O País está um caos económico sem precedente. Os preços sobem a cada dia e, consequentemente, fica cada vez mais difícil às pessoas não só comprarem bens ou serviços para a sua subsistência, como também criarem poupanças para fazerem face aos acontecimentos ou às intempéries da vida. A vida das pessoas tornou-se insegura diante da volatilidade dos preços. Por conta disso, o mercado de trabalho tem sido marcado por greves em todos os sectores. Médicos e enfermeiros convocaram greves, exigindo aumentos salariais face ao aumento do custo de bens essenciais. Os meses de Novembro e Dezembro de 2022 foram igualmente marcados pela greve no sector da educação. No leque das reivindicações constava essencialmente o aumento dos salários e a diminuição dos impostos que oneram os salários. Recentemente, no mês de janeiro de 2024, mais uma greve foi realizada. Desta vez foi da classe dos funcionários da Procuradoria Geral da República e até da Justiça, que reclamou por mais condições de trabalho e por subsídios. Registaram-se ainda greves dos funcionários das empresas estatais portuárias e da aviação, todos eles exigindo aumentos salariais.
E, de facto, mês após mês, os salários perdem seu poder de compra. Em 2019, na cidade do Lubango, Província da Huíla, por um mês ou mais, o comércio quase parou por conta dos preços. Aconteceu que os comerciantes a retalho que adquirissem um quilo de açúcar, por exemplo, a 500 kzs num grossista e revendessem a 700 kzs no mesmo dia ao consumidor final, quando, no dia seguinte, fossem ao grossista para repor o estoque de mercadorias, os retalhistas enfrentavam a situação do preço do quilo de açúcar estar a ser comercializado pelos grossistas a 1000 kzs, o que punha em causa a própria actividade do comércio. Alguns comerciantes estrangeiros já tencionavam abandonar o mercado nacional, face a esse fenómeno inflacionário. E este fenómeno não é de hoje. Aliás, a inflação é e tem sido a origem de praticamente todas as crises financeiras, o que faz com que ela se confunda com a história da própria civilização humana.
Após a criação do Kwanza em 1976 através da Lei nº 71-A/76 de 11 de Novembro (Lei da Moeda Nacional), que passou a vigorar a partir de 1977, em substituição do escudo colonial, a moeda nacional se foi desvalorizando anos após ano. Em 1992, aprovou-se a Lei nº 10/92 que autorizava o Banco Nacional de Angola a emitir notas de valor facial de AKz: 10.000 e moedas metálicas de Akz: 100 e Akz: 50. Segundo ABANC (Associação Angolana de Bancos), essa situação, que conduziu à uma expansão monetária, influenciou no aumento da inflação e na alta generalizada dos preços. No ano seguinte, foi aprovada a Lei nº 7/93 de 2 de Julho, autorizando a emissão de notas de valor facial de Akz: 100.000 e Akz: 50.000 e a Lei nº 9/94 de 19 de Agosto introduziu a nota de Akz 500.000. Como consta na Página da ABANC, “A moeda nacional estava de tal modo desvalorizada, que em 1995, Akz: 500.000 correspondiam a 0,15 USD, o que motivou a criação de uma nova moeda, o Kwanza Reajustado (AOR), através da Lei nº 4/95 de 1 de Julho, em que 1 dólar equivalia a 1.000 Nkz. A Lei nº 5/95 de 1 de Julho autorizou a emissão de notas de KzR 10.000, KzR 5.000, KzR 1.000. Como a moeda continuava a ter um poder aquisitivo reduzido, recorreu-se, com a Lei nº 10/96 de 26 de Abril, à introdução de notas de maior valor facial, pondo em circulação as notas de KzR 5.000.000, KzR 1.000.000, KzR 500.000, KzR 100.000 e KzR 50.000.
Os dados acima mostram as várias tentativas de se conter a inflação. No entanto, tais tentativas não produziram os resultados almejados. Olhando para os dados do quadro abaixo, nota-se um índice inflacionário do nosso País muito acima da média dos países da União Europeia e dos EUA, o que mais uma vez reforça o histórico da inflação crónica do nosso País.
