Após oferecer uma visão geral do que é intervenção, adentraremos agora em seus tipos principais e mais consagrados, tais como o controle de preços, o protecionismo e a tributação. Iniciaremos aqui por uma análise das consequências econômicas do controle de preços, que se manifesta pela estipulação de preços mínimos e máximos – bem como, obviamente, do salário mínimo.
O controle de preços é uma espécie de intervenção triangular que é tentada há pelo menos quatro mil anos – à custa de enorme consumo de capital e caçambas e mais caçambas de mortos.[1]
Na antiga Babilônia, há quatro mil anos, o Código de Hamurabi já impunha normas tais como: “Se um homem contratar um camponês, deverá dar a ele oito gurs (unidade de medida hamurábica) de cereais por ano”; “Se um homem contratar um boiadeiro, deverá dar a ele seis gurs de cereais por ano”; “Se um homem alugar um barco de seis toneladas, deverá pagar um sexto de um shekel de prata por dia por esse aluguel”; todas formas de controle de preços que ocasionaram graves perdas na prosperidade do império, como ficou historicamente registrado.[2]
Também na Grécia antiga o governo ateniense tentou controlar o preço dos cereais, nomeando um exército de fiscalizadores para deixá-los a um preço que o governo considerasse justo. A intervenção gerou uma grande escassez desses bens, que foi então suprida pelo mercado negro, atuando mesmo sob a ameaça de pena de morte para aqueles que descumprissem a lei. Muitas vidas foram salvas graças a essa desobediência.[3]
Mais recentemente, no século XVIII, políticos franceses do pós-Revolução impuseram uma lei de controle de preços sobre cereais e outros diversos produtos, chamada Lei de Maximum, pelo que o povo ficou tão mal nutrido que, em alguns lugares, pessoas literalmente caíam mortas na rua. Milhares de pessoas morreram. O mesmo erro continuou sendo cometido por vários países até os tempos de hoje.[4]
Com efeito, isso prova que o homem demora a aprender, se é que aprende. Não bastasse a riqueza de experiências demonstrando o fracasso desse tipo de medida, intelectuais de várias áreas ainda diziam que tais fracassos se deviam não à própria natureza da intervenção, mas à malvadeza do ser humano e à falta de pulso firme das autoridades.[5] Apenas a partir do século XVIII é que se começou a ter uma noção de que a economia era guiada por certas leis inexoráveis; e assim que isso ficou claro essa descoberta representou, segundo Mises, uma das maiores conquistas da mente humana.[6]
Existem duas formas de controle os preços: o estabelecimento de preços mínimos e o estabelecimento de preços máximos. Obviamente, vamos analisar aqui apenas as estipulações que gerem consequências no mercado. Não faz sentido analisar as consequências de se fixar um preço muito próximo do valor já praticado no mercado, nem de alguma outra determinação que na prática seja irrelevante (como estipular o preço mínimo de uma Ferrari em 1000 dólares).
Estabelecer o preço máximo de algo significa congelar seu preço em um valor acima do qual nenhum vendedor está autorizado a vendê-lo, como fixar o preço do iPhone 12 em, digamos, cindo mil reais (atualmente está custando em torno de seis mil). Tal medida é usada em tese para favorecer os compradores, para que possam dispor de maior abundância daquele bem cujo preço é controlado. Se isso de fato for feito, haverá um aumento da demanda por iPhones, o que pode fazer com que os vendedores simplesmente retirem esse produto das prateleiras, até que a regulação seja revogada. Contudo, nesse caso, o governo poderá obrigar os fornecedores a vender o produto até que os estoques estejam esgotados. Assim, não haverá mais incentivo para que esses estoques sejam repostos, e os fabricantes de iPhone vão começar a usar seus meios de produção não específicos para fazer outra coisa. Se o governo for além e obrigar os fabricantes a continuarem a produzir iPhones, surgirá o problema de que não haverá dinheiro o bastante para comprar as matérias-primas necessárias para a fábrica. Isso, por sua vez, obrigará o governo a ir um pouco mais além e controlar os preços também dessas matérias-primas – dando início, agora em outros setores, a essa mesma cadeia de acontecimentos. Caso o governo seja obstinado o suficiente e continue expandindo o controle até não dar mais, ele atingirá a situação em que toda a economia é controlada, resultando assim no socialismo.[7]
Além disso, uma vez que o produto esteja sendo vendido a um preço menor que o de mercado, haverá naturalmente uma disputa por ele. Mas agora o critério para saber a quem vender não é mais a capacidade aquisitiva, e sim critérios políticos: “Acordos ‘por debaixo dos panos’, subornos, favoritismos para clientes antigos etc., são características inevitáveis de um mercado algemado pelo preço máximo”.[8] E mais: se de fato as fábricas pararem ou diminuírem sua produção do produto, isso resultará depois numa escassez ainda maior do que aquela que se queria combater em primeiro lugar, engendrando o surgimento de um mercado negro (isto é, um mercado que opera fora da lei oferecendo o produto a um preço maior em razão do risco de o seu fornecedor ir preso).[9]
Suponha agora que se determine um preço mínimo do produto, digamos oito mil reais pelo mesmo iPhone, o que vem a favorecer os vendedores em detrimento do público consumidor. Tendo isso sido feito, a demanda pelo iPhone diminuirá e haverá um excedente artificial de produtos (ou seja, que em um mercado livre não haveria). Fornecedores que poderiam vender o produto a um preço mais barato ficam impedidos de fazê-lo, e compradores que poderiam comprá-lo a preço normal também se frustram. “Os preços artificialmente elevados atraem recursos para aquela área, embora, ao mesmo tempo, desencorajem a demanda do comprador”.[10] Assim, por um lado, há uma realocação de recursos para essa área, recursos esses que são desviados de linhas produtivas mais importantes no momento. Por outro lado, o consumidor é desencorajado a comprar, o que resulta em um prejuízo para aqueles que investiram nesse produto acreditando que o preço mais alto era um sinal do aumento da demanda. Além disso, quando se aumenta artificialmente o preço de um bem pela imposição de um preço mínimo, o público consumidor se volta a bens substitutos geralmente de pior qualidade – os quais, por seu turno, têm seus preços elevados.
