A crítica de Bohm-Bawerk sobre a Teoria da Exploração dos Juros

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O economista austríaco Eugen von Böhm-Bawerk é conhecido pelos historiadores do pensamento econômico pela sua formidável História e Crítica das Teorias dos Juros (1884)[1]. Antes de oferecer sua própria explicação acerca do fenômeno dos juros (num segundo volume, que surge cinco anos depois), Böhm-Bawerk primeiramente classifica sistematicamente e refuta todas as explicações anteriores.

Na minha própria aula de História do Pensamento Econômico, eu aponto várias das críticas de Böhm-Bawerk como leituras para meus estudantes. Faço isso não por que algum deles possa ser um proponente da visão (errônea) em questão, mas sim por que os argumentos de Böhm-Bawerk são de grande valor pedagógico. Em outras palavras: o novato pode aprender muito sobre economia por meio da leitura das críticas de Böhm-Bawerk.

Em artigos anteriores tratei do que Böhm-Bawerk chamava de a “teoria ingênua da produtividade” e também da “teoria da abstinência” dos juros. Neste artigo eu gostaria de resumir a crítica de Böhm-Bawerk acerca da “teoria da exploração”.

A teoria da exploração dos juros

A teoria da exploração poderia ser igualmente intitulada a teoria socialista dos juros, mas Böhm-Bawerk escolheu tal nome devido à sua maior precisão. Após explicar que muitos autores haviam desenvolvido várias versões da teoria da exploração, Böhm-Bawerk decide focar na interpretação específica de Rodbertus, por ser a mais clara e coerente versão.

A explicação de Rodbertus acerca dos juros é baseada na teoria do valor-trabalho, em que o valor de um bem é determinado pela quantidade total de trabalho envolvida em sua produção. O fato de que os capitalistas consomem produtos ano após ano, apesar de eles mesmos não estarem realizando nenhum trabalho, é apenas possível porque os trabalhadores, coletivamente, estão sendo pagos uma quantia menor do que o produto total do seu trabalho. O mecanismo atual pelo qual essa transferência é efetivada é o instituto da propriedade privada; os capitalistas estão numa posição em que podem exigir que os trabalhadores se submetam aos injustos salários por que, caso contrário, os trabalhadores morrerão de fome. Nas próprias palavras de Rodbertus:

Já que não pode haver nenhuma renda, salvo a resultante do trabalho, um excesso dos frutos sobre os custos de mão-de-obra depende de dois pré-requisitos indispensáveis. Primeiramente, não pode haver excedente a não ser que o trabalho ao menos produza mais do que o exigido para a continuação do trabalho. Pois é impossível para qualquer um obter uma renda regular, sem realizar pessoalmente qualquer trabalho, a não ser que tal margem exista. Em segundo lugar, não pode haver excedente sem que existam instituições que privem os trabalhadores dessa margem, no todo ou em partes, e a desviem para outros que não trabalham. Os trabalhadores estão, na natureza das coisas, em posse de seu produto no início. […] E essa margem é arrancada, no todo ou em partes, dos trabalhadores e é direcionada aos outros como resultado de fatores legais. Assim como o direito esteve desde o começo em coalizão com o poder, nesse caso, esse desvio ocorre apenas pelo exercício continuado da compulsão. (Rodbertus citado em Böhm-Bawerk pp. 252–253)

A crítica de Böhm-Bawerk sobre Rodbertus

A primeira objeção que Böhm-Bawerk apresenta é sua fundamentação na teoria de valor-trabalho. Simplesmente não é verdade que os bens derivam seu valor da quantidade total de trabalho empenhado em sua produção. Böhm-Bawerk apresenta vários argumentos para demonstrar tal proposição, mas a teoria do valor-trabalho (ou mais geralmente, do custo) já foi obliterada em outros artigos e, portanto, não despenderei mais tempo em tal assunto aqui.

Böhm-Bawerk, também, segue essa abordagem. Após demolir a teoria do valor-trabalho sob a qual a explicação de Rodbertus acerca dos juros depende, Böhm-Bawerk escreve:

Para não me aproveitar de qualquer vantagem indevida advinda do primeiro erro de Rodbertus, apresentarei, nas páginas subsequentes, minhas pressuposições de maneira a eliminar completamente quaisquer consequências daquele erro. Assumirei que todos os bens são produzidos apenas pela cooperação entre o trabalho e as forças livres da natureza. […] sem a intervenção de recursos naturais materiais possuindo valor de troca. (Böhm-Bawerk p. 263, ênfase original)

Em outras palavras, Böhm-Bawerk agora procederá a demonstrar que mesmo que nós restrinjamos aos casos em que o trabalho é o único recurso escasso utilizado na produção de determinado bem, a teoria da exploração ainda é falha.

O trabalho é pago integralmente!

Ironicamente, Böhm-Bawerk começa concedendo à máxima socialista: ele também concorda que os trabalhadores devem receber os frutos totais de seu trabalho. Entretanto, os teóricos da exploração cometem um grave erro na aplicação de tal princípio:

A proposição completamente justa de que o trabalhador deve receber o valor total de sua produção pode ser razoavelmente interpretada para significar que ele deve receber o valor total presente de sua produção agora ou que ele deve receber o valor total futuro no futuro. Mas Rodbertus e os socialistas interpretam tal proposição para significar que o trabalhador deve receber o valor total futuro de sua produção agora. (Böhm-Bawerk, pp. 263–64, ênfase original)

Uma vez que reconhecemos que bens presentes são mais valiosos do que bens futuros — que as pessoas preferem $1000 ou uma pizza hoje em vez de $1000 ou uma pizza daqui a 50 anos — essa ambiguidade na doutrina da exploração torna-se completamente falsa. A explicação dos “excedentes” de Rodbertus — o fato de que o capitalista ganha mais dos consumidores pela venda do produto do que o montante total pago aos trabalhadores que produzem tal bem — não é exploração, mas sim reflexo do fato de que os trabalhadores foram pagos antes da venda do produto final aos consumidores. É a diferença temporal que explica os juros recebidos pelos capitalistas.

