4. É verdade que Keynes era um liberal?

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Keynes e o neomercantilismo

Sempre houve quem classificasse John Maynard Keynes como um dos mais importantes liberais da história moderna, talvez o mais recente entre os “grandes” na tradição de John Locke, Adam Smith e Thomas Jefferson.[1]

Dentre estas pessoas, quase todas são da opinião que, assim como esses homens, Keynes acreditava sinceramente — aliás, exemplarmente — na livre sociedade. Se ele se distinguia dos liberais “clássicos” em um ou dois pontos mais evidentes e importantes, era só por ter tentado atualizar o essencial das ideias liberais para adequá-las às condições econômicas de uma nova era.

Não há dúvida de que, ao longo da vida, Keynes defendeu valores culturais mais generosos, aos quais se costuma dar o nome de “liberais”, como a tolerância e a racionalidade, além de, é claro, sempre ter se definido como liberal (era também apoiador do Partido Liberal Britânico). Mas nada disso tem peso significativo na classificação de seu pensamento político.[2]

Em um primeiro momento, identificá-lo como modelo de liberal já é um paradoxo, quando se sabe que ele adotou a doutrina mercantilista. À época em que A teoria geral do emprego, do juro e da moeda foi publicada, em 1936, W. H. Hutt estava prestes a mandar para o prelo seu Economists and the public (1936). Nos anos seguintes, ele submeteria o sistema de Keynes a uma análise minuciosa e desmoralizadora (Hutt 1963, 1979), mas até aquele momento só havia conseguido inserir às pressas algumas observações preliminares. Para ele, o mais estarrecedor era aquele economista de renome “querer que nós acreditemos que os mercantilistas estavam certos e as críticas feitas e eles pelos clássicos, erradas” (posição exposta no capítulo 23 da Teoria Geral) (Hutt 1936, p. 245).

Hutt escrevia sob a ótica da ciência econômica. Aqui, estamos falando da totalidade do liberalismo como filosofia social. Se o que caracteriza historicamente a doutrina liberal é seu repúdio ao paternalismo do estado assistencialista, ainda mais característica é sua rejeição ao componente mercantilista do absolutismo do século XVIII. Então, como pode um escritor que tentou reabilitar o mercantilismo ser incluído entre os grandes do liberalismo?[3]

Em defesa de Keynes, Maurice Cranston argumenta que ninguém negaria incluir John Locke entre os liberais, apesar de ele ter aderido ao mercantilismo (1978, p. 111). Bem, dizer que Locke defendeu o mercantilismo é questionável; Karen Vaughn (1980) já nos deu razões para acreditar no contrário. Mas, ainda que houvesse defendido, o fato não validaria o argumento de Cranston. Locke é considerado com justiça um dos grandes do liberalismo não por causa de suas ideias sobre teoria e política econômica, fossem quais fossem, mas por causa da importância caracteristicamente libertária que reconhecia aos direitos naturais e do que acreditava ser a consequência desse reconhecimento.[4]

O sistema keynesiano

Conforme o próprio Keynes e seus partidários, a necessidade de sua guinada para o neomercantilismo deveu-se à descoberta de falhas fundamentais na teoria econômica clássica. A alegação é que ela não conseguiu explicar nem as causas da persistência do alto índice de desemprego na Grã-Bretanha, na década de 1920, nem as da Grande Depressão. Keynes, ao contrário, explicou as duas coisas na Teoria geral — façanha que obteve ao desmascarar os graves defeitos de uma economia de mercado não dirigida, o que causou uma “revolução” no pensamento econômico.

Mas todas essas crises específicas que causaram a reação de Keynes foram o produto de políticas governamentais equivocadas. A persistência da alta taxa de desemprego na Grã-Bretanha remonta, em parte, à decisão de Winston Churchill, que era ministro da fazenda, de retornar ao padrão-ouro utilizando a irrealista paridade vigente antes da guerra e, em parte, aos altos e dispendiosos (em comparação aos salários) valores pagos pelo seguro-desemprego após 1920. A Grande Depressão foi causada principalmente pela gestão monetária do governo — em particular, do Federal Reserve, o Banco Central dos Estados Unidos. As duas crises podem ser explicadas pela análise econômica “ortodoxa”, não há necessidade de nenhuma “revolução” teórica (Rothbard 1963; Johnson 1975, pp. 109–12; Benjamin e Kochin 1979; Buchanan, Wagner e Burton 1991).[5]

Como observou Hutt, Keynes, em A Teoria Geral, deu as costas a toda autoridade reconhecida, desde Hume e Smith a Menger, Jevons e Marshall, passando por Wicksell e Wicksteed. À parte o grau de adesão de cada um desses pensadores ao laissez-faire, estes pensadores ao menos reconheciam que, em uma economia de mercado, havia forças autocorretivas que faziam com que as eventuais depressões econômicas fossem temporárias. Keynes, ao descartar a “ortodoxia” de seus antecessores (e contemporâneos), alinhou-se com o que ele mesmo apelidou de “corajoso exército de hereges”: Silvio Gesell, J. A. Hobson e outros social-reformistas e críticos socialistas do capitalismo, descartados como lunáticos pelos economistas mais em voga (Friedman 1997, p. 7).

Em um famoso ensaio de 1934, Keynes já se colocava ao lado desses “hereges”, escritores “que rejeitam a ideia de que o sistema econômico vigente consiga se autorregular de forma relevante… O sistema não é autorregulável e, a menos quando deliberadamente orientado, não é capaz de converter nossa penúria real em fartura potencial” (1973a, pp. 487, 489, 491). A Teoria Geral foi escrita com a intenção de providenciar uma estrutura analítica que justificasse essa posição.

Conforme Keynes, mudanças nos preços, salários e taxas de juros não cumprem a função que a teoria econômica clássica lhes atribui — tendendo a gerar um equilíbrio com pleno emprego. O nível dos salários não exerce efeito significativo no volume de empregos; a taxa de juros não contribui para equilibrar as poupanças e investimentos; a demanda agregada é, em geral, insuficiente para produzir o pleno emprego; e assim por diante. As falsas conjecturas, incoerências conceituais e non sequiturs que deturpam essas afirmações exageradas foram desmascarados em várias ocasiões (por exemplo, Hazlitt 1959, [1960] 1995; Rothbard 1962, p. 2, passim; Reisman 1998, pp. 862–94).[6] Cabe a James Buchanan resumir a questão: “Não há evidência nenhuma que sugira que as economias de mercado sejam intrinsecamente instáveis” (Buchanan, Wagner e Burton 1991, p. 109).

Seja como for, nem todo sistema que preserve elementos comuns a uma ordem baseada na propriedade privada pode ser considerado, com justiça, um sistema liberal. Como é do conhecimento de todos, na história moderna houve um sistema que incluía a propriedade privada e permitia que os mercados operassem de modo restrito e limitado. Contudo, os responsáveis por seu controle insistiam no papel predominante do estado, sem o qual — assim acreditavam — a vida econômica descambaria em anarquia. O surgimento do liberalismo econômico foi uma reação contra esse sistema, chamado mercantilismo.

Também de extrema importância para o ponto em discussão é o modo como os equívocos de Keynes abalaram a confiança em um arranjo de livre mercado, abrindo caminho para o aumento descomunal do poder do estado.

Murray Rothbard observa que Keynes postulava um mundo em que os consumidores seriam autômatos ignorantes e os investidores seriam sistematicamente irracionais, guiados por um cego “espírito animal”, concluindo que a totalidade do volume de investimentos deveria ser entregue aos cuidados de um deus ex machina, uma “classe externa ao mercado … o aparato estatal” (Rothbard 1992, pp. 189–91). A esse processo, Keynes dá o nome de “socialização dos investimentos”. Como declara em A Teoria Geral,

            “Tenho esperanças de ver o Estado, que está em posição de calcular a eficiência marginal dos bens de capital a longo prazo e tomando por base a vantagem social geral, assumir uma responsabilidade cada vez maior na organização direta dos investimentos” (1973b, p. 164). Ele defendeu a criação de um Conselho Nacional de Investimentos. Mesmo tardiamente, em 1943, ainda estimava que uma autoridade assim exerceria influência direta sobre “dois terços ou três quartos do total dos investimentos” (Seccareccia 1994, p. 377).[7]

Robert Skidelsky insiste que, nestes exemplos, Keynes não tinha em mente o estado no sentido de um governo central (1988, pp. 17–18), mas, sim, aqueles “órgãos semiautônomos no seio do Estado” dos quais falou em 1924, “órgãos cujos critérios, no âmbito de sua esfera de atuação, são unicamente os do bem público, segundo seu entendimento, e de cujas deliberações estão excluídos proveitos privados” (Keynes 1972, pp. 288–89). Contudo, Skidelsky parece ignorar os problemas dessa concepção pretensiosa.

