Acordos de livre comércio envolvem muito mais “acordos” do que “livre comércio”

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Delegates attend the opening day meeting of the 9th Ministerial Conference of the World Trade Organisation (WTO) in Bali, Indonesia, Tuesday, Dec. 3, 2013. (AP Photo/Achmad Ibrahim)

Existe uma diferença crucial, praticamente intransponível, entre “livre comércio” e “acordos de livre comércio”.

Livre comércio significa simplesmente você e eu transacionarmos livremente com quem quisermos, não importa se a outra pessoa está do outro lado da rua ou do outro lado do globo.  Não há barreiras, não há tarifas, não há imposições governamentais.

Já “acordos de livre comércio” são apenas uma forma de mercantilismo disfarçado.

Em primeiro lugar, um genuíno livre comércio não requer um “tratado” ou um “acordo comercial”.  Se um governo genuinamente quisesse um livre comércio, tudo o que ele teria de fazer seria abolir as inúmeras tarifas de importação, as cotas de importação, as leis “anti-dumping”, e todas as outras restrições estatais impostas ao comércio. Não é necessária nenhuma política externa ou manobra conjunta.

No entanto, os governos que assinam os tratados de “livre comércio” sempre se certificam de que todas as cláusulas serão boas para suas empresas nacionais, e não necessariamente para os consumidores do país. Enquanto os genuínos defensores do livre comércio vêem o livre mercado e o comércio, doméstico ou internacional, do ponto de vista do consumidor (isto é, de todos nós), o mercantilista, seja do século XVI ou de hoje, vê o comércio do ponto de vista das grandes empresas nacionais que estão em conluio com o governo.

Genuínos defensores do livre comércio consideram as exportações um simples meio de pagar pelas importações e sempre têm o interesse do consumidor em primeiro lugar.  Já os mercantilistas querem apenas privilegiar as grandes empresas nacionais em detrimento de todos os consumidores, sejam eles domésticos ou estrangeiros.

Por tudo isso, vale repetir: o livre comércio não requer tratados. Todo o necessário para que haja um livre comércio é que se removam (unilateral ou multilateralmente) todas as barreiras artificiais ao comércio: a Inglaterra fez isso em meados do século XIX, Hong Kong o fez em meados do século XX.

Para se ter uma ideia, em 1879, a Constituição dos Estados Unidos usou apenas 54 palavras para estabelecer o livre comércio entre os estados. Já o NAFTA, o acordo de “livre” comércio entre o Canadá, o México e os EUA tem duas mil páginas, novecentas das quais se referem unicamente a tarifas.

O tamanho mastodôntico desses acordos de comércio, com suas miríades de estipulações e controles — tais como regras sobre a origem e a correspondente inspeção de produtos, exigências de verificação, unificação de leis ambientais e a interferência em assuntos soberanos, como leis trabalhistas — desvirtuam completamente seu nome.

Acordos de “livre comércio” vêm sempre cheios da palavra “exceção”.  Aqueles que sabem manusear suas influências políticas por meio de grupos de interesses sempre recorrem a “favores” para se protegerem da concorrência externa.  Em vez de livre comércio, o que esses acordos criam é um sistema de comércio dirigido e manipulado, além de — como era de se esperar — muitos, caros e inúteis empregos para burocratas, empregos estes que só servem para destruir a riqueza dos países envolvidos.

Supervisionar e controlar o comércio entre dois países faz tanto sentido econômico quanto supervisionar e controlar o comércio entre os estados de um mesmo país.

Acordos comerciais têm também outras implicações prejudiciais.  Eles discriminam importações de baixo custo de países que não fazem parte do tratado.  O comércio com estes países é ignorado em prol de fornecedores que, apesar de serem mais caros, gozam de isenções fiscais, pois pertencem a países signatários do acordo.  E parte da receita tributária de que o governo abriu mão por causa do uso de isenções tarifárias acaba se transformando em renda para o bolso do fornecedor privilegiado.

