo apresentado: A teoria do valor-trabalho agora sucumbiria para o plano do ideologismo extremado, perdendo seu prestigio científico, emergia como base teórica para os regimes autoritários do século XX.

11. Visão antinômica/dualista

A teoria econômica que chamamos aqui de antinômica ou dualista é proposta por Mário Ferreira dos Santos em quase todos livros de sua coletânea sobre temas socias. Como vemos em Filosfia da Crise, as antinomias são positividades que se opõem, mas não se contradizem. “[…] Na contradição, um termo afirmado recusa a validez da realidade a outro. Na antinomia, afirmativa de um não recusa a validez da existencialidade do outro […]”. (SANTOS, 2017, p.48) Segundo esta teoria, o valor atualiza-se antinomicamente, é tanto valor de uso quanto valor-trabalho[4].

Ressaltamos que essa ideia de se igualar a influência tanto intensiva (utilidade) quanto extensiva (custos/trabalho) parte inicialmente do filósofo anarquista Pierre-Joseph Proudhon (1809 – 1865). Proudhon inicialmente foi a principal autoridade intelectual para Marx que, por divergências ideológicas e morais, separa-se do socialismo anárquico para sua defesa do socialismo autoritário.

O caráter intensivo do valor se atualiza nos mercados, através dos indivíduos que atuam com o intuito de obter a maior satisfação possível com o menor dispêndio. A intensividade do valor se refere à sua subjetividade, à valoração que os indivíduos fazem a cerca dele. Mário Ferreira dos Santos traz à tona em sua obra, além da direção intensista, o lado extensista.

Assim sendo, o valor de um bem econômico se atualiza de modo antinômico (para bem simplificar, como se houvesse uma tendência ao equilíbrio entre as duas faces antagônicas) através da concomitância entre os lados intensista e extensista. A extensidade do valor econômico se daria segundo Mário, não pelo tempo médio de trabalho necessário – como descreve Marx e veremos adiante -, mas pelos custos de produção requeridos para a produção de um determinado bem.

Em Análise de Temas Sociais, Mário explica que tal antinomia se explicita nos mercados, entre consumidores e produtores. Enquanto os produtores veem apenas seu lado, os seus custos, o caráter quantitativo, os consumidores identificam apenas a utilidade do que vão adquirir.

Essa oposição se afirma na sociedade, na separação entre consumidores e produtores. Quem consome olha sobretudo o valor de uso, mas considera como uma dificuldade, um oposto, um óbice, o valor de troca, que interessa, sobretudo, a quem produz. É natural esse choque numa sociedade onde consumidores e produtores estão separados, têm interesses opostos. (SANTOS, 1962, p.201)

A teoria das antinomias da razão, exposta sinteticamente em Filosofia e Cosmovisão se aparenta extremamente convincente para tratar dos mais diversos temas filosóficos, não obstante, quando nos deparamos com sua aplicação na teoria do valor, não nos satisfazemos.

A posição que adotaremos aqui retorna a Bernardino de Florença. Lembremos que ele defendia que a utilidade era caracterizada por uma dualidade entre utilidade objetiva (virtuositas) e subjetiva/desejabilidade (complabilitas). Esta última refere-se ao conceito que temos de valor subjetivo, a virtuositas corresponde à condição necessária para se ter um bem econômico, ou seja, é necessário que seja útil. Embora tenhamos aqui esta dualidade entre utilidade objetiva e subjetiva, não consideramos que haja uma antinomia, nem tampouco uma contradição, pois virtuositas se trata apenas de uma condição, que é comum a todos bens, esta condição que se verifica em todas mercadorias substitui a posição do trabalho, que foi defendida em O Capital, apenas complabilitas pode ser ordenada em graus de preferência. Segundo nossa visão, complabilitas, o valor subjetivo clássico, não atualiza esta dualidade antinômica, é determinado apenas julgamentos, desejos, ou seja, apenas pelo lado intensivo.

