Como expliquei numa aula anterior, praxeologia é a ciência que estuda as implicações formais do conceito de ação, o qual se define como comportamento propositado.[1]
É importante deixar claro que praxeologia não tem nada que ver com psicologia; uma estuda os elementos a priori da ação e suas implicações lógicas, a outra investiga a posteriori as causas e motivações subjetivas do comportamento humano. Assim, se colocarmos ambas as ciências diante de um mesmo problema, teremos duas respostas completamente distintas. Por exemplo, digamos que um jovem estuda dedicadamente todos os dias. Então indagamos a praxeologia por que ele o faz. A praxeologia nos responderá sumariamente que ele o faz para atingir um fim almejado. Já a psicologia, caso lhe façamos a mesma pergunta, responderá de maneira muito mais complexa, dizendo talvez que o jovem estuda para obter a aprovação dos pais, ou para se afirmar diante da sociedade, ou por mera sede de conhecimento, ou tudo isso ao mesmo tempo, e não terá uma resposta absolutamente certa e irrefutável. São perspectivas diferentes do mesmo fenômeno.
Deve-se dizer também que a praxeologia não lida com comportamentos involuntários do organismo, como reflexos e atos falhos.
A praxeologia se assemelha mais à matemática do que à psicologia, do ponto de vista epistemológico, uma vez que constrói todo o seu corpo teórico dedutivamente a partir de uma base axiomática. Seu axioma fundamental é o conceito de ação humana. Trata-se, portanto, de um conceito, e não de uma proposição. Dizem por aí que o axioma da praxeologia é a proposição “o homem age”. Isso não está correto, pois a palavra “homem” nessa proposição está significando “agente”, de modo que ela não diz mais que “o agente age”, uma tautologia que já pressupõe como dado o conceito de ação. Assim, o axioma da praxeologia é justamente esse conceito, a partir do qual extraímos todo o edifício teórico dessa ciência.[2]
Note que um comportamento propositado pressupõe logo de início duas coisas: um mundo externo e uma mente interna, pois, sem um mundo externo, não haveria comportamento, e sem uma mente interna esse comportamento não seria propositado. A ação, portanto, envolve sempre os dois aspectos do ser: o externo e o interno, o físico e o mental, o objetivo e o subjetivo. Toda ação é feita por um indivíduo, isto é, um ser que possui uma mente, utilizando meios do mundo real para atingir um fim subjetivo. Isso implica imediatamente o individualismo metodológico, ou seja, que somente indivíduos agem, e não grupos nem sociedades, pois somente indivíduos possuem mentes, como já explicamos na Aula VI.
Uma vez que toda ação se passa no mundo externo, isso significa que toda ação se dá dentro de um determinado ambiente ou situação. Aquelas coisas sobre as quais o indivíduo não consegue agir são chamadas por Rothbard de “condições gerais da ação”.[3] Já aquelas coisas que o homem pode mudar, essas ele chama de meios. Toda ação se dá dentro de determinadas condições gerais e utiliza certos meios. O ar atmosférico, por exemplo, faz parte das condições gerais das nossas ações neste planeta, pois não podemos controlá-lo. Você apenas pode parar de respirar.
Meios são estritamente necessários para realizar qualquer ação. Porém, os meios são sempre escassos, isto é, são limitados em relação aos fins a que podem servir.[4] Se os meios não fossem limitados, isto significaria que não seriam meios, mas sim condições gerais do ambiente, como o ar. Dado que os meios são limitados quanto aos fins a que podem servir, o homem precisa escolher a qual fim ele vai atender primeiro. Isso significa que, ao decidir como vai agir, o homem abre mão de agir de todas as outras formas possíveis. Toda ação humana pressupõe, portanto, uma escolha.[5]
Porém, se o indivíduo fez uma escolha, isso significa que ele teve uma preferência. Assim, toda vez que o homem age ele faz aquilo que considera mais importante no momento. Isso significa que os indivíduos possuem o que chamamos de escala de valores, ou escala de preferências, ou ainda hierarquia de valores, se preferir. Nessa hierarquia de valores se encontra, em primeiro lugar, o fim que o indivíduo considera mais urgente no momento; em segundo lugar, o segundo mais urgente, e assim por diante. Daqui deriva a lei da utilidade marginal decrescente, que diz o seguinte: dado um conjunto homogêneo de bens, como por exemplo uma cesta de pães, o acréscimo de mais uma unidade do mesmo bem fará com que a utilidade marginal de cada uma das unidades decresça. Isso significa que, quanto mais pães você tem, menos cada um deles isoladamente vai valer para você. Se você só tivesse um pão, ele talvez valeria muito, pois serviria para matar a sua fome. Já se tivesse dois, cada um valeria um pouco menos, porque com um você mataria a sua fome e com o outro você faria umas torradas. Desse modo, se você tiver dois pães, isso significa que, ao abrir mão de um deles, você estaria abrindo mão de fazer as torradas, e não de comer; ou seja, você abriria mão de realizar o fim menos importante para você.