Qualquer indivíduo que realmente tenha a paciência de ler, na íntegra, os acordos comerciais atuais não se surpreenderia em descobrir que eles se concentram cada vez menos na redução das tarifas de importação e cada vez mais no “desenvolvimento da indústria nacional”, na promoção de exportações, na unificação de leis ambientalistas e na afirmação de uma política doméstica.  Seu verdadeiro propósito — um protecionismo discreto — é ocultado por termos vagos como “comércio mais livre e mais justo”, “liberalização gradual”, “concessões recíprocas” e “pacotes de desenvolvimento”.

O livre comércio é o que nos mantém vivos

Há vários argumentos em prol de um comércio mundial livre e irrestrito: maior concorrência para as empresas nacionais, melhora substancial da qualidade dos produtos, maior competitividade, maior soberania do consumidor, mais mercados para as empresas.

O melhor, no entanto, é um dos menos ressaltados: quanto mais livre é o comércio exterior, maior é a possibilidade de fazermos o trabalho que mais nos agrada e que mais bem se adapta aos nossos talentos individuais.

Apenas imagine viver em uma sociedade na qual nosso trabalho diário serve unicamente ao propósito de sobrevivermos, e não para desenvolver nossos talentos. Pois essa é a realidade nos países que mais restringem o livre comércio: as pessoas, ao serem praticamente proibidas de utilizar os frutos do seu trabalho para adquirir aqueles bens e serviços que são mais bem produzidos por estrangeiros, acabam sendo obrigadas a desempenhar várias atividades nas quais não têm nenhuma habilidade.

Uma pessoa boa em informática acaba tendo de trabalhar como operário em uma siderurgia, pois seu governo restringe a importação de aço, que poderia ser adquirido mais barato de estrangeiros.

Estando isoladas da divisão mundial do trabalho, tais pessoas trabalham apenas para sobreviver, e não para desenvolver seus talentos. Elas não podem trabalhar naquilo em que realmente são boas, pois a restrição ao livre comércio obriga os cidadãos a fazerem de tudo, inclusive aquilo de que não entendem.

Isso é uma vida cruel.

Em países cujo comércio exterior é mais livre, seus cidadãos possuem uma miríade de opções de trabalho: eles podem ser financistas, instrutores de ioga, artistas, cineastas, chefs, contadores e empreendedores do ramo de tecnologia. Tão rica e com tamanha liberdade de comércio é a economia, que todos têm opções.

Já em sociedades fechadas, as pessoas passam suas vidas lutando para apenas sobreviver, sendo obrigadas a desempenhar várias atividades que não são do seu domínio.

Em países de economia mais aberta, as pessoas, justamente por poderem adquirir bens e serviços fornecidos por estrangeiros que são mais eficientes no suprimento destes, podem se concentrar naquilo em que realmente são boas.

Em países de economia fechada, as pessoas não têm essa opção, e engenheiros acabam virando operários de fábricas.

Em países de economia aberta, o lazer é um dado da realidade. As pessoas, justamente por não terem de perder tempo trabalhando naquilo em que não são boas, podem dedicar boa parte do seu tempo a passatempos de luxo, como esquiar.

Quantas pessoas podem se dar ao luxo de se divertir luxuosamente em países como Myanmar, Zimbábue e Venezuela?

Apenas imagine como seria sua vida se você tivesse de fabricar o computador (ou tablet ou smartphone) no qual você está lendo este artigo, cultivar a comida que você come, criar as roupas que você veste, e construir a estrutura na qual você mora. Caso tivesse de fazer tudo isso, você certamente morreria esquálido, faminto, nu, desabrigado e desempregado.

Graças ao livre comércio, no entanto, você não é obrigado a se concentrar naquilo em que você não é bom. Em vez disso, você pode apenas trocar os frutos do seu trabalho por todos aqueles bens de consumo que você não é capaz de fabricar.  Nesse cenário, quanto maior a sua liberdade para adquirir esses bens — não importa se eles foram fabricados na sua cidade ou em uma indústria do Vietnã —, melhor.

