Wellington Menezes de Oliveira sabia exatamente o que ia fazer quando entrou na escola Tasso da Silveira, em Realengo. Depois de despistar os funcionários do colégio, seguiu para as duas salas onde, de acordo com os alunos sobreviventes, executou a sangue frio 12 crianças que imploravam por clemência, com tiros na cabeça e no coração. Mais crianças continuam feridas.
É lamentável que, diante de uma tragédia dessa dimensão, a cobertura jornalística do massacre tenha sido tão fraca. Além de, inicialmente, terem tentado ligar o assassino ao islamismo e dizerem que era aidético, não demorou mais que um dia para que, por exemplo, o Jornal Nacional tenha vaticinado: “Esse caso deve servir como exemplo para que a sociedade perceba que é preciso reforçar a segurança das nossas crianças.”
De minha parte, eu sinto que, embora esteja chocado com o acontecido, não consigo nem imaginar a dor que os familiares das vítimas estão sentindo.
Mas é exatamente por isso que, ao contrário das pessoas que extendem cartazes na porta do colégio pedindo mais segurança, eu posso analisar a situação com um grau maior de isenção.
E, se pararmos por um momento para estudar os fatos, vamos ver que o acontecido não foi uma falha de segurança.
Probabilidades
Não é possível estabelecer ligações claras de causa e efeito entre os acontecimentos do Realengo. É possível especular as razões que levaram Wellington a matar as crianças, mas não é possível colocá-las numa classeespecífica de acontecimentos. Por que não?
Segundo Ludwig von Mises, há essencialmente dois tipos de probabilidade: de caso e de classe.
As probabilidades de caso se referem às situações em que sabemos alguns, mas não todos os fatos determinantes de uma dada situação. Casos são sempre individuais, únicos e, portanto, seus resultados são incertos. É impossível se segurar contra essas situações específicas.
Probabilidades de classe, em contraste, referem-se às situações em que nós temos todas as informações relevantes sobre uma classe de eventos, mas não sabemos o resultado de um caso particular. Quando é possível estabelecer uma probabilidade de classe em relação a um conjunto de eventos, é possível se segurar contra eles.
Classes e casos
Resultados de jogos de futebol são probabilidades de caso. Nós sabemos que um time com um bom técnico e com bom preparo físico e tático tem maior probabilidade de vencer partidas. Contudo, o fato de que o time venceu os últimos nove jogos não significa que ele vai vencer o décimo. Da mesma forma, num jogo de roleta, se a bolinha caiu em casas vermelhas nas últimas jogadas, isso não é motivo para escolher casas vermelhas nem pretas na próxima rodada, porque a probabilidade de sair uma ou outra continua igual.
Como exemplo de probabilidade de classe, vejamos o recente terremoto que atingiu o Japão na região de Touhoku. O território japonês se localiza exatamente no encontro de três placas tectônicas, resultando em grande atividade sísmica no local. De fato, o Japão é atingido por centenas de terremotos anualmente, a maioria de intensidade baixa ou moderada.
Essa pode parecer uma informação trivial, mas, sabendo a frequência da distribuição de longo prazo de terremotos, é possível se segurar contra eles. Não é possível saber que um terremoto específico terá uma potência determinada. Mas sabemos que, dada uma certa distribuição de terremotos, teremos um dano específico.
Erros e acertos
O que transformou o terremoto japonês em notícia mundial foi sua intensidade atípica. Sua força devastou cidades inteiras e o dano material do tsunami resultante ainda não foi precisado. Os problemas causados nas usinas nucleares de Fukushima tornam a situação ainda pior.
Mas, dado que o Japão é vítima constante de terremotos, o que aconteceria se os japoneses sempre presumissem que os próximos terremos seriam de 9.0 graus na escala de magnitude de momento? Certamente nem todos os terremotos têm 9 graus de magnitude. É possível também dizer que os japoneses sempre estariam “seguros” contra terremotos. O fato, no entanto, é que eles acertariam errando. Os custos que eles pagariam para se segurar contra todo tipo de terremoto, mesmo contra os mais poderosos, seriam altíssimos. Como nós vivemos num mundo de recursos escassos, o fato de que o Japão ainda sofre com os efeitos do terremoto não é uma falha dos sistemas de seguro; é uma situação lamentável, mas que é o melhor que podemos ter no nosso mundo imperfeito.
Da mesma forma, crimes como assassinatos são probabilidades de classe, mas a situação específica que levou Wellington a matar 12 crianças na escola no Rio de Janeiro foi uma probabilidade de caso. Nós podemos nos segurar contra crimes “médios”, mas clamar por mais segurança para nossas crianças num caso extremamente atípico como o do Realengo é o mesmo que apostar que todos os terremotos vão ser de 9 graus: nós acertamos errando.
Protegendo crianças
Se nós colocássemos nossas crianças em bunkers vigiadas durante as 24 horas do dia, com dois seguranças armados atrás de cada uma, creio que podemos todos concordar que a probabilidade de elas serem chacinadas seria próxima de zero.
A questão é que esse é um custo muito alto, não só para nós mesmos, mas para as próprias crianças. Não só nós estaríamos queimando preciosos recursos com segurança, nós também estaríamos privando as crianças de experiências valiosas de vida. É claro que estamos em muito maior segurança se ficarmos presos em casa o dia inteiro – mas, para a maioria das pessoas, ainda vale a pena assumir o risco de sair de casa e ter uma vida normal, mesmo que isso signifique que nós podemos vir a ser alvos de brutalidades como a da escola Tasso da Silveira.
Não há dúvidas de que superar o acontecido será extremamente difícil para os envolvidos na chacina. Certamente deverão ter acompanhamento psicológico e, por mais doloroso que isso seja no momento, eventualmente terão que seguir com suas vidas.
O que não vai ajudar em nada é que façamos um esforço em segurança retroativa, contudo.
Há muito o que criticar na segurança pública brasileira, talvez em particular na do Rio de Janeiro. Mas não podemos esquecer de que essa foi a primeira vez que um acontecimento do tipo ocorreu no Brasil. Portanto, ao menos nesse caso, a segurança do Rio de Janeiro errou acertando.