Keynes nunca especificou como deveria ser a atuação desses órgãos, nem jamais apresentou razão nenhuma para se acreditar que estariam em posição de calcular a “eficiência marginal do capital” (seja como for, um conceito bastante confuso; ver Hazlitt 1959, pp. 156–70; Anderson [1949] 1995, pp. 200–205) e nunca esclareceu de que modo misterioso eles se manteriam inacessíveis a motivações que obedecessem a um proveito particular (inclusive pessoal e ideológico).[8] Além disso, dado que Keynes garantiu que esses “órgãos semiautônomos” estariam “sujeitos até a última instância à soberania da democracia, expressa por meio do Parlamento” (1972, pp. 288–89), como impedi-los de se tornarem, de fato, agências do estado central?

Se o cerne da doutrina liberal é que, havendo uma adesão institucional ao direito à vida, à liberdade e à propriedade, é de se esperar que, de modo geral, a sociedade civil seja capaz de gerir a si mesma; e se o exemplo emblemático do programa liberal é a capacidade de uma economia de mercado livre de intervenção estatal funcionar a contento, então a “Revolução Keynesiana” assinalou o abandono do liberalismo.

Em pouco tempo, o keynesianismo triunfou entre proeminentes economistas acadêmicos e do governo, tornando-se, após a Segunda Guerra Mundial, a doutrina oficial dos países avançados. Entre os administradores do Plano Marshall e seus aliados na Comissão Econômica para a Europa, da ONU, ele era obrigatório, assim como entre os administradores do Programa de Recuperação Europeu. A Itália, por exemplo, “era constantemente instada por essas duas agências a incorrer em uma reflação monetária” (de Cecco 1989, pp. 219–21).

Apesar da resistência da Alemanha Oriental, então sob a liderança de Ludwig Erhard e os conselhos de economistas como Wilhelm Röpke, os dois maiores partidos políticos britânicos defenderam o ideal keynesiano de estimular a demanda como meio de se obter o pleno emprego — à época, o principal objetivo. Nos Estados Unidos, o Employment Act de 1946 reconheceu o papel fundamental do governo federal em garantir uma política de emprego máximo, fazendo uso de operações fiscais. Os resultados dessa revolução foram desastrosos.

Antes de Keynes, o objetivo dos governos era manter o orçamento equilibrado — ao menos, nos países civilizados. O keynesianismo reverteu essa “constituição fiscal”. Ao atribuir aos governos a responsabilidade pelas políticas fiscais “contracíclicas”, e ao ignorar a tendência dos políticos imediatistas de acumular déficits, ele preparou o terreno para um aumento sem precedentes tanto na tributação, quanto na dívida pública, nas décadas seguintes à Segunda Guerra Mundial (Buchanan 1987; Rowley 1987b; Buchanan, Wagner e Burton 1991).

É com alguma frequência que se diz que Keynes “não era keynesiano”, no sentido de que não se pode responsabilizá-lo pelo uso que seus seguidores fizeram de suas teorias. Mas em qual outro caso um “grande nome” do liberalismo, um liberal “exemplar”, viu um círculo de acólitos de enorme influência atribuir a ele uma interpretação acentuadamente antiliberal? Michael Heilperin observa com sarcasmo: “Se [Keynes] era liberal, então era do tipo singular, daquele cujas recomendações práticas constantemente promoviam o coletivismo” (1960, p. 125).

Regras ou “arbitrariedade”?

Em contraste com as antigas ideologias absolutistas e, depois, com as coletivistas, a característica do liberalismo é sua insistência em que haja regras tanto na vida pública, quanto na econômica. O estado de direito como fundamento do Rechtsstaat é um exemplo patente, bem como a doutrina do laissez-faire, que até John Stuart Mill, mesmo que apenas na retórica, foi obrigado a apoiar como um princípio (facilmente revogável): “O laissez-faire, em resumo, deveria ser uma prática generalizada”. Adotar o máximo de flexibilidade e margem de ação no exercício do poder não é uma característica que agrade aos liberais. “Um governo de leis, não de homens” é uma conhecida máxima liberal.[9]

Murray Rothbard observou que a oposição de Keynes aos princípios era, de certo modo, uma questão de princípios (1992, 177).[10] Não é exagero dizer que sua aversão às leis, ou “dogmas” — como tinha por hábito chamá-las —, era parte de sua natureza. Essa atitude prevaleceu em seu pensamento ao longo de toda sua vida. Em 1923, ele declarou:

           “Quando estão para ser tomadas grandes decisões, o Estado é um órgão soberano cuja finalidade é promover o bem maior no todo. Portanto, ao adentrarmos o reino da atuação do Estado, tudo deve ser considerado e ponderado com base em seus méritos” (1971a, pp. 56–57).

Nos últimos anos de vida, Keynes julgava “bastante sensata” a proposta para que o estado “assumisse a vaga de empreendedor-chefe”, “interferindo na propriedade ou na gestão de determinados negócios … [somente] com base no mérito da causa, e não a mando de um dogma” (1980, p. 324). Em carta a F. A. Hayek, a propósito do livro O Caminho da Servidão, então recém-publicado, Keynes repreendeu o autor por não ter percebido que “decisões perigosas podem ser tomadas com segurança em uma comunidade cujos pensamentos e sentimentos sejam justos, ao passo que, se adotadas por quem tenha pensamentos ou sentimentos injustos, seriam uma porta aberta para o inferno” (1980, pp. 387–88).

Essa resistência a agir estritamente de acordo com princípios, alega Robert Skidelsky, é o cerne do “segundo renascimento do liberalismo” de Keynes (após o anterior “Novo Liberalismo” da escola de Hobhouse): Keynes tinha por meta “sobrepor uma filosofia de gestão … uma filosofia de intervenções ad hoc, com base em uma consideração desinteressada” (1988, p. 15). Alec Cairncross afirma: “Ele detestava a servidão a regras. Defendia que os governos exercessem uma arbitrariedade e que os economistas auxiliassem no exercício dessa arbitrariedade” (1978, pp. 47–48). Mas é justamente a natureza ad hoc dessa abordagem de Keynes, a convicção em uma estranha “consideração desinteressada”, e a predileção pela “arbitrariedade” governamental, desobrigada dos limites impostos pelos princípios, que vai diretamente de encontro à própria doutrina liberal.

Tradicionalmente, o autêntico liberalismo sempre nutriu uma profunda descrença nos agentes do estado, seja porque lhes falte competência ou imparcialidade, ou ambos. A infundada confiança que Keynes depositava nos especialistas em economia, cujos sábios conselhos deveriam ser postos em prática por políticos abnegados, é um insulto a essa suspeita totalmente justificada, bem como a toda evidência histórica e teórica que lhe dá sustentação. Em termos contemporâneos, contradiz os ensinamentos associados à escola da escolha pública.[11]

A utopia de Keynes

Muitas vezes, Keynes entregava-se a reflexões sobre a natureza da sociedade futura. Por causa do excesso de inconsistências em seus escritos[12], tornou-se possível a alguns de seus adeptos argumentar que ele, na realidade, queria apenas “vincular o pleno emprego ao liberalismo clássico”, que “seu modelo era essencialmente ‘capitalismo mais pleno emprego’, e que ele nutria certo otimismo quanto à viabilidade do gerenciamento da macroeconomia” (Corry 1978, pp. 25, 28).

Ao longo da carreira de Keynes, no entanto, há indícios evidentes de seu anseio por uma ordem social bem mais radical — em suas palavras, uma “Nova Jerusalém” (O’Donnell 1989, pp. 294, 378 n. 27). Ele confessou ter entretido mentalmente “possibilidades de mudanças sociais mais vastas que aquelas abrangidas pelas atuais filosofias”, mais vastas até mesmo que a idealizada por pensadores como Sidney Webb. “A república de minha imaginação localiza-se na extremidade esquerda do espaço celeste”, meditava (1972, p. 309). Inúmeras de suas afirmações, feitas em diferentes décadas, lançam luz sobre essa confissão um tanto obscura. Tomadas em conjunto, confirmam a alegação de Joseph Salerno (1992) de que Keynes era um milenarista — um pensador para quem a evolução social seguia uma direção predeterminada, rumo àquilo que ele entendia ser um final feliz: uma utopia (O’Donnell 1989, pp. 288–94).

