Várias cidades do mundo já aprovaram decretos que tornam ilegal empresas e firmas deixarem de contratar empregados por causa de sua orientação sexual. Em muitos casos, principalmente nos EUA, toda a discussão inevitavelmente descamba para o debate acerca da moralidade da homossexualidade. Mas independente de qual seja a discussão do momento, normalmente assume-se que o estado pode intervir em favor de determinados grupos a fim de corrigir toda a injustiça da discriminação. Porém todo o debate sobre discriminação, em grande medida, ignora o cerne da questão, a saber: se é justo, moral e apropriado utilizar de força para corrigir as perversas e excêntricas crenças de terceiros. Concentremo-nos nisso.
Comecemos pelo lado do consumidor. Como consumidor, sou livre para me entregar a quaisquer preferências pelas quais esteja disposto a pagar. E se eu for um intolerante fanático, os objetos de minha ignorância — desde que não seja brutalidade física, obviamente — não podem fazer absolutamente nada, em termos jurídicos, contra mim. Se eu tenho algum preconceito contra a raça ou a religião dos proprietários de um restaurante étnico local, sou perfeitamente livre para utilizar os serviços de outros restaurantes. Eu não sou obrigado a comer em um restaurante indiano, mexicano ou vietnamita, e os proprietários desses estabelecimentos não têm a opção de me obrigar a ser cliente de seus negócios.
O direito legal de processar pessoas pelo crime de pensamento funciona somente em uma direção. Aos restaurantes não é dado o direito de se recusarem a me servir caso não gostem de minha raça ou religião. Tem algo incoerente aqui. Se eu sou um fanático, sou livre para praticar meu fanatismo recusando-me a dar meu dinheiro em troca dos bens e serviços daqueles de quem não gosto. Porém eles não podem se dar ao mesmo luxo: eles não podem se recusar a oferecer seus bens e serviços em troca do meu dinheiro.
Já foi dito que “questões complicadas criam leis ruins”, e leis contra a discriminação são um ótimo exemplo disso. Eis uma área em que o pragmatismo deve dar lugar aos princípios. Em seu livro Fair Play, o economista Steven Landsburg expressa isso de maneira eloquente em uma passagem sobre a importância dos direitos, da tolerância e do pluralismo (p.92):
Você e eu desaprovamos a intolerância. Mas a virtude privada da tolerância e a virtude pública dopluralismo requerem que aceitemos coisas que não necessariamente aprovamos. Tolerância significa aceitar o fato de que o juízo de valor das outras pessoas pode ser muito diferente do seu. Pluralismo significa abster-se de utilizar o poder político como um meio de ‘corrigir’ esses valores.
A ideia de tolerar a intolerância pode soar paradoxal, mas o mesmo também se aplica a várias outras boas ideias — como a liberdade de expressão para os defensores da censura. Com efeito, a liberdade de expressão tem muito em comum com a tolerância: não significam nada a menos que sejam igualmente aplicadas àqueles que nos aplaudem e àqueles que nos ofendem visceralmente.
A tolerância é algo enobrecedor — e é por isso que devemos ensiná-la aos nossos filhos. Já o pluralismo é um seguro contra a tirania — e é por isso que temos de exigi-lo do governo. Defender mesmo a mais odiosa das minorias é algo moralmente certo e politicamente prudente.
Exigir que o governo purifique os corações e mentes de terceiros abre uma caixa de Pandora, nos joga em um terreno completamente instável e estimula todos os tipos de clichês banais. Eu realmente espero que as pessoas achem moralmente repugnante qualquer tipo de discriminação baseada em raça, religião, orientação sexual, deficiências físicas e outros critérios arbitrários. Entretanto, essa minha desaprovação quanto a atitude de outrem não me dá o direito de utilizar a força para corrigir suas visões deturpadas. Aliás, o tiro pode sair pela culatra. Todo decreto antidiscriminação inevitavelmente gera aquela mentalidade inerentemente discriminatória do “nós contra eles”.
O que nos leva a outro ponto de crucial importância. Se eu dou a um governo o poder de obrigar você a aceitar meus valores, também estou dando a ele o poder de me obrigar a aceitar os seus valores em algum momento futuro. Um exemplo prático: qualquer governo com o poder de confiscar o dinheiro de um ateu para entregá-lo à minha igreja é também um governo que tem o poder de confiscar o meu dinheiro para entregá-lo a organizações abortistas. Quando utilizamos de força para restringir a liberdade de terceiros, estamos colocando a nossa própria liberdade em perigo.
O poder de coerção governamental é uma faca de dois gumes: dar ao estado o poder de fazer coisas das quais você gosta necessariamente significa dar ao estado o poder de fazer coisas das quais você não gosta; e dar ao estado o poder de restringir comportamentos que você desaprova significa dar ao estado o poder de restringir comportamentos que você aprova. A única maneira correta de mudar corações e mentes não é através da coerção. É através da persuasão.