Taxas de Inflação Históricas em Comparação.
Fig: 1
Ano | Angola | Ø UE | Ø EUA | Ø Mundo |
2021 | 25,75% | 2,55% | 4,70% | 3,50% |
2020 | 22,27% | 0,50% | 1,23% | 1,92% |
2019 | 17,08% | 1,63% | 1,81% | 2,19% |
2018 | 19,63% | 1,74% | 2,44% | 2,44% |
2017 | 29,84% | 1,43% | 2,13% | 2,19% |
2016 | 30,70% | 0,18% | 1,26% | 1,55% |
2015 | 9,35% | -0,06% | 0,12% | 1,43% |
2014 | 7,28% | 0,20% | 1,62% | 2,35% |
2013 | 8,78% | 1,22% | 1,46% | 2,62% |
2012 | 10,28% | 2,66% | 2,07% | 3,73% |
2011 | 13,48% | 3,29% | 3,16% | 4,82% |
2010 | 14,47% | 1,53% | 1,64% | 3,35% |
2009 | 13,73% | 0,84% | -0,36% | 2,94% |
2008 | 12,48% | 4,16% | 3,84% | 8,95% |
2007 | 12,25% | 2,51% | 2,85% | 4,82% |
2006 | 13,31% | 2,67% | 3,23% | 4,28% |
2005 | 22,95% | 2,49% | 3,39% | 4,11% |
2004 | 43,54% | 2,29% | 2,68% | 3,38% |
2003 | 98,22% | 2,09% | 2,27% | 3,03% |
2002 | 108,90% | 2,42% | 1,59% | 2,83% |
2001 | 152,56% | 3,37% | 2,83% | 3,84% |
2000 | 325,00% | 3,15% | 3,38% | 3,49% |
1999 | 248,20% | 2,16% | 2,19% | 3,08% |
1998 | 107,28% | 2,42% | 1,55% | 5,11% |
1997 | 219,18% | 3,11% | 2,34% | 5,57% |
1996 | 4.145,11 % | 3,56% | 2,93% | 6,55% |
1995 | 2.666,45 % | 4,43% | 2,81% | 9,15% |
1994 | 949,79% | 4,72% | 2,61% | 10,32% |
1993 | 1.378,53 % | 4,85% | 2,95% | 7,51% |
1992 | 299,51% | 6,22% | 3,03% | 7,71% |
1991 | 83,78% | 5,48% | 4,23% | 9,00% |
Base de dados: Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial e indicador de inflação CPI da OCDE.
Resumindo, a inflação é um fenómeno social crónico na nossa economia e faz realmente parte da nossa própria história. Face a essa trágica realidade, alguns questionamentos se fazem necessários: o que fazer para inverter o fenómeno da crónica inflação? Será a luta por aumentos salariais, por via de decretos, a medida mais adequada para minimizar ou abolir a inflação e seus efeitos? Como diminuir ou extinguir o fenómeno da inflação? Mais importante ainda: qual é a causa da inflação em Angola e por que ela é mais evidente no nosso País?
11.1- A CAUSA DA INFLAÇÃO E OS MECANISMOS DA SUA OPERACIONALIZAÇÃO
Para compreender um fenómeno ou realidade social, é sempre necessário munir-se de uma base teórica que seja capaz de dar uma explicação consistente desse fenómeno ou realidade social. E a inflação, enquanto fenómeno social, não foge à regra. Como é sabido, o maior dos sintomas de todo processo inflacionário é o aumento generalizado e contínuo dos preços de bens e serviços no mercado, pelo que, nada mais é capaz de descrever ou explicar a inflação do que a teoria de preços. A esse respeito, a teoria económica ensina-nos que o preço é a quantidade de dinheiro necessário para se adquirir um bem ou serviço. Quando dizemos que um pão custa 50 Kzs, estamos a dizer que 50 Kzs é a quantidade de dinheiro necessária para se comprar o pão. O preço de um bem ou serviço é determinado, por sua vez, através da conhecida lei da oferta e procura, o que significa que a maior ou menor oferta e ou demanda são os principais factores que determinam as variações dos preços. Se a oferta de bens no mercado aumenta, – mantendo a demanda constante –, então os preços de bens baixam, já que há mais mercadorias para a mesma quantidade de dinheiro. Inversamente, se a procura aumenta, – mantendo igualmente a oferta constante – os preços dos bens aumentam, já que há mais dinheiro para comprar bens e serviços.
