I. Os mitos da democracia
Todo voto conta
Sempre ouvimos isto durante o período de eleições. A alegação de que seu voto realmente conta. O que é verdade — para um em cem milhões (se estivermos falando sobre as eleições presidenciais norte-americanas). Mas se você tem uma influência sobre o resultado de um processo de um em cem milhões, ou seja, 0,000001%, na prática a sua influência é zero. A chance de que seu voto decida quem vai ganhar a eleição é astronomicamente pequena.
E, na verdade, é ainda pior, porque seu voto não é por uma decisão ou política específicas. É um voto por um candidato, ou partido político, que vai tomar decisões em seu nome. Mas você não tem qualquer influência sobre as decisões que essa pessoa ou partido tomam! Você não pode controlá-los. Durante quatro anos, eles podem decidir o que quiserem e não há nada que você possa fazer. Você pode bombardeá-los com e-mails, cair de joelhos na frente deles ou amaldiçoá-los — mas são eles que decidem.
Todo ano, o governo toma muitos milhares de decisões. Para alguém que pode fazer o que quiser e que não precisa mais consultá-lo, este seu voto não tem nenhum impacto mensurável sobre qualquer uma dessas decisões.
Normalmente, seu voto nem é sequer uma escolha real. É mais uma indicação de uma preferência vaga. Raramente existirá uma pessoa, ou partido político, com o qual você concorda em todos os aspectos. Suponha que você não queira dinheiro sendo gasto em ajuda ao Terceiro Mundo ou na guerra no Afeganistão. Você pode, então, votar em favor de um partido que se oponha a elas. Mas talvez esse partido também seja a favor de aumentar a idade da aposentadoria, algo com o que você discorda.
Além disso, depois que o partido, ou a pessoa em quem você teria votado forem eleitos, eles quase sempre quebrarão suas promessas eleitorais. E depois o que você pode fazer? Você deveria poder processá-los por fraude, mas você não pode. Na melhor das hipóteses, você pode votar por um partido ou candidato diferentes no final dos quatro anos — com o mesmo mau resultado.
O voto é a ilusão de influência em troca da perda de liberdade. Quando João ou Maria comparecem às urnas, eles pensam que estão influenciando a direção que o país está tomando. E, numa medida muito pequena, é verdade. Ao mesmo tempo, 99,9999% dos eleitores decidem sobre a direção que as vidas de João e Maria devem seguir. Dessa forma, eles perdem muito mais do controle sobre suas próprias vidas do que ganham em influência sobre a vida dos outros. Eles teriam muito mais “influência” se eles pudessem, simplesmente, fazer suas próprias escolhas. Por exemplo, se eles pudessem decidir, por si mesmos, em que eles gastam o seu dinheiro, sem terem de entregar metade de seus rendimentos ao governo, através de vários impostos.
Ou, para dar outro exemplo: no nosso sistema democrático, as pessoas têm pouco controle direto sobre a educação de seus filhos. Se elas querem mudar as práticas de ensino e querem ter mais influência do que apenas através das urnas, elas devem aderir ou iniciar um grupo de lobby ou apresentar petições aos políticos ou organizar protestos em frente a sedes do governo. Existem organizações de pais que tentam influenciar a política educacional desta forma. Consome muito tempo e energia e, praticamente, não tem efeito. Seria infinitamente mais simples e mais eficiente se o estado não interferisse na educação e os professores, pais e alunos pudessem fazer suas próprias escolhas, tanto individualmente como em conjunto.
Claro que a classe dominante exorta, continuamente, as pessoas a votarem. Eles sempre enfatizam que, por votarem, as pessoas realmente têm influência sobre as políticas do governo. Mas o que realmente importa para eles é que uma elevada taxa de participação lhes confira um selo de aprovação, o direito moral de governar as pessoas.
Muitas pessoas acreditam que é um dever moral participar nas eleições. Costuma-se dizer que, se você não vota, você não tem direito de dar sua opinião em debates públicos ou de se queixar de decisões políticas. Afinal, você não votou, por isso sua opinião não conta mais. As pessoas que afirmam isso, aparentemente, não conseguem imaginar que há quem se recuse a compactuar com a ilusão de influência que a democracia vende. Estas pessoas sofrem da síndrome de Estocolmo. Elas acabaram por amar seus captores e não percebem que estão trocando sua autonomia pelo poder que os políticos e administradores exercem sobre elas.
Mito 2
As pessoas governam em uma democracia
Esta é a ideia básica da democracia. É o que democracia significa, literalmente, o governo pelo povo. Mas será que as pessoas realmente governam em uma democracia?
O primeiro problema é que ‘o povo’ não existe. Há milhões de pessoas apenas, com milhões de opiniões e interesses. Como podem elas governar juntas? Isso é impossível. Como um comediante holandês disse uma vez: “A democracia é a vontade do povo. Toda manhã eu fico surpreso ao ler no jornal o que é que eu desejo”.
Sejamos honestos, ninguém vai dizer algo como ‘o consumidor quer Microsoft’ ou ‘as pessoas querem Pepsi’. Alguns querem e outros não. O mesmo se aplica às preferências políticas.
Além disso, não é realmente ‘o povo’ que decide em uma democracia, mas sim ‘a maioria’ das pessoas, ou melhor, a maioria dos eleitores. A minoria, aparentemente, não pertence ao ‘povo’. Isso parece um pouco estranho. Não são todos parte do povo? Como cliente do Wal-Mart, você não quer mantimentos de outro supermercado empurrados goela abaixo, mas isso é como as coisas funcionam na democracia. Se acontecer de você pertencer ao lado perdedor nas eleições, você tem de dançar conforme a música dos vencedores.
Mas tudo bem, vamos supor que a maioria é o mesmo que o povo. É realmente verdade, então, que o povo decide? Vamos ver. Existem dois tipos de democracias: diretas e indiretas (ou representativas). Em uma democracia direta, todos votam em cada decisão que é tomada, como em um referendo. Em uma democracia indireta, as pessoas votam para eleger outras pessoas que, em seguida, tomam decisões por elas. Claramente, no segundo caso, as pessoas têm muito menos a dizer do que no primeiro. No entanto, quase todas as democracias modernas são indiretas, embora possam existir referendos ocasionais.
Para justificar o sistema representativo, argumenta-se que: a) seria impraticável a realização de referendos em todas as muitas decisões que o governo tem de tomar todos os dias e b) as pessoas não têm capacidade suficiente para decidir sobre todos os tipos de questões complexas.
O argumento a) pode ter sido plausível, no passado porque era difícil fornecer, a todos, todas as informações necessárias e deixá-los opinar, exceto em comunidades muito pequenas. Hoje, esse argumento não é mais válido. Com a Internet e outras tecnologias modernas de comunicação, é fácil permitir a participação de grandes grupos em processos de decisão e referendos. No entanto, isso quase nunca acontece. Porque não ter um referendo sobre se os EUA deveriam tomar parte na guerra no Afeganistão ou na Líbia ou em qualquer lugar? Afinal de contas, o povo governa, não é? Porque não podem eles tomar essas decisões, que são tão cruciais para suas vidas? Na verdade, é claro, todos sabem que há muitas decisões que são tomadas e que a maioria não apoiaria, se eles fossem chamados a uma votação. A ideia de que ‘o povo’ governa é, simplesmente, um mito.
Mas o que dizer do argumento b)? Não são a maioria das questões demasiado complexas para serem levadas a votação? Dificilmente. Quer seja se uma mesquita deva ser construída em algum lugar, qual deve ser a idade legal para beber, quais devem ser as penas mínimas para certos crimes, se mais ou menos autoestradas precisam ser construídas, o quão alta a dívida pública deve ser ou se algum país estrangeiro deve ser invadido, ou não, e assim por diante — estas são todas propostas muito claras. Se nossos governantes encaram a democracia seriamente, não deveriam eles, pelo menos, deixar as pessoas votarem diretamente em algumas delas?
Ou será que o argumento b) significa que as pessoas não são inteligentes o suficiente para serem capazes de formar opiniões razoáveis sobre todos os tipos de questões sociais e econômicas? Se assim é, como podem ser inteligentes o suficiente para compreender os vários programas eleitorais e votar nas suas bases? Qualquer um que defenda a democracia deve, pelo menos, assumir que as pessoas saibam uma coisa ou duas e sejam capazes de entender linguagem simples. Além disso, serão os políticos eleitos necessariamente mais sábios do que os eleitores que os elegem? Terão os políticos um misterioso acesso à fonte da sabedoria e do conhecimento, enquanto os eleitores não têm? Ou será que eles têm valores morais mais elevados do que o cidadão comum? Não há nenhuma evidência de que assim seja.
Os defensores da democracia poderão, talvez, argumentar que, mesmo as pessoas não sendo estúpidas, ninguém tem conhecimento suficiente e inteligência para tomar decisões sobre as questões complexas que afetam profundamente as vidas de milhões de indivíduos. Isso é, sem dúvida, verdade mas o mesmo vale para os políticos e funcionários públicos que tomam essas decisões numa democracia. Por exemplo, como podem saber que tipo de educação os pais, professores e estudantes querem? Ou qual é a melhor educação? Todas as pessoas têm seus próprios desejos e suas próprias opiniões sobre o que é uma boa educação. E a maioria delas é inteligente o suficiente para, pelo menos, decidir o que é bom para si e seus filhos. Mas isso vai contra a receita centralizada de ‘modelo único’ da democracia.
Parece então que, na nossa democracia, o povo não governa nada. E isso não é, realmente, uma surpresa. Todo mundo sabe que, regularmente, os governos tomam decisões às quais a maioria das pessoas se opõe. Não é a ‘vontade do povo’, mas sim a vontade dos políticos — cooptados por lobistas profissionais, grupos de interesse e ativistas — que governa em uma democracia. Grandes empresas petrolíferas, do agronegócio, as grandes indústrias farmacêuticas, o complexo militar-industrial, Wall Street — todos sabem como fazer o sistema funcionar em seu benefício. Uma pequena elite toma as decisões — muitas vezes nos bastidores. Sem se importar com a vontade ‘do povo’, eles desperdiçam nossas economias em programas de guerra e ajuda, autorizam imigração em massa que poucos cidadãos querem, acumulam déficits enormes, espionam seus cidadãos, iniciam guerras que poucos eleitores querem, gastam nosso dinheiro em subsídios para grupos de interesses especiais, entram em acordos — como a união monetária da UE ou a NAFTA — que beneficiam o improdutivo, em detrimento do produtivo. Será que todos nós, democraticamente, queremos isto ou é o que os governantes querem?
Realmente, quantas pessoas, voluntariamente, transfeririam milhares de dólares para a conta do banco do governo, para que os soldados possam lutar, em seu nome, no Afeganistão? Por que não perguntar às pessoas apenas uma vez? Não são elas que governam?
É normal dizer que a democracia é uma boa maneira de limitar o poder dos governantes mas, como podemos ver, este acaba por ser apenas mais um mito. Os governantes podem fazer praticamente tudo que querem!
