CAPÍTULO 9- CARTA ABERTA À MINISTRA DAS FINANÇAS

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Excelência:

 

Permita-me, com a mais elevada das considerações que lhe cabem, solicitar a vossa sensibilidade para os seguintes factos que urgem e nos levam a escrever-lhe esta carta.

Faz tempo que queria escrever-lhe. Não o fiz anteriormente, porque estávamos no fim da legislatura e entendia que era momento de balanços. Volto a insistir, porque considero que, depois do balanço, é o momento de perspectivar novas metas e novos modelos. Escrevo-lhe por duas razões: a primeira, por ser uma Ministra com a reputação pública e académica e com pouca exposição político-partidária. A segunda, porque, enquanto adepto da escola austríaca de economia, tenho fortes divergências com certas políticas que têm sido concebidas pelo nosso Ministério e, talvez, o lado académico da Senhora Ministra a faça ter mais sensibilidade e receptibilidade a algumas das minhas divergências. O meu objectivo com essa carta é que Vossa Excelência Senhora Ministra tire e tenha consigo algumas lições sobre como as finanças públicas impactam a vida económica dos cidadãos e que, em última instância, essas lições a ajudem sempre na tomada de decisões. Para além desse objectivo, essa carta é também um incentivo ao programa de privatizações. A par do conteúdo dessa carta, no final do texto disponibilizarei algumas obras literárias dos maiores expoentes dessa escola para que as possa consultar sempre que necessário.

Começo por dizer que tenho fortes divergências sobre a maneira como o nosso Ministério tem tratado a questão das Finanças Públicas. Tenho visto um Minfin. mais voltado a si mesmo, à classe política e ao seu grupo de interesse. Está mais preocupado em arrecadar receitas para realizar despesas do que, propriamente, em cumprir com a missão económica de promoção do progresso económico e da justiça. Pouca atenção é dada à questão de qual tem sido o impacto da nossa acção enquanto Minfin. na economia e, também, não há um debate interno sobre esses temas. Tenho a impressão de que as Políticas Públicas do nosso Ministério são elaboradas por uma equipa externa e alheia ao nosso Ministério, cabendo aos funcionários a mera execução das tarefas programadas. Noto, também, com grande preocupação, que o nosso Ministério tem sido penetrado, com alguma frequência, por um lobby empresarial muito forte, que, usando da influência política, faz elaborar e aprovar programas sociais que, depois, são inscritos no orçamento público. Apesar de já ter desmentido, também sou daqueles que acreditam que a Senhora Ministra tem sido assessorada por uma equipa de estrangeiros que desconhecem a nossa realidade e desinteressados no nosso país, e tal é a nossa política fiscal.

Bem, a minha divergência é essencialmente de âmbito económico, baseada em três pontos principais: o Despesismo, a Tributação e o Endividamento. É esse o conteúdo dessa carta.

 

9.1- DESPESISMO

 

O Despesismo é caracterizado com gastos excessivos, fúteis e desnecessários do estado. O Estado Angolano é dos estados que mais despesas realiza(m) a nível do mundo. Para quem olha pelo volume dos seus gastos, percebe que há certa intenção de substituir-se ao indivíduo, pois, todas as acções económicas passam pela sua esfera. Praticamente, não resta um espaço para o indivíduo. Desde o fornecimento da luz, dos transportes, das comunicações, do comércio, da indústria, da agricultura, da pesca, à habitação, todos esses serviços passam por uma acção e omissão premeditada do Estado Angolano. O Estado Angolano é o principal agente económico e regulador ao mesmo tempo. Em suma, nas circunstâncias actuais, o Estado Angolano pretende-se uma “babá” que dá de comer a todos, fazendo-se passar por dono das almas de todos angolanos, não havendo, por isso, vida fora dele. O despesismo, que visa o chamado estado de bem-estar social, a par das consequências económicas, tem também consequências políticas bem patentes e igualmente bem desastrosas socialmente.

