A GM e o fim da indústria de pianos nos EUA

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ChickeringGrandPianoHoje em dia, o bem mais caro que uma pessoa compra, além de sua casa, é o seu carro.  E, especialmente nos EUA, essa realidade leva as pessoas a crer que de modo algum deve-se deixar que a indústria automotiva americana morra.  Afinal, é impossível que os EUA sejam um país de verdade e uma nação poderosa sem sua adorada indústria automotiva, que é tão essencial para o bem-estar da nação.  Com efeito, é exatamente isso o que os porta-vozes das Três Grandes (GM, Chrysler e Ford) dizem.

Mas, como eram as coisas mais antigamente?  Olhemos para os anos entre 1870 e 1930.  Por mais surpreendente que isso possa parecer hoje, o item mais valioso em todos os orçamentos familiares da época, além da própria casa, era o piano.  Todos tinham de ter um.  Aqueles que não tinham, sonhavam em ter.  Tratava-se de um prêmio, uma parte essencial da vida — e eles foram vendidos aos milhões.

Esse fenômeno também era novo.  Antes de 1850, os americanos majoritariamente importavam seus pianos.  Após 1850, essa postura mudou dramaticamente com a florescência daquilo que se tornaria a gigante indústria americana de pianos.  Durante a Era Dourada, essa indústria vivenciou um enorme aumento em sua popularidade.  Já em 1890, os americanos supriam metade do mercado mundial de pianos.  Entre 1890 e 1928, as vendas variaram de 172.000 para 364.000 por ano.  Foi um caso de crescimento contínuo e espantoso.

Os pianos eram utilizados abundantemente em salas de aula, em uma época em que a educação musical era considerada a base para uma boa educação.  Eles eram os instrumentos musicais típicos das casas, antes do advento das gravações sonoras e do iPod.  Eles eram essenciais para todos os tipos de entretenimento.  Os consumidores americanos simplesmente não conseguiam se saciar — e a iniciativa privada respondia prontamente à demanda.

Nova York, Boston e Chicago eram os lares dessas empresas.  Havia o grande piano Chickering — feito por uma empresa criada em 1823 — que, mais tarde, viria a dominar o mundo em termos de beleza e sonoridade.  Em Boston, havia o Hallet & Davis; em Nova York, o J. & C. Fischer; em Chicago, havia Strich & Ziedler, Hazelton, William Knabe, Baldwin, Weber, Mason & Hamlin, Decker & Sons, Wurlizer, Steck e Kimball; e, finalmente, havia o Steinway, também de Nova York.

A indústria americana de pianos era a maior do mundo — não porque os americanos tivessem criado alguma técnica nova e especial de manufatura, embora de fato tenha havido algumas inovações, mas, sim, porque as condições econômicas simplesmente fizeram com que fosse mais vantajoso construir pianos nos EUA.

Com a ascensão dessa indústria veio também um vasto aparato de marketing.  Anúncios de piano estavam em todas as partes, como se fossem anúncios de turnê.  Acreditava-se amplamente que gastar dinheiro em um piano não era realmente um gasto; era um investimento.  Todo o dinheiro gasto ficaria incorporado naquele útil e belo item.  Sempre seria possível vendê-lo por um valor maior do que aquele pago por ele — e isso, de modo geral, era verdade.  Desta forma, as pessoas estavam dispostas a incorrer em grandes sacrifícios para obter esse instrumento.

Com o crescimento da indústria de pianos veio uma explosão de lojas voltadas para servir toda a extensão do mercado de piano, bem como todas as etapas de produção dessa indústria.  O afinamento de piano era tido como uma profissão de grande sucesso e respeito.  Lojas especializadas em vendas de pianos abriam por todos os cantos dos EUA — e o mercado das partituras acompanhava esse ritmo intenso.  É interessante notar que, nas grandes cidades de hoje, as lojas especializadas em itens musicais normalmente pertencem a uma família, sendo que todas foram estabelecidas há 40, 50 e até mesmo 100 anos.  Trata-se de um resíduo desse passado industrial.