Além do mais, o poder dos políticos se estende muito além das suas ações no parlamento e no governo. Quando eles são retirados do cargo pelos eleitores, eles vão muitas vezes parar em empregos lucrativos, nas inúmeras organizações que existem em estreita simbiose com o estado — empresas de radiodifusão, sindicatos, associações de habitação, universidades, ONGs, grupos de lobby, grupos de reflexão e nas milhares de empresas de consultoria que vivem do estado, como bolor em um tronco de árvore podre. Em outras palavras, uma mudança de governo não significa necessariamente uma mudança em quem tem o poder na sociedade. A responsabilidade democrática é muito mais limitada do que parece.
É também digno de nota que está longe de ser fácil participar em eleições, nos Estados Unidos. Para ser autorizado a se candidatar nas eleições federais, você tem que cumprir legislações que abrangem 500 páginas. As regras são tão complexas que não podem ser compreendidas por leigos.
No entanto, apesar de tudo isso, os defensores da democracia sempre insistem que ‘nós votamos por ela’, quando o governo implementa alguma lei nova. Isto implica que ‘nós’ já não temos o direito de nos opormos a essa medida. Mas este argumento é raramente usado de forma consistente. Gays vão usá-lo para defender os direitos dos homossexuais mas não aceitam quando um país democrático proíbe a homossexualidade. Ativistas ambientais exigem que medidas ambientais democraticamente decididas sejam aplicadas, mas se sentem livres para realizar protestos ilegais, se eles não concordarem com outras decisões democráticas. Nesses casos, aparentemente, ‘nós’ não votamos por elas.
Mito 3
A maioria está certa
Mas vamos supor, por um momento, para efeito de argumentação, que o povo realmente governe em uma democracia e que cada voto realmente conte. Será que o resultado deste processo é automaticamente certo ou bom? Afinal, é por isso que temos uma democracia, não é — para que possamos fazer a coisa certa? Mas é difícil ver por que ou como é que o processo democrático levaria, necessariamente, a bons resultados ou resultados certos. Se muitas pessoas acreditam em alguma coisa, isso não a torna verdadeira. Há muitos exemplos de ilusões coletivas no passado. Por exemplo, as pessoas costumavam pensar que os animais não sentiam dor ou que a Terra era plana ou que o rei ou imperador fossem o representante de Deus na Terra.
Nem algo é moralmente correto ou justo, só porque muitas pessoas são a favor dele. Pense em todos os crimes coletivos que foram cometidos por pessoas no passado. Abominações como a escravidão ou a perseguição dos judeus foram consideradas perfeitamente aceitáveis pela maioria das pessoas.
Sejamos honestos: as pessoas são geralmente guiadas pelo interesse próprio na forma como elas votam. Elas votam em partidos que elas esperam que as irão beneficiar mais. Elas sabem que os custos dos benefícios que elas recebem são arcados por todas as pessoas. Será isso justo ou desejável? A verdade embaraçosa é que as pessoas têm mais probabilidade de ser a favor da democracia porque esperam pertencer à maioria, de modo a poderem se beneficiar do saque da riqueza dos outros. Elas esperam que os seus encargos sejam partilhados pelos outros e os seus benefícios pagos pelos outros. Isso é exatamente o oposto do comportamento moral.
Será que estamos exagerando? Se você e seus amigos roubarem alguém na rua, vocês vão ser punidos. Se a maioria aprova uma lei para roubar a minoria (um novo imposto sobre o álcool ou cigarros, por exemplo), esta é uma decisão democrática e é, assim, legal. Mas qual é a diferença disso para um assalto na rua?
Quando você pensa sobre isso, você tem de concluir que o mecanismo básico da democracia — o fato de que a maioria dita as regras — é fundamentalmente imoral. Em uma democracia, as considerações morais sobrepujam a vontade da maioria. Quantidade fala mais alto que qualidade — o número de pessoas que quer algo é mais importante do que a moralidade e a racionalidade.
O político e escritor britânico do século XIX, Herbert Auberon, disse isto sobre a lógica e moralidade da democracia:
“Cinco homens estão em uma sala. Porque três homens tomam uma decisão e dois tomam outra, têm os três homens o direito moral de impor a sua visão sobre os outros dois homens? Que poder mágico terão os três homens que, porque eles são mais numerosos do que os dois homens, de repente se tornam possuidores das mentes e corpos desses outros? Enquanto eles eram dois para dois, podemos supor que cada homem permaneceu mestre de sua própria mente e corpo mas, a partir do momento que um outro homem, agindo só Deus sabe por qual motivo, se juntou a um grupo ou a outro, esse grupo logo se tornou dono das almas e dos corpos da outra parte. Já houve superstição mais degradante e indefensável do que essa? Não é essa superstição resultado das antigas superstições sobre imperadores e sacerdotes e sua autoridade sobre as almas e os corpos dos homens?”
Mito 4
A democracia é politicamente neutra
A democracia é compatível com qualquer orientação política. Afinal, os eleitores determinam as preferências políticas do partido ou partidos no poder. Assim, o próprio sistema transcende todas as diferenças de perspectiva política: ela é, em si, nem de esquerda, nem de direita, nem socialista, nem capitalista, nem conservadora, nem progressista.
É assim que ela aparenta ser. No entanto, isso é, na melhor das hipóteses, uma meia verdade. Na realidade, a democracia incorpora um sentido político específico.
A democracia é, por definição, uma ideia coletivista, ou seja, a ideia de que temos que decidir tudo juntos e todos devem, então, cumprir essas decisões. Isso significa que, em uma democracia, quase tudo é uma questão pública. Não existem limites fundamentais para essa coletivização. Se a maioria (ou melhor, o governo) quiser, ela pode decidir que todos nós temos que usar um arnês ao andar pelas ruas porque é mais seguro. Ou que nós temos de nos vestir como palhaços porque isso iria fazer as pessoas rirem. Nenhuma liberdade individual é sagrada. Isso deixa a porta aberta para uma interferência do governo cada vez maior. E a intromissão cada vez maior é exatamente o que acontece nas sociedades democráticas.
É verdade, tendências políticas podem variar e, muitas vezes, ocorrem retrocessos — por exemplo, de mais para menos regulação e vice-versa — mas, no final das contas, as democracias ocidentais têm avançado incessantemente na direção de mais interferência por parte do governo, de maior dependência do estado e de maior gasto público.
Isso talvez não fosse tão visível nos dias da Guerra Fria, quando as democracias ocidentais foram comparadas aos estados totalitários, como a União Soviética e a China de Mao, o que as fez parecer relativamente livres. Naqueles dias, era menos perceptível que nós mesmos, também, estávamos nos tornando mais e mais coletivistas. No entanto, desde os anos de 1990 e após o comunismo ter ruído, ficou claro que os nossos estados de bem estar social tinham percorrido um longo caminho na mesma direção. Agora, estamos sendo ultrapassados ??por economias emergentes que oferecem mais liberdade, menos impostos e menos regulamentação do que os nossos próprios sistemas.
É claro que muitos políticos democratas dizem que são a favor do ‘mercado livre’. Suas ações mostram o contrário. Considere o Partido Republicano dos EUA, que é, muitas vezes, considerado o partido da livre iniciativa. Eles têm apoiado virtualmente todas as principais políticas intervencionistas promovidas por seus rivais de esquerda — o estado de bem estar social, impostos altos, elevados gastos governamentais, a habitação pública, leis trabalhistas, salário mínimo, intervenções estrangeiras — e acrescentaram algumas das suas próprias, tais como os subsídios para os bancos e as grandes empresas e as leis contra crimes sem vítimas, tais como uso de drogas e prostituição. Apesar de reversões ocasionais e surtos de “desregulamentação”, sob ambos os partidos, o poder do estado tem crescido constantemente, não importa o quanto os republicanos afirmem que eles são a favor da livre iniciativa. É um fato que, com o presidente republicano ‘conservador’ Ronald Reagan, os gastos do governo não desceram, subiram. Sob a administração republicana de George W. Bush, os gastos do governo não subiram — eles dispararam. Isso mostra que a democracia não é neutra, mas intrinsecamente tende para um aumento do coletivismo e poder do governo, quem quer que esteja no poder em um determinado momento.
Esta tendência geral se reflete no crescimento constante da despesa pública. No início do século XX, a despesa pública, como percentagem do produto nacional bruto, era tipicamente cerca de 10%, na maioria das democracias ocidentais. Agora é cerca de 50%. Assim, por seis meses do ano, as pessoas se tornaram servos do estado.
Em tempos de maior liberdade — e menos democráticos — a carga tributária era muito menor do que hoje. Durante séculos, a Inglaterra tinha um sistema no qual o rei tinha o direito de gastar dinheiro, mas não de aumentar os impostos, e o parlamento tinha o direito de tributar, mas não de gastar dinheiro. Consequentemente, os impostos nacionais eram relativamente baixos. No século XX, quando a Grã-Bretanha se tornou mais democrática, os impostos subiram vertiginosamente.
A Revolução Americana começou como uma revolta tributária dos colonos americanos contra a metrópole Grã-Bretanha. Os fundadores dos Estados Unidos gostavam de democracia tanto quanto eles gostavam de impostos altos, o que quer dizer, não gostavam absolutamente nada. A palavra ‘democracia’ não aparece em nenhuma parte da Declaração da Independência ou na Constituição.
No século XIX, a carga fiscal nos Estados Unidos era, no máximo, uma pequena percentagem, exceto em épocas de guerra. Imposto de renda não existia e foi mesmo proibido pela Constituição. Mas, à medida que os Estados Unidos passaram de um estado federal descentralizado para uma democracia parlamentar nacional, o poder do governo aumentou de forma constante. Assim, por exemplo, em 1913, o imposto de renda foi introduzido e o Federal Reserve, o banco central americano, foi criado.
Outro exemplo revelador pode ser visto no Código de Regulamentos Federais (CFR) — que lista todas as leis promulgadas pelo governo federal. Em 1925, o CFR era apenas um livro único . Em 2010, tinha crescido rapidamente para mais de 200 volumes, dos quais o índice, por si só, ocupava mais de 700 páginas. Contém regras para tudo que se possa imaginar — desde como uma pulseira de relógio deve ser feita até o modo como os anéis de cebola devem ser preparados nos restaurantes. Durante a presidência de George W. Bush apenas, mais 1000 páginas de regulamentos federais foram adicionadas a cada ano, relata a ‘The Economist’. Segundo a mesma revista, entre 2001 e 2010, o código fiscal da América do Norte cresceu de 1,4 milhões de palavras para 3,8 milhões de palavras.
Muitos projetos de lei propostos no Congresso são tão extensos que os congressistas nem, ao menos, se incomodam de lê-los, antes de votar neles. Em suma, o advento da democracia levou à expansão da interferência do governo nos Estados Unidos, apesar de, muitas vezes, as pessoas afirmarem que a América do Norte é um país ‘livre’.
Uma evolução semelhante ocorreu em outras democracias ocidentais. Por exemplo, em 1850, na Holanda, de onde os autores deste livro por acaso são, a carga tributária total era de 14% do Produto Interno Bruto. Agora é 55%, de acordo com um estudo do Gabinete de Planejamento Central Holandês. De acordo com um outro estudo, os gastos do governo, como uma percentagem da renda nacional, foi de 10% em 1990 e 52% em 2002.