E sobre as consequências políticas, permita-me, Excelência, apresentar-lhe uma história sobre um bando de porcos selvagens que viviam ao longo de um rio em uma área selvagem e remota, narrada por Lawrence W. Reed no seu artigo, “Animais com os quais podemos aprender”. Como narra o autor, “Esses porcos eram um bando teimoso e independente. Eles sobreviveram a inundações, incêndios, geadas, secas, caçadores, cães e tudo mais. Ninguém pensou que eles poderiam ser capturados. Um dia, um estranho chegou a uma cidade não muito longe de onde viviam os porcos e foi ao armazém geral. Ele perguntou ao lojista: “Onde posso encontrar os porcos? Eu quero arredondá-los. Eu poderia vender a carne por uma pequena fortuna.” O lojista riu de tal afirmação, mas apontou na direcção geral. O estranho saiu com sua carroça de um cavalo, um machado e alguns sacos de milho. Dois meses depois, ele voltou ao armazém e pediu ajuda para tirar os porcos. Ele disse que os tinha encurralado na floresta. As pessoas ficaram maravilhadas e vieram de longe para ouvi-lo contar a história de como ele fez isso. “A primeira coisa que fiz”, disse o estranho, “foi limpar uma pequena área da floresta com meu machado. Depois coloquei um pouco de milho no centro da clareira. A princípio, nenhum dos porcos comeu o milho. Depois de alguns dias, alguns dos jovens apareciam, pegavam um pouco de milho e voltavam correndo para o mato. Então, os mais velhos começaram a pegar o milho, provavelmente imaginando que, se eles não pegassem, alguns dos outros pegariam. Logo, todos estavam comendo o milho. Eles pararam de cavar bolotas e raízes por conta própria.” “Naquela época, comecei a construir uma cerca ao redor da clareira, um pouco mais alta a cada dia. No momento certo, construí um alçapão e o abri. Naturalmente, eles gritaram e gritaram quando souberam que eu os tinha, mas posso prender qualquer animal na face da terra se primeiro conseguir que ele dependa de mim para uma esmola grátis!” O autor, ao longo do seu texto, relaciona essa história com a civilização humana, uma vez que as pessoas descobriram uma forma de ganhar a vida sem trabalhar, e conclui citando o presente ditado: “Um governo que é grande o suficiente para lhe dar tudo o que você deseja é grande o suficiente para tirar tudo o que você tem”.

Ora, como a nossa análise é essencialmente económica, atenhamo-nos ao que nos interessa.  Todos sabemos que, pela sua natureza, o estado é uma entidade que nada produz e nem incentivo de produzir tem, tendo a exclusiva função de consumir a riqueza produzida. Em todos os sectores onde se envolve, em todas as suas funções, o estado diminui a riqueza produzida, pois toda a sua função se resume em promover o consumo e o endividamento, o que empobrece as sociedades.  A esse respeito, o célebre autor que vimos citando (Lawrence W. Reed) disse, em certa ocasião, o seguinte: “… o histórico do estado de bem-estar social sempre esteve muito longe de suas promessas. Começa modestamente, depois, as contas acumulam-se. Para pagá-las, aumentam os déficits, impostos, dívidas e inflação. Roubando Pedro para pagar Paulo, os demagogos travam uma guerra de classes e compram votos com ela. A saúde fiscal de longo prazo de um país é sacrificada pela gratificação de curto prazo. Os incentivos são desviados da autoconfiança e da iniciativa pessoal para a dependência do poder concentrado. As pessoas tornam-se menos caridosas, imaginando que o Estado cuidará das coisas que elas mesmas costumavam fazer pela metade do custo. Mais cedo ou mais tarde, se o estado de bem-estar social não for revertido, os tomadores de riqueza superam os criadores de riqueza.”

Posto isso, é fácil concluir que os problemas sociais que enfrentamos têm como causa o peso do estado, traduzido pela elevada propensão que ele tem de consumir toda a riqueza produzida pelas empresas e famílias e, ainda, pela regulação e proteccionismo exacerbados. Por ser muito “guloso”, o estado angolano não permite a formação da poupança e investimentos que geram, depois, riquezas. E, por norma, dois instrumentos essenciais do nosso estado são apontados como sendo os meios de que se serve para empobrecer a sociedade, que são a tributação e o endividamento.