Tudo isso mudou no ano de 1930, que foi o último grande ano do piano americano.  As vendas despencaram e continuaram em queda livre naqueles tempos difíceis.  As empresas que eram adoradas por todos os americanos foram sumindo uma a uma naquela época.  Após a Segunda Guerra Mundial, a tendência seguiu inalterada, ao mesmo tempo em que cada vez mais pianos começaram a ser fabricados no exterior.

Em 1960 começamos a ver o primeiro grande desafio internacional àquilo que havia restado do mercado americano de pianos.  O Japão já estava produzindo metade do volume de pianos produzido nos EUA.  Já em 1970, ocorreu a revolução: a produção japonesa ultrapassou a americana, tendência essa que seguiu se intensificando.  Em 1980, o Japão já fabricava o dobro de pianos em relação aos EUA.  E então a produção se mudou para a Coréia.  Hoje, o centro da produção mundial de pianos está na China.  Você provavelmente pode ver um desses produtos no bar de algum hotel perto de você.

E o que aconteceu com a adorada e insubstituível indústria americana de piano?  A Steinway sobrevive fazendo instrumentos de luxo que muito poucos podem se dar ao luxo de comprar.  O Baldwin ainda existe e é possível encontrar alguns modelos por aí.  Mason & Hamlin fizeram um grande retorno, mas apenas no mercado de produtos avançados.  O resto ou se mudou para o exterior sob nova direção ou foi completamente extinto.

Alguém realmente se importa com tudo isso?  Não muitos.  Os EUA foram devastados como uma nação por causa deste fato?  De jeito nenhum.  Foi tudo uma questão de economia.  A demanda caiu, e os custos de produção daqueles pianos ainda desejados tornaram-se muito mais baratos no exterior.

É fato que um aficionado por piano irá ler isso e dizer “Amigão, além de tosco, você é um estúpido.  Veja o som produzido por um modelo antigo do Chickering e sinta a diferença.  Era algo caloroso e magnífico, quase sinfônico.  Era suave e perfeito para os melhores repertórios.  Em comparação, esses novos pianos chineses são desafinados, desajeitados e pontiagudos.  O som parece com o de uma marimba.  É impossível tocar Schubert ou Brahms nesse lixo.  Ninguém quer ouvir essa coisa.  Eu quero voltar àqueles velhos tempos em que os pianos tocavam música de verdade!”

Bem, se o aficionado realmente quer, ele ainda pode obter aquele velho som do Chickering.  Ele também pode comprar um Steinway.  É claro que ele terá de pagar mais de US$50.000.  Em alguns casos, a quantia pode ultrapassar os US$120.000.  Mas os pianos estão lá.  Isso é exorbitante?  Pra você.  É tudo uma questão de prioridades.  O aficionado pode vender sua casa e ir morar em um apartamento minúsculo e, com isso, ser capaz de bancar o mais grandioso instrumento que o dinheiro pode comprar.  Em todo caso, não faz nenhum sentido econômico alguém exigir um piano magnífico a um preço muito baixo quando a própria realidade econômica faz com que isso seja impossível.

Da mesma forma, muitas pessoas vão lamentar o sumiço da indústria americana de automóveis e decantar eloquentemente os dias de glória do Chevy 1957 ou modelos similares.  Mas é preciso lidar com a realidade de que tudo isso é passado.  A economia exige mudanças contínuas, exige que nos adaptemos aos fatos correntes.  Ela exige uma avaliação realista e inflexível da relação entre custos e preços, oferta e demanda.  Temos de aprender a gostar dessas forças existentes em uma sociedade, pois são elas as únicas coisas que mantêm a racionalidade na maneira em que utilizamos os escassos recursos disponíveis para toda a economia.  Sem essas forças, não haveria nada mais que caos e desperdícios, o que possivelmente geraria fome e mortes.  Simplesmente é impossível vivermos fora da realidade econômica.