Na Holanda, o número de leis e regulamentações também tem crescido de forma constante. O número de leis nos códigos aumentou em 72% entre 1980 e 2004, de acordo com um estudo do Centro de Investigação Científica e Documentação do Departamento da Justiça holandês. Em 2004, a Holanda tinha um total de 12.000 leis e regulamentações nos códigos, contendo mais de 140.000 artigos.
Um problema com todas estas leis é que elas tendem a se reforçar mutuamente. Em outras palavras, uma lei leva à outra. Por exemplo, se você tem um sistema de seguro de saúde imposto pelo estado, o governo é induzido a tentar forçar as pessoas a adotarem (supostamente) estilos de vida saudáveis??. Afinal, diz-se, ‘nós’ todos pagamos os altos custos médicos de pessoas que não adotam um modo de vida saudável. Isso é verdade, mas apenas porque o governo pôs em prática um sistema coletivizado, para começar. Este tipo de fascismo da saúde é típico de países democráticos e é hoje rotineiramente aceito pela maioria das pessoas. Elas acham perfeitamente normal que o governo decrete que elas não devem comer alimentos gordurosos ou açucarados, que não devem fumar, que devem usar capacetes ou cintos de segurança e assim por diante. É claro que todas estas regras são violações diretas da liberdade individual.
Alguém poderia argumentar que, nas últimas décadas, a liberdade tem avançado em vários setores. Em muitos países ocidentais, empresas privadas (“comerciais”) de televisão quebraram o monopólio das estações nacionais de radiodifusão, o horário de abertura das lojas têm se expandido, o tráfego aéreo foi desregulamentado, o mercado de telecomunicações foi liberalizado e, em muitos países, o recrutamento militar obrigatório foi abolido. No entanto, muitas dessas conquistas tiveram de ser arrancadas das mãos dos políticos democráticos. Em muitos casos, essas mudanças não puderam ser evitadas pelos políticos, já que foram resultado de avanços tecnológicos (como na mídia ou nas telecomunicações) ou da concorrência de outros países (como no caso da desregulamentação das companhias aéreas). Estes acontecimentos podem ser comparados com o colapso do comunismo na antiga União Soviética. Isso não aconteceu porque quem estava no poder queria desistir de seu poder, mas porque eles não tinham escolha — porque o sistema estava quebrado e não poderia ser corrigido. Da mesma forma, os nossos políticos democráticos regularmente, têm de entregar partes de seu poder.
Mas os nossos políticos, geralmente, conseguem recuperar rapidamente o terreno perdido. Assim, a liberdade na internet está sendo cada vez mais restringida por interferência do governo. A liberdade de expressão é corroída por leis anti-discriminação. Os direitos de propriedade intelectual (patentes e direitos autorais) são usados ??para limitar a liberdade de produtores e consumidores. A liberalização dos mercados é, geralmente, acompanhada pela criação de novas burocracias, destinadas a regular os novos mercados. Estas agências burocráticas, em seguida, tendem a se tornar cada vez maiores e introduzir cada vez mais regulações. Na Holanda, setores como a energia e as telecomunicações foram realmente liberalizados mas, ao mesmo tempo, novas agências de regulação foram estabelecidas — seis delas nos últimos dez anos.
Nos EUA, de acordo com investigadores da Universidade da Virgínia, o custo da regulamentação federal aumentou 3%, entre 2003 e 2008, para 1,75 trilhões de dólares por ano, ou 12% do PIB. Depois de 2008, ondas de novos regulamentos foram introduzidas nos mercados financeiros, na indústria petrolífera, na indústria alimentícia e, sem dúvida, em muitos outros setores de atividade. Na Europa, as empresas e as famílias não só têm os seus governos nacionais para lidar, como também têm de sofrer uma camada adicional de regulamentações vindas da União Europeia, de Bruxelas. E, se na década de 1990, a liberalização era a última moda em Bruxelas, hoje a tendência é o inverso: para cada vez mais (re-) regulação.
Em suma, na prática, a democracia não é politicamente neutra. O sistema é coletivista por natureza e conduz a cada vez mais intervenção do governo e a cada vez menos liberdade individual. Isto é assim porque as pessoas continuam a fazer exigências ao governo e querem que as outras pessoas paguem os custos.
Na verdade, em sua essência, a democracia é uma ideologia totalitária, embora não tão extrema como o fascismo, o nazismo ou o comunismo. Em princípio, nenhuma liberdade é sagrada em uma democracia, cada aspecto da vida do indivíduo é potencialmente sujeito ao controle do governo. No final das contas, a minoria está completamente à mercê dos caprichos da maioria. Mesmo que uma democracia tenha uma constituição que limite os poderes do governo, esta constituição também pode ser alterada pela maioria. O único direito fundamental que você tem em uma democracia, além de se candidatar a um cargo público, é o direito de votar em um partido político. Com esse voto solitário, você entrega sua independência e sua liberdade à vontade da maioria.
A verdadeira liberdade é o direito de optar por não participar no sistema e não ter que pagar por ele. Como consumidor, você não é livre se você é forçado a escolher entre diferentes aparelhos de TV, não importa entre quantas marcas você possa escolher. Você só é livre se você pode decidir não comprar um aparelho de TV. Em uma democracia, você tem que comprar o que a maioria escolheu — quer você goste ou não.
Mito 5
A democracia leva à prosperidade
Muitos países democráticos são ricos e, portanto, as pessoas, muitas vezes, pensam que a democracia é necessária para alcançar a prosperidade. Na verdade, o inverso é verdadeiro. A democracia não leva à prosperidade, ela destrói riqueza.
É verdade que muitas democracias ocidentais são prósperas. Em outros lugares do mundo você não vê essa correlação. Cingapura, Hong Kong e alguns países do Golfo Pérsico não são democráticos, mas são prósperos. Muitos países, na África e América Latina, são democráticos mas não são ricos, com exceção de uma pequena elite. Os países ocidentais não são prósperos por causa da democracia, mas apesar dela. A sua prosperidade é devida à tradição de liberdade que caracteriza esses países e, consequentemente, o estado ainda não está no controle completo sobre suas economias. Mas esta tradição é constantemente enfraquecida pela democracia. O setor privado está sendo continuamente desgastado, um processo que ameaça destruir a riqueza fabulosa que foi construída no ocidente, ao longo dos séculos.
A prosperidade é criada sempre que os direitos dos indivíduos estão adequadamente protegidos — em particular os direitos de propriedade. Em outras palavras, riqueza é criada sempre que se permite que as pessoas possuam os frutos do seu trabalho. Nessa situação, as pessoas são motivadas a trabalhar arduamente, a assumir riscos e a utilizar os recursos disponíveis de forma eficiente.
Por outro lado, se as pessoas são forçadas a ceder os frutos do seu trabalho para o estado — que é, em parte, o caso em uma democracia — elas estão menos motivadas para fazer o seu melhor. Além disso, o estado irá, inevitavelmente, utilizar estes recursos de forma ineficiente. Afinal, os governantes (democráticos) não têm de trabalhar para obter os recursos — e têm objetivos muito diferentes das pessoas que os produziram.
Como funciona este processo em uma democracia? Você pode o comparar com um grupo de dez pessoas que jantam em um restaurante e decidem, antecipadamente, dividir a conta por igual. Uma vez que 90% da fatura será paga pelos outros, todos estão motivados a pedir pratos caros, que não teriam pedido se eles próprios tivessem de pagar a conta. Por outro lado, uma vez que cada poupança individual beneficia qualquer pessoa em apenas 10%, ninguém tem incentivo para ser frugal. O resultado é que o custo total acaba sendo muito maior do que se todos tivessem pago por si.
Em economia, esse fenômeno é conhecido como “a tragédia dos comuns”. Um comum é um pedaço de terra, de propriedade coletiva, utilizada por vários agricultores — uma área pública. Os agricultores, que compartilham um comum, têm o incentivo natural de deixar suas vacas pastarem tanto quanto possível (à custa dos outros) e nenhum incentivo para retirar suas vacas depois de um certo tempo (porque então a pastagem seria estéril, resultado do pastoreio do gado dos outros agricultores). Assim, já que o prado é propriedade de todos e, portanto, de ninguém, o resultado é o sobre pastoreio.
A democracia funciona da mesma maneira. Os cidadãos são encorajados a obter vantagens à custa dos outros — ou a passar seus fardos para os outros. As pessoas votam em partidos políticos para que estes permitam que outros paguem por seus desejos pessoais (educação gratuita, maiores benefícios sociais, subsídios de assistência à criança, mais autoestradas e assim por diante). No exemplo do jantar, as coisas podem não sair muito fora de controle porque, em um pequeno grupo, as pessoas são impedidas pelo controle social, mas em uma democracia com milhões de eleitores, isso não funciona.
Os políticos são eleitos para manipular este sistema. Eles gerem os bens ‘públicos’. Eles não os possuem, por isso eles não têm de ser econômicos. Pelo contrário, eles têm o incentivo de gastar tanto quanto possível, para que eles possam receber os créditos e deixarem a conta aos seus sucessores. Afinal, eles precisam agradar aos eleitores. Isso é mais importante para eles do que o interesse, no longo prazo, do país. O resultado é a ineficiência e o desperdício.
Não somente são os políticos fortemente tentados a gastar mais, como também têm o incentivo de tomar para si tanto quanto puderem, enquanto eles estão no comando dos ‘fundos públicos’. Afinal de contas, uma vez que estejam fora do cargo, eles não poderão, tão facilmente, enriquecer mais.
Este sistema é desastroso para a economia. Exatamente o quão desastroso, as pessoas ainda têm de perceber na totalidade. A conta dos gastos que nossos governos democráticos têm feito ainda tem de ser paga, na sua maior parte.
As enormes dívidas do governo são o resultado dos enormes déficits orçamentários, dos quais — não coincidentemente — praticamente todos os países democráticos sofrem. Nos Estados Unidos, o jantar democrático ficou tão fora de controle que a dívida nacional está agora em mais de $14.000 bilhões; cerca de $50.000 per capita. Na maioria dos países europeus, a situação é a mesma. A dívida nacional holandesa subiu para €380 bilhões no final de 2010 ou quase €25.000 per capita. Essa dívida terá de ser paga, ??a qualquer momento, pelo contribuinte. Um monte de dinheiro já é sugado do contribuinte, apenas para pagar os juros sobre a dívida. Na Holanda, os juros da dívida nacional somaram cerca de €22 bilhões em 2009, mais do que foi gasto em defesa e infraestrutura. Isso tudo é um puro desperdício de dinheiro, o resultado do esbanjamento do dinheiro dos contribuintes no passado.
Mas a podridão é ainda mais profunda. Nossos políticos democráticos não só cobram impostos que posteriormente desperdiçam, como também conseguiram assegurar o controle sobre nosso sistema financeiro — o nosso dinheiro. Através de bancos centrais, como o Federal Reserve e o Banco Central Europeu, nossos governos democráticos determinam o que constitui dinheiro (‘dinheiro legal’), quanto dinheiro é criado e é injetado na economia e o quão altas as taxas de juros são. Ao mesmo tempo, eles cortaram a ligação, que costumava existir, entre papel-moeda e valores subjacentes, como o ouro. Todo o nosso sistema financeiro — incluindo todas as nossas poupanças e fundos de aposentadoria, todo o dinheiro que nós pensamos que possuímos — é baseado em papel-moeda emitido pelo estado.