 

9.2- TRIBUTAÇÃO

 

A tributação é a transferência directa de uma porção de rendimento, produção e património na forma de dinheiro ou em espécie, dos produtores para as mãos do governo, com o propósito de ser aplicada em gastos públicos. Imposto, contribuição, encargo, auxílio, subsídio, garantia, doação – incidindo sobre o consumo, património ou rendimento, qualquer que seja o nome que receba, é virtualmente um ónus imposto sobre os indivíduos. E sobre o fenómeno em abordagem, um dos primeiros economistas a estudá-lo e a ilustrar o seu impacto sobre a economia foi o francês Jean-Baptiste Say, em seu Tratado sobre Economia Política. Say, com razão, começou por caracterizar o fenómeno da tributação como “consumo da riqueza”, identificando-o como um ataque e uma punição sobre a aquisição e produção de propriedade, o que, necessariamente, leva a uma redução na formação de riqueza e no padrão geral de vida dos indivíduos. Como nos diz Say, “É um evidente absurdo fingir que a tributação contribui para a riqueza nacional através da absorção de parte da produção nacional e que enriquece a nação ao consumir parte de sua riqueza”.

Depois do trabalho pioneiro de Say, duas outras obras essenciais seguiram-se e procuraram aprofundar esse estudo. A primeira e destacada delas é a obra “Accão humana”, de Ludwig von Mises, sua magnum opus, também conhecida como a Bíblia dos economistas e, a segunda, a de Murray Rothbard, que a partir de seu mestre Mises elaborou, igualmente, a sua magnum opus, Homem, economia e Estado.

Com essas três obras completou-se, praticamente, todo o estudo da tributação e o seu impacto na economia. As obras acima citadas revelam-nos um conjunto de consequências tenebrosas da tributação sobre a economia, cabendo-nos, em resumo, apresentar as seguintes:

► Não existe imposto neutro, isto é, seja qual o nome a possuir, se incide sobre consumo, rendimento ou património, os impostos têm sempre consequências económicas desastrosas, pois diminuem o incentivo de produzir e aumentam a propensão de consumir, fazendo com que os seres humanos prefiram adoptar o modo de vida parasitário, o que degrada constantemente o seu padrão de vida;

► O imposto sobre o consumo não tributa só o consumo, ele é repassado aos produtores, causando o aumento dos preços, o despedimento da mão-de-obra, diminuindo a produção, promovendo assim a escassez dos produtos no mercado;

► Ao tributar-se o rendimento, transfere-se os activos ainda não consumidos de seus produtores a pessoas que não os produziram. Assim, a tributação reduz a renda e o consumo dos produtores, ao mesmo tempo que reduz o incentivo para a produção futura;

► Ao afectar a produção, isto é, diminuir o esforço produtivo direccionado ao futuro, a tributação aumenta a taxa de preferência temporal e, por conseguinte, conduz a uma diminuição da produção, exercendo uma influência na direcção de um modo de vida baseado no consumo imediato, degradando-se, assim, paulatinamente, o padrão de vida;

► Ao reduzir a produção, a tributação diminui ainda a extensão da divisão do trabalho, fazendo com que haja pouca promoção para o crescimento económico. Portanto, é completamente absurdo acreditar que haja alguma promoção do crescimento económico ou justiça com uma política fiscal voltada na arrecadação das receitas.

 

9.3- ENDIVIDAMENTO

 

O endividamento, a par da inflação, tem sido uma das formas mais predilectas dos governos se financiarem e, assim, realizarem despesas públicas. Predilecta, porque o seu ónus é oculto, ou seja, passa despercebido do público. Ao se obter empréstimos, que incluem os respectivos serviços da dívida, cria-se a garantia de pagamentos no futuro. Isso significa que a dívida presente requererá, no futuro, algum aumento de impostos, o que onera não só a geração presente como a futura. Dessa forma, quer seja directa ou indirecta, o endividamento cria a dupla tributação por meio dos serviços da dívida.