Ele ansiava por um estado de “igualdade de satisfação entre todos” (seja qual for o sentido que se atribua a isso) (1980, p. 369), no qual o problema a ser enfrentado pelo cidadão comum seja “como ocupar o ócio, o qual a ciência e os juros acumulados lhe terão garantido, para viver sabiamente, agradavelmente e bem” (1972, p. 328). O progresso tecnológico, gerado pelos investimentos socializados, garantirá automaticamente bens de consumo adequados a todos. A essa altura, surgirão os assuntos mais importantes da vida:

           “A evolução natural deveria ser no sentido de chegarmos a um nível de consumo conveniente a todos e, depois de suficientemente alto, no sentido de aplicarmos nossas energias aos interesses não econômicos da vida. Assim, é preciso reconstruirmos lentamente nosso sistema social tendo em vista essa finalidade” (1982a, p. 393).

À parte a questão de quem decidirá quando esse nível de consumo será suficientemente alto, é de se perguntar: quais as técnicas que Keynes imaginava existir que possibilitariam tamanha reestruturação da sociedade? Como sempre ocorria quando meditava sobre o futuro, ele não fornecia detalhes.[13] O que fica evidente é que, na utopia futura, o estado será o líder incontestável.[14] Dando um fim à “anarquia econômica”, o novo “regime [será aquele] com o propósito deliberado de exercer o controle e a direção das forças econômicas, no interesse da justiça social e da estabilidade social” (1972, p. 305).[15]

O estado, conforme Keynes, tomaria decisões até quanto ao nível ótimo de população. Com relação à eugenia, às vezes ele parece indeciso: “é possível que chegue um tempo, um pouco mais adiante, em que a comunidade como um todo tenha de prestar atenção às qualidades inatas, assim como à mera quantidade dos futuros membros” (1972, p. 292; ver também Salerno 1992, pp. 13–14). Outras vezes, era definitivo: “A grande transição na história da humanidade” terá início “quando o homem civilizado empenhar-se em tomar as rédeas do controle consciente, livre do instinto cego da mera sobrevivência predominante” (1983, p. 859).[16] Desse modo, o estado — na forma do “homem civilizado” — também direcionará e supervisionará a reprodução da raça humana.

Em todas essas questões, o estado será conduzido por intelectuais dotados de sabedoria e visão, dos quais o próprio Keynes era exemplo.[17] E como poderia ser diferente? Quando se deixa as pessoas livres para agir por conta própria, a grande maioria acaba desamparada, por assim dizer. Como declarou Keynes, “Nem tampouco é verdade que o egoísmo seja em geral esclarecido; o mais frequente é os indivíduos que agem sozinhos na promoção dos próprios fins demonstrarem tamanha ignorância ou inépcia a ponto de nem disso serem capazes” (1972, p. 288). E, uma vez que ele reconhecia que, em questões econômicas, “a solução acertada envolverá princípios intelectuais e científicos que sem dúvida estarão acima dos conhecimentos da vasta massa de eleitores, que são relativamente iletrados” (1972, p. 295), é o caso de se perguntar o quanto da “soberania da democracia” continuaria a existir em sua utopia.

Tendo em vista seus gostos pessoais, era natural que as artes desempenhassem um papel central em sua concepção. Ele lamentava a mesquinhez dos subsídios estatais para as artes, frugalidade essa defendida pelos “habitantes sub-humanos do Tesouro”. Essa política era incompatível com qualquer concepção mais elevada do “dever e propósito, honra e glória [sic] do Estado”. Os subsídios para as artes eram o meio pelo qual o estado cumpriria com seu dever de elevar “o homem comum”, fazê-lo sentir-se “mais distinto, mais afortunado, mais admirável, mais despreocupado” (citado em Moggridge 1974, pp. 34–35).

Durante a Segunda Guerra Mundial, Keynes exerceu o papel de principal porta-voz daquilo que depois se tornaria o Arts Council. “Morte a Hollywood” era sua máxima. Sentia-se imensamente gratificado por poder relatar que três mil operários ingleses das Midlands, região central da Inglaterra, haviam demonstrado “frenética empolgação” em reação a uma apresentação de balé (citado em Moggridge 1974, pp. 41, 48). No futuro, à parte os subsídios estatais, a apreciação artística seria inculcada nas escolas: assistir a peças e visitar galerias de arte “será um elemento vivo na formação de todos, e a frequência regular a teatros e concertos, parte da educação organizada” (1982b, p. 371).

A rematada banalidade dessa cruzada pelo elevamento estético, sob o patrocínio do estado — fundamental à realização da utopia de Keynes —, só é superada por sua melancolia.

Keynes e suas simpatias pelos “experimentos” do nazismo e do fascismo

Outras razões para se pôr em dúvida o liberalismo de Keynes se devem à sua atitude, nas décadas de 1920 e 1930, com relação aos “experimentos” ocorridos no continente europeu no campo da economia planejada. Sobre as políticas econômicas do nacional-socialismo alemão e do fascismo italiano, Keynes por diversas vezes manifestou um ponto de vista surpreendente para alguém considerado um modelo de pensador liberal. Nesse particular, estão em questão dois textos: o prefácio à edição alemã de A Teoria Geral (Keynes 1973b, pp. xxv–xxvii) e o ensaio “National self-sufficiency” (Keynes 1933; também incluído em Keynes 1982a, pp. 233–46).

No prefácio, Keynes afirma que está se desviando da “tradição inglesa clássica (ou ortodoxa)”, a qual — como observa — jamais prevaleceu por completo no pensamento alemão.

           “Tanto a Escola de Manchester quanto o marxismo derivam em última instância de Ricardo. … Mas na Alemanha sempre houve amplos setores da opinião que não aderiram nem a um, nem a outro. … Talvez, portanto, eu possa contar com uma menor resistência da parte dos leitores alemães do que da parte dos ingleses ao oferecer uma teoria do emprego e da produção como um todo, a qual apresenta divergências da tradição ortodoxa em pontos importantes” (1973b, pp. xxv–xxvi).

Para seduzir ainda mais os leitores da Alemanha nacional-socialista, Keynes acrescenta:

            “Os exemplos e as explicações de boa parte do livro a seguir remetem principalmente às condições vigentes nos países anglo-saxões. Não obstante, a teoria da produção como um todo, que é o que este livro tenciona oferecer, se adapta muito mais facilmente às condições de um estado totalitário, e não às condições de livre concorrência e uma grande medida de laissez-faire.” (1973b, p. xxvi).

Roy Harrod não menciona o prefácio em sua antiga biografia de Keynes (1951).[18] Robert Skidelsky alude a sua “redação infeliz”, e deixa por isso mesmo (1992, p. 581). Alan Peacock escreve a respeito da passagem (sem reproduzi-la) na qual Keynes menciona “que o governo alemão (nazista) à época seria mais simpático às suas ideias sobre o efeito das obras públicas na criação de empregos do que o governo britânico” (1993, p. 7). A interpretação, contudo, vai de encontro ao sentido evidente do texto: não é que os líderes nazistas fossem, por acaso, mais simpáticos a uma das propostas de Keynes em especial, mas sim que, na opinião de Keynes, sua teoria “se adapta muito mais facilmente às condições de um estado totalitário”. Peacock ainda diz que “há controvérsias quanto ao prefácio ter sido traduzido corretamente ou não”. Mas essa controvérsia em nada influi no trecho aqui reproduzido, já que ele foi extraído do manuscrito inglês de Keynes.[19]

Com frequência, economistas da Alemanha nazista faziam referências a Keynes com o intuito de defender as políticas econômicas ostensivamente antiliberais do nacional-socialismo. Otto Wagener, que tinha chefiado um departamento nazista de pesquisas econômicas antes da tomada do poder, deu a Hitler uma cópia do livro de Keynes sobre dinheiro por considerá-lo “um tratado bem interessante”, o qual transmitia a sensação de que o autor estava “bem adiantado e vindo em nossa direção mesmo sem estar familiarizado conosco, nem com nosso ponto de vista” (citado em Barkai 1977, pp. 55, 57, 156).

O lançamento da edição alemã de A Teoria Geral foi recebido com críticas veiculadas em publicações que tinham conseguido guardar alguma distância das políticas econômicas nazistas oficiais, ao passo que um apologista nazista na cidade de Heidelberg saudou-o “como a justificação do nacional-socialismo”. O próprio Keynes comentou que as autoridades alemãs haviam permitido a publicação “em um papel [que era] um tanto melhor que o de costume, a um preço não muito acima que o de costume” (ambas as citações em Skidelsky 1992, pp. 581, 583).