A vantagem deste sistema para os nossos governos é evidente. Eles têm uma ‘torneira de dinheiro’ que eles podem abrir sempre que desejarem. No passado, nenhum monarca absoluto teve algo semelhante! Os líderes democratas podem apenas ‘estimular a economia’ (e encher os seus cofres próprios), se eles querem aumentar a sua popularidade. Eles fazem isso através do Banco Central que, por sua vez, usa os bancos privados para realizar o processo de emissão do dinheiro. O sistema é projetado de tal forma que os bancos privados têm permissão especial para emprestar um múltiplo do dinheiro que seus clientes depositam (sistema bancário de reservas fracionárias). Assim, através de vários truques, cada vez mais dinheiro de papel ou eletrônico é injetado na economia.
Isto tem várias consequências negativas. Para começar, o valor do dinheiro diminui. Esse processo já vem acontecendo há um século. O dólar perdeu 95% de seu valor, desde que o Federal Reserve System foi criado em 1913. É por isso que nós, como cidadãos, vemos produtos e serviços ficando cada vez mais caros. Em mercados verdadeiramente livres, os preços têm uma tendência para cair, como resultado de melhorias da produtividade e da concorrência. Mas, em nosso sistema manipulado pelo governo, em que a oferta de moeda é constantemente aumentada, os preços sobem o tempo todo. Algumas pessoas se beneficiam disto (por exemplo, aqueles que têm dívidas grandes, como o próprio governo), outras saem prejudicadas, como as pessoas que vivem de uma pensão fixa ou têm poupanças.
A segunda consequência é que, com todo o dinheiro novo estimulando a economia, um ‘boom’ artificial após o outro é alimentado. Assim, tivemos um ‘boom’ imobiliário, um ‘boom’ dos bens de consumo, um ‘boom’ no mercado de ações. Mas todos esses milagres são baseados em nada — todos os ‘booms’ se transformam em bolhas que estouram mais cedo ou mais tarde. Eles só acontecem porque os mercados foram inundados por crédito fácil e todos os participantes puderam se sobrecarregar de dívidas. Mas essas festas não podem continuar para sempre. Quando se torna claro que as dívidas não podem ser reembolsadas??, as bolhas explodem. É assim que as recessões são criadas.
As autoridades costumam responder a recessões, como seria de se esperar de políticos democráticos, através da criação de ainda mais dinheiro artificial e da injeção de quantidades, cada vez maiores, na economia (enquanto, claro, culpando os ‘mercados livres’ ou os ‘especuladores’ pela crise). Eles fazem isso porque os eleitores esperam isso deles. Os eleitores querem que a festa continue o maior tempo possível — e os políticos, geralmente, satisfazem seus desejos porque eles querem ser reeleitos. O escritor e político norte-americano Benjamin Franklin viu esse problema, ainda no século XVIII. “Quando as pessoas descobrirem que podem votar por dinheiro para elas mesmas, será o prenúncio do fim da república”, escreveu ele.
Usar a impressora oferece, normalmente, algum consolo — mas é sempre temporário. Parece agora que chegamos ao ponto onde novas bolhas não podem ser criadas sem destruir o sistema por completo. As autoridades não sabem mais o que fazer. Se continuarem a criar dinheiro, correm o risco de hiperinflação, como na década de 1920 na Alemanha ou, mais recentemente, no Zimbabwe. Ao mesmo tempo, eles não ousam parar de estimular a economia porque isso iria fazer a economia mergulhar numa recessão e os eleitores não gostam disso. Em suma, o sistema parece bloqueado. Os governos não podem mais sustentar a ilusão que eles criaram mas também não o podem deixar cair.
Assim, vemos que a democracia não conduz à prosperidade mas à inflação contínua e recessões, com toda a incerteza e instabilidade que vêm com elas. Qual é a alternativa? A solução para a farra de gastos democrática é restabelecer o respeito pela propriedade privada. Se todos os agricultores tiverem o seu próprio pedaço de terra, eles vão se assegurar que o sobre pastoreio não ocorra. Se todos os cidadãos puderem manter os frutos do seu próprio trabalho, eles vão se assegurar de que seus recursos não sejam desperdiçados.
Isto também significa que o sistema financeiro deve ser retirado das mãos dos políticos. O sistema monetário, assim como qualquer outra atividade econômica, deve se tornar novamente parte do mercado livre. Todo mundo deve poder emitir seu próprio dinheiro ou aceitá-lo de qualquer forma que eles quiserem. Os mecanismos do mercado livre irão garantir que as bolhas não mais sejam criadas — pelo menos não do tamanho das que temos vivido, como consequência da manipulação do nosso sistema financeiro por parte do governo.
Para muitas pessoas, um sistema de livre mercado monetário pode parecer assustador. Mas, historicamente, essa era a regra e não a exceção. E isso pode ajudar a perceber que a nossa prosperidade — a riqueza fantástica que gozamos atualmente — em última análise, consiste em nada mais do que o que nós juntos, como cidadãos produtivos, produzimos sob a forma de bens e serviços reais. Nem mais, nem menos. Nem todos os truques e as miragens que nossos governos democráticos se envolvem com o seu dinheiro-papel podem mudar esse fato.
Mito 6
A democracia é necessária para garantir uma distribuição justa de riqueza e ajudar os pobres
Mas não é a democracia necessária para assegurar uma distribuição justa da riqueza? Os políticos costumam falar de solidariedade e da partilha equitativa, com certeza, mas o quão justos são realmente seus esquemas? Para começar, antes de a riqueza poder ser distribuída, ela tem que ser produzida. Os subsídios governamentais e serviços não são gratuitos, embora muitas pessoas possam pensar que são. Cerca de metade do que é ganho por pessoas produtivas, é tirado pelo governo e, em seguida, redistribuído.
Mas mesmo supondo que o estado deve redistribuir a riqueza entre os cidadãos, ainda há a questão de saber se o sistema democrático conduz a uma distribuição justa. Será que o dinheiro chega às pessoas que realmente precisam? Se ao menos isso fosse verdade. A maioria das bolsas e subsídios vão para grupos de interesses especiais. Para dar apenas um exemplo, dois quintos do orçamento da UE são gastos em subsídios agrícolas.
Grupos de pressão travam uma luta sem fim por subvenções, privilégios e empregos. Todo mundo quer comer no cocho onde os fundos ‘públicos’ são depositados. Neste sistema, o favoritismo, parasitismo e dependência são incentivados e a responsabilidade individual e autossuficiência desencorajadas. Para citar alguns grupos de interesses especiais que se beneficiam dessas medidas, embora não sejam pobres ou desfavorecidos: agências de ajuda ao desenvolvimento, bancos, grandes empresas, agricultores, estações públicas de radiodifusão, organizações ambientais, instituições culturais. Eles são capazes de obter bilhões de dólares em subvenções e subsídios porque eles têm acesso direto ao poder. Os maiores ‘beneficiários líquidos’ são, naturalmente, os funcionários públicos que administram o sistema. Eles se certificam de que são indispensáveis ??e atribuem gordos salários a si mesmos.
Os grupos de interesses especiais não só lucram da generosidade do governo como também sabem como influenciar a legislação de forma a obterem benefícios à custa do resto da sociedade. Há inúmeros exemplos disso. Pense nas restrições à importação e quotas que beneficiam o setor agrícola mas aumentam os preços dos alimentos. Ou nos sindicatos que, juntamente com os políticos, mantêm salários mínimos elevados, limitando assim a concorrência no mercado de trabalho. Isto acontece à custa das pessoas com menos instrução, que não conseguem um emprego porque eles custam muito caro para que as empresas os contratem.
Outro exemplo são as leis de licenciamento, uma maneira inteligente de excluir concorrentes indesejáveis??. Os farmacêuticos usam as leis de licenciamento para bloquear a concorrência de drogarias e fornecedores da internet. A profissão médica bloqueia a competição por parte de prestadores de serviços de saúde “sem licença”. Um exemplo relacionado é o sistema de patentes e de direitos autorais concedidos pelo governo, que as empresas já estabelecidas, por exemplo, a indústria farmacêutica e a indústria do entretenimento, usam para manter de fora as novas.
Mas não poderiam os eleitores se revoltar contra os benefícios especiais que os grupos privilegiados gozam? Em teoria, isso é possível. Mas, na prática, isso raramente acontece porque os benefícios que os grupos privilegiados especiais desfrutam superam, em muito, o custo para os membros individuais do público. Por exemplo, se um quilo de açúcar é três centavos mais caro por causa das tarifas de importação, isso pode ser muito lucrativo para os produtores domésticos de açúcar (e para o estado), mas para os consumidores individuais não vale a pena protestar. Os grupos de interesse especiais são, portanto, muito motivados a preservar esses benefícios, enquanto a grande maioria dos eleitores está demasiado ocupada para se preocupar.
Provavelmente, a maioria das pessoas não está ciente da existência da maioria desses ótimos negócios. No entanto, todos estes esquemas, considerados em conjunto, resultam em custos significativos — e, portanto, em um menor padrão de vida — para todos nós, que não temos lobistas trabalhando para nós em Washington ou em outra capital. Assim, inevitavelmente, a política democrática degenera em uma máquina de redistribuição, com os grupos mais influentes e mais bem organizados lucrando às custas do resto de nós. E nem é preciso dizer que o sistema funciona nos dois sentidos, no sentido de que os grupos de pressão retornam os favores que recebem, através do patrocínio de campanhas políticas.
No nosso país, a Holanda, o qual pode ser considerado como um típico estado de bem estar social democrático europeu, o Gabinete de Planejamento Social e Cultural (uma agência do governo), concluiu, em um relatório publicado em agosto de 2011, que a classe média se beneficia menos do governo do que as classes mais baixa e mais alta. Na verdade, os pesquisadores descobriram que os grupos de renda mais elevada são os que mais se aproveitam dos benefícios do governo! Esta pesquisa se refere apenas ao ano de 2007 mas não há nenhuma razão para supor que os resultados seriam diferentes em outros anos. Na Holanda, os grupos de maior renda lucram, em particular, com os subsídios de educação superior, creches e artes.
Muitas pessoas têm medo que, se a educação, saúde, transportes públicos, habitação e assim por diante, forem deixados aos sabores ‘das forças do mercado livre’, os pobres não serão capazes de pagar por esses serviços. Mas, na verdade, os mercados livres fazem um bom trabalho fornecendo para os pobres. Considere os supermercados, que fornecem a necessidade mais importante da nossa vida: comida. Eles entregam produtos de alta qualidade, a preços baixos, com uma multiplicidade de escolha. Através da inovação e da concorrência, o livre mercado tornou possível para os grupos de baixa renda, como operários e estudantes, usufruírem de bens como carros, computadores pessoais, telefones celulares e viagens aéreas, que antes eram só acessíveis aos ricos. Se a assistência aos idosos fosse organizada como os supermercados são organizados, sem intervenção do estado, não veríamos resultados semelhantes? Dessa forma, os idosos e seus familiares poderiam decidir quais os serviços que precisam e a que preço. Eles teriam muito mais controle sobre os cuidados que recebem e quanto pagam por eles.