Ao captar recursos dos particulares que poderiam ser aplicados nos novos investimentos ou na poupança, o endividamento estatal interno ou externo canaliza escassas e preciosas poupanças privadas para dispendiosas e, muitas vezes, inúteis obras governamentais, o que empobrece a sociedade, agora órfã de mais recursos que poderiam ser canalizados no processo produtivo. Além do mais, sempre que o pagamento das dívidas for feito com recurso à impressão do novo dinheiro, dá-se o efeito inflacionário, tendo como consequência o aumento dos preços no mercado, o que gera, a longo prazo, as ondas de expansão e recessão económicas.

Portanto, o endividamento é uma das formas que o estado usa para aumentar, sem fim, as suas receitas, cujas consequências económicas são igualmente desastrosas. E o esbanjamento estatal não para por aí: há, também, a considerar uma enorme drenagem de recursos financiados directamente pela indústria petrolífera e mineira por meio de vários fundos estatais criados pelo Estado, como são: o Fundo Soberano (FS), o Fundo de Garantia de Crédito (FGC), o Fundo Activo de Capital de Risco Angolano (FACRA), o Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Agrário (FADA), o Fundo de Desenvolvimento do Café de Angola (FDCA), o Fundo de Apoio ao Desenvolvimento da Indústria Pesqueira e da Aquicultura (FADEPA), o Fundo de Apoio à Juventude e ao Desporto (FAJD), o Fundo de Fomento Habitacional (FFH), o Fundo Projecto Coca-Cola, o Fundo Rodoviário (FR), o Fundo de Apoio Social (FAS), o Fundo Nacional do Ambiente (FNA) e o Fundo de Apoio ao Desenvolvimento das Comunicações (FADCOM). Esses fundos têm também uma grande contribuição para o avolumar das despesas públicas, pois financiam várias despesas públicas de acordo com a sua alocação.

Como vimos, o despesismo é o principal vilão do progresso social e causa primordial da generalização da pobreza. Para além de retirar recursos na economia e alocá-los para projectos inviáveis, o despesismo público causa o encarecimento e escassez de produtos no mercado, contribui para o aumento do desemprego, aumenta a preferência temporal dos indivíduos na sociedade, reduz o senso de empreender, o que degenera a civilização humana. Se juntarmos ao despesismo o intervencionismo e o proteccionismo, o caos social causado é assustador e não há economia que sobreviva com esse ambiente. E como foi observado e bem por Mises, “o que é chamado de progresso económico é o efeito conjunto das actividades dos três grupos ou classes: os poupadores, os cientistas-inventores e os empresários, operando numa economia de mercado, na medida em que seus esforços não são sabotados pela maioria e pelas Políticas Públicas”. E para que os esforços desses inventores e empresários sejam recompensados, nada mais é requerido do que a liberdade, o respeito à propriedade privada e o livre mercado, que implicam a existência de um governo com poucas funções ou com pouca acção governativa. E a experiência ao longo da história tem mostrado isso, pois todos os estados fortes têm produzido países pobres, enquanto os estados que permitem mais mercado e liberdade têm propiciado mais progresso social aos seus países.

 

9.4- OBESIDADE ESTATAL: COMO CONTORNÁ-LÁ

 