Duas conclusões podem ser retiradas sobre a lei da oferta e procura: a primeira é a de que a oferta é determinada pela produção e segunda, a de que a demanda ou procura é determinada pela quantidade de dinheiro em posse dos compradores. Embora a lei da oferta e procura seja consistente para explicar a variação de preços, a verdade é que, para o estudo da inflação, o enigma do “aumento generalizado e contínuo” dos preços precisa de ser decifrado. Sabemos que a economia global é constituída por vários sectores produtivos, pelo que os aumentos do preço de bens de um sector não causam o aumento de preços em outros sectores. Por exemplo, o aumento do preço do pão, não irá causar o aumento do preço de eletrodomésticos, o que torna necessário rastrear o que determina o aumento generalizado em toda economia ao invés do aumento em único sector económico.
Voltando à teoria dos preços e à lei que a regula, o que causaria o aumento contínuo e generalizado dos preços de bens e serviços seria a contínua diminuição da oferta ou produção, o que de facto contrasta com a realidade. No mundo actual, contando com o contínuo progresso tecnológico ou aperfeiçoamento das técnicas de produção, verifica-se o aumento contínuo da produção a escala global, o surgimento de novos produtos e a intensificação das trocas a nível global, o que contrasta com o fenómeno da inflação. Mantendo a procura constante, o mundo actual seria marcado por um processo deflacionário contínuo, dado ao contínuo progresso tecnológico e da produtividade. Portanto, olhando para a nossa realidade, o problema da inflação não pode ser encontrado do lado da oferta.
Ora, concentrando-nos agora para o lado da procura e sabendo-se de antemão que o que determina a demanda é a quantidade de dinheiro no bolso de cada comprador, torna-se mais fácil determinar ou rastrear a origem da inflação. Sendo que a oferta de bens tem aumentado constantemente em todos sectores económicos, o aumento contínuo e generalizado dos preços só ocorre se houver um aumento constante e generalizado do dinheiro no bolso dos compradores. Se, por exemplo, houver um aumento do dinheiro no bolso dos consumidores em cerca de 10%, mantendo-se constante a oferta, ou a oferta aumentar a um nível menor em relação à demanda, então mais dinheiro haverá para se comprar bens, o que pressiona, pela mesma lei, o aumento de preços. Ou seja, mais quantidade de dinheiro nas mãos dos consumidores, mantendo a oferta constante ou crescendo a um ritmo inferior ao aumento do dinheiro, é a causa principal que se pode rastrear para explicar o aumento contínuo e generalizado do preço dos bens ou serviços no mercado.
Desse modo e olhando para o mundo actual, para que tal aumento do dinheiro ocorra desproporcionalmente à oferta, é necessário que haja um processo de produção arbitrário de dinheiro em circulação no mercado. E, hodiernamente, a instituição responsável por tal processo de produção arbitrária de dinheiro chama-se Banco Central, que, no nosso caso, é o Banco Nacional de Angola (BNA).