Será que não se perderia qualidade se o estado não interferisse com escolas, hospitais e o setor de assistência social? Muito pelo contrário. Qual seria a qualidade dos nossos supermercados se fossem organizados como as escolas públicas? Você não pode esperar que um punhado de ‘especialistas’ em Washington DC giram eficazmente setores grandes e complexos, como a educação e a saúde. Com as suas reformas intermináveis, editais, comitês, comissões, relatórios, diretrizes, orientações e cortes que não produzem nada no final, exceto cada vez mais burocracia.
Os verdadeiros especialistas estão nas escolas e hospitais. Eles sabem mais sobre sua área de especialização e são mais capazes de organizar suas instituições de forma eficiente. E se eles não fizerem bem, eles simplesmente não vão sobreviver no mercado livre. Por esta razão, a qualidade da educação e saúde iria melhorar em vez de se deteriorar, sem a interferência do governo. Burocracia, listas de espera e salas de aula superlotadas desapareceriam. Assim como existem muito poucos supermercados sujos e com comida ruim, ou oculistas com períodos de espera de meio ano no mercado livre. Eles não iriam sobreviver.
Claro que haverá sempre algumas pessoas que são incapazes de se sustentarem. Essas pessoas precisam de ajuda. Mas não é necessário criar a máquina maciça de redistribuição do nosso sistema democrático para ajudá-las. Isto pode ser feito por instituições privadas de caridade — ou qualquer pessoa que queira dar uma mão. A suposição de que precisamos de democracia para ajudar os pobres e desfavorecidos é uma cortina de fumaça para o auto interesse de pessoas que lucram com a máquina de redistribuição.
Mito 7
A democracia é necessária para vivermos juntos e em harmonia
As pessoas geralmente pensam que os conflitos podem ser evitados tomando-se decisões democraticamente. Afinal, se todos só seguirem suas próprias inclinações, não poderemos viver juntos em paz, continua este argumento.
Isso pode ser verdade quando um grupo de pessoas tem de decidir se querem ir ao cinema ou à praia. Mas a maioria das questões não precisa ser decidida democraticamente. De fato, tomadas de decisão democráticas frequentemente geram mais conflitos do que consensos. Isto porque, em uma democracia, todos os tipos de questões pessoais e sociais são transformadas em problemas coletivos. Ao forçar as pessoas a respeitarem as decisões democráticas, a democracia leva ao conflito, ao invés de a relações harmoniosas entre as pessoas.
Por exemplo, é decidido ‘democraticamente’ o que as crianças devem aprender na escola, quanto dinheiro é gasto em assistência a idosos ou no auxílio ao terceiro mundo, se fumar em bares é permitido, que emissoras de TV são subsidiadas, quais tratamentos médicos são cobertos pelos planos de saúde, o quão altos os aluguéis devem ser, se as mulheres estão autorizadas a usar lenços na cabeça, quais drogas as pessoas estão autorizadas a tomar e assim por diante. Todas estas decisões criam conflitos e tensões. Estes conflitos podem ser facilmente evitados. Deixe as pessoas fazerem suas próprias escolhas e assumirem a responsabilidade pelas consequências.
Suponha que nós decidíssemos democraticamente quanto e que tipo de pão é assado todos os dias. Isto levaria a lobbies sem fim, campanhas, disputas, reuniões e protestos. Os partidários do pão branco considerariam os proponentes de pão integral como os seus inimigos políticos. Se os do integral alcançarem a maioria, todos os subsídios vão para o pão integral e o pão branco pode até ser proibido. E vice-versa, é claro.
A democracia é como um ônibus cheio de pessoas que têm de decidir em conjunto onde o motorista tem de ir. Os progressistas escolhem São Francisco, os conservadores preferem Dallas, os libertários querem ir para Las Vegas, os Verdes querem ir para Woodstock e o resto escolhe mais de mil destinos diferentes. Finalmente o ônibus chega a um lugar onde quase ninguém vai querer estar. Mesmo que o motorista não tenha interesse próprio e escute atentamente o que os passageiros querem, ele nunca poderá satisfazer os desejos de todos. Ele tem apenas um ônibus e há quase tantos desejos quanto passageiros.
Esta é também a razão pela qual os novatos na política são, no início, saudados como salvadores mas que, no final, sempre desapontam as pessoas. Nenhum político consegue alcançar o impossível. “Sim, nós podemos” sempre termina em “Não, não podemos”. Nem mesmo a pessoa mais sábia do mundo pode satisfazer desejos opostos.
Não é por acaso que as discussões políticas entre as pessoas são, muitas vezes, tão ardorosas. Na verdade, muitas pessoas preferem não falar de política quando se encontram socialmente. Isso é porque elas costumam ter ideias muito diferentes sobre ‘como se deve viver’ em uma democracia e estas visões, de alguma forma, precisam ser conciliadas.
A solução para o problema do ônibus é simples. Deixe as pessoas decidirem, por si mesmas, onde querem ir e com quem. Deixe as pessoas decidirem, por si mesmas, como querem viver, deixe as pessoas resolverem os seus próprios problemas, formarem os seus próprios grupos. Deixe as pessoas decidirem o que fazer com os seus corpos, mentes e dinheiro. Muitos dos nossos ‘problemas’ políticos irão desaparecer como mágica.
Em uma democracia, no entanto, o oposto acontece. O sistema incentiva as pessoas a transformarem suas preferências individuais em objetivos coletivos, que todos devem seguir. Ela encoraja aqueles que querem ir para o lugar X a tentar forçar os outros a ir na mesma direção. Uma consequência particularmente infeliz do sistema democrático é que as pessoas são induzidas a formarem grupos que, necessariamente, entram em conflito com outros grupos. Isto é assim porque somente quando você faz parte de um grupo grande o suficiente (ou bloco de eleitores), é que há uma chance de poder transformar suas ideias em lei. Assim, os idosos se voltam contra os jovens, os agricultores contra os moradores das cidades, os imigrantes contra os locais, os cristãos contra os muçulmanos, os crentes contra os ateus, os patrões contra os empregados e assim por diante. Quanto maiores forem as diferenças entre as pessoas, mais amargas as relações se tornarão. Quando um grupo acredita que a homossexualidade é um pecado e outro reclama por mais modelos gay nas escolas e nos materiais educativos, eles irão inevitavelmente entrar em conflito.
Quase todo mundo entende que a liberdade de religião que surgiu séculos atrás, foi uma ideia sensata que amenizou tensões sociais entre grupos religiosos. Afinal, os católicos não poderiam mais ditar a vida dos protestantes ou vice-versa. Mas poucas pessoas, hoje em dia, parecem entender que as tensões surgem quando, através do nosso sistema democrático, os trabalhadores podem ditar como os patrões devem gerenciar os seus negócios, os idosos podem fazer os jovens pagar suas pensões, os bancos podem fazer os cidadãos pagarem pelos seus investimentos errados, os fanáticos da vida saudável podem enfiar suas ideias goela abaixo de outras pessoas e assim sucessivamente.
Também é vantajoso apresentar o seu grupo como um grupo fraco ou prejudicado ou privado de direitos ou discriminado. Isso lhe dará um argumento extra para pedir benefícios do governo e isso dará ao governo um argumento para justificar sua existência e para distribuir benefícios em nome da ‘justiça social’.
Como o escritor americano H. L. Mencken disse: “O que os homens valorizam neste mundo não são direitos, mas sim os privilégios”. Isso se aplica a muitos grupos na sociedade e é bastante visível em uma democracia. Onde uma vez as mulheres, negros e homossexuais lutaram pela liberdade e igualdade de direitos, os seus representantes modernos mais frequentemente exigem privilégios, como cotas, ações afirmativas e leis antidiscriminatórias, que limitam a liberdade de expressão. Eles chamam isso de direitos, mas uma vez que esses direitos são aplicáveis ??a apenas determinados grupos, eles são, na realidade, privilégios. Direitos reais, como o direito à liberdade de expressão, se aplicam a todos. Privilégios só se aplicam a determinados grupos. Eles se baseiam na força, porque só podem ser concedidos forçando os outros a pagar por eles.
Outra tática para obter favores ou privilégios do sistema democrático é através da apresentação da sua causa como necessária para salvar a sociedade de algum tipo de desastre. Se não salvarmos o clima ou o euro ou os bancos, a sociedade está condenada, o caos vai acontecer, milhões vão sofrer. H.L. Mencken compreendeu bem esta artimanha. “O desejo de salvar a humanidade é quase sempre uma falsa desculpa para o desejo de a governar”, disse ele.
Note-se que, numa democracia, as pessoas não têm que colocar o seu dinheiro onde sua boca está. Elas podem defender imigrantes ilegais, se for o caso de elas viverem em um local onde não são incomodadas pelos imigrantes. Elas podem votar por subsídios para orquestras ou museus para os quais elas próprias não comprariam ingressos caros, sabendo que os custos dos subsídios serão suportados por outros.
Essas pessoas, muitas vezes, até exibem mesmo um ar de superioridade moral. “Nós não queremos expor a arte ao mercado livre”, proclamam os defensores dos subsídios de arte. O que eles realmente querem dizer é que eles não querem isso e que eles acham que o resto da sociedade deve pagar por sua preferência.
‘Nós’ é a palavra mais abusada em uma democracia. Os defensores da medida dizem sempre “nós queremos alguma coisa”, “temos de fazer algo”, “precisamos de algo”, “temos direito”. Como se todos, naturalmente, concordassem. O que eles realmente querem dizer é que eles querem, mas simplesmente não querem assumir a responsabilidade eles mesmos. As pessoas vão dizer “temos de ajudar o Terceiro Mundo” ou “temos de lutar no Afeganistão”. Elas nunca dizem: “Eu vou ajudar o Terceiro Mundo, quem está comigo?” Ou “Eu vou lutar contra os Talebans.” A democracia, portanto, oferece uma maneira conveniente de transferir a responsabilidade pessoal para os outros. Ao dizer ‘nós’ ao invés de ‘eu’, 99.999% do ônus de uma decisão é arcado por outros.
E os partidos políticos prontamente respondem a isto. Eles, (explícita ou implicitamente), prometem aos seus constituintes que o fardo de seus desejos favoritos será suportado pelo resto do povo. Assim, os esquerdistas dizem: “votem em nós, nós vamos tirar o dinheiro dos ricos e dar para vocês.” Direitistas dizem às pessoas, “votem em nós, nós vamos financiar a guerra no Afeganistão com dinheiro de pessoas que se opõem a ela.” Todos eles dizem aos agricultores: “votem em nós, nós vamos garantir que os subsídios agrícolas serão pagos pelos que não são agricultores”.
É este um sistema benevolente e solidário ou um sistema antissocial e parasitário?
Em uma democracia, a chamada solidariedade é, em última análise, baseada na força. Mas a solidariedade imposta é realmente uma contradição. A solidariedade, para ser real, implica uma ação voluntária. Você não pode dizer que alguém que é roubado nas ruas demonstra solidariedade para com o ladrão, não importa quão nobres os motivos do assaltante sejam.
