Do altar e da coroa à sombra e ao declínio
A política moderna fala de Esquerda e Direita como se fossem categorias eternas. Na verdade, elas surgiram apenas quando a ordem orgânica já havia sido quebrada, quando a expressão medida da hierarquia cedeu à disputa de facções. No mundo antigo, essas divisões eram desconhecidas. A autoridade foi incorporada no soberano, a lei era a forma visível da hierarquia e a lealdade foi dada à coroa e à ordem sagrada que ela sustentava.
Basta lembrar a assembleia de Homero, onde o rei se levantou entre companheiros armados, cetro na mão, sua palavra suportada não pelo número, mas pelo peso da descendência e pela memória do valor, e onde até a voz da dissidência se curvou diante da primazia do comando. Ou volte-se para a corte da Idade Média, onde o rei se sentava entronizado sob o dossel do estado, prelados e barões variavam em suas posições designadas, cada estado do reino definido em sua ordem. Em tais cenas, a oposição pode realmente aparecer, mas não foi rebelião, mas correção, dissidência que nunca presumiu atacar os próprios fundamentos do governo. Portanto, na Inglaterra, ainda se podia falar da oposição mais leal de Sua Majestade, uma expressão que por si só testemunhava uma unidade superior à disputa de partidos.
Somente quando o espírito revolucionário da modernidade prevaleceu é que os nomes Esquerda e Direita assumiram seu significado atual, tirados dos assentos de um parlamento que usurpou o lugar da soberania. Desde sua primeira aparição, elas traziam o sinal da dissolução, não o selo da força.
No entanto, a palavra Direita tem uma ancestralidade mais antiga e mais nobre do que o salão em que foi degradada. No discurso da antiguidade, marcava o que era reto e legítimo, ligado à própria ideia de justiça. Os gregos falavam de dique, justiça como a ordem das coisas, defendida por Zeus e obrigatória até mesmo para os reis. Os romanos falavam de ius, a própria justiça, ligando o homem não apenas pelo costume, mas pela natureza. Uma lex, um mero estatuto, pode ser estreito ou injusto, mas ius permaneceu o caminho reto contra o torto, a ordem legítima contra o arbitrário. Dela descendiam tanto a lei quanto o juízo, pois o que era lícito era, por natureza, também o que era certo.
Essa verdade foi espelhada até mesmo na língua comum de Roma. A dextera, a mão direita, era a mão da fidelidade e da honra, levantada em juramento ou estendida em penhor. A sinistra, a mão esquerda, trazia o sentido do que era torto e de mau agouro. Dessa polaridade surgiu a associação duradoura da direita com legitimidade e justiça, e da esquerda com sombra e declínio.
Lembremo-nos do fórum de Roma: magistrados entronizados em cadeiras curul, os fasces levados diante deles, o povo reunido sob o olhar austero de efígies ancestrais, o arauto proclamando a lei não como um dispositivo de procedimento, mas como a própria expressão da justiça. Em tal ordem não havia violação entre a legalidade e o direito, pois ambos estavam unidos como um. Nossa própria época rasgou essa unidade, tornando a lei um mero instrumento de conveniência e lançando a justiça no domínio mutável da opinião. Para os antigos, tal separação não era concebível.
Assim, quando falamos de Direita em seu sentido antigo, reivindicamos algo desse patrimônio. Ficar à direita era ficar em honra; sentar-se à direita era manter a dignidade; apegar-se à direita era andar dentro da justiça. O discurso da Europa deu testemunho dessa verdade, pois o droit francês, o Recht alemão, o diritto italiano vinculavam a lei à retidão. Na cristandade, o sinal atingiu sua expressão mais alta: os bem-aventurados reunidos à direita de Deus, os rejeitados consignados à esquerda, como ao exílio e à sombra. Somente na era moderna essa nobre palavra afundou de seu pedestal, esvaziada de peso sagrado e reduzida à postura estéril do partido.
Com a Revolução Francesa, os símbolos antigos se transformaram em partidos. A direita tornou-se o grito do altar e da coroa, a esquerda a convocação da revolução. A queda estava na redução, pois o que antes denotava dignidade e justiça foi diminuído para a postura de uma facção parlamentar. Ao longo do século XIX, o nome ainda se apegava à Tradição, levada adiante pelos monarquistas na França, pelos conservadores na Prússia, pelos legitimistas na Espanha, cada um preservando fragmentos da ordem mais antiga, mas todos presos pelos grilhões da política moderna. No século XX, o termo foi esticado ainda mais, tomado por partidos de comércio e por movimentos de restauração nacional, cada um dobrando-o para seu próprio uso. Nessa confusão, a palavra permaneceu, apontando vagamente para algo mais elevado, embora quase ninguém ainda discernisse sua verdadeira direção.