Afinal, o que se nota, geralmente, é um grande mal entendido entre o que é valor e o que é preço.  Deste modo, consideramos que, embora os custos sejam uma realidade que o produtor deve encarar em seu cotidiano, estes são apenas uma bússola que o direciona quanto à viabilidade de empreendimentos. No final das contas só se produz o que tem valor, que, como notamos, é apenas subjetivo, e no processo de troca temos a formação do preço, influenciado por demanda e oferta. Se um processo se torna mais custoso, aqueles que subestimam o produto tendem a deixá-lo, portanto, perde-se demanda. A demanda só existe para o que é avaliado, para o que tem valor, portanto é um fator subjetivo. Na livre concorrência o principal objetivo do empreendedor é buscar meios de suprir as demandas de seus clientes, estes não se preocupam com os custos que o empreendedor tem, como se elucida em Ação Humana, de Ludwig von Mises (1881 – 1973), os indivíduos agem com intuito individualista de buscarem maximizar suas satisfações, o homem age buscando sempre o maior lucro, a maior satisfação, e em pouquíssimos casos se compadece com o produtor que identificou erroneamente a demanda para determinado produto e, assim exacerbou seus custos.

  1. Visão austríaca

Em Princípios de Economia Política, Carl Menger, considerado um dos pais da teoria marginalista, expõe pela primeira vez de modo claro e com rigor científico que toda valoração é subjetiva, além de acrescentar à teoria o elemento marginal, ou seja, o quanto se altera a valoração com o acréscimo de uma unidade de um bem. Esta alteração na valoração é decrescente, quanto mais unidades se acrescenta, menor é a utilidade proporcionada pela última unidade. Um exemplo comum é o caso de um desenhista que, ao se dispor de folhas em branco, naturalmente utilizará uma destas para fazer seu desenho (maior utilidade), algumas serão para esboços (menor utilidade), e no final, pode ser natural que algumas folhas sejam descartadas por não serem úteis, portanto, não têm valor. Para simplificar ainda mais, outro exemplo seria: unidades adicionais de um alimento seriam cada vez menos satisfatórias para saciar a fome.

Embora atualmente estas constatações possam parecer um tanto óbvias, no século XIX a teoria subjetivista ainda sucumbia em detrimento dos ideologismos socialistas que se nutriam na inconsistência dos liberais clássicos. Com a chamada Revolução Marginalista, protagonizada por Menger, a ideia de valor subjetivo, que havia sucumbido após os últimos escolásticos medievais, apenas com ocasionais aparições como em Cantillon, surgia agora definitivamente, conjuntamente com o inovador elemento da utilidade marginal, para consolidar o pensamento econômico moderno. A partir de então, com a definição de utilidade marginal seria possível resolver problemas insolúveis para os predecessores, como o antigo paradoxo do valor da água e do diamante.

O fato é que com a gênese da Escola Austríaca de Economia, a tradição subjetivista que nasce na Grécia e se desenvolve com os escolásticos renasce e se torna a teoria ortodoxa no campo econômico, especialmente durante o período de maior vigor para os austríacos, do final do século XIX até o início do século XX. Este marco finalmente possibilitaria o desenvolvimento coerente da teoria econômica.

Assim, todos aqueles erros propagados pelas ideologias com disfarce científico caíam por terra no âmbito intelectual, o subjetivismo austríaco era capaz de desmentir a mais-valia, explicando o porquê do lucro, considerava o papel do empreendedor e a importância do livre mercado. Não obstante, no campo político as ideologias venciam e se propagavam através de regimes cada vez mais autoritários, o valor-trabalho se mostrou muito mais afeiçoável às grandes massas, o socialismo o transformava em verdade e com isto iludia os trabalhadores com a falsa veneração do trabalho.

  1. Teoria moderna e neoclássicos

A Escola Austríaca permaneceu como mainstream por um breve interim até o advento do matematicismo positivista representado especialmente pela Escola Neoclássica. Agora a teoria econômica necessitava incorporar toda formalidade matemática para se tornar verdadeiramente científica. A defesa do subjetivismo pelos austríacos impossibilita o rigor matemático: Em um mundo dinâmico no qual as decisões particulares e individuais influenciam os mercados reina a incerteza e a constante mudança, e é isto que a metodologia austríaca busca captar.