O fato é que aqueles que usam o sistema democrático para forçar a solidariedade podem fazer isso apenas porque eles próprios que têm que pagar. Note-se que eles nunca defendem que uma semelhante redistribuição de riqueza deve ser realizada em uma escala global. Se partilhar com as pessoas menos favorecidas é certo, porque não ampliar os regimes de previdência a todo o mundo? Por que não criar a justiça social em escala global? Obviamente, os defensores ocidentais de redistribuição percebem que uma redistribuição global reduziria sua renda a poucos milhares de dólares por ano. Mas é claro que eles não se importam em ‘compartilhar de forma justa’ com as pessoas mais ricas.
Se você quiser dar o seu dinheiro, você não precisa ter a maioria a endossar isso. A liberdade é o suficiente. Você é livre para abrir sua carteira e dar o que você quiser. Você pode doar para uma instituição de caridade ou se juntar com outras pessoas para doarem juntos. Não há justificação para forçar o resto do povo a fazer o mesmo.
Mito 8
A democracia é indispensável para um sentimento de comunidade
Em uma democracia, então, cada diferença de opinião leva a uma luta por poder e recursos, com um grupo a ganhar à custa dos outros. Todo mundo faz exigências ao estado e o estado obriga as outras pessoas a satisfazer essas exigências. Dificilmente pode ser de outra forma porque o estado é, afinal de contas, nada mais do que um instrumento de poder que opera por uso da coerção.
O resultado deste sistema é que as pessoas ficam mimadas: elas exigem cada vez mais de seus governantes e reclamam se não conseguirem o que querem. Ao mesmo tempo, elas não têm alternativa além de participar no sistema porque, se não o fizerem, elas vão ser extorquidas pelo resto da população. Desta forma, o sistema prejudica a autossuficiência das pessoas — a sua capacidade de cuidar de si mesmas. Ao mesmo tempo em que solapa a vontade das pessoas de ajudar os outros, pois já são constantemente forçadas a ‘ajudar’ os outros.
A mentalidade das pessoas se tornou tão ‘democratizada’, que elas nem percebem mais o quão antissociais as suas ações e ideias realmente são. Hoje em dia, quem quer iniciar um clube desportivo, um evento cultural, uma creche, uma organização ambiental etc., tenta, primeiro, obter algum tipo de subsídio do governo local ou federal. Em outras palavras, elas querem que os outros paguem pelo seu hobby. E isso não é totalmente ilógico porque se você não jogar este jogo, você tem que pagar pelos hobbies de outras pessoas e você não ganha nada em troca. Mas este sistema tem pouco a ver com a ideia de comunidade, que as pessoas tendem a associar com a democracia. É mais sobre a sobrevivência do mais apto na luta pelo saque fiscal.
Ludwig Erhard, o ex-chanceler alemão e arquiteto do milagre econômico do pós-guerra alemão, reconheceu este problema da democracia. “Como podemos continuar a assegurar o progresso se cada vez mais adotamos um estilo de vida em que ninguém está disposto a assumir a responsabilidade sobre si mesmo e todo mundo está procurando segurança no coletivismo?”, ele perguntou. “Se essa mania continuar, a nossa sociedade vai degenerar em um sistema social em que todos têm suas mãos nos bolsos de outras pessoas.”
Ainda assim pode-se perguntar, não perdemos nosso senso de unidade nacional, se não decidirmos tudo ‘juntos’? É, sem dúvida, verdade que um país é, em certo sentido, uma comunidade. Não há nada de errado com isso — isso pode até mesmo ser uma coisa boa. Afinal de contas a maioria das pessoas não é solitária. Elas precisam de companhia e elas também precisam umas das outras por razões econômicas.
Mas a questão é: a democracia é essencial para esse sentimento de unidade? É difícil ver o porquê. Quando você fala em uma comunidade, você está falando em muito mais do que um sistema político. As pessoas compartilham a sua língua, cultura e história. Cada país tem seus heróis nacionais, celebridades e estrelas do esporte, mas também a sua literatura, valores culturais, ética de trabalho e estilo de vida. Nada disso está ligado ao sistema democrático. Tudo existia antes de haver democracia e não há nenhuma razão para que não possa continuar a existir sem democracia.
Ao mesmo tempo, nenhum país tem uma cultura inteiramente uniforme. Dentro de cada país, existem grandes diferenças entre as pessoas. Há muitas comunidades regionais e étnicas com fortes laços mútuos. E não há nada de errado com isso. No âmbito de uma sociedade livre, todas essas estruturas e compromissos sociais podem coexistir. O principal ponto a observar sobre eles é que são voluntários. Eles não são impostos pelo estado nem podem ser, uma vez que as culturas e as comunidades são entidades orgânicas. Você não pode mantê-los por força do governo e eles têm pouco a ver com eleições.
A diferença entre estas comunidades sociais e a democracia é que uma democracia é uma organização cuja filiação é obrigatória. A verdadeira comunidade é baseada na participação voluntária. Essa comunidade pode, com certeza, ter regras ‘democráticas’. Os membros de um clube de tênis podem decidir votar em quem o seu presidente será, o quão elevadas as taxas de filiação serão e assim por diante. Não há nada de errado com isso. Esta é uma associação privada e os membros são livres para aderir ou não. Se eles não gostarem de como o seu clube é gerido, eles podem ingressar em outro clube ou iniciar um novo clube. A natureza voluntária do clube garante que ele tende a ser bem gerido. Se, por exemplo, a gerência estivesse se envolvendo em favoritismos, muitos membros poderiam sair. Mas, no nosso sistema democrático, você não tem a opção de deixar o clube. A democracia é obrigatória.
Às vezes as pessoas dizem “ame-o ou deixe-o” quando falam de seu país. Mas isso implica que o país pertence ao estado, ao coletivo e que todo aquele que é nascido acidentalmente no país é, por definição, um súdito do estado. Mesmo que nunca tenha sido dada uma escolha às pessoas.
Se alguém na Sicília for extorquido pela máfia, ninguém diz: “Ame-a ou deixe-a”. Se um país coloca os homossexuais na prisão as pessoas não dizem, “eles não têm motivo para se queixar, porque se eles não gostaram das regras, eles deveriam ter emigrado”. Assim como a Sicília não é legitimamente propriedade da máfia, também os EUA (ou qualquer outro país) não são propriedade da maioria ou do governo. Cada pessoa possui sua própria vida e não deveria fazer o que a maioria quer. As pessoas têm o direito de fazer o que quiserem com suas vidas, desde que não prejudiquem os outros através de roubo, violência ou fraude. Este direito é, em grande medida, negado a elas, na nossa democracia parlamentar nacional.
Mito 9
Democracia é equivalente a liberdade e tolerância
Um dos mitos mais persistentes sobre a democracia é que ela é o mesmo que ‘liberdade’. Para muitas pessoas, ‘liberdade e democracia’ caminham juntas, como as estrelas e a lua. Mas, na verdade, a liberdade e a democracia são opostas. Em uma democracia, todos devem se submeter às decisões do governo. O fato de que o governo é eleito pela maioria, é irrelevante. Coerção é coerção, quer seja ela exercida pela maioria ou por um único governante.
Em nossa democracia, ninguém pode escapar das decisões tomadas pelo governo. Se você não obedecer, será multado e, se se recusar a pagar a multa, você acabará na cadeia. É simples assim. Tente não pagar uma multa de trânsito. Ou seus impostos. Neste sentido, não há diferença fundamental entre uma democracia e uma ditadura. Para alguém como Aristóteles, que viveu em uma época em que a democracia ainda não tinha sido santificada, isso era óbvio. Ele escreveu: “A democracia ilimitada, assim como a oligarquia, é uma tirania espalhada por um grande número de pessoas.”
Liberdade significa que você não tem que fazer o que a maioria dos outros homens quer que você faça, mas que você pode decidir por si mesmo. Como o economista John T. Wenders disse uma vez: “Há uma diferença entre democracia e liberdade. A liberdade não pode ser medida pela possibilidade de se poder votar. Ela pode ser medida pelo âmbito daquilo sobre o qual não se vota”.
Esse âmbito é muito limitado em uma democracia. A nossa democracia não nos trouxe a liberdade, mas o seu contrário. O governo aprovou inúmeras leis que impossibilitaram muitas interações e relações sociais voluntárias. Inquilinos e proprietários não são livres para fazerem contratos da forma que acharem melhor, os empregadores e os trabalhadores não podem decidir livremente sobre os salários e as condições de trabalho que desejarem, médicos e pacientes não estão autorizados a decidirem livremente quais os tratamentos ou medicamentos que irão ser utilizados, as escolas não são livres para ensinar o que elas quiserem, os cidadãos não estão autorizados à ‘discriminação’, as empresas não estão autorizadas a contratar quem elas quiserem, as pessoas não são livres para assumir qualquer profissão que quiserem, em muitos países os partidos políticos têm de permitir candidatos do sexo feminino para cargos públicos, as instituições de ensino estão sujeitas a cotas raciais e a lista continua. Tudo isso tem pouco a ver com liberdade. Porque as pessoas não têm o direito de assinar qualquer tipo de contratos ou acordos que elas quiserem? Porque é que os outros têm que se meter em acordos sobre os quais eles não são parte interessada?
Leis que interferem na liberdade do povo de celebrar acordos voluntários, podem beneficiar determinados grupos, mas elas, invariavelmente, prejudicam outros grupos. Leis de salário mínimo beneficiam certos trabalhadores, mas prejudicam as pessoas que são menos produtivas do que o salário mínimo exige. Essas pessoas se tornam muito caras para serem contratadas e, assim, ficam desempregadas.
Da mesma forma, as leis que protegem as pessoas de serem demitidas podem beneficiar algumas pessoas mas desencorajam os empregadores de contratarem novas pessoas. Quanto mais rígidas são as leis trabalhistas, mais os empregadores têm razões de temerem ficar presos às pessoas de quem não podem se livrar quando o negócio deles requerer que o façam. O resultado é que eles contratam o mínimo de pessoas possível, mesmo quando os negócios vão bem. Novamente, isso tende a prejudicar, em particular, as pessoas com baixas qualificações. Ao mesmo tempo, o alto desemprego resultante faz com que as pessoas que têm um trabalho tenham medo de mudar de carreira.
Da mesma forma, leis de controle de aluguel beneficiam os inquilinos existentes, mas desencorajam os proprietários de alugarem habitações vagas e investidores de desenvolverem novos empreendimentos imobiliários. Assim, estas leis levam à escassez de habitação e elevam o valor dos aluguéis, prejudicando as pessoas que estão procurando um lugar para viver.
Ou considere as leis que ditam padrões mínimos para os produtos e serviços. Será que elas não beneficiam a todos? Bem, não. A desvantagem dessas leis é que elas limitam a oferta, reduzem a escolha do consumidor e aumentam os preços (mais uma vez, elas prejudicam, principalmente, os pobres). Por exemplo, leis que exigem normas de segurança para automóveis elevam os seus preços e os tornam inacessíveis para os grupos de renda mais baixa, que são privados de decidirem, por si mesmos, quais os riscos que eles querem assumir nas estradas.
Para ver porque tais regulamentos de ‘proteção’ têm sérios inconvenientes, imagine que o governo proíba a venda de qualquer carro abaixo da qualidade de um Mercedes Benz. Será que isso não iria garantir que vamos todos estar dirigindo os melhores automóveis e os mais seguros? Mas, claro, somente aqueles que podem pagar um Mercedes Benz ainda estariam dirigindo. Ou pergunte a si mesmo: porque o governo não triplica o salário mínimo? Nós todos estaríamos ganhando muito mais dinheiro, não é mesmo? Bem, aqueles que ainda tivessem emprego, sim. Os outros, não. O governo não pode fazer mágica com suas leis, mesmo que muitas pessoas pensem assim.