É nesse sentido que a palavra Direita perdura, não como o símbolo de uma confraria, mas como um sinal apontando além do local de seu nascimento. Embora tenha surgido pela primeira vez dentro da própria ordem a que agora resiste, passou a significar a recusa de ceder o que é superior ao que é inferior. Falar da Direita não é entrar na luta mesquinha das assembleias onde o termo foi cunhado pela primeira vez, mas confessar fidelidade a princípios que estão acima das formas passageiras de poder temporal e além da deriva inquieta do tempo.
Se a Direita deve carregar mais do que um nome, nunca deve ser confundida com os partidos conservadores de nossa época, que há muito abandonaram sua essência e se resignaram à tutela do declínio. A verdadeiro Direita não é um monte de concessões, mas uma orientação espiritual, uma visão da vida enraizada na Tradição. Por Tradição – no sentido que lhe foi dado por Guénon e Evola – entende-se não a soma de costumes ou convenções herdadas, mas a ordem perene e transcendente, anterior à história e ainda assim ligada a ela, o vínculo pelo qual o homem e a sociedade estão unidos ao divino. Seus valores são aristocráticos, ordenados em posição, consagrados pela disciplina e pelo comando, sustentados pela honra que liga os homens ao que está acima deles. Não exalta a busca do comércio, nem se curva diante do clamor da multidão, nem se prosta em adoração diante do ídolo da erudição. Em vez disso, afasta-se do chamado homem estudado, cujo valor é contado em certificados, e olha com estima para a fidelidade, para o caráter temperado na provação e para a força de vontade que resiste. Ernst Jünger certa vez elogiou a virtude do que chamou de “analfabetismo saudável”, com o qual ele quis dizer a primazia da experiência vivida e da força interior sobre a vaidade escolástica. Ser de Direita é afirmar tais valores, desprezar o culto nivelador da igualdade e direcionar a alma para cima, em direção ao eixo transcendente que é o único que dá sentido à história.
O instinto conservador pertence por natureza à Direita, mas deve ser corretamente compreendido. Conservar é presumir que algo ainda permanece e é digno de preservação. Onde um povo foi moldado por antigas tradições aristocráticas, a conservação pode ser suficiente. Onde o passado deixou pouca substância, o chamado da Direita não é para guardar ruínas vazias, mas para restaurar o que foi eclipsado e dar vida novamente ao que caiu em silêncio. A Itália na era moderna é um exemplo estéril. Ao contrário dos reinos há muito governados por monarquias e casas nobres, faltava-lhe um princípio soberano para vincular seu ser, e sua história posterior não produziu nenhum fundamento sobre o qual a conservação autêntica pudesse repousar. Em tal condição, ser de Direita é recuperar o que foi esquecido e reacender o que estava adormecido. Aqui está o paradoxo: a verdadeira Direita é conservadora em essência, mas revolucionária em sua ação. Ele derruba para reconstruir; ela rompe para preservar. A contrarrevolução é seu emblema. Em uma época de dissolução, a fidelidade ao que transcende o tempo se torna o mais ousado e radical dos atos.
A história oferece muitos testemunhos desse paradoxo. A República Romana confiou um poder extraordinário ao ditador não para criar novidades, mas para salvaguardar a comunidade até que a ordem fosse restaurada. Na Idade Média, os reis dobravam os joelhos diante do altar enquanto coroas eram colocadas sobre suas cabeças, o próprio rito proclamando a união da soberania temporal com a sanção divina. Mesmo nas monarquias do início do mundo moderno, a coroa não era o símbolo da ambição, mas o sinal da continuidade, o emblema de uma soberania incorporada na linhagem. Em todas as épocas, a verdadeira autoridade era entendida não como um contrato com a multidão, mas como uma herança consagrada pelo tempo. Aristóteles havia muito antes chamado o homem de politikon zoon, o ser ordenado a habitar em comunidade ordenada, não como uma dispersão de indivíduos isolados, mas como um corpo unido e governado por princípios. Tais exemplos nos lembram que a autoridade não repousa sobre a opinião, mas sobre a forma e a continuidade, e que ambas extraem sua força de uma fonte transcendente que se eleva acima do fluxo da história.