Ao contrário do que se pensa e daquilo que tem sido ensinado nas escolas mainstream, a inflação não é o aumento generalizado dos preços dos bens ou serviços no mercado. Na verdade, esse fenómeno é apenas uma consequência económica da inflação. A inflação é o aumento de dinheiro no mercado de forma arbitrária, isto é, o aumento de dinheiro sem lastro ao dinheiro-mercadoria, como foi o ouro, a prata e, tradicionalmente, o gado, o zimbo, o sal, etc. Essa distinção é importante ser feita, pois ela é determinante nas soluções económicas ao problema da inflação e não só. Quando se concebe a inflação como o aumento generalizado e contínuo dos preços no mercado, admite-se, desta forma, a existência de falhas gerais e permanentes do funcionamento do mercado e, consequentemente, a necessidade da regulação do funcionamento desse mesmo mercado. Admite-se, ainda, baseando-se nessa abordagem, que todo o processo inflacionário é causado pelas empresas que operam no mercado. Ao contrário, quando a concebemos como aumento artificial do dinheiro no mercado, admite-se correctamente que ela é causada pelo sistema monetário coordenado pelo Banco central do Estado.
Agora que foi possível rastrear a causa ou a origem da inflação e sabendo-se que ela, afinal, ocorre com o aumento da oferta do dinheiro artificial e sem lastro no dinheiro-mercadoria, ou com o dinheiro fabricado pelo Banco Central através da monopolização monetária, fica-nos mais fácil rastrear os mecanismos da sua operacionalização. Neste sentido, o processo inflacionário operacionaliza-se por duas vias. Primeiro, temos a via mágica ou directa, que se materializa através do aumento directo da massa monetária em circulação. Esse processo ocorre primeiramente através da impressão directa do dinheiro, o que, ceteris paribus, aumenta os preços pelo mecanismo da oferta e procura. Imaginemos que, numa determinada economia, a uma quantidade de oferta e procura o saco de 50 Kg de arroz esteja a custar 10 mil kwanzas. Imaginemos ainda que, volvidos 30 dias, o governo aumente a quantidade da moeda em circulação por meio da fabricação directa, numa situação em que tudo o resto se mantém constante. O que vai acontecer é que, ao se introduzir esse dinheiro no mercado, os consumidores terão mais dinheiro para gastar com a mesma quantidade produzida. Ou seja, na situação concreta, haverá mais dinheiro para a mesma quantidade de bens e serviços disponíveis, o que, pela lei da procura e oferta, irá baixar o preço do dinheiro em relação à produção efectuada. Nesse caso, o desajuste entre dinheiro versus produção desvaloriza a unidade monetária, o que economicamente implicará no aumento de preços de bens e serviços. O dinheiro ficou mais desvalorizado em relação às mercadorias e então os preços dos bens sobem.
E olhando para a estrutura funcional da nossa economia, o processo inflacionário mágico opera-se essencialmente por meio da impressão directa da moeda e, também, através do estabelecimento do próprio capital social do Banco Central, que, como é natural, nunca corresponderá à produção. No caso de Angola, o valor do capital social está cifrado actualmente em Akz: 170.000.000.000,00, correspondendo ao total da moeda em circulação. O quadro abaixo apresenta-nos os principais indicadores da variação monetária de 2011 a 2022, que, de certa forma, nos permite avaliar a impressão mágica da moeda.
Fonte: BNA
Para uma melhor compreensão, vamos abaixo apresentar de forma gráfica os dados numéricos acima expostos.
Fig: 3/Fonte: BNA
Para uma análise da produção mágica da inflação, vamos nos fixar nos dados sobre a Base Monetária. De reforçar que esse indicador bancário ilustra o total de moeda em circulação na economia, somadas as reservas bancárias que os bancos comerciais mantêm no Banco central.
Analisando os dados, o índice da Base Monetária cresceu 641.912 milhões de Kwanzas só nos primeiros 5 anos, representando 64, 88%. Igualmente, verificou-se um crescimento de 1.071.308 milhões de Kwanzas de 2016 a 2022, correspondendo 70,81% de crescimento da Base Monetária. Houve durante o período em análise, reduções de Base Monetária nos anos de 2016 e 2020, diluído com o crescimento colossal geral verificado durante todo período. De notar que o crescimento médio anual da Base Monetária durante o período foi de 135.662, 67 milhões de Kwanzas. Esse crescimento frequente da Base Monetária revela que houve uma produção mágica da inflação na forma da impressão directa da moeda. Aliás, o crescimento da Base Monetária foi também acompanhado pelo crescimento sistemático das notas e moedas em circulação, o que reforça as provas sobre o aumento mágico da massa monetária.