Suponhamos que o governo americano tivesse empreendido um salvamento da indústria de piano, injetando-lhe dinheiro e, finalmente, estatizando-a.  As mesmas empresas teriam feito os mesmos pianos por décadas e décadas.  Mas isso não teria impedido que a indústria japonesa se expandisse durante as décadas de 1960 e 70.  Os americanos certamente iriam escolher os pianos japoneses, pois eles seriam mais baratos.  Os pianos americanos, por serem geridos pelo estado, passariam a ser de pior qualidade.  E sua qualidade cairia continuamente até chegar ao ponto em que um piano americano se assemelharia a um carro soviético dos anos 1960.  É claro, o governo poderia impor tarifas de importação.  Isso forçaria os americanos a comprar apenas pianos americanos.  Mas uma coisa é certa: a demanda ainda assim iria despencar.  Ninguém iria gastar dinheiro em pianos de qualidade sofrível.  E os pianos teriam de ter um mercado para poderem ser vendidos.  Mas suponhamos que esse problema fosse remediado através de um decreto governamental que obrigasse todas as pessoas a ter um piano.  Ainda assim, seria impossível fazer com que as pessoas impusessem algum valor neles.

No final, vale a pergunta: será que realmente vale a pena gastar trilhões em subsídios, criar enormes tarifas de importação, e fazer várias imposições, apenas para manter viva uma indústria que declaram ser essencial?  Bom, ocorre que, como aprendemos no caso dos pianos, nenhuma indústria é eternamente essencial.  As coisas vêm e vão.  Assim é o mundo.  Assim é o curso dos eventos.  Assim é o movimento contínuo da história em um mundo de inexorável progresso gerado pelo livre mercado.  Ainda bem que o governo americano não se importou em salvar a indústria americana de piano!  Como resultado, os americanos podem hoje comprar uma enorme variedade de instrumentos, de todas as partes do mundo, a qualquer preço que estejam dispostos a pagar.

Mas hoje o governo é ainda mais arrogante e insensato, e realmente acredita que, aprovando legislações e nacionalizando, pode salvar a indústria automotiva americana.  Ele acredita que pode, indefinidamente, subsidiar e pagar atividades economicamente irracionais — e que é perfeitamente possível gastar com isso volumes crescentes ano após ano.  Ora, o governo também pode pagar milhões de pessoas para fazer tortas de barro, pensando que tal atividade seja uma indústria essencial.  Ele pode fazer isso, mas a que custo?  Qual seria o objetivo?  Quais seriam as consequências?  Mesmo o governo — esse ente irracional — eventualmente é obrigado a se adequar à realidade que a economia nos impõe diariamente.

Por exemplo, o antigo Czar automotivo da Romênia — o homem responsável pelo gerenciamento da produção estatal de carros — escreveu um artigo no Wall Street Journal relatando sua experiência de tentar produzir carros sob um regime socialista.  Ele estende sua análise à Jaguar na Grã-Bretanha para mostrar que, mesmo em países capitalistas, o governo também é incapaz de produzir carros.  Sua análise é centrada em duas características da produção automotiva socialista: a ignorância técnica dos planejadores e a inevitável politização do design e dos planos de distribuição.

Esses fatores já são suficientes para condenar qualquer tentativa, porém creio que Mises se aprofundaria mais.  Suponhamos que fosse possível haver perfeita proficiência técnica da parte dos burocratas e uma completa ausência de favorecimento político na questão do planejamento.  Sob essas condições favoráveis, o socialismo poderia produzir carros?  Mises diria que não, e por uma razão simples: a ausência de preços de mercado.  Se não há mercado para os meios de produção, então é impossível haver uma formação de preços genuínos para os insumos, o que, por sua vez, gera distorções dos preços dos produtos.  Nesse cenário, não se pode imaginar que os livros contábeis irão revelar quais os métodos menos dispendiosos e mais produtivos para a produção.  Se o sinal emitido pelo sistema de preços — a única baliza que racionaliza o sistema de produção — for distorcido, torna-se impossível fazer o cálculo de lucros e prejuízos.  Os planejadores ficam completamente perdidos, tateando no escuro.  A produção se torna economicamente irracional.

No mercado, a possibilidade de qualquer empresa desaparecer para sempre do planeta deve ser um panorama sempre presente.  Porém, ao intervir para se tornar o proprietário de 60% da GM, o governo americano já anulou essa eventualidade, o que significa que ele irá, pela duração de tempo possível, desperdiçar recursos para impedir que o julgamento de mercado sobre a qualidade da GM possa se impor.  Pode apostar que Obama e Companhia não deixarão a nova GM falir.  E, ao anular essa possibilidade, o governo americano está garantindo um futuro de desperdícios e irracionalidade que não serão muito diferentes da experiência socialista romena.

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