Um exemplo ainda mais relevante das dificuldades de classificar Keynes como um liberal é seu ensaio “National self-sufficiency” (Keynes 1933, 1982b, pp. 233–46).[20] Nele, o laissez-faire e o livre mercado são tratados com o desdém característico do Círculo de Bloomsbury. No passado, haviam sido vistos “quase que como uma parte das leis morais”, compondo o “fardo de enfeites obsoletos que o espírito carrega para lá e para cá” (Keynes 1933, p. 755). Bem diferente, no entanto, é a posição de Keynes com relação a doutrinas extremamente populares à época em que escreveu. “A cada ano fica mais evidente que o mundo está embarcando em uma série de experiências político-econômicas” à medida que os pressupostos do livre mercado do século XIX são postos de lado. E quais são essas “experiências”? Aquelas em curso na Rússia, Itália, Irlanda (sic) e Alemanha. Até a Grã-Bretanha e os Estados Unidos têm se empenhado em adotar “um novo plano” (p. 761).

Keynes é estranhamente agnóstico com relação às chances de sucesso desses vários projetos:

                 “Não sabemos quais serão os resultados. Imagino que todos nós estejamos prestes a cometer muitos erros. Ninguém é capaz de dizer qual dos novos sistemas comprovará ser o melhor. … Cada um de nós tem sua preferência. Não acreditando que já estejamos salvos [sic], cada um de nós gostaria de ter uma chance de encontrar um caminho para a própria salvação” (pp. 761–62).

Ele admite que “no que diz respeito aos pormenores econômicos, em contraste aos controles centrais”, prefere “manter privado o máximo possível de decisão, iniciativa e empreendimento” (p. 762). Contudo,

             “na medida do possível, não podemos estar sujeitos à influência das mudanças econômicas ocorridas em outros lugares, para podermos proceder às experiências de nossa preferência com vistas ao ideal de república social do futuro” (p. 763).

À época em que Keynes escreveu esse artigo, era costume associar a doutrina da “autossuficiência nacional”, que ele pregava, ao nacional-socialismo e ao fascismo. Quando Franklin Roosevelt atacou a conferência econômica de Londres, em junho de 1933, o presidente do Reichsbank, Hjalmar Schacht, declarou ao Völkischer Beobachter (jornal oficial do Partido Nazista), em tom presunçoso, que o líder norte-americano tinha adotado a filosofia econômica de Hitler e de Mussolini: “Tomando nas próprias mãos as rédeas de seu destino econômico, você ajuda não apenas a si mesmo, mas ao mundo inteiro” (Garraty 1973, p. 922).

Keynes admite que muitos desacertos estão sendo cometidos em todas as tentativas de planejamento ao redor do mundo.  Embora Mussolini possa estar “adquirindo prudência e bom senso”, “a Alemanha anda à mercê de irresponsabilidades desenfreadas — embora seja cedo demais para julgá-la.”[21] Ele reserva suas críticas mais severas à Rússia de Stalin, exemplo histórico talvez sem precedentes de “incompetência administrativa e do sacrifício de quase tudo que faz a vida valer a pena em nome de cabeças-duras” (p. 766). “Que Stalin sirva como um exemplo pavoroso para todos que tentarem realizar experiências”, declara Keynes (p. 769).

Contudo, sua crítica a Stalin — que até então já havia condenado à inanição milhões de pessoas na Ucrânia, e que enchia de outros milhões os gulags de Lênin — é curiosamente oblíqua e excêntrica.  O que a experiência socioeconômica soviética, juntamente com as demais, necessita acima de tudo é de uma “crítica audaciosa, livre e desapiedada”.  Mas

              Stalin eliminou todas as mentes críticas e independentes, mesmo aquelas que, em geral, lhes eram simpáticas.  Ele produziu um ambiente no qual os processos mentais são atrofiados. Os suaves espasmos do cérebro ficam enrijecidas. A vociferação multiplicada dos alto-falantes substitui as delicadas inflexões da voz humana. Os berros da propaganda aborrecem até os pássaros e animais do campo, induzindo ao estupor. (p. 769)

“Cabeças-duras… cérebros enrijecidos… aborrecimento… estupor”. O leitor pode julgar por si mesmo se essa crítica — parecida com a insistência com que John Stuart Mill repisava a suma importância das discussões e debates intermináveis — é apropriada aos malfeitos praticados por Stalin e pelo poderio soviético a partir de 1933.

Por fim, uma passagem do ensaio, como consta da primeira versão, no Yale Review, é omitida em The collected writings:[22]

             “Mas exerço minhas críticas como alguém de coração amistoso e simpático às experiências desesperadas do mundo contemporâneo, alguém que lhes quer bem e que deseja seu sucesso, alguém que tem em vista suas próprias experiências e para quem, em última instância, não há no mundo o que não seja preferível àquilo que os relatórios financeiros costumam chamar de ‘a melhor opinião de Wall Street’” (Keynes 1933, p. 766).

O comentário de Skidelsky a respeito do ensaio é lacônico e irrelevante: “Como observou Keynes, nos artigos ‘National self-sufficiency’ [o ensaio foi publicado em duas partes na revista The New Statesman and Nation], as experiências sociais estavam na moda; independentemente da procedência política, todas tinham em vista um papel bastante dilatado para o governo e um papel extremamente restrito para o livre comércio” (1992, p. 483). Nem de longe essa descrição parece suficiente.

Durante as décadas de 1920 e 1930, a insistência de Keynes nas maravilhas dos “experimentos” da engenharia social acabou se tornando quase risível. Outro exemplo consta do ensaio “The end of laissez-faire” no qual ele escreve: “Eu critico o socialismo de estado doutrinário não porque ele procure mobilizar os impulsos altruístas dos homens em prol da sociedade, nem porque se afaste do laissez-faire, nem porque exclua a liberdade natural do homem de se tornar milionário, nem porque tenha a coragem de promover experiências audaciosas. Todas essas coisas eu aplaudo” (1972, 290, grifo meu).

A esta altura, a pergunta que fica é: como pode alguém que expressou uma ávida simpatia pelos “experimentos” de nazistas, fascistas e comunistas stalinistas, e que reservava zombarias triviais ao livre funcionamento da sociedade do laissez-faire, ser considerado um exemplo acabado de liberal, se é que se pode chamá-lo de liberal?[23]

 O comunismo soviético

O tom e o conteúdo de alguns dos comentários mais extensos feitos por Keynes sobre o comunismo soviético são curiosos. Após uma viagem à União Soviética, em 1925, ele publicou um ensaio chamado A short view of Russia(1972, pp. 253–71). Skidelsky, com espantosa implausibilidade, trata o ensaio como “um dos mais severos ataques ao comunismo soviético já escritos” (1994, p. 235).

É verdade que Keynes aponta algumas falhas graves no regime soviético, em especial a perseguição aos dissidentes e a opressão generalizada. Mas considera essas falhas, em parte, fruto da revolução e resultado de “alguma bestialidade inata aos russos — ou inata a russos e judeus quando aliados, como agora”.  Tais falhas formam “uma face” da “soberba seriedade da Rússia Vermelha”. Tal seriedade pode ser dura, “rude, estúpida e enfadonha ao extremo”, como testemunha (1972, p. 270). Outro toque fino do grupo de Bloomsbury.

Keynes não fornece indício algum de que o despotismo possa ser a consequência natural, o resultado inteiramente previsível de tamanha concentração de poder nas mãos do estado, como os bolcheviques efetuaram na Rússia. Esta última concepção sempre foi o alicerce do pensamento liberal desde pelo menos a época de Montesquieu e Madison, passando por Mises e Hayek, chegando aos dias de hoje.  Era de se esperar que um genuíno liberal — como alguns afirmavam ser Keynes — chamasse a atenção para esse ponto.

Em vez disso, Keynes desmancha-se em elogios ao desejo dos soviéticos de se dedicar a audaciosos “experimentos” de engenharia social.  Na Rússia, “o método de tentativa e erro é adotado sem reservas.  Nunca houve ninguém mais francamente experimentador do que Lênin”. Quanto às falhas catastróficas dos “experimentos” implementados ainda nos primeiros anos do governo bolchevique, que haviam obrigado uma substituição do “comunismo de guerra” pelo sistema então vigente, da Nova Política Econômica (NEP), Keynes descreveu-as em termos totalmente anódinos: os “erros” anteriores haviam sido corrigidos e as “confusões”, dissipadas (p. 262).[24] Keynes sente-se fascinado pelo caráter do regime como um “laboratório da vida”, e conclui que o comunismo soviético tem “uma chance” de sucesso. Ele garante — nesse “severo ataque”, segundo seu biógrafo Skidelsky — que “mesmo sendo uma chance, todo o experimento confere ao que ocorre na Rússia mais importância do que o que ocorre (digamos) nos Estados Unidos da América” (p. 270).[25]

O que reside na origem da simpatia de Keynes pela experiência soviética? Uma dica pode ser vista no início de seu ensaio, em que sugere em tom de galhofa que o arcebispo de Cantuária seria merecedor do título debolchevique “se seguisse à risca os preceitos dos Evangelhos”. (Nesse caso, Jesus Cristo seria o primeiro agente da Cheka?).  O que mais profundamente comove Keynes é o elemento “religioso” do leninismo, cuja “essência emocional e ética concentra-se na atitude dos indivíduos e da comunidade com relação ao amor ao dinheiro” (p. 259).