Em resumo, o controle de preços sempre resultará em um aumento da escassez já existente e deriva de uma crença fantasiosa na criação ex nihilo de riqueza – a mesma que fundamenta a expansão artificial de crédito e a ideia de que tudo se resolveria se nós simplesmente imprimíssemos mais dinheiro. Sempre que se tenta burlar a lei da escassez, forçando uma criação ex nihilo de abundância, isso gera uma compensação que costuma ser muito pior que a situação anterior.
Há, porém, segundo Mises, dois casos em que o controle de preços pode ser feito com relativo sucesso, a saber: a) quando se está praticando preços de monopólio e b) quando os bens de capital são totalmente específicos, não podendo ser direcionados à produção de outro bem.[11]
Assim, se um produtor for favorecido pelo governo, tendo o direito de oferecer sozinho um produto, livre de toda concorrência, ele naturalmente poderá estabelecer um preço acima daquele que seria praticado num livre mercado. Desse modo, caso o governo imponha que ele reduza esse valor, pela estipulação de um preço máximo mais próximo do preço “natural”, então a medida terá sido aplicada com sucesso.[12]
No outro caso, suponha um aglomerado de imóveis para aluguel numa área comercial. Se o governo determinar um preço máximo do aluguel, essa medida não provocará uma redução na oferta de imóveis disponíveis, resultando num controle bem-sucedido do preço. Isso considerando, é claro, que o governo não pese muito a mão, o que poderia fazer com que os proprietários preferissem atribuir outras finalidades aos imóveis.[13]
Por fim, não poderíamos deixar de mencionar o fenômeno do salário mínimo, que é uma aplicação específica e bastante famosa do controle de preços. A imposição de um preço mínimo do trabalho, acima daquele que seria naturalmente praticado num livre mercado, ocasiona um aumento inevitável do desemprego e dos custos de produção. Os empresários, não podendo pagar menos que certo valor a seus empregados, são obrigados a realizar menos contratações ou a aumentar seus custos e, por conseguinte, a produzir menos. Isso gera, de um lado, um desemprego involuntário de muitos homens, que ficam impedidos de trabalhar a preços mais baixos, e de outro uma redução da oferta de produtos e serviços. A redução dessa oferta resulta no aumento dos preços, o que faz piorar a qualidade de vida geral.
O salário mínimo é outro exemplo da tentativa obstinada de abolir a escassez à força, obrigando-se que se pague ao trabalhador aquilo que ele nem sempre é capaz de produzir. Em razão disso, enquanto aqueles capazes de produzir satisfatoriamente conseguem arrumar e manter um emprego, todos os outros que não o são ficam desempregados ou migram para o mercado informal – que em 2019 contava com mais de 60% dos trabalhadores brasileiros.[14]
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Notas
[1] Thomas DiLorenzo, “Quatro mil anos de controle de preços”. Disponível em: <https://rothbardbrasil.com/quatro-mil-anos-de-controle-de-precos/>.
[2] Idem.
[3] Idem.
[4] Idem.
[5] Mises, Intervencionismo – Uma análise econômica, p. 43-44.
[6] Idem.
[7] Mises, Uma Crítica ao Intervencionismo, pp. 125-127.
[8] Rothbard, Governo e Mercado, p. 48.
[9] Idem, p. 48.
[10] Idem, p. 49.
[11] Mises, Intervencionismo – Uma análise econômica, p. 48-49.
[12] Idem, pp. 49-50.
[13] Idem, p. 49.
[14] Fonte: G1. Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/concursos-e-emprego/noticia/2019/02/13/mais-de-60-dos-trabalhadores-estao-no-mercado-informal-diz-oit.ghtml>.