A par da via mágica do aumento da moeda em circulação, está a outra forma, que se materializa de forma indirecta, a que chamamos via oculta. Por este meio, o governo pode inflar a massa monetária através do mercado primário, – comprando ou vendendo imóveis – e também através do crédito bancário, produzindo assim “criptomoedas” (bilhetes e títulos de tesouro e outras obrigações estatais, internas e externas). A partir das “criptomoedas” gera-se um múltiplo inflacionário que permeia toda economia. Todo esse processo inflacionário é e só pode ser conduzido por um Banco Central em conluio com os bancos comerciais por meio das reservas fraccionárias. A reserva fraccionária é, portanto, um valor correspondente à determinada fracção dos depósitos bancários que, por lei, os Bancos Comerciais são obrigados a manter, em dinheiro ou na forma de activos com alta liquidez, no próprio Banco ou no Banco Central. Essa reserva incide sobre depósitos à ordem e a prazo e a sua taxa é igualmente estabelecida pelo Banco Central.
Suponhamos que o BNA tenha fixado como taxa de reserva 10%. Vamos agora imaginar que, em um determinado dia, o BFA tenha uma carteira de depósitos avaliada em Akz: 1000.000,00, e, no mesmo dia, João, cliente desse Banco, deposite o equivalente a Akz: 100.000,00. Desses AkZ: 100.000,00, Akz: 10.000,00 (10% de Akz: 100.000,00) ficam como reserva guardada no BNA, e Akz: 90.000,00 (Akz: 100.000,00 – Akz: 10.000,00), ficam à disposição do BFA que poderá emprestá-lo a outra pessoa, a Pedro ou à empresa ABC Lda. Pedro recebe o empréstimo do BFA no valor de Akz: 90.000,00, e, em seguida, transfere-os para o BCI. O BCI terá, então, os seus depósitos aumentados em mais de Akz: 90.000.00, que serão taxados a 10% de reserva, ficando o BCI com Akz: 81.000,00 (Akz: 90.000,00 – Akz: 9.000,00). Novamente, o BCI tem à sua disposição, de acordo com essa operação, Akz: 81.000,00 para emprestar, os quais, sem perda de tempo, empresta imediatamente à empresa J&Filhos Lda. Com o novo empréstimo em suas mãos, a J& Filhos Lda, transfere-o para o BAI, que, novamente, terá a sua carteira de depósitos aumentada em mais de Akz: 81.000,00. Continuando com o processo de reservas fracionárias, mais uma vez o novo depósito será taxado no equivalente a Akz: 8.100,00. Sequencialmente, o BAI terá à sua disposição Alz: 72.900,00 (Akz: 81.000,00- Alz: 8.100,00), e, novamente, irá emprestá-los. No exemplo, o processo não está concluindo, pois há ainda Akz: 72.900,00 para serem emprestados. Mas, ainda assim, podemos notar que dos Akz: 100.000,00 depositados inicialmente, o sistema bancário, por intermédio das reservas fracionárias, criou de forma inflacionária Akz: 271.000,00 só na terceira operação.[1]
Percebe-se que os Akz: 100.000,00 do João depositados no BFA geraram, no fim da terceira operação, Akz: 271.000,00 no sistema bancário através do mecanismo das reservas bancárias obrigatórias. Nota-se claramente nesse exemplo que os Bancos inflaram ou aumentaram a massa monetária do nada.