Doravante, com o advento da influência positivista nas ciências sociais, temos um concomitante advento abstracionista em que se atualiza apenas o que é extensivo. O valor ainda é, em tese, algo subjetivo, mas os modelos se baseiam sempre em estados de equilíbrio que se atualizam de modo puramente mecanicista, como se os indivíduos fossem meros autômatos. Acontece que as valorações estão continuamente em mudanças, se atualizam constantemente e assim afetam os preços nos mercados.

Os manuais modernos de Economia apenas tratam de abstrações, de estados de equilíbrio e equações matemáticas que exprimem um mundo ideal. Como mera representação a abstração tem valor ilustrativo, como retrato fiel da sociedade não dizemos o mesmo.

 

***

Embora tenhamos alcançado verdades importantes sobre o tema do valor, estas ainda não se consolidaram, como vimos. Há duas posições que urgem ser combatidas: no campo político, o valor-trabalho fornece combustível para o populismo nocivo que ressurge, enquanto que no âmbito acadêmico o positivismo domina e impede o avanço das ideias favoráveis ao livre mercado.

Assim como há duas frentes de embate, também há duas tarefas importantes para dois grupos distintos: Aos que se debruçam a estudar a Ciência Econômica é mister a defesa intransigente da teoria fundamentada e verídica, quanto aos leigos, cada vez mais se faz necessário que se informem e afastem-se das vilezas propostas pelos disseminadores de falsas ideologias.

 

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Martin Claret, 2015.

CANTILLON, Richard. Ensaio Sobre a Natureza do Comércio em Geral. Segesta, 2002.

MARX, Karl. O Capital. Boitempo, 2011.

MENGER, Carl. Princípios de Economia Política. Instituto Rothbard, s/d. RICARDO, David. Princípios de Economia Política e Tributação. Nova Cultural, 1996.

MISES, Ludwig von. Ação Humana, Instituto Rothbard, 2010.

ROOVER, Raymond de. San Bernardino of Siena and Sant’Antonino of Florence the Two Great Economic Thinkers of the Middle Ages. Baker Library, 1967.

ROTHBARD, Murray. História do Pensamento Econômico: Uma Perspectiva Austríaca. Editora Konkin, s.d.

SANTOS, Mário Ferreira dos. Análise de Temas Sociais Volume II. Logos, 1962.

SANTOS, Mário Ferreira dos. Filosofia da Crise. É Realizações, 2017.

SCHUMPETER, Joseph. Teoria do Desenvolvimento Econômico. Nova Cultural, 1997.

SMITH, Adam. A Riqueza das Nações. Nova Fronteira, 2017.

SOTO, Jesús Huerta de. A Escola Austríaca. Instituto Rothbard, s.d.

WEBER, Max. A Ética Protestante e o “Espírito” do Capitalismo. Companhia das Letras, 2004.

 

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Notas

[1] Há um debate acerca do surgimento do capitalismo. Max Weber defende que só surgiu após a Reforma Protestante, Marx crê que surgiu a partir de uma ruptura com as instituições medievais, por exemplo. Não avaliamos como correta nenhuma destas opções, na verdade, é muito mais razoável a ideia de capitalismo como um sistema natural que se desenvolve plenamente quando o ambiente é favorável. No caso das cidades italianas no decorrer da Idade Média Tardia, o crescimento econômico e o concomitante desenvolvimento capitalista se deu através do crescente grau de liberdade, especialmente no que tange ao comércio.

[2] O meliorismo prega que o mundo tende para a progressiva melhora em decorrer do tempo.

[3] Embora tenhamos citado Mário Ferreira dos Santos e com razão, especialmente por sua completa análise do marxismo, analisaremos adiante que sua teoria, na verdade, não defendia integralmente o valor utilidade.

[4] Já tínhamos comentando seu trabalho direcionado à Economia e Ciência Política em Análise do Pensamento Econômico e Político de Mário Ferreira dos Santos, entretanto, agora a observamos cronologicamente e especialmente ao que tange à teoria do valor

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