Os comunistas teriam transcendido o “egoísmo materialista”, possibilitando “uma mudança sincera na atitude predominante com relação ao dinheiro. … Uma sociedade na qual isso seja verdadeiro, mesmo que parcialmente, é uma tremenda inovação”:

               “na Rússia do futuro, o que se pretende é que um jovem respeitável nem sequer chegue a cogitar uma carreira rendosa como uma possível oportunidade, assim como qualquer jovem respeitável não cogitaria jamais seguir a carreira de ladrão de casaca ou mesmo desenvolver habilidades em falsificação ou desfalque. … É dever de todos trabalhar em prol da comunidade — assim decreta a nova doutrina — e, aquele que cumprir com suas obrigações, dela terá apoio” (pp. 260–61).

Em contraste com essa religiosidade inspiradora, “o moderno capitalismo é absolutamente irreligioso”, despido de todo senso de solidariedade e espírito público:

                   “parece cada dia mais claro que o problema moral de nossa época está associado ao amor ao dinheiro, à presença do apelo habitual da motivação pecuniária em nove décimos das atividades da vida, ao empenho universal pela segurança econômica individual como principal alvo dos esforços, à aprovação social do dinheiro como medida do sucesso construtivo, ao apelo social ao instinto de poupança como base para o necessário sustento da família e para o provimento para o futuro” (268–29). Durante anos, Keynes entreteria essa predileção pela moralidade do comunismo à do capitalismo.

Em 1928, ele fez uma segunda visita à Rússia, a qual gerou uma avaliação menos favorável. Muito embora Skidelsky garanta que “restava claro que o romance havia acabado” (1992, pp. 235–236), esse juízo não está correto. O romance continuou pelo menos até 1936, com a resenha de Keynes sobre o livro Soviet Communism, de seus amigos Sidney e Beatrice Webb.  Nenhum daqueles que afirma que Keynes era um liberal analisou de maneira franca o pronunciamento nada ambíguo[26] contido em uma breve transmissão radiofônica que ele fez para a BBC, em junho de 1936, como parte da série de programas Books and Authors (1982b, pp. 333–34).

A única obra da qual Keynes ocupou-se detidamente foi o grosso volume, recém-publicado, de autoria dos Webbs: Soviet Communism (A primeira edição trazia como subtítulo A new civilisation? mas em edições posteriores o ponto de interrogação foi suprimido).  Líderes da Sociedade Fabiana, há décadas os Webbs empenhavam-se em introduzir o socialismo na Grã-Bretanha. Na década de 1930, haviam virado ardorosos propagandistas do novo regime da Rússia comunista — nas palavras de Beatrice, eles tinham “se apaixonado pelo comunismo soviético” (citado em Muggeridge e Adam 1968, p. 245). (O que ela chamava de “paixão”, Malcolm Muggeridge, seu sobrinho por parte de marido, viria a rotular de “adulação enlouquecida” [1973, 72].)

Ao longo das três semanas de visita à Rússia, quando — gabava-se Sidney — receberam um tratamento digno de “um novo tipo de realeza”, as autoridades soviéticas contribuíram para o livro dos Webbs com supostos fatos e dados (Cole 1946, 194; Muggeridge e Adam 1968, 245). Os apparatchiki stalinistas ficaram mais do que satisfeitos com o resultado final.  Na própria Rússia, o regime encarregou-se de traduzi-lo, publicá-lo e promovê-lo; como disse Beatrice: “Sidney e eu viramos ícones na União Soviética” (citado em Muggeridge 1973, p. 206).[27]

Desde o lançamento, Soviet Communism tem sido visto como aquele que é provavelmente o primeiro e principal exemplo da ajuda e do encorajamento que literatos simpatizantes dariam, de maneira pródiga e deslavada, ao estado terrorista stalinista. Se Keynes fosse mesmo um liberal, apaixonado pela livre sociedade, era de se esperar que, apesar de sua amizade com os autores, a resenha do livro fosse uma severa denúncia — mas o que se vê é o oposto. Como Beatrice anotou em seu diário, toda satisfeita, Maynard, “com seu jeito cativante, deu projeção a nosso livro, em sua recente transmissão radiofônica” (Webb 1985, p. 370).

Com efeito, o que Keynes fez foi advertir o público britânico de que Soviet Communism era uma obra “que todo cidadão sério faria bem em estudar a fundo”.

                 Até recentemente, os eventos na Rússia seguiam acelerados, e o hiato entre declarações documentais e realizações factuais era demasiado extenso para permitir um relato adequado.  No entanto, o novo sistema já está suficientemente cristalizado para ser submetido a um escrutínio. O resultado é impressionante. Os inovadores russos superaram não só o estágio revolucionário, mas também o doutrinário. Pouco ou nada do que sobrou guarda qualquer relação especial com Marx ou com o marxismo, distinguindo-se dos demais sistemas de socialismo. Esses inovadores se dedicam à vasta tarefa administrativa de fazer com que um conjunto inteiramente novo de instituições sociais e econômicas funcione de forma tranquila e satisfatória sobre um território cuja vastidão ocupa um sexto da superfície emersa do mundo. (1982b, p. 333)

Novamente, há um excesso de elogios ao “experimento” soviético:

                  “Os métodos ainda apresentam uma rápida transformação, como resposta ao experimento. Estamos testemunhando um empirismo e um experimentalismo da mais ampla escala, algo que até então jamais havia sido empreendido por administradores altruístas e desprendidos. No entanto, graças aos Webbs, conseguimos enxergar a direção para onde as coisas parecem caminhar e até onde elas já foram” (1982b, p. 334).

Keynes sente que a Grã-Bretanha tem muito que aprender com a obra dos Webbs:

                 “Ela me inspira um forte desejo e esperança de que, neste país, possamos descobrir um jeito de fazer com que essa ilimitada disposição em fazer experimentos seja combinada com alterações nas instituições políticas e nos métodos econômicos, ao mesmo tempo em que preservamos o tradicionalismo e uma espécie de conservadorismo cauteloso, moderado em tudo que tenha a experiência humana por trás, em cada esfera de sentimento e de ação” (p. 334). Nessa passagem, como em muitas outras, o leitor é tomado de surpresa pelo recuo estudado e pela confusão básica, características de boa parte da filosofia social de Keynes — de algum modo há de se conjugar a “ilimitada disposição em fazer experimentos” com o “tradicionalismo” e um “conservadorismo cauteloso”.

Em 1936, ninguém dependia da propaganda enganosa dos Webbs para se informar sobre o sistema stalinista. Eugene Lyons, William Henry Chamberlin, o próprio Malcolm Muggeridge, a imprensa conservadora, a imprensa católica e a imprensa anarco-esquerdista do mundo inteiro, juntamente com outros, já haviam revelado a sordidez do verdadeiro cemitério administrado pelos “administradores inovadores, altruístas e desprendidos” de Keynes.[28] Qualquer pessoa disposta a ouvir poderia conhecer os fatos relacionados ao terror da fome no início da década de 1930, ao vasto sistema de campos de trabalho escravo e à miséria generalizada que se seguiu à abolição da propriedade privada. Para quem não se havia deixado cegar pela paixão e pela ideologia, a evidência de que Stalin andava aperfeiçoando o modelo de estado terrorista do século XX era inequívoca.

O ódio ao dinheiro

O que explica o elogio de Keynes ao livro de Webbs e ao sistema soviético? Não pode haver dúvida de que o principal motivo é, mais uma vez, sua profunda aversão à busca de lucro e à obtenção de dinheiro, uma atitude compartilhada pelo casal fabiano.