Outra forma creditícia de inflacionar vem também por intermédio dos títulos de tesouro emitidos pelo governo. No caso, o Ministério das Finanças emite um título de tesouro (um papel) com, por exemplo, o Valor de Akz: 1.000.000, e com o prazo de maturidade de 6 meses. Vencido o título, o seu portador como não pode transacionar directamente com o BNA, deposita-o no Banco Comercial qualquer, que, em troca, deposita na sua conta de depósito à ordem, ou a prazo, o valor de Akz: 1000.000. O Banco receptor, por sua vez, encaminha o título ao BNA, que, por seu turno, irá aumentar na reserva fraccionária desse mesmo Banco. Ora, nesse caso, o Banco comercial irá transferir o excesso da reserva para as suas contas, o que, mais uma vez, lhe dará possibilidade de começar mais um processo inflacionário por intermédio do crédito. Observa-se que, nessa operação, a falsificação começa directamente com o BNA, que do nada aumenta digitalmente ou nominalmente mais Akz: 1000.000,00 na conta do Banco Comercial. Portanto, o BNA falsificou literalmente mais Akz: 1000.000, que depositou na conta do Banco comercial. Segue-se depois outro processo inflacionário dos Bancos Comerciais operado por reservas fraccionárias.
Uma outra forma menos usual de inflacionar ocorre com o recurso ao mercado primário, em que o BNA adquire directamente imóveis de particulares, pagando com um título, que, depois, também será depositado no Banco Comercial determinado. Aqui, portanto, o processo inflacionário segue os mesmos trâmites. Nesse caso, o mercado primário, por meio das reservas fraccionárias, torna-se um instrumento de gestão monetária. O Banco Central pode estimular a inflação, injectando reservas no sistema bancário ou reduzir as reservas ou comprando activos, criando assim contracção monetária.
Em resumo, fica assim concluída a teoria quantitativa da moeda, que explica o processo de produção da inflação. Assim, à luz do que foi exposto, a inflação é, em todo lugar e tempo, um fenómeno criado pelo Banco Central, sendo o aumento de preços uma das consequências económicas mais visíveis desse fenómeno. E esse fenómeno, como já dissemos acima, se operacionaliza teoricamente através do mecanismo bancário de reservas fracionárias. Esse mecanismo é o instrumento pelo qual o estado controla a oferta monetária e é também um mecanismo mais eficaz de camuflar a impressão da moeda, já que seria demasiado flagrante se o estado imprimisse directa e regularmente o dinheiro de curso legal. Então, para o banco central controlar todo o sistema monetário, ele necessariamente terá de socorrer-se do mecanismo das reservas bancárias, isto é, uma percentagem do total de depósitos bancários que os bancos comerciais são obrigados a manter em caixa no Banco Nacional de Angola. Significa que, se um determinado banco tiver Akz: 10.000.000, como total dos depósitos bancários e a taxa da reserva bancária estipulada pelo BNA for de 10%, então esse banco será obrigado a depositar no BNA o equivalente a Akz: 1000.000, constituindo esse valor a sua reserva bancária, ou compulsório, como é conhecido nas lides do sistema bancário.
Então, o sistema de inflar ou aumentar a massa monetária se dá quer através da forma directa ou mágica, como, por exemplo, a impressão da moeda e de recursos financeiros provenientes do petróleo, que entram na economia por meio do estado, quer, também, de forma indirecta ou oculta, que ocorre por intermédio das reservas fraccionárias, emitindo “criptomoedas”, como são os títulos e obrigações de tesouro e ainda das receitas petrolíferas que entram para a economia em forma de crédito.
Sobre a produção inflacionária oculta, nada melhor do que observarmos os dados das Reservas Bancárias do mapa exposto acima. No geral, as reservas bancárias cresceram durante todo o período de análise, o que revela que os Bancos Comerciais sempre tiveram à sua disposição dinheiro para emprestar e, assim, multiplicar de forma oculta a massa monetária. Durante o período, as reservas bancárias cresceram em cerca de 1.394.708 milhões de Kwanzas, correspondendo 222,44%. Em média, as reservas bancárias cresceram 116.225,66 milhões de Kwanzas anualmente, o que significa que os bancos tiveram anualmente esse dinheiro para multiplicar ou piramidar.