Em uma democracia, você tem que fazer o que o governo diz, já que, basicamente, tudo que você faz precisa de permissão do estado. Na prática, aos indivíduos ainda são permitidas muitas liberdades, mas a ênfase é sobre o permitir. Todas as liberdades que temos em uma nação democrática são concedidas pelo estado e podem ser tiradas a qualquer momento.
Embora ninguém peça permissão ao governo antes de tomar uma cerveja, esse consentimento é, no entanto, implicitamente necessário. Nosso governo, democraticamente eleito, pode nos proibir de beber cerveja, se quiser. Na verdade, isto aconteceu nos Estados Unidos durante a Proibição. Hoje em dia você tem que ter 21 anos para que seja autorizado a beber.
Outros estados democráticos têm regras semelhantes. Na Suécia, você só pode comprar bebidas destiladas em lojas estatais. Em muitos países e estados, a prostituição é ilegal. Os cidadãos noruegueses não estão sequer autorizados a ‘comprar sexo’ fora da Noruega. Na Holanda, você precisa de permissão do governo para construir um galpão ou mudar a aparência de sua casa. Claramente essas são todas instâncias de ditadura, não de liberdade.
É por vezes pensado que, nas democracias ocidentais, a maioria não pode simplesmente fazer o que quiser ou mesmo que as democracias, de fato, tipicamente protegem os direitos das minorias. Isso é um mito. Sim, há atualmente algumas minorias que gozam de ‘proteção’ especial do estado, como por exemplo feministas, gays e minorias étnicas. Outras minorias, como os mexicanos, fumantes, usuários de drogas, empresários, sem tetos, cristãos — não podem contar com tratamento preferencial. A popularidade de algumas minorias tem mais a ver com a moda do que com a democracia.
Em uma democracia, as razões pelas quais algumas minorias são deixadas em paz ou tratadas preferencialmente, são variadas. Algumas das minorias têm vozes muito ativas e imediatamente saem às ruas quando seus ‘direitos’ (isto é, privilégios) estão ameaçados. Alguns funcionários públicos ou trabalhadores sindicalizados ou agricultores na França são exemplos desses grupos. Outros são tratados com cautela porque eles são propensos a reagirem agressivamente quando eles têm que cumprir regras, como por exemplo, hooligans ou gangues étnicas, ou ativistas verdes. Se os fumantes, quando ainda eram a maioria, tivessem respondido violentamente quando as suas liberdades estavam sendo espezinhadas, muitas leis antitabagismo, provavelmente, nunca teriam passado.
O ponto principal é, não há nada no sistema democrático em si ou no princípio da democracia que garanta os direitos das minorias. O princípio da democracia é, justamente, que a minoria não tem direitos inalienáveis. O Parlamento ou o Congresso podem aprovar qualquer lei que queiram, sem levar em conta as minorias. E as modas mudam. As minorias mimadas de hoje podem ser os bodes expiatórios de amanhã.
Mas as democracias não possuem constituições para nos proteger contra a legislação tirânica da maioria? Até certo ponto, sim. Mas note que a Constituição dos EUA foi adotada antes de os EUA serem uma democracia. E a Constituição pode ser alterada pelo sistema democrático de qualquer forma que maioria quiser — e muitas vezes tem sido. A Proibição do álcool foi aprovada por uma Emenda Constitucional. Assim como o Imposto de Renda. A própria existência de Emendas Constitucionais mostra que a Constituição está sujeita ao controle democrático, isto é, à vontade da maioria. E nem era perfeita a Constituição original. Ela permitia a escravidão.
Outros países democráticos têm constituições que são ainda menos protetoras da liberdade individual do que a Constituição dos EUA. Nos termos da Constituição holandesa, o estado deve proporcionar empregos, habitação, meios de subsistência, saúde, redistribuição de riqueza e assim por diante. Esta Constituição parece mais um programa eleitoral socialdemocrata do que um manifesto de liberdade individual. A União Europeia tem uma constituição que diz que ela ‘deve trabalhar para o desenvolvimento sustentável da Europa, baseada num crescimento econômico equilibrado e na estabilidade dos preços, numa economia de mercado social competitiva, visando o pleno emprego e o progresso social e um elevado nível de proteção e melhoria da qualidade do meio ambiente’. Aqueles e outros artigos neste documento dão às autoridades europeias muita margem de manobra para regular a vida das pessoas. Aliás, as populações da França e Holanda votaram contra esta Constituição em referendos, mas ela acabou sendo aprovada mesmo assim.
A democracia é também vista, muitas vezes, como andando de mãos dadas com a liberdade de expressão, mas, novamente, isto é um mito. Não há nada nos ideais da democracia que favoreça a liberdade de expressão, como Sócrates descobriu. Os países democráticos têm todos os tipos de regras que limitam a liberdade de expressão. Na Holanda, é proibido insultar a rainha.
Nos Estados Unidos, a Primeira Emenda da Constituição garante a liberdade de expressão, mas ‘com exceção de obscenidade, difamação, incitação ao motim e palavras de luta, bem como o assédio, comunicações privilegiadas, segredos comerciais, material secreto, direitos autorais, patentes, conduta militar, comerciais tais como publicidade, e restrições de tempo, lugar e modo’. Um monte de exceções.
Porém, o ponto importante a ser considerado é que a Constituição dos EUA — e a liberdade de expressão que veio com ela — foi adotada antes do advento da democracia. A razão pela qual as pessoas, nas democracias ocidentais, desfrutam de uma série de liberdades não é porque elas são democracias mas porque elas têm tradições liberais clássicas ou libertárias, que surgiram nos séculos XVII e XVIII, antes de se tornarem democracias. Muitas pessoas, nesses países, não querem desistir dessas liberdades, mesmo que o espírito de liberdade esteja constantemente sendo corroído pelo espírito de intromissão democrática.
Em outras partes do mundo, as pessoas têm menos conexões com as liberdades individuais. Muitas democracias não-ocidentais mostram muito pouco respeito pela liberdade individual. Em países democráticos islâmicos, como o Paquistão, as mulheres têm pouca liberdade e nem há liberdade de expressão ou liberdade de religião. Nesses países, a democracia é uma justificativa para a opressão. Se a democracia fosse introduzida em monarquias absolutas, como o Dubai, Qatar ou Kuwait, isso conduziria, provavelmente, a menos liberdade. Os palestinos na Faixa de Gaza elegeram, democraticamente, o fundamentalista Hamas, que não é muito amante da liberdade (um resultado que, ironicamente, não foi na época aceito pelos EUA e pelos outros governos democráticos ocidentais).
Mito 10
A democracia promove a paz e ajuda a combater a corrupção
Na arena internacional, os estados democráticos são quase que por definição, os bons e os outros são os ruins. As democracias são, afinal, amantes da paz, não são? Bem, não exatamente. Muitas vezes, as democracias se mostram bastante belicistas. Os Estados Unidos, a democracia mais poderosa do mundo, começou dezenas de guerras. O governo americano realizou numerosos golpes de estado, derrubou governos, apoiou ditadores (Mobutu, Suharto, Pinochet, Marcos, Somoza, Batista, o xá do Irã, Saddam Hussein e assim por diante) e lançaram bombas contra civis indefesos. Até bombas atômicas. Atualmente, os EUA têm tropas em mais de 700 bases militares, em mais de 100 países, gastando quase tanto em ‘defesa’ quanto o resto do mundo combinado.
A Grã-Bretanha democrática inventou os campos de concentração (na África do Sul) e foi a primeira a reprimir a oposição nacionalista em suas colônias através de bombardeamentos aéreos, destruindo vilas inteiras (no Iraque, na década de 1920). O Império Britânico democrático suprimiu numerosas revoltas de independência em suas colônias, assim como no Afeganistão, Índia e Quênia. Imediatamente após ter sido libertada dos nazistas pelos aliados, a Holanda democrática travou uma guerra na Indonésia contra pessoas que queriam ser independentes. A França fez o mesmo na Indochina. Países democráticos, como a Bélgica e a França, lutaram muitas guerras sujas na África (por exemplo, no Congo Belga e na Argélia). Os Estados Unidos estão atualmente envolvidos em guerras no Iraque e no Afeganistão, que são acompanhadas de tortura e milhares de vítimas inocentes.
Uma variação deste mito sustenta que as democracias não guerreiam umas contra as outras. A ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher disse isso durante uma visita a Tchecoslováquia, em 1990 (“as democracias não declaram guerra umas às outras”) e Bill Clinton disse isso em um discurso ao Congresso dos EUA em 1994 (“as democracias não atacam umas às outras”). Isto implica que todas as guerras que as democracias travaram eram mais ou menos justificadas, porque elas não foram contra outras democracias e que, se o mundo inteiro fosse democrático, não haveria mais guerra.É verdade que, desde a Segunda Guerra Mundial, um grande número de países ‘ocidentais’ — e que por acaso também são ‘democracias’ — foram unidos na OTAN e mostram pouca tendência para atacarem uns aos outros. Mas tal fato não tem nenhuma relação com a democracia ou que, historicamente, as democracias têm sido pacíficas umas em relação às outras.
Na antiga Grécia democrática, as cidades-estado travavam guerras umas contra as outras com regularidade. Em 1898, os EUA e a Espanha travaram uma guerra. A Primeira Guerra Mundial foi travada contra uma Alemanha que não era menos democrática do que a Grã-Bretanha ou a França. A Índia democrática e o Paquistão democrático travaram várias guerras desde 1947. Os Estados Unidos apoiaram golpes de estado antidemocráticos contra governos eleitos democraticamente no Irã, Guatemala e Chile. Israel travou guerras contra países democráticos, como o Líbano e a Faixa de Gaza. A Rússia democrática travou, recentemente, uma batalha contra a Geórgia democrática.
A razão pela qual as modernas democracias ocidentais não lutaram umas contra as outras após a Segunda Guerra Mundial, tem a ver com circunstâncias históricas muito específicas, das quais é difícil tirar conclusões gerais. A razão mais importante é que elas estavam unidas em uma aliança militar, a OTAN.
Há também uma ‘lei’ que diz que ‘não há dois países onde um restaurante McDonald’s esteja localizado que tenham travado uma guerra entre si.’ Isto parece ter sido verdade por um longo período de tempo — até ao bombardeamento da Sérvia pela OTAN em 1999 (outros contraexemplos posteriores são a invasão do Líbano por Israel e o conflito entre a Rússia e a Geórgia). Mas isso tem tão pouco significado quanto as declarações de Clinton e Thatcher.
Poderia até se argumentar que a democracia levou a uma intensificação da guerra. Até o século XVIII, antes da democracia se tornar popular, os reis travavam guerras com exércitos de mercenários. Não havia recrutamento e as pessoas não tinham que combater ou odiar outras nações.