De acordo com sua amiga e companheira fabiana, Margaret Cole, os Webbs viam a Rússia Soviética como, moral e espiritualmente, “a esperança do mundo” (Cole 1946: 198). Para eles, “o mais emocionante” de tudo era o papel do Partido Comunista, que, segundo Beatrice, era uma “ordem religiosa”, engajada na criação de uma “Consciência Comunista”. Em 1932, Beatrice pôde anunciar que: “É porque acredito que chegou o dia da mudança do egoísmo para o altruísmo – como a mola mestra da vida humana – que sou comunista” (citado em Nord 1985: 242-44). No comunismo soviético, os Webbs se entusiasmam com a substituição de incentivos monetários pelos rituais de “envergonhar o delinquente” e a autocrítica comunista (Webb e Webb 1936: 761-62). Até o fim de sua vida, em 1943, Beatrice ainda elogiava a União Soviética por “sua democracia multiforme, sua igualdade de sexo, classe e raça, sua produção planejada para consumo comunitário e, acima de tudo, sua penalização da motivação pelo lucro” (Webb 1948: 491). E, após sua morte, Keynes a elogiou como “a maior mulher da geração que está passando”.[29]

Como os Webbs, Keynes identificou a religiosidade com a auto-abnegação do indivíduo para o bem da comunidade. Em termos econômicos, isso se traduziu em trabalhar por recompensas não pecuniárias, transcendendo assim a sórdida motivação de “nove décimos das atividades da vida” nas sociedades capitalistas. Para Keynes, como para os Webbs, essa era a essência do elemento “religioso” e “moral” que eles detectaram e admiraram no comunismo.

Em sua paixão por difamar o ganho de dinheiro, Keynes até recorreu ao apoio da psicanálise. Fascinado como a maioria do círculo de Bloomsbury pelo trabalho de Sigmund Freud, Keynes o valorizava acima de tudo pelas “intuições” paralelas às suas, especialmente sobre o significado do amor ao dinheiro. Em seu Tratado sobre o Dinheiro, Keynes se refere a uma passagem em um artigo de Freud de 1908, no qual ele escreve sobre as “conexões que existem entre os complexos de interesse no dinheiro e na defecação” e a inconsciente “identificação do ouro com as fezes”. (Freud 1924: 49-50; Keynes 1971b: 258 e n. 1; Skidelsky 1992: 188, 234, 237, 414).[30] Essa “descoberta” psicanalítica – do homem Vladimir Nabokov corretamente identificado como a fraude vienense – permitiu que Keynes afirmasse que o amor ao dinheiro era condenado não apenas pela religião, mas também pela “ciência”. Assim, além de constituir “o problema ético central da sociedade moderna” (citado em O’Donnell 1989: 377, n. 14), a preocupação com o dinheiro também era um assunto adequado para o alienista.

Keynes ansiava pelo tempo em que o amor ao dinheiro como mera posse “será reconhecido pelo que é, uma morbidade um tanto repugnante, uma daquelas propensões semi-criminosas e semi-patológicas que se entrega com um arrepio aos especialistas em doenças mentais” (Keynes 1972: 329). É triste dizer, mas em todo esse lixo, Keynes não encontra espaço para elaborar o tratamento que ele prevê que esses especialistas dispensarão às pessoas perturbadas diagnosticadas como sofrendo dessa aflição mental.

Nas observações pró-soviéticas de Keynes e na falta de qualquer preocupação com elas entre seus devotos, encontramos, mais uma vez, o grotesco padrão duplo que continua a ser quase universal (Applebaum 1997; Malia 1999; Courtois 1999). Se, em meados da década de 1930, um escritor célebre tivesse se expressado em relação à Alemanha nazista nos termos ocasionalmente benevolentes que Keynes usava para a União Soviética, ele teria sido ridicularizado e seu nome seria vilipendiado até hoje. No entanto, por mais maus que os nazistas se tornassem, em 1936 suas vítimas representavam uma pequena fração das vítimas do regime soviético.[31]

Na verdade, o caso de Keynes é pior do que o de alguém que apenas elogiou Hitler, digamos, por supostos sucessos na cura do problema do desemprego ou na restauração do autorrespeito alemão, ou por quaisquer outras “conquistas” que o nacional-socialismo pudesse ter reivindicado. O verdadeiro análogo de Keynes, em sua mistura de crítica e simpatia em relação ao comunismo soviético, seria um escritor que condenasse as perseguições e a supressão da liberdade de pensamento sob os nazistas, enquanto os elogiava por sua “consciência” da “questão racial”, da qual poderíamos derivar alguma esperança para o futuro. Pois a mesma coisa que Keynes achava admirável na Rússia Soviética – a vontade férrea de suprimir o dinheiro e a motivação do lucro – era a principal fonte dos horrores.

Como adeptos de uma variante do marxismo, Lenin e, depois dele, Stalin, compartilhavam a aversão de Marx ao dinheiro. O objetivo do comunismo era abolir o dinheiro, juntamente com a busca de lucro e a troca privada – todo o sistema de mercado – que o dinheiro tornava possível. O comunismo soviético selecionou suas presas principalmente entre aquelas marcadas por seu amor ao dinheiro e aos lucros: a burguesia e os latifundiários do antigo regime; os “especuladores” e “acumuladores” dos anos do “comunismo de guerra” e do primeiro Terror Vermelho; depois os nepmen e “kulaks” do período de coletivização e a introdução dos Planos (Leggett 1981; Conquista 1986; Malia 1994: 129-33). Como Keynes poderia ter negligenciado a ligação entre a busca de riqueza individual e o tormento infligido pelo Estado que era a regra na Rússia Soviética – particularmente considerando que, no livro que ele revisou em seu discurso de rádio, os autores glorificam a decisão de Stalin de proceder à “liquidação dos kulaks como classe” (Webb e Webb 1936: 561-72)?

Uma característica notável dos comentários elogiosos de Keynes sobre o sistema soviético aqui e em outros lugares é sua total falta de qualquer análise econômica. Keynes estava satisfeito em desconhecer que poderia existir um problema de cálculo econômico racional sob o socialismo. Essa era uma questão que já ocupava os estudiosos continentais há algum tempo e foi o foco de uma discussão animada na London School of Economics.

Um ano antes do discurso de rádio de Keynes, um volume apareceu em inglês editado por F.A. Hayek, Planejamento Econômico Coletivista (Hayek 1935), que apresentava uma tradução do ensaio seminal de 1920 de Ludwig von Mises, “Cálculo Econômico na Comunidade Socialista”. Na London School, Hayek já estava dando um curso de “Os Problemas de uma Economia Coletivista”, começando em 1933-34. Um seminário dirigido por Hayek, Lionel Robbins e Arnold Plant, dedicado principalmente ao mesmo assunto, foi oferecido em 1932-33 (Moggridge 2004).

Keynes não dá nenhuma indicação de que tinha a menor ideia do debate ou estava minimamente interessado na questão.[32] Em vez disso, o que importa para Keynes é a excitação do experimento soviético – houve algum outro economista, ou suposto pensador liberal, que tantas vezes invocou “excitação” e “tédio” como critérios para julgar os sistemas sociais? – o escopo inspirador das mudanças sociais dirigidas por esses “administradores desinteressados” e o avanço ético pioneiro da abolição da motivação do lucro.

Isso significa que Keynes foi em algum momento um comunista? Claro que não. Mas sua simpatia claramente expressa pelo sistema soviético (bem como, em muito menor grau, por outros estados totalitários), quando adicionada à sua teoria econômica que promove o estado e sua visão utópica dominada pelo estado, deve envergonhar aqueles que sem hesitação e ignorantemente o alistam nas fileiras liberais. Ver Keynes como “o modelo liberal do século XX” – ou como qualquer liberal – só pode tornar incoerente um conceito histórico indispensável.

 

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Winch, Donald (1989) “Keynes, Keynesianism, and State Intervention,” in Peter A. Hall (ed.) The Political Power of Economic Ideas: Keynesianism Across Nations, Princeton, N.J.: Princeton University Press.

 

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Notas

[1] Ver a antologia editada por Bullock e Shock (1956). Inúmeros estudiosos, como E. K. Bramsted e K. J. Melhuish (1978), consideram Keynes um dos principais representantes no século XX (do que se presume que seja mais relevante) da sequência que tem início com o grupo dos Levellers ou com Locke. Maurice Cranston, biógrafo de Locke, atribui a Keynes, como a Locke, a classificação de liberal (1978, 101). Bernard Corry chega ao ponto de dizer que Keynes era, “basicamente, um liberal em economia, defendendo a adoção de medidas não liberais específicas exclusivamente em períodos de desemprego” (1978, 26). Douglas Den Uyl e Stuart Warner incluem Keynes em uma lista de liberais “consumados”, juntamente com Smith, Turgot, Constant e outros (1987, 263). John Gray insiste na necessidade de ajustar a posição de Keynes à definição da doutrina (1986, xi). É lógico que a definição de liberalismo de Gray omite toda e qualquer menção à defesa da propriedade privada. Contudo, Anthony Arblaster comenta que, mesmo Keynes sendo um “Liberal convicto”, “no fim, foi a democracia social que herdou o legado de suas ideias” (1984, 292).