O crescimento das reservas bancárias revela a emissão permanente das obrigações e títulos de tesouro emitidas pelo estado, a compra permanente do BNA de activos no mercado primário e o crescimento permanente do crédito à economia proveniente da exploração petrolífera, o que naturalmente produz a inflação oculta.
De recordar que, no ano de 2024, a taxa de reserva obrigatória foi estabelecida em 20%, o que nos permite calcular o multiplicador bancário, ou seja, o número de vezes em que os empréstimos são multiplicados na economia. Assim, a fórmula do multiplicador bancário é:
- M = 1/R
- R = percentual da reserva obrigatória estabelecido pelo Banco Central
- M = multiplicador monetário.
Voltando ao caso anterior do Sr. Pedro, que recebeu um empréstimo do BFA no valor de Akz: 90.000,00 e aplicando o R de 20%, o resultado será:
M= 1/0,2 = 5. No caso: 90.000,00 x 5= 450.000,00, ou seja, os Akz: 90.000 irão transformar-se em aproximadamente Akz: 450.000 a serem emprestados no sistema bancário, o que quer dizer que os Akz: 90.000 serão transformados em Akz: 450.000 em todo processo da produção inflacionária.
Em suma, esses dados revelam o quanto o aumento oculto da massa monetária é determinante da inflação. E se juntarmos a essa a impressão mágica ou directa do dinheiro, é fácil percebermos como a inflação em Angola se torna crónica.
Assim, dado que, por questões históricas do nosso próprio País, não há independência dos chamados órgãos de soberania por forma a conferir check and balance entre os poderes instituídos, o governo angolano tem as portas abertas para gastar como lhe aprouver. Significa isso que não existem mecanismos de controlo orçamental do governo e, por consequência, temos um dos governos mais pródigos do mundo. O governo tem, então, explorado de forma exaustiva todas as fontes de recursos que lhe permitem prodigalizar, usando simultaneamente a tributação, o endividamento e a inflação enquanto fontes de renda do Estado. Poucos são os governos no mundo que têm a sorte de ter à sua disposição todas as fontes de receitas estatais. A maioria tem apenas como fontes a tributação e o endividamento, com o agravante de que geralmente existem regras bastante rígidas entre esses países relativas ao endividamento.
Ora, com a sorte de poder gastar como lhe aprouver, o estado angolano transformou a nossa economia num mecanismo de produção incessante da inflação, ajudado pelo forte pendor no endividamento e na dependência excessiva a recursos petrolíferos para financiar a economia, resultando em consequências económicas e culturais desastrosas. Como exposto acima, por efeito da oferta e procura, inflar o dinheiro redunda sempre no aumento dos preços e concomitantemente na redução do poder de compra dos trabalhadores. Mas as consequências económicas não param por aí. Há também o efeito redistributivo da renda e riqueza. Quer dizer que, com a inflação, o novo dinheiro criado chegará primeiro às mãos dos inflacionistas ou falsificadores, colocando desproporcionalmente mais dinheiro nas suas mãos. Desse modo, a inflação beneficia mais a classe dos que a criam, em detrimento dos últimos recebedores, transferindo riqueza e renda para os primeiros. A inflação também distorce o funcionamento normal da economia, pois os primeiros recebedores do novo dinheiro irão determinar o rumo da economia em função das suas preferências. Portanto, a estrutura de produção irá acompanhar as preferências dos inflacionistas, distorcendo a economia de uma forma geral.