Diante da obesidade mórbida do governo, algumas medidas são cruciais para a cura dessa doença que tanto mal causa à sociedade. É importante frisar, antes de mais, que a principal causa da obesidade estatal está no seu poder de tributar, que se materializa através dos impostos cobrados à sociedade e na facilidade de se endividar. Para tal, é imperioso que o governo passe a ter um orçamento equilibrado. Orçamento equilibrado significa igualar as despesas às receitas de tal modo que o governo não passe a gastar mais do que arrecada, evitando-se, assim, o endividamento. Segue-se uma outra medida crucial que deve consistir em diminuir o gasto público e, simultaneamente, os impostos. Diminuir o gasto público tem o efeito de reduzir o peso da burocracia estatal e isso, por sua vez, eleva e promove o aumento da participação do sector privado na economia. Com menos burocracia e menos regulamentações desnecessárias incentiva-se o génio criador e, consequentemente, mais empreendedorismo que gera mais riqueza. O Estado deve desfazer-se, imediatamente, do seu sector público empresarial, pois, como sabemos, em qualquer parte do mundo, o Estado é mau gestor e mau proprietário. As empresas como a TAAG, Caminhos-de-Ferro, ENDE, Angola Telecom, UNITEL, Movicel, outras empresas do ramo da televisão e telecomunicações, Cimangol e tantas outras que tenham a participação do Estado devem ser totalmente privatizadas. Mas não pode parar por aí. É preciso privatizar e liberalizar. Significa que é necessário abrir o País para empresários nacionais e estrangeiros, para que possam livremente competir, permitindo baixar os preços e o surgimento de produtos alternativos. É preciso ainda acabar com os monopólios causados pelo proteccionismo exacerbado da nossa pauta aduaneira que tributa ainda absurdamente a importação de vários produtos essenciais, tomando como exemplos a importação de viaturas, do cimento e tantos outros produtos. A diminuição dos impostos, para além de ter efeitos no corte dos gastos públicos, é também uma outra medida eficaz enquanto instrumento para diminuir o poder tributário do Estado.

Pessoalmente, tenho muita objecção com a nossa política fiscal. Sempre questionei o fundamento filosófico, económico e político da nossa tributação. Para um País cuja maioria vive da economia de subsistência e praticamente sem nenhuma classe económica de referência, qual é o propósito dos nossos impostos? Tirar de quem para dar a quem, se quase todos são pobres? Como se justifica num País onde o Estado possui a terra e explora todos os recursos naturais, haver a mesma política fiscal que Portugal, por exemplo? Tudo o que podemos concluir é que a nossa política fiscal enriquece os políticos e seus empresários e explora e empobrece a população, ela própria já empobrecida pelo colonialismo, pela guerra civil e, agora, pela política fiscal. Ao tributar a terra, o consumo, os rendimentos e o património, estamos em presença de uma tributação total, o que, a longo prazo, zera a riqueza de todos os indivíduos e institui o comunismo social. Há ainda uma outra medida importante para a diminuição dos efeitos sociais perniciosos dos gastos públicos, que deve consistir na necessidade de uma maior racionalidade na alocação e aplicação dos recursos provenientes da exploração do petróleo e dos minerais. Trago-vos o exemplo da Noruega, um país tido como bem-sucedido em transformar os recursos petrolíferos em bênção e não em maldição como ocorre com a maioria de outros países exploradores do petróleo. Como explico, no meu artigo, – “A Economia Petrolífera e o Rasto da Maldição e Miséria”, “ Para alcançar o seu estatuto social actual, a Noruega contou com duas medidas essenciais: ritmo moderado na extracção de recursos petrolíferos para garantir que o petróleo e o gás produzidos fossem extraídos de forma conservadora, o que impediria que os custos para adaptação a uma nova indústria se tornassem altos demais ou que o sector fosse cooptado pelos interesses políticos, e uma outra medida ainda mais importante que consiste em “arrecadar e não gastar”, que visa uma perspectiva de longo prazo para a exploração dos recursos naturais, tendo, como objectivo final, uma preocupação com gerações futuras, o que, no fundo, confere ao petróleo desse país o estatuto de sector privatizado. No modelo norueguês, as receitas provenientes da exploração petrolífera são todas canalizadas para um fundo, chamado “Fundo de Pensões,” uma espécie de Fundo Soberano. Por sua vez, esse dinheiro é investido no exterior, na compra de acções e somente os dividendos são gastos para as despesas internas do estado, que devem corresponder a apenas 4% do dinheiro do fundo a cada ano. De lembrar que o fundo norueguês é o maior fundo do mundo. Segundo Arthur Corrêa de Souza, o Fundo Soberano norueguês possui dois principais objectivos: fortalecer a previdência social nas próximas décadas, para fazer frente ao envelhecimento da população e à redução da proporção entre pessoas activas e aposentadas; e um segundo objectivo, que é o de preparar o país para o declínio na exploração e produção de petróleo e, mais tarde, para o fim das reservas de petróleo do Mar do Norte. Esse mesmo fundo foi criado no ano de 1990 e é administrado pelo Banco Central da Noruega e está avaliado actualmente em mais de US $ 1,1 trilhão em activos.” Quer dizer, que a par dessa visão de longo prazo bem-sucedida, que consiste em arrecadar e não gastar, a Noruega tem sabido também fazer bom uso dos recursos petrolíferos ao apostar na modalidade dos fundos de poupança, investimentos e reservas, diluindo o efeito inflacionário da corrupção e do endividamento desses fundos. Estão no leque dessa modalidade de categorias de fundos soberanos países como Botswana, Chile, Indonésia, Malásia, Austrália, Canadá e Noruega. A esmagadora maioria dos países que exportam o petróleo e outros recursos naturais e que sofrem do paradoxo da abundância têm apostado nos fundos soberanos de estabilização e desenvolvimento, permitindo-lhes gastar quase todas as suas receitas petrolíferas em orçamentos públicos, cujos efeitos são gerar inflação crónica, corrupção e endividamento elevado.