Conclusão

Livre comércio é sobre barganhas e pechinchas. Os benefícios do comércio internacional não estão na moderação e nem no grau de reciprocidade.  Uma genuína política de livre comércio seria a abolição de toda e qualquer barreira comercial, e esse deve ser o objetivo unilateral de todo e qualquer país.  Se os mercados fossem libertos da mão pesada dos governos, o livre comércio internacional seria o resultado automático e inevitável, e o padrão de vida da população mundial aumentaria sobejamente.

A grande constatação dos liberais clássicos britânicos foi justamente a de que o comércio não precisava ser controlado nem domesticamente e nem internacionalmente.  Consumidores e produtores, independentemente de em que país viviam, eram capazes de negociar seus próprios acordos, ao passo que tarifas e outras barreiras comerciais não apenas prejudicavam os produtivos e eficientes, como beneficiavam apenas os incompetentes.

Por isso, os liberais clássicos defendiam a eliminação de todas as restrições sobre o comércio, e se opunham a todo e qualquer tipo de gerenciamento governamental do comércio.

Mas os governos não gostam desse sistema justamente porque ele os deixa de fora do esquema.  É por isso que, desde o início do século XX, os governos se organizaram para criar uma superestrutura burocrática para gerenciar o comércio global — a Organização Mundial do Comércio (OMC) — e também estruturas menores para gerenciar o comércio regional — Nafta, Mercosul etc.

E cada vez mais se apressam em assinar acordos de “livre comércio” bilaterais, sempre com o intuito de garantir que não percam o controle sobre as transações voluntárias feitas por indivíduos ao redor do mundo.

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John Tamny é o editor do site Real Clear Markets, contribui para a revista Forbes e autor do livro Popular Economics: What the Rolling Stones, Downton Abbey, and LeBron James Can Teach You about Economics.

Manuel Ayau, (1925 — 2010), foi acadêmico, intelectual e empresário da Guatemala.  Era engenheiro mecânico e foi o fundador do Centro de Estudios Económico-Sociales (CEES), da Universidad Francisco Marroquín e de outras instituições dedicadas à difusão do liberalismo clássico.

Murray N. Rothbard (1926-1995) foi um decano da Escola Austríaca e o fundador do moderno libertarianismo. Também foi o vice-presidente acadêmico do Ludwig von Mises Institute e do Center for Libertarian Studies.

Lew Rockwell, chairman e CEO do Ludwig von Mises Institute, em Auburn, Alabama, editor do website LewRockwell.com, e autor dos livros Speaking of Liberty e The Left, the Right, and the State.

1 COMENTÁRIO

  1. O seu texto não faz sentido. Ele esquece da lei da oferta e procura e ainda nem cita a valorização da moeda.

    Seguindo o exemplo dele. Se o Coreanos compram carne cara, ficam sem dinheiro para comprar os outros produtos e o que acontece se os outros produtos não são vendidos? Diminuem de preço. Oferta e procura. Agora os Coreanos podem comprar.

    Outra coisa, os coreanos vão ter a balança comercial positiva e com Brasileiro querendo comprar os produtos deles e os coreanos não podendo comprar os Brasileiros o que vai acontecer com o Real? Simples, o que acontece com a moeda de um país quando tem a balança comercial negativa? Desvalorização, logo o Brasileiro terá mais um empecilho para comprar os produtos coreanos, vão gastar mais. Não vão comprar mais nada e vão sofrer o que? Inflação.

    Texto simples e muito fácil de refutar.

    Com a moeda desvalorizada, o empecilho Coreano passa a não valer mais pois agora a moeda mais forte (Coreana) poderá comprar a carne Brasileira, mesmo com as altas tarifas impostas pelo governo.

    No final, o protecionismo fez a moeda coreana valer mais e com isso pode comprar a carne mais barata do Brasil. Simples, e o outro país que não fez protecionismo teve a moeda mais fraca e vai sofrer inflação. Porém o agronegócio Brasileiro agradece a desvalorização da moeda, pois para eles a inflação não os atinge pois eles ganham em Dolar e não em real. Qual a parcela que sofre mais? O cara que não vende para o exterior somente para o interior

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