Quando os defensores da liberdade argumentam que os governos não devem tributar seus cidadãos, uma resposta comum é: “Nesse caso, quem construirá as estradas?” Existem muitas respostas boas para isso, explicando as várias maneiras pelas quais a indústria privada pode fornecer uma rede rodoviária melhor do que os governos, se deixada livre. Mas há uma pergunta que muitas vezes não é feita: “Será que queremos estradas?”
O Sistema de Rodovias Interestaduais americano custou US$ 558 bilhões para ser construído (em dólares de 2021). Os defensores do sistema afirmam que ele impulsionou a economia por meio de transporte mais rápido e aumentou os preços das casas e a criação de empregos. Mas, como explico em meu recente artigo da Substack, isto também teve efeitos extremamente negativos, incluindo a destruição da indústria ferroviária, a demolição de grandes quantidades de casas e outras propriedades e a dizimação das economias do centro da cidade.
Mas essas são apenas as consequências visíveis. Há também efeitos invisíveis a serem considerados. Nas palavras de Frédéric Bastiat (1801-1850) em sua famosa obra O que se vê e o que não se vê:
Na esfera econômica, um ato, um hábito, uma instituição, uma lei não geram somente um efeito, mas uma série de efeitos. dentre esses, só o primeiro é imediato. Manifesta-se simultaneamente com a sua causa. É visível. Os outros só aparecem depois e não são visíveis. . . . O que acontece quase sempre é que, quando a consequência imediata é favorável, as consequências posteriores são funestas e vice-versa. daí se conclui que o mau economista, ao perseguir um pequeno benefício no presente, está gerando um
grande mal no futuro. Já o verdadeiro bom economista, ao perseguir um grande benefício no futuro, corre o risco de provocar um pequeno mal no presente.
Quais efeitos invisíveis o “pequeno benefício presente” de uma nova rede rodoviária mascara? Por um lado, existem todas as inovações perdidas no transporte que poderiam ter acontecido se as estradas do governo não tornassem a condução entre as cidades tão fácil. Por exemplo, antes da explosão da construção de estradas pelo governo, as ferrovias vinham melhorando seus serviços de passageiros para atrair passageiros e competir com carros e aviões. Mas, após a Segunda Guerra Mundial, o número de passageiros caiu à medida que novas estradas gratuitas surgiram em todos os lugares. O número de passageiros ferroviários caiu de 770 milhões para 220 milhões entre 1946 e 1964 (aeroportos construídos pelo governo também contribuíram). Imagine o tipo de trens de alta velocidade e viagens de luxo que os EUA poderiam ter hoje se isso não tivesse acontecido.
Outra inovação perdida é a aviação local. Com as estradas indo apenas para onde fazia sentido economicamente construí-las, as companhias aéreas e os fabricantes de aeronaves poderiam ter um incentivo para desenvolver pequenos aviões de decolagem vertical que pudessem conectar cidades e vilas provinciais a cidades próximas, diretamente ao centro da cidade. As companhias aéreas também poderiam usar essas aeronaves para fornecer conexões dos centros das cidades diretamente para a pista de seus aeroportos, tornando os voos de longa distância muito mais fáceis.
Além disso, tecnologias experimentais como trens de levitação magnética, monotrilhos, hovercraft ou autogiros podem ter se tornado muito mais comuns. Para o “pequeno benefício presente” do Sistema de Rodovias Interestaduais, os Estados Unidos perderam o “grande benefício no futuro” de uma riqueza incalculável de inovações em transporte.
Outro efeito invisível é a oportunidade perdida de pessoas e empresas gastarem o dinheiro que o governo gastou nessas estradas em outra coisa. Esse dinheiro foi tirado de pessoas e empresas pela força por meio de impostos. Sem isso, mesmo que não fosse gasto em outros tipos de transporte, o dinheiro teria impulsionado mais crescimento econômico, enriquecendo ainda mais as inovações potenciais em tecnologia e qualidade de vida que poderíamos ter visto. Talvez alguém tivesse inventado um novo meio de gerar ou armazenar energia se tivesse esse dinheiro e o incentivo comercial para fazer um produto com ele. Outra pessoa poderia ter desenvolvido um novo tratamento para uma doença grave, salvando vidas e fazendo com que houvesse pessoas ainda mais produtivas para criar mais coisas novas. Em última análise, o transporte e a vida diária poderiam ter se beneficiado de maneiras difíceis de se imaginar hoje.
Além disso, não é simplesmente uma questão de o governo usar dinheiro que poderia ter sido usado de outra forma. É também uma questão de quão bem esse dinheiro foi usado – quão bem o produto resultante refletiu o que as pessoas realmente precisavam. Os planejadores das rodovias interestaduais e seus equivalentes urbanos (como Robert Moses) não precisavam – e de fato não conseguiam – equilibrar o valor de suas propostas com indicadores econômicos quanto a haver demanda suficiente em uma determinada rota para justificar uma nova estrada, dadas as estradas, ferrovias ou serviços aéreos existentes, e barreiras como topografia ou casas e propriedades das pessoas. Como Ludwig Von Mises explica em Liberalismo:
Para a construção de uma ferrovia que vai de A a B, várias rotas são possíveis. Suponhamos que entre A e B se erga uma montanha. A ferrovia pode ser construída
de modo a passar por sobre a montanha, ao seu redor ou dentro de um túnel que a atravessa. Numa sociedade capitalista, é fácil calcular qual das três se mostrará mais lucrativa. Averigua-se o custo envolvido na construção de cada uma das três linhas e as diferenças dos custos operacionais que necessariamente incorrem, pela previsão do
tráfego em cada uma delas. Com base nessas quantidades, não é difícil determinar que tipo de trecho seja mais lucrativo. Numa sociedade socialista, não se podem fazer tais cálculos, pois não haveria como reduzir a um padrão uniforme de medida todas as
quantidades heterogêneas de bens e serviços a serem considerados.
Esses planejadores obtiveram financiamento para suas estradas com base na decisão do governo de que essas estradas eram necessárias. Eles não estavam respondendo à demanda do mercado, mas aos projetos de um planejador ou comitê central. Se a construção de estradas tivesse sido deixada para interesses privados, não apenas as estradas que foram construídas poderiam ser mais adequadas às necessidades reais das pessoas (e evitariam a destruição de vastas áreas de comunidades pobres do centro da cidade), mas também simplesmente não teriam sido construídas onde não havia justificativa financeira para elas. Em vez disso, o mercado teria incentivado a inovação para encontrar soluções alternativas para essas situações. Podemos adivinhar algumas das formas que isso poderia ter assumido, desde trens de alta velocidade até helicópteros. Mas há outras que mal podemos conceber, porque nos foi negada a chance de vê-las.
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