[2] Na lógica rigorosa de seu esquema terminológico, a conclusão de Karl Brunner é que a “rejeição [de Keynes] à solução liberal” é facilmente identificada porque, “para ele, é inaceitável a severa restrição imposta ao governo. Em seu entender, a questão exigiria uma abordagem inteiramente nova” (1987, 28).

[3] Nas palavras de Charles Rowley, Keynes postulava “a convicção em uma economia de mercado fundamentalmente imperfeita e desprovida de forças autocorretivas, continuamente necessitada da intervenção do governo para não degenerar em caos…. Outra vez o neomercantilismo travava uma batalha contra a mão invisível, semelhante à ocorrida na Inglaterra de antes de Adam Smith” (1987b, 154).

[4] Apesar da declaração mencionada na nota 1, fica implícita a resignação de Cranston à questão do liberalismo fundamental de Keynes: “Keynes de fato integrava, juntamente com Francis Bacon, os philosophes do Iluminismo, os utilitaristas e os fabianos, aquele grupo de intelectuais convictos de que os intelectuais deveriam exercer o poder” (1978, 113). Vários escritores, adeptos em maior ou menor grau do liberalismo clássico, também acreditavam que não se poderia negar a Keynes a denominação de liberal; ver, por exemplo, Haberler 1946, 193.

[5] Sobre as consequências desastrosas do erro da taxa de câmbio, Harry Johnson afirma: “Tivesse o valor da libra em relação ao ouro sido fixado em números realistas na década de 1920 — uma receita de pleno acordo com a teoria econômica ortodoxa —, não haveria a necessidade do desemprego em massa, não havendo desse modo a necessidade de uma nova teoria econômica que o explicasse, nem tampouco haveria uma força responsável por desencadear boa parte da história política e econômica subsequente da Grã-Bretanha…. O país pagou a longo prazo um preço muito alto pela glória passageira da Revolução Keynesiana, tanto em termos da corrupção dos critérios adotados em trabalhos científicos de economia, quanto em termos do estímulo à indulgência da convicção, no processo político, de que a política econômica pode transcender as leis da economia com o socorro de economistas suficientemente competentes” (1975, 100, 122). No que diz respeito aos benefícios concedidos aos desempregados, Daniel Benjamin e Levis Kochin chamam a atenção para o fato de que Edwin Cannan foi um dos poucos contemporâneos a entender o quanto esses auxílios contribuíam para gerar o excesso de desemprego (1979, 468–72). Escritores keynesianos como Donald Winch ainda condenam Cannan gratuitamente, acusando-o de ser desumano, despido de compaixão (1989, 468 n. 40).

[6] Alguns dos principais erros tinham raiz na metodologia de Keynes — por exemplo, a conclusão de que, numa economia de mercado sem intervenção, seria impossível uma coordenação intertemporal. Para Roger Garrison (1985), o fato de Keynes operar em níveis cada vez mais altos de agregação escamoteava os mecanismos que possibilitavam que essa coordenação fosse, de fato, levada a efeito pelos processos de mercado, mesmo Hayek tendo demonstrado os verdadeiros processos de coordenação. O próprio Hayek acreditava que o mais fundamental dos equívocos de Keynes era de ordem metodológica: ao mesmo tempo em que ele buscava a “pseudoprecisão” de magnitudes aparentemente mensuráveis, negligenciava as verdadeiras interconexões do sistema econômico. Conforme Hayek, a abordagem de Keynes era baseada na hipótese de haver relações funcionais constantes entre demanda total, investimento, produção e assim por diante. Assim, sua tendência era “escamotear quase tudo que realmente importa”, resultando na “eliminação de muitos insights importantes a que já tínhamos chegado e que precisávamos recuperar com um esforço tremendo” (1995, 246–47).

[7] Mario Seccareccia (1993) contradiz o senso comum, que vê em Keynes um salvador potencial ou real do capitalismo.

[8] “Nenhum ensaio [de Keynes] jamais entra em detalhes, por pouco que seja, quanto ao conteúdo da proposta [de socializar os investimentos]. Não sabemos de que forma a socialização teria de ser implementada. As opções institucionais nunca são ponderadas … [e não há meios de] calcular as consequências dessa socialização” (Brunner 1987, 47).

[9] Outra questão — teoricamente mais importante, talvez — é saber se um dia seria possível as metas liberais serem compatíveis com a existência ininterrupta de uma instituição baseada no poder do monopólio e na autoridade de tributar — ou seja, o estado. Sobre essa questão, ver a obra pioneira de Hans Hermann Hoppe (2001, em especial 229–34).

[10] “A tendência de Keynes a mudar de ideia era notória, e não só entre os economistas. De fato, a mutabilidade era parte inseparável de sua figura pública” (Caldwell 1995, 41).

[11] Rowley descreve Keynes como alguém “o mais distante possível da abordagem adotada pela moderna escolha pública” e acusa-o de ignorar “a perigosa arbitrariedade que suas teorias conferiram a políticos interessados apenas em votos” (1987a, 119, 123). Donald Winch, que defende Keynes da acusação de estatismo, parece admitir que a lógica de seu pensamento aponta para uma direção estatista: “Quando a interpretação tecnocrática da capacidade do estado, associada ao próprio Keynes, mistura-se à política, será que a posição minimalista de Keynes se sustenta? Será que os keynesianos de esquerda (e opositores monetaristas, no que diz respeito ao assunto) têm razão em acreditar que a lógica do keynesianismo induz ao aumento da intervenção, de tal sorte que, para garantir o sucesso, mesmo aquilo que tem início como uma gestão macroeconômica precisa ser ampliado para uma intervenção microeconômica?” (1989, 124).

[12] Ver a avaliação peculiar que Thomas Balogh faz de Keynes: “Sua força e seu charme ilimitado — além de irresistível — residem em sua capacidade de se livrar de pontos de vista (e de pessoas) sem pestanejar” (1978, 67). Esse retrato não parece distante da caracterização de Rothbard, para quem Keynes era um “pirata” intelectual.

[13] Aqui, a abordagem de Keynes é própria de quem critica a economia de mercado. Como observa Roger Garrison: “Seu fracasso em explicar detalhadamente como funcionaria esse sistema ideal é coerente com o pensamento socialista de modo geral, sempre concentrado nas falhas observadas no sistema real em vez de no funcionamento supostamente superior do sistema concebido” (1993, 478).

[14] “No fundo, a receita de Keynes era que o estado agisse como guardião, supervisor e promotor da sociedade civilizada…. Era um supervisor atuante, com um programa eticamente orientado que tinha por meta uma transformação evolutiva gradual, que incluísse mudanças nas regras do jogo” (O’Donnell 1989, 299–300).

[15] Nesse mesmo ensaio célebre, “Am I a liberal?”, Keynes também afirmou, na confusão habitual de sua filosofia social, que ele só estava se empenhando por “novas providências para salvaguardar o capitalismo” (1972, 299).

[16] Em outra ocasião, Keynes reiterou a necessidade de se enfrentar o problema da superpopulação “com esquemas concebidos mentalmente, em vez das consequências involuntárias do instinto e das vantagens individuais…. Muitas gerações passaram desde quando os homens, na condição de indivíduos, começaram a adotar a motivação moral e racional como norteador de suas ações, em substituição ao instinto cego. Agora, têm de fazer a mesma coisa coletivamente” (1977, 453). Mais ou menos à mesma época, Leon Trotski expressou semelhante ponto de vista eugênico, sobre a “grande transição” para a utopia futura, embora imbuído de um espírito mais “prometeico”: “Mais uma vez a espécie humana, o estagnado Homo sapiens, ingressará em estado de transformação radical, e, em suas próprias mãos, será objeto dos mais intrincados métodos de seleção artificial e treinamento psicofísico …. Depois de ter deixado de se arrastar de quatro perante Deus, os reis e o capital, a raça humana não voltará a rebaixar-se às nebulosas leis da hereditariedade e a uma seleção sexual às escuras!” ([1924] 1960, 254–55).

[17] Ver o comentário de Corry: “Para o Círculo de Bloomsbury, políticos eram uma inquietante mistura de idiotas, oportunistas e patifes; e o que sobra para guiar o país? Uma espécie de establishment intelectual, intimamente ligado à Academia (ou melhor, àquela pequena parcela com raízes em Cambridge!) e apto a dar conselhos e exercer o controle de modo desapaixonado e abalizado…. Keynes estava imbuído de uma convicção à Bloomsbury no poder e dever da intelligentsia de dar conselhos sobre os eventos e de controlá-los” (1993, 37–38).

