Sobre a decadência da taxação de renda ao estilo distributivista

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A renda é vital à manutenção da existência humana. Quando se fala, portanto, da prática da justiça, fala-se de seres viventes – da justiça realizada por seres viventes para seres viventes. A justiça, portanto, enquanto ferramenta por meio do uso da qual o homem se vê capaz de viver ordenadamente e harmoniosamente com os demais, garante ao homem a supressão do caos, fator condicionante de uma realidade concreta relativamente estável e previsível. Quer dizer, quando se fala de justiça, fala-se de vida humana (ou, melhor, da sua manutenção), a qual depende primordialmente de um saldo positivo de renda para fazer-se contínua (ou seja, uma sobra quantitativamente relevante de bens de consumo (alimentos, roupas, moradia, etc.)).

A natureza, assim, embora ocasionalmente proporcione ao homem bens prontamente consumíveis (frutas facilmente coletáveis prontas para o consumo direto, por exemplo), provê gratuitamente ao homem apenas uma quantidade infinitesimal de bens, absolutamente risória em relação à quantidade da qual necessita para viver de uma forma minimamente aprazível. Assim, o trabalho (a transformação que o homem faz da matéria natural em forma de objetos que suplantem parte das suas exigências) vê-se valoroso à medida em que gera para aquele que o concretiza uma dada quantidade de bens a partir do uso da qual certas necessidades se saciam. Como a existência terrestre humana depende do uso de certos objetos, os quais se disponibilizam ao homem somente mediante dispêndio de força de trabalho, o valor do trabalho acha-se proporcional ao valor do conjunto integral de bens que se vê oriundo dele.

No preâmbulo da história humana, sob o qual a existência do homem ainda se fazia acontecer muito precariamente, o trabalho era para o homem o que o oxigênio é para os animais aeróbicos, significava para ele a própria existência, a sua continuidade na Terra. Portanto, aquele que se evadia do trabalho, se fazia evadir, em última instância, da sua própria vida.

Naquele momento, o trabalho não era suficientemente produtivo. Ele era, nas circunstâncias primitivas em que acontecia, apenas capaz de prover a estrita subsistência do homem. No entanto, ao passo que o homem foi percebendo que o acréscimo de maquinário ao processo produtivo tornava o trabalho mais produtivo, o aumento da produção (isto é, o aumento da oferta de bens econômicos) passou a ser não somente cíclico, mas progressivo. Ora, como a produtividade do trabalho aumenta consideravelmente à medida em que o trabalho se vê complementado por maquinarias que facilitam a execução de determinadas tarefas laborativas, tem-se que a produtividade do trabalho será proporcional à parcela de capital que participa do processo de produção de um dado bem. Em função, então, de o emprego de dadas ferramentas capitalísticas acelerar grandemente o processo de produção dos bens, o trabalho, ante uma participação comparativamente maior de capital maquinal, com um mesmo período de tempo, pode gerar uma quantidade absurdamente maior de bens, a qual, caso não houvesse o emprego de fatores de produção capitalísticos, não seria factível concretamente.

Assim, como a produtividade do trabalho aumenta em função de acréscimos de fatores maquinais de produção ao processo produtivo, uma maior oferta de bens é gerada. À vista disso, ante uma oferta de bens comparativamente maior, o preço dos bens cai, isto é, o custo de aquisição deles diminui à proporção do aumento da disponibilidade. O homem, com isso, pode consumir a mesma quantidade de bens despendendo menos tempo e menos trabalho, obtendo ganhos em termos de maiores sobras de tempo e de força de trabalho. Em posse, então, de trabalho e de tempo adicionais, advinda de uma diminuição relativa dos custos dos bens, o homem, agora, pode buscar fins os quais se viam completamente irrealizáveis com o nível de produtividade anterior. Caso o homem, desta maneira, invista essa maior sobra de trabalho e de tempo em termos de produção de bens de ordem superior (fatores de produção (máquinas, ferramentas, instrumentos, etc.)), ele poderá acrescer ao processo de produção uma quantidade de capital ainda maior, o que naturalmente aumentará o potencial de oferta e a própria oferta em si, diminuindo ainda mais o custo de aquisição (o preço) dos bens, aumentando consideravelmente, por conseguinte, as sobras de tempo e de trabalho, com as quais um número comparativamente mais significativo de finalidades se faz alcançável e investimentos produtivos mais complexos e sofisticados se fazem concretizáveis.