A Direita afirma a hierarquia, mas a hierarquia não pode permanecer sem autoridade. Aqui está a questão decisiva: de onde a autoridade tira sua legitimidade? O democrata responde: do povo. No entanto, a voz do povo não é a voz de Deus; é o murmúrio da confusão, o tumulto do mercado entronizado como doutrina. A autoridade não pode ser fundamentada em tal fluxo. Nem pode ser garantida por ditaduras, que são apenas expedientes em tempos de perigo. A ditadura é passageira; a autoridade deve ser duradoura. Encontra-se na sucessão dinástica, na soberania encarnada, no próprio princípio da decisão. De Maistre e Donoso Cortés discerniram esta verdade: o governante revela sua legitimidade na hora da decisão, quando o procedimento silencia e o fardo do destino recai sobre um homem que não vacila diante da necessidade. A decisão desnuda a essência do estado, que não é concessão, mas comando no momento de extremidade. Assim, a eterna Direita sabe que o líder não é o “cavalheiro honrado” do parlamento, cuja ambição é a vaidade e cujas palavras ocultam a impotência. O líder serve aos princípios; o parlamentar trafica frases para disfarçar o vazio de sua posição.
A crise de nossa época reside não apenas na decadência da autoridade, mas na corrupção da própria fala. Até mesmo as palavras Esquerda e Direita, antes meros sinais de divisão, foram apreendidas e transformadas em instrumentos de dominação. Depois de 1945, os vencedores da grande conflagração que foi a Guerra Civil Europeia ergueram um novo domínio da memória, no qual os eventos escolhidos foram exaltados à categoria de lenda, interpretações prescritas entronizadas como dogma e a dissidência tratada não como erro, mas como sacrilégio contra a ordem imposta. O falecido Jonathan Bowden observou que a revisão, outrora o cargo legítimo do historiador, havia sido reformulada como crime de pensamento. A propaganda se vestiu com a aparência de uma verdade intocável, enquanto todas as vozes que questionavam, por mais moderadas que fossem, eram consideradas heresia. Assim, o reino da política foi estreitado até que tudo o que restou foi um conservadorismo sem derramamento de sangue que persistia nas margens. Esse conservadorismo, tímido e inerte, afundou na irrelevância, enquanto o liberalismo assegurou o campo sem rival. Uma sociedade que marca seu passado como monstruoso já negou a si mesma no presente; um povo que condena sua herança como crime já abandonou sua reivindicação ao futuro.
A ordem do pós-guerra realizou o que as revoluções anteriores haviam tentado em vão, pois provocou a paralisia do próprio espírito europeu. A culpa foi transformada em uma herança que une cada geração. A memória, outrora o fio da continuidade, foi distorcida em um instrumento de coerção. A história foi refeita em uma demonologia despojada de transcendência, mas reforçada com a solenidade do rito. Em tal clima, hastear a bandeira nacional não era mais uma promessa de lealdade, mas um gesto manchado de antemão, considerado contaminado. Afirmar a herança da Europa era arriscar a consignação imediata às fileiras dos proscritos, a serem contados entre os nomes inscritos no registro dos proibidos.
Por meio de tais artifícios, as nações da Europa foram educadas a acreditar que sua própria existência era uma ofensa, que sua própria continuação era marcada como um erro e que os esquemas de integração e migração não eram instrumentos de política, mas penitências impostas a um povo declarado perpetuamente culpado. A Direita permitida sob esse regime não era nenhuma Direita, mas uma falsificação oca, não conservando nada, não defendendo nada e não servindo a nenhum princípio superior. Não tinha nenhuma semelhança com a oposição leal outrora conhecida na Europa monárquica, que corrigia sem rebelião e defendia o princípio soberano mesmo em dissidência. Essa falsificação do pós-guerra existia apenas como um desfile oco, servindo apenas para mascarar a ausência de autoridade real. Pode-se lembrar as assembleias da democracia nesta época: uma câmara onde os políticos declamavam para a galeria, suas palavras vazias de força, enquanto as verdadeiras alavancas de comando estavam em outro lugar. Esse teatro dava a aparência de competição, mas seus atores permaneciam presos a um roteiro comum e confinados no mesmo palco. Essa falsa Direita permaneceu apenas para provar que a dissidência era tolerada, enquanto toda oposição genuína estava condenada ao silêncio.