A lei da utilidade marginal decrescente diz que, dada uma certa quantidade de um bem, o acréscimo de mais um desse bem ao mesmo conjunto homogêneo fará com que o valor de cada um deles individualmente diminua, porque agora, com esse acréscimo, se livrar de uma unidade individual desse bem significa abrir mão de realizar o fim menos importante que se poderia realizar com aqueles bens, segundo a escala de valores do indivíduo naquele momento. Assim, pelo exemplo indicado, quando você tem dois pães, cada um deles vai valer para você a importância de se preparar umas torradas.
Agora digamos que um terceiro pão seja acrescentado. Se você tivesse três pães, um você comeria, um outro você usaria para fazer torradas, e o último você usaria para alimentar pombos. Como agora você tem três, isso significa que o valor de cada pão individualmente é igual ao valor que você dá ao fim de alimentar pombos, pois, se você se livrar de um desses pães, isso significará apenas que você não alimentará os pássaros. É por meio dessa lei que se explica a inflação: quanto mais unidades monetárias se lançam no mercado, menos cada uma dessas unidades vale individualmente.
Perceba que é impossível entender esse assunto sem lançar mão do conceito de valor. Segundo Carl Menger, o valor de um bem é igual à importância atribuída ao fim que se espera obter com esse bem.[6] Porém, o termo valor em si não possui uma definição, já que se trata de um conceito fundamental. Aristóteles nos deu a fórmula perfeita para definir qualquer coisa: unir gênero próximo e diferença específica. Assim, se formos definir “chapéu”, diremos primeiro que se trata de uma peça de roupa, pois este é o gênero mais próximo a que esse objeto pertence, e depois diremos que se coloca na cabeça, pelo que mostramos qual é a diferença específica entre esse objeto e os outros do mesmo gênero. Já o conceito de valor, como não possui gênero, não aceita uma definição real. Porém, cada ser humano possui uma noção interna do que significa valorizar algo, de modo que não há necessidade alguma de lhe fornecer uma definição.
Deve-se mencionar também que nem toda ação é ativa. Em Direito, distingue-se ato comissivo de ato omissivo; o primeiro é a ação ativa, que envolve movimentos em direção ao que se quer, e o segundo é uma ação passiva, que envolve um não fazer. Ir à padaria, abrir uma lata de refrigerante e escrever um livro são atos comissivos; não salvar alguém que está se afogando, deixar intencionalmente de mandar um e-mail e não pentear o cabelo para que fique bagunçado são atos omissivos. Ambas as espécies de ações envolvem escolha e intenção, com a diferença que em uma há um fazer e na outra há um não fazer.
Outro fato importante sobre a ação é que ela envolve necessariamente uma incerteza sobre o futuro.[7] Agir pressupõe uma vontade de modificar o ambiente; isso significa que nos julgamos no poder de modificá-lo, de criar um curso específico de eventos. Se acreditássemos que o curso dos eventos fosse pré-estabelecido e inalterável, então nenhuma ação tomaria lugar. Quando o indivíduo age, ele parte da premissa de que sua ação pode modificar a realidade, ou seja, de que a realidade não é fixa e predeterminada. Para todo ser agente, o futuro é incerto, por isso ele emprega suas energias em conformá-lo a seu favor. Some-se a isso o fato de que o homem não pode prever todos os eventos da natureza e nem muito menos as ações e reações das outras pessoas. Por esse motivo, toda ação envolve especulações sobre eventos futuros com base no juízo do indivíduo.[8] Como o juízo pode ser equivocado, sempre existe uma possibilidade de se cometerem erros. O erro significa que os meios utilizados para atingir o fim eram inapropriados ou foram inapropriadamente usados.
Desse modo, para resumir o que está dito, pode-se dizer que a ação é um fazer ou não fazer intencional, que se utiliza de meios escassos para atingir os fins que o indivíduo agente mais valoriza no momento específico da ação. Ele usa sua capacidade de julgamento acerca da realidade e especula sobre os resultados que espera obter, podendo assim alcançar o fim desejado ou falhar em seu intento, já que não possui certeza sobre o futuro.
Essas são as primeiras implicações que se podem extrair do conceito de ação humana. Mas há ainda outras implicações, que serão abordadas na aula seguinte.
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Notas
[1] Mises, Ação Humana, p. 35.
[2] Daniel Sanchez, “Mises sobre a mente e o método”. Disponível em: <https://rothbardbrasil.com/mises-sobre-a-mente-e-o-metodo/.
[3] Rothbard, Homem, Economia e Estado, p. 3.
[4] Idem, p. 5.
[5] Idem, p. 4.
[6] Carl Menger, Princípios de Economia Política, p. 76.
[7] Rothbard, idem, p. 6.
[8] Rothbard, idem, p. 6.