[18] Em extensa nota de rodapé, Michael Heilperin comenta a ausência de referências a esse prefácio na obra de Roy Harrod (1951), maior biógrafo de Keynes à época em que Heilperin escreveu. Em vista da repressão à liberdade acadêmica e a outras liberdades, na Alemanha nazista, Heilperin chama o lisonjeiro texto de Keynes de “mancha indelével em seu histórico de liberal” (1960, 127 n. 48).

[19] A discussão envolve algumas frases que constam da edição alemã, mas não do manuscrito de Keynes; contudo, não parece que essas frases incriminem ainda mais o autor, a não ser pelo uso da expressão “eminente liderança nacional [Führung]”, com conotação positiva. Seja como for, é provável que Keynes aprovasse os acréscimos. Ver Schefold 1980.

[20] A versão constante em The collected writings é das edições de 8 e 15 de julho de 1933 da revista The New Statesman and Nation. Contudo, primeiro o ensaio foi publicado na revista Yale Review. As citações que fazemos aqui são desta segunda versão, Keynes 1933. Heilperin afirma que, “em vista de sua brevidade, [esse ensaio] pode ser considerado um dos textos mais significativos de Keynes” e comenta que o autor minimiza o caráter totalitário dos regimes em discussão: “Estavam fazendo uma experiência — e é isso que torna maravilhosas as coisas!” (1960, 111). Aqui, Heilperin consegue captar o espírito fundamental desse trabalho e das ideias de Keynes ao longo de muitos anos.

[21] Essa e outras críticas à Alemanha nazista foram omitidas da tradução alemã, evidentemente que com a permissão de Keynes; ver Borchardt 1988. Embora ciente da versão da Yale Review, Borchardt prefere citar o ensaio de The collected writings, desse modo superestimando seu teor liberal.

[22] Este trecho deveria constar de The collected writings depois de “Pois não se pode esperar que eu aprove todas as coisas que hoje são feitas no mundo político em nome do naturalismo econômico. Longe disso.” (Keynes 1982b, 244). Do mesmo modo, a versão em The collected writings omite alguns outros trechos, de pouca importância, que aparecem na Yale Review. Não se vê nenhuma indicação, por parte do editor da compilação, de que a versão nela incluída seja diferente daquela publicada na Yale Review; além disso, ele identifica erroneamente a edição da revista, datando-a do “verão de 1933”.

[23] Ao longo de sua carreira, Keynes foi um crítico incansável do princípio do laissez-faire. “The end of laissez-faire” (Keynes 1972, 272–294) é o título daquele que talvez seja o ensaio mais polêmico que escreveu. À época (1926), foi objeto de uma resenha de autoria do economista liberal italiano Luigi Einaudi (de modo algum um “doutrinário”), que comentou que o folheto não era exatamente original, nem era dotado de particular importância: a ideia de que ele representaria algum tipo de ponto histórico decisivo era “a mais pura fantasia” de críticos precipitados. Einaudi pergunta por que Keynes, “depois de ter voltado a pôr a regra do laissez-fairefora de combate, como princípio científico, não dedicou mais algumas páginas ao exame da importância que atualmente se atribui a essa regra, como norma prática de conduta? … Será mesmo que a importância prática da regra do laissez-faire para a conduta dos homens é hoje menor que ontem?” Mesmo que as tarefas do governo tenham se tornado muito mais numerosas, essa concessão não “comprova a decadência da regra do laissez-faire, uma vez que é bem provável que, no mesmo período da ampliação da atividade pública e interferência em alguns setores da vida econômica, tenha ocorrido crescimento bem maior de novos tipos de atividade, nas quais o valor da antiga regra do laissez-faire ainda permanece intacto” (1926, 573).

[24] Erros e confusões parecem termos bem pouco adequados para aquilo que um recente historiador do comunismo soviético caracterizou como “a titânica descida ao caos” desses anos; ver o capítulo “War communism: a regime is born, 1918–1921”, de Malia 1994, 109–39; ver também a análise ilustrativa de “‘War communism’, product of marxian ideas” (Roberts 1971, 20–47).

[25] Keynes acrescenta ainda que a Rússia soviética é muitas vezes preferível à Rússia czarista, da qual “nada poderia sair” (271). A declaração configura uma opinião estapafúrdia, especialmente em vista do amor de Keynes pelas artes. A antiga Rússia pode, obviamente, se vangloriar de façanhas grandiosas em diversas áreas, inclusive na música, na dança e, acima de tudo, na literatura.

[26] Pela lógica, Skidelsky deveria ter examinado essa transmissão radiofônica no segundo volume de sua biografia, que cobre o período até 1937. Mas embora mencione o livro Soviet communism, dos Webbs, ele nem chega a aludir à resenha de Keynes feita para o rádio (Skidelsky 1994, 488). Parece muito estranho que, em nenhum dos três volumes de sua imensa biografia de Keynes, Skidelsky tenha achado espaço sequer para mencionar esse episódio altamente problemático. E tampouco ele consta do ensaio sobre Keynes e os fabianos (Skidelsky 1999). Essa transmissão radiofônica é mencionada em O’Donnell 1989, 377 n. 13.

[27] Até Margaret Cole, amiga e biógrafa de Beatrice, afirma que o livro, mesmo tendo uma ou outra crítica, constitui, “de certa forma, um enorme folheto de propaganda, que defende e elogia a União Soviética” (1946, 199). Contudo, esse comentário não foi feito em tom de crítica, uma vez que, como deixa evidente a biografia que escreveu, Cole compartilhava da admiração dos Webbs pelo stalinismo.

[28] Para os comentários de Lyons a respeito da admiração dos Webbs pela “fé inabalável” e “vontade decidida” dos responsáveis pela chacina dos kulaks, ver Lyons 1937, 284. Ver também os comentários de Robert Conquest (1986, 317–18, 321). No romance Winter in Moscow, Malcolm Muggeridge (1934) descreve o mundo dos simpatizantes estrangeiros que visitavam a União Soviética: ele comentou que o era mais comum os “novos liberais” e fabianos serem ludibriados pelo regime soviético do que os socialistas não-comunistas.

[29] Em uma carta a George Bernard Shaw (Skidelsky 2001: 168), Skidelsky acrescenta, de forma um tanto enigmática, que, embora Keynes tivesse providenciado um obituário de admiração para Beatrice, ele “ainda ansiava por uma apreciação de sua economia” (ibid. 527, n. 76). É interessante considerar em que poderia ter consistido o pensamento econômico dessa mulher tola.

[30] Obviamente, se alguém procedesse como Keynes, teria que sondar o próprio inconsciente de Keynes em busca das fontes desonestas tanto de seu envolvimento com o tema do dinheiro ao longo de sua carreira profissional quanto de sua rejeição intensa e afetiva ao motivo monetário.

[31] Em uma carta datada de 2 de maio de 1936 (1961, 403), H. L. Mencken, que era frequentemente tão astuto politicamente quanto espirituoso em geral, escreveu: “Sou contra a violação dos direitos civis por Hitler e Mussolini tanto quanto você, e você bem sabe disso… Você protesta, e com justiça, toda vez que Hitler prende um oponente, mas se esquece de que Stalin e companhia prenderam e assassinaram mil vezes mais. Parece-me, e de fato as evidências são claras, que, comparado aos bandidos e assassinos de Moscou, Hitler não passa de um membro comum da Ku Klux Klan e Mussolini é praticamente um filantropo.”

[32] Ainda em 1944, em uma carta a Hayek comentando O Caminho da Servidão, Keynes declarou: “A linha de argumentação que você mesmo adota depende da suposição muito duvidosa de que o planejamento não é mais eficiente. É bem provável que, do ponto de vista puramente econômico, seja eficiente” (Keynes 1980: 386). O fato de Keynes ter se referido a isso como uma “suposição” indica que ele nunca tomou conhecimento — ou então se recusou a pensar sobre — o grande debate sobre o cálculo econômico sob o socialismo. A total ausência de análise econômica em seus relatórios da Rússia Soviética traz à mente a conclusão de Karl Brunner (1987: 47) sobre as noções de reforma social de Keynes: “Seria difícil adivinhar, a partir do material dos ensaios, que um cientista social, até mesmo um economista, os havia escrito. Qualquer sonhador social da intelectualidade poderia tê-los produzido. Questões cruciais… nunca são enfrentadas ou exploradas.” Pode muito bem haver verdade no julgamento de sua boa amiga Beatrice Webb (1985: 371), em 1936: “Keynes não leva os problemas econômicos a sério; ele joga xadrez com eles em suas horas vagas. O único culto sério que ele tem é a estética…” Para uma avaliação de Keynes como “o artista consumado”, além das implicações científicas de sua teoria, veja Buchanan (1987).

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