Contra essa falsificação, a eterna Direita deve reivindicar sua essência. Deve deixar de lado o discurso do adversário, pois esse discurso estabelece os limites do discurso e silencia os assuntos mais elevados antes que possam ser nomeados. Deve declarar que o progresso é ilusão, que o curso da história não levou a humanidade para cima em formas mais nobres, mas a levou para baixo na decadência, uma descida que Evola chamou de regressão das castas. A renovação só se encontra no retorno àquilo que transcende a finitude do presente, ao que é atemporal. Sua tarefa não é implorar indulgência dentro da democracia, mas se preparar, com paciência e severidade, para o momento em que as formas reinantes se despedaçarem. Um movimento de Direita deve se apresentar como um corpo disciplinado, ordenado em fileiras, aguardando a hora decisiva em vez de se prostituir no mercado das eleições. Seu propósito nunca é contado em votos, pois seu ofício é preservar os princípios. Ela não lisonjeia a multidão, mas molda os homens para o comando. Não vacila com a opinião, mas se ancora no eixo que liga o homem à transcendência. Pode-se lembrar do campo de treinamento prussiano, onde a ordem e a precisão moldaram não um monte de indivíduos, mas um corpo feito para o comando. Tal disciplina não era um mecanismo morto, mas a marca viva da fidelidade a uma lei superior, e nela a essência da Direita foi revelada.
Voltando mais uma vez à sabedoria de Bowden, cujas palavras ressoam com o peso da profecia, vê-se que a paralisia do Ocidente brota de sua incapacidade de enfrentar seu próprio passado sem terror e pavor. O inimigo persuadiu nosso povo de que sua história é monstruosa, sua herança sem valor, sua própria existência uma mancha. Um povo tão envenenado não pode afirmar-se nem no mais pequeno gesto. Toda confissão de identidade europeia, por mais cautelosa que seja, é respondida com o grito de sacrilégio. Assim, o conservadorismo foi esvaziado de poder, o liberalismo reina sem controle e as nações se dissolvem enquanto ainda estão vivas para testemunhar sua própria ruína. O remédio está apenas na recuperação da Tradição, no reacender da autoridade, na renovação do que não passa. Apegar-se ao antigo é revolta quando a novidade é adorada. Defender a posição é desafio quando a igualdade é santificada. Ficar impassível é coragem quando a idade exige movimento perpétuo.
A Direita, em seu verdadeiro ser, não é nem partido nem facção. É um porte metafísico, uma fidelidade à ordem imutável dentro da turbulência do tempo. Esquerda e Direita como categorias passageiras podem desaparecer com os regimes que as nomearam, mas a Direita eterna prevalece. Ela afirma a hierarquia como a forma própria do homem, a soberania como a base do político e a Tradição como a presença da transcendência na história. Somente nesta fidelidade está o caminho da renovação. Tudo o mais afunda em balbucios, se dissolve em fantasma ou apodrece em pó.
Para a Europa, isso não é uma questão de especulação, mas de sobrevivência. Um povo separado da transcendência não pode subsistir, pois uma vez quebrado o eixo que une o terreno ao divino, o temporal ao eterno, não resta nenhum terreno sobre o qual descansar. Quando a Europa deixa de erguer o olhar para o céu, ela deixa naquele momento de ser ela mesma. A recuperação da Direita transcendente é, portanto, a recuperação da Europa, o retorno de suas nações à fonte de sua dignidade e à reivindicação de seu ser.
Com isso, ela pode se erguer mais uma vez como uma civilização consciente de sua missão, fiel à sua herança e forte o suficiente para moldar as eras vindouras. O destino da Europa está escrito na catedral gótica: pedra enraizada na terra, pináculos que se estendem em direção ao céu. Em seu peso está a disciplina, em sua altura está a ordem, em sua ascensão está a transcendência. Enquanto essas torres permanecerem, as pessoas que as ergueram ainda não desapareceram. E enquanto a catedral aponta para cima, a lança de Aquiles nos lembra que a Europa nasceu da união de força e forma, enquanto as colunas do Partenon ainda testemunham que a competição e a beleza juntas deram forma à sua alma. Ser de Direita é apegar-se a essa união, pois nela está a justificação eterna de nossa civilização e o selo de seu destino.

Artigo original aqui
Leia também:
https://rothbardbrasil.com/os-libertarios-devem-ser-monarquistas