Inicia-se, com isso, o ciclo do desenvolvimento econômico: mais capital implica em trabalho mais produtivo, o qual implica numa maior oferta de bens, que causa uma diminuição do custo de aquisição deles, ante a qual são possíveis maiores sobras de tempo e de trabalho, por intermédio das quais mais capital é produzido, havendo, finalmente, uma retomada cíclica do processo de desenvolvimento sistemático da economia.

Afinal, não é meramente por coincidência que o maior índice de desenvolvimento econômico per capita já registrado pela humanidade ocorreu ao largo da primeira revolução industrial, um momento no qual a mecanização da produção (a crescente introdução da máquina à vapor e do carvão ao processo de produção dos objetos de consumo) se difundia irrefreavelmente ao longo de toda a Europa (séc. XVIII).

Ora, como o valor do trabalho deriva-se do valor do bem que é por ele gerado, tem-se que o valor do trabalho é simétrico ao valor do seu produto. Na verdade, o valor do trabalho é pontualmente simétrico ao valor do uso do seu produto. Portanto, o trabalho tem valor à medida em que gera bens com o uso privado dos quais o homem consegue extrair ganhos privativos, ganhos inalteravelmente expressos em termos de necessidades supridas e de finalidades alcançadas. Em vista disto, percebe-se, por dedução, que o valor do trabalho será nulo caso o homem não consiga extrair do uso do seu produto absolutamente nenhum tipo de ganho, ou caso o uso do seu produto seja impraticável ou extremamente restringido. Ora, certo é, então, que o homem se estimula à produção, isto é, à geração de recursos, uma vez permanecendo permitida a ele a fruição dos frutos do seu labor, quer dizer, a posse sobre os frutos do seu trabalho.

Ante os auspícios distributivistas, encontra-se, portanto, um dilema. O distributivista é-o geralmente em função da averiguação de uma disparidade econômica relativamente grande entre produtivos e improdutivos. Segundo a ética distributivista, a fruição de direitos civis é somente possível caso a vida humana seja garantida, uma vez que é totalmente impossível a um morto fruir de direitos de qualquer espécie. No deparar de indivíduos que vivem de forma extremamente próxima de um estado de estrita subsistência, ao passo em que há muitos outros que vivem muito abastadamente, solicita a ética distributivista ao Estado: “Sob a verdadeira equidade, todos devem gozar de iguais condições de vida para que seus direitos sejam garantidos equitativamente. Sendo assim, coloquemos em prática a distribuição de renda!”.

O Estado, ante o fervor das demandas demagógicas dos distributivistas, então, taxa os produtivos para dar aos improdutivos os bens que tomou coercitivamente dos produtivos. Entretanto, a multiplicação da pobreza, e, consequentemente, dos pobres, está justamente na taxação de caráter distributivo. Ora, como o valor do trabalho deriva-se diretamente do valor do uso privativo do bem que é por ele gerado, tem-se que o trabalho enquanto tal será sistematicamente desestimulado à medida em que o seu produto se veja socializável ou passe a ser objeto das requisições apaixonadas por parte dos distributivistas mais demagogos. Na expectativa, assim, de não poder usufruir integralmente do produto do seu trabalho, o trabalhador será sistemicamente estimulado a deixar de sê-lo, já que é coativamente privado do usufruto dos resultados do seu trabalho, sendo penalizado precisamente por despendê-lo. Sendo, nessa conjuntura, recompensado monetariamente pelo seu ócio mediante o braço distributivo estatal, o improdutivo será incentivado a manter-se improdutivo, já que, em função da política distributiva, consegue extrair ganhos contínuos de dinheiro pela manutenção da sua condição de ócio e de improdutividade econômica.

Nessas condições, com o passar do tempo, se tornará cada vez mais aparente que a classe dos improdutivos cresce à medida em que a classe dos produtivos decresce, situação sob a qual as fontes dos débitos públicos (os improdutivos) superarão impreterivelmente as fontes dos créditos públicos (os produtivos), donde se resultará prejuízos públicos tremendos, os quais logo mais se expressarão em termos de falência pública estrutural (colapso econômico).

Sob a distribuição de renda, a pobreza prevalecerá tal como a pelagem transparente dos ursos prevaleceu por seleção natural sob as condições climáticas dos polos.

Em suma, a equidade que o distributivismo visa garantir é a equidade na pobreza.

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