A par das consequências económicas, a inflação também produz efeitos culturais, que vão desde a redução da poupança e dos investimentos, à redução das quantidades técnicas e da própria qualidade dos produtos. Com a inflação, as pessoas desenvolvem uma mentalidade materialista, o que, de certa forma, afecta a base moral de toda a sociedade, corroendo a base civilizacional.[2]
E, então, sabendo-se dessas consequências tão nocivas para a vida do homem, urge toda a necessidade de estancar esse fenómeno. Como vimos, o motor principal da inflação é a fervorosa apetência ao despesismo publico. Essa preferência resulta, em primeiro lugar, duma falha epistemológica que cooptou a ciência económica para dentro dos desígnios da ciência política moderna. Essa cooptação fez com que se generalizasse a ideia de que o progresso económico é um instrumento político, e cuja concretização só pode resultar da realização das despesas públicas ou de outras formas de intervencionismo estatal na esfera económica. Foi com essa crença que uma série de instituições políticas surgiram com funções económicas, subjugando a economia à ciência política. Assim, o primeiro passo para uma moeda sólida seria separar a economia da política e inculcar nos cidadãos uma cultura verdadeiramente económica e política. As pessoas precisam de aprender seriamente sobre política e economia, para perceberem que a realidade não desaparece quando ignorada, e, pior ainda, que não nos livramos das consequências de não observarmos os ditames da realidade. Dito de outro modo, a política deve estar voltada à sua essência que é produzir uma ordem social justa, devendo para isso existir classes naturais que compreendam a necessidade de preservar as leis que protejam a vida e a propriedade privada, ao mesmo tempo que a economia deve estar ao serviço de uma ordem social próspera e, para isso, factores culturais são determinantes. Ou seja, a política exige uma acção colectiva, pois visa proteger a propriedade privada dos membros de uma comunidade que buscam cooperar mutuamente, ao passo que a economia exige acção individual. Daqui decorre a conclusão de que a prosperidade social é responsabilidade de cada indivíduo incluído numa sociedade.
Feita essa constatação e na medida em que os indivíduos percebam isso, haverá então uma luta por um dinheiro mais sólido como compromisso social. Isso envolve, como é natural, o desaparecimento de muitas instituições modernas que estão ao serviço da falsificação das ideias económicas. E, assim, aos poucos poderemos retornar ao modelo da moeda-mercadoria, ou padrão ouro, com dinheiro mais sólido produzindo crescimento económico com a deflação. Estamos, no caso, a propor uma solução dentro de uma economia livre.
Existe também uma forma alternativa de aliviar a inflação no contexto de uma economia obstruída pelo estado. E essa solução passa, em primeiro lugar, em diminuir e limitar o orçamento geral do estado, tornando o estado menos interventivo. Nessa perspectiva, deve existir uma ampla descentralização política para que exista vários centros de poder concorrentes entre si e onde as decisões tributárias são decididas pelos cidadãos de cada centro de poder. Desta forma, o mecanismo da descentralização política permite limitar o poder tributário do estado e assim o governo só poderá gastar aquilo que arrecada. Deve-se também impor um mecanismo de freio ao endividamento, impossibilitando qualquer aumento sistemático do orçamento do estado. Essas medidas devem ser acompanhadas por uma restruturação do Banco Central, o que pode acontecer, por um lado, relegando ao Banco o papel ou função de um simples tesouro nacional, ou, por outro lado, e na melhor forma, destruindo ou fazendo desaparecer essa instituição. Essas medidas têm sido utilizadas por alguns países. A Suíça, por exemplo, é um País que constitucionalizou o freio ao endividamento, impedindo o estado local de aumentar o seu orçamento com recurso ao endividamento, para além de que as decisões sobre a tributação são determinadas a nível dos municípios e cantões. Nesse País, os cidadãos têm o controlo da máquina governamental e o poder central é apenas formal. Outro País que também se enquadra na nossa solução é o Panamá, que não tem um Banco Central.
Portanto, essas soluções são, de facto, a via a ser seguida para diluir ou eliminar o fenómeno da inflação e, assim, retornarmos a uma mercadoria-moeda e colocarmos a economia ao serviço dos indivíduos, gerando, prosperidade.
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Notas
[1] Murray N. Rothbard, O que o Governo Fez com o Nosso Dinheiro? – São Paulo, Instituto Rothbard, 2013. Ver também, Murray N. Rothbard, Por Uma Nova Liberdadeb- O Manifesto Libertário, São Paulo, Instituto Rothbard, 2013.
[2] Jörg Guido Hülsmann, “As consequências políticas e culturais da inflação”, Instituto Rothbard, 2015.