Em suma, era esse o diagnóstico que me propunha a fazer. A nossa doença social chama-se obesidade estatal ou despesismo. É uma doença causada pelo poder quase ilimitado que o Estado tem de tributar, cujos sintomas são os impostos e o endividamento elevados. A cura passa naturalmente em limitar o poder tributário do Estado, diminuindo os impostos e os gastos públicos e acabando com défices orçamentais. O economista Thomas Sowell, ao analisar o despesismo que busca o estado de bem-estar social, descreveu-o da seguinte forma: “O estado de bem-estar social é o jogo de trapaça mais antigo do mundo. Primeiro você tira o dinheiro das pessoas discretamente e depois devolve parte dele de forma extravagante…Ele sempre foi julgado por suas boas intenções, e não por seus maus resultados… Ele protege as pessoas das consequências de seus próprios erros, permitindo que a irresponsabilidade continue e floresça entre círculos cada vez mais amplos de pessoas… Ele não é realmente sobre o bem-estar das massas. É sobre os egos das elites.”

Como economista austríaco que sou, confesso que fui o mais moderado possível e até saindo muitas vezes dentro do meu padrão de abordagem. Quero terminar essa carta dizendo como nos ensinou o professor Mises, “que podemos ignorar os ensinamentos da ciência económica e das suas lições, mas não nos livramos das consequências desastrosas de a termos ignorado”. Sei que nem todas as questões apontadas são da competência exclusiva da Senhora Ministra. Também entendo como o ambiente político é, muitas vezes, hostil às ideias científicas, mas ainda assim temos todos o dever de coragem para mudarmos algumas coisas que estejam ao nosso alcance. De facto, historicamente, o livre mercado, o comércio livre, o respeito à propriedade privada e a contenção das despesas públicas, foram sempre as principais buscas e desafios dos ministros das Finanças, como: Anne Robert Jacques Turgot, Francesco Ferrara, Carl Freidrich Waern, entre outros.

Se Vossa Excelência chegou até aqui, é porque leu na íntegra a minha modesta missiva. Por agora, resta-me tão-só esperar que se aprofunde mais na leitura desta carta e que dela tire algumas lições que ajudem nos mecanismos e processos de tomada de decisões sobre o rumo das nossas vidas.

Sem mais de momento, reitero a Vossa Excelência as minhas respeitosas saudações.

 

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Referências Bibliográficas:

1-    https://rothbardbrasil.com/homem-economia-e-estado-com-poder-mercado/

2-    https://rothbardbrasil.com/a-grande-depressao-americana-19/

3-    https://rothbardbrasil.com/acao-humana-um-tratado-de-economia-42/

4-   –    https://rothbardbrasil.com/a-economia-petrolifera-e-o-rastro-da-maldicao-e-miseria/

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