Um exemplo

Como sempre, Böhm-Bawerk ilustra seus argumentos gerais com um exemplo específico para assegurar o leitor insatisfeito Ele nos pede para imaginar um motor a vapor que requer cinco anos de trabalho para ser produzido, e que possui um preço final de $5500. Suponha que um trabalhador trabalhe por cinco anos consecutivos para produzir tal motor. Quanto o trabalhador deve receber? A resposta óbvia é $5500, i.e., o valor total de sua produção. Mas perceba que o trabalhador pode apenas ser pago “completamente” caso esteja disposto a esperar todos os cinco anos.

Agora, e se tivéssemos uma situação mais realista, em que o trabalhador é pago em parcelas anuais? Em particular, suponha que o trabalhador trabalhe por apenas um ano, e, então, espere ser pago. Quanto ele deve receber? Böhm-Bawerk responde: “O trabalhador receberá justamente caso receba tudo o que foi produzido com seu trabalho até este ponto. Se […] ele produziu, até o momento, apenas uma pilha de minério inacabado, […] então ele será justamente tratado caso receba […] o valor total de troca que tal pilha de material possui, e, obviamente, possui agora” (p. 264)

Mas agora, devemos investigar mais a frente: qual será o valor exato desse minério inacabado? Uma análise superficial pode indicar que, porque o trabalhador produziu, até o momento, um quinto do trabalho empenhado na construção do motor a vapor, então o trabalhador deve receber um quinto do valor de troca de um motor a vapor — i.e., $1100. Mas Böhm-Bawerk declara:

Isso está errado. Mil e cem dólares é um quinto do preço de um motor a vapor presente e completo. Mas o que o trabalhador produziu até o momento não é um quinto de uma máquina que já está pronta, mas apenas um quinto de uma máquina que não será finalizada por mais quatro anos. E essas são coisas completamente diferentes. Não diferentes por meio de uma divisão sofista de sutilezas verbais, mas, na verdade, diferentes quanto às coisas em si. O primeiro quinto tem um valor diferente do último quinto, assim como uma máquina completa e presente tem um valor diferente, em termos de valoração presente, daquela que não estará disponível pelos próximos quatro anos. (pp. 264–265)

Porque bens presentes são mais valorizados do que bens futuros, segue-se necessariamente que um quinto de uma máquina-a-ser-entregue-em-quatro-anos vale menos do que um quinto de um motor a vapor presente. Logo, não pode ser pago ao trabalhador os $1100 pelo seu primeiro ano de trabalho, caso ele insista em pagamento imediato — em vez de esperar até a finalização e venda do motor. Caso assumamos uma taxa de juros de 5%, o trabalhador será pago mais ou menos $1000 pelo seu primeiro ano de trabalho.

Os trabalhadores podem sempre escolher emprestar seus salários a juros

Böhm-Bawerk oferece ainda mais um argumento para convencer o cético. Caso haja qualquer dúvida de que o trabalhador acima esteja sendo tratado justamente ao receber apenas o valor descontado de sua produção marginal (i.e. aproximadamente $1000) em vez do eventual valor presente da sua produção marginal, Böhm-Bawerk ressalta que o trabalhador certamente está livre para emprestar seus salários à taxa corrente de juros, de 5% ao ano. Após quatro anos, o trabalhador terá $1200 (ignorando os juros compostos)[2], e não há, então, qualquer base para afirmar que a estrutura institucional de alguma maneira força o trabalhador a receber menos do que o valor total de sua contribuição.

Caso o trabalhador esteja disposto a esperar até o fruto de seu trabalho realmente se transformar em uma mercadoria, então ele terá o “valor total” que mesmo uma análise socialista requer. Entretanto, caso o trabalhador não esteja disposto a esperar, e deseje um adiantamento na forma de bens presentes em troca de seu trabalho (que não produzirão bens consumíveis até o futuro), então ele necessariamente deve estar disposto a pagar o ágio do mercado sobre os bens presentes.

Conclusão

A refutação de Böhm-Bawerk acerca da teoria da exploração é valiosa não apenas como uma crítica de uma doutrina falha, mas também como uma exposição lúcida da teoria do valor subjetivo. Mesmo o economista profissional provavelmente seria beneficiado pela análise de Böhm-Bawerk, pois ele levanta vários pontos sutis que eu não inclui neste artigo. Independentemente da sua opinião acerca da própria teoria de Böhm-Bawerk sobre os juros, ler sua História e Crítica das Teorias dos Juros é, certamente, um tempo bem aproveitado.

 

Tradução de William Radaic

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Notas:

[1] Originalmente, “History and Critique of Interest Theories”. [N.T.]

[2] Isso pode ter surpreendido o leitor, que possivelmente pensava que a resposta seria $1100. Entretanto, tal hipótese também está incorreta, e a razão sutil por traz disso é ilustrada por uma versão diferente do cenário em que cinco trabalhadores conjuntamente produzem o motor a vapor. (p. 268).

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