Com a ascensão dos estados democrático-nacionalistas, isso mudou. Em todos os países democráticos, o recrutamento militar obrigatório geral foi introduzido, a começar na França, com a Revolução Francesa. Toda a população foi mobilizada para lutar em guerras contra os povos de outros países. Os recrutas poderiam facilmente ser usados como bucha de canhão, já que eles poderiam ser substituídos por novos recrutas.
Pode não parecer justo igualar democracia e nacionalismo, mas essas duas ideologias se tornaram populares ao mesmo tempo, por uma razão. Democracia significa governo ‘pelo povo’. Esta noção, certamente, abriga tendências nacionalistas. Com ‘direitos’ democráticos vêm deveres democráticos. Você tem direito a voto e, portanto, o dever de lutar pela defesa de seu país.
Não podemos esquecer que a desastrosa Primeira Guerra Mundial — que abriu o caminho para os estados totalitários do século XX e para a Segunda Guerra Mundial — foi travada, em grande parte, por países democráticos ou semidemocráticos. A Primeira Guerra Mundial ocorreu após o nacionalismo democrático na Europa ter, em grande medida, superado o pensamento liberal clássico.
Também nos Estados Unidos, o impulso para a guerra veio dos democratas progressistas, que passaram a dominar a opinião pública no final do século XIX. Os Estados Unidos participaram na Primeira Guerra Mundial, sob o famoso slogan do presidente Wilson ‘para tornar o mundo seguro para a democracia’. Se os americanos tivessem se mantido fiéis aos princípios libertários e ‘isolacionistas’ de seus pais fundadores, os EUA não teriam entrado na Primeira Guerra Mundial e a guerra, provavelmente, teria terminado indecisa. Nesse caso, os Aliados não teriam sido capazes de forçar o oneroso Tratado de Versalhes sobre os alemães, Hitler poderia nunca ter chegado ao poder e a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto não teriam acontecido.
A democracia não traz, necessariamente, mais ‘transparência’ ou responsabilidade, como muitas vezes é alegado. Na verdade, o fato de que os políticos precisam de votos para serem eleitos estimula a corrupção. Para ganharem votos, eles precisam fazer algo de proveitoso para seus eleitores. Este tipo de corrupção é particularmente comum nos Estados Unidos, o país da política clientelista. Muitas vezes, os políticos norte-americanos não conhecem limites quando se trata de conseguir recursos federais ou programas para o seu estado ou distrito. Além disso, eles tendem a ser peões de organizações poderosas de lobby, que lhes dão dinheiro para as suas dispendiosas campanhas eleitorais. Além disso, as ‘portas giratórias’ de Washington se tornaram notórias, com pessoas poderosas mudando da política para as empresas (ou para os militares) e de volta, sem qualquer remorso.
Outros países democráticos exibem formas semelhantes de corrupção. Nos países em desenvolvimento, a democracia quase sempre anda de mãos dadas com a corrupção. O mesmo é verdadeiro para países como a Rússia, Itália, França e a Grécia. A corrupção é quase inevitável sempre que o estado tem uma grande quantidade de poder, seja qual for o sistema político, e isso, certamente, inclui a democracia.
Mito 11
Em uma democracia, as pessoas conseguem o que querem
A ideia básica por detrás da democracia é que as pessoas conseguem o que querem. Ou, pelo menos, o que a maioria quer. Em outras palavras, pode-se reclamar sobre os resultados do nosso sistema democrático mas, em última análise, o que temos agora é o que queríamos porque é o que democraticamente escolhemos.
Em teoria, isso parece bom mas a realidade é diferente. Por exemplo, podemos assumir que todos são a favor de uma melhor educação. No entanto, não estamos recebendo uma educação melhor. O que temos são professores molestados, violência nas escolas, escolas como fábricas de aprendizagem, estudantes que já não são capazes de ler, escrever e fazer contas. Isso não é uma educação melhor.
Como pode acontecer isso? Não é por causa de falta de democracia, pelo contrário, é o resultado de como o sistema democrático funciona. O fato de que a educação é gerenciada através do sistema democrático significa que os políticos e burocratas ditam a forma como a educação é organizada e quanto dinheiro é gasto com ela. Isso significa que o papel dos pais, professores e estudantes de escolherem por eles mesmos é minimizado. A intervenção do estado significa que as escolas e universidades são inundadas com planos, requisitos, normas e regulamentos do Ministério da Educação. Esta burocratização não torna a educação melhor, mas pior.
Quando as pessoas depois reclamam da qualidade da educação, os políticos respondem com a implementação de mais regulação. O que mais eles podem fazer? A ideia de que eles devem acabar com a sua interferência não entra nas mentes dos políticos e burocratas. Se eles parassem de se intrometer, eles estariam implicitamente admitindo que eles são supérfluos ou mesmo contraproducentes, coisa que eles nunca irão fazer, é claro. Não é do seu interesse.
Os novos regulamentos tornam os problemas piores porque restringem, ainda mais, o papel dos alunos, pais e professores. Eles também levam a mais burocracia e, muitas vezes, criam incentivos perversos. Por exemplo, as escolas holandesas foram obrigadas, por burocratas, a ensinar um número mínimo de horas, supostamente para garantir a qualidade da educação. Mas isto não resolveu nada sobre a falta de professores da qual as escolas sofriam. Consequentemente, as escolas foram levadas a manter os alunos sentados em salas de aula, por horas, sem fazerem nada. Que o governo iria tentar gerenciar por números não é de estranhar. De longe, a única coisa que você pode medir é a quantidade. Qualidade é vista apenas por aqueles diretamente envolvidos.
O sistema democrático pode ser comparado com as fábricas estatais da ex-União Soviética. Estas foram centralmente controladas e gerenciadas com base nos números. Apesar (ou melhor, por causa) de toda a atenção que receberam do estado, a qualidade da produção era pobre. Nenhum carro comunista poderia competir com modelos ocidentais. Isso aconteceu porque a produção era controlada por burocratas e não pelos consumidores. Como podem burocratas saber o que os consumidores querem? E quais os incentivos que eles têm para melhorarem?
O planejamento central na União Soviética trouxe pouca inovação tecnológica ou cultural. Quantas invenções foram feitas em países comunistas? Qualidade e inovação são o resultado da concorrência e da escolha, não do controle central e coerção estatal. Se as empresas privadas querem sobreviver, elas têm de competir, baixando seus preços tanto quanto possível ou por meio da inovação ou de melhor qualidade ou de melhor serviço. As empresas estatais não têm esse incentivo, já que elas são apoiadas por dinheiro do governo.
Porque o nosso sistema educacional é (parcialmente), organizado através do sistema democrático, ele é (em certo ponto) um produto do estado, o que o torna semelhante às fábricas estatais da União Soviética. Aliás, este exemplo mostra como a democracia, inevitavelmente, leva a algum grau de socialismo. O livre mercado não funciona por processos democráticos. No entanto, em certo sentido, o mercado livre é mais ‘democrático’ do que a democracia porque os cidadãos podem fazer as suas próprias escolhas em vez de terem o governo escolhendo por eles.
O que se aplica à educação também se aplica a outros setores que são democraticamente controlados, tais como saúde e segurança. A maioria das pessoas deseja melhor proteção contra o crime. No entanto, a democracia não fornece o que o povo quer. As pessoas votam em políticos que prometem combater o crime mas o resultado é, geralmente, mais insegurança e crime em vez de menos.
Na Holanda, o crime per capita aumentou seis vezes entre 1961 e 2001 e, todos os anos, 700.000 crimes relatados permanecem sem investigação. Em muitos desses casos (pelo menos 100.000), a polícia conhece o infrator, mas não dá seguimento ao caso porque eles não têm tempo ou, simplesmente, não se importam. Os policiais têm de passar a maior parte do seu tempo no trabalho escritural. Ainda assim, eles encontram tempo para destruir plantações de maconha e multar pessoas por violações de trânsito irrelevantes.
O fraco desempenho da polícia é o resultado direto do fato de que ela é controlada democraticamente. À polícia foi concedido um monopólio na aplicação da lei. Todo mundo entende que, se fosse concedido à ExxonMobil um monopólio no mercado de petróleo, o preço da gasolina subiria e a qualidade do serviço iria despencar. O mesmo se aplica à polícia. A polícia é uma organização que recebe mais dinheiro quanto menoscriminosos captura. Se a polícia fosse bem sucedida na redução do crime, seu orçamento seria cortado e os policiais perderiam seus empregos. O mesmo se aplica a todas as organizações governamentais. Você nem mesmo pode culpar as pessoas que trabalham neste sistema. Só o mais diligente e o mais moralmente correto se comportaria de forma diferente, dados os incentivos perversos do sistema.
Embora a polícia não seja muito boa em pegar criminosos, eles são muito hábeis em uma coisa: preenchimento de formulários. Qualquer um que já tenha relatado um crime pode testemunhar isso. Você não pode culpá-los — eles são constantemente bombardeados com novas regras que eles devem cumprir. Na Holanda, dos 7.000 policiais adicionais que começaram a trabalhar entre 2005 e 2009, apenas 127 acabaram sendo colocados nas ruas, fazendo o seu trabalho. Segundo a polícia, este foi o resultado da enorme carga de trabalho burocrático criada por regulamentações governamentais.
Para piorar a situação, a polícia está ficando cada vez mais — e não menos — poderosa. Isto é particularmente verdadeiro nos EUA, após os ataques de 11 de setembro, onde às organizações de aplicação da lei foram dados cada vez mais — duvidosos — poderes, tais como revistas corporais preventivas nos aeroportos, o direito de colocar escutas telefônicas, torturar suspeitos de terrorismo e desrespeitar a proteção judicial dos cidadãos e coisas que costumavam ser consideradas como certas no nosso sistema jurídico, tais como o habeas corpus.
Existe alguma alternativa à segurança de cima para baixo que nos é imposta? Certamente. A alternativa é os indivíduos, as empresas, os bairros e as cidades terem mais controle sobre a sua própria segurança. O monopólio da polícia deve dar lugar à concorrência entre as empresas de segurança. As pessoas não devem mais ser obrigadas a pagar impostos para a polícia do governo e devem ser autorizadas a contratar empresas de segurança privada. Isso iria baixar os preços e aumentar a qualidade. Mesmo agora, o setor da segurança privada está crescendo rapidamente, à medida que as pessoas cada vez mais percebem que não podem contar com a polícia para a sua proteção.
O que vale para a educação e para a polícia, também vale para outros setores públicos, tais como o de saúde. Novamente, o controle democrático leva a baixa qualidade e alto custo. Não podemos sequer imaginar a inovação que poderia ocorrer na área da saúde, se ela, realmente, se tornasse parte do mercado livre.
O fato é que as pessoas, geralmente, não conseguem o que querem em uma democracia. O princípio democrático de ‘modelo único’ conduz à burocracia, centralização e monopolização (as características do socialismo). Ele conduz, inevitavelmente, à má qualidade e a custos elevados.
Se você precisa de uma prova de que a democracia não faz jus às suas promessas, considere que, a cada eleição, os políticos admitem que o governo tem feito burrada atrás de burrada. Eles sempre prometem que vão mudar tudo — educação, segurança, saúde, e assim por diante — para melhor. Mas eles sempre oferecem a mesma solução: Nos deem mais dinheiro e mais poder que nós vamos corrigir os problemas. Isso nunca acontece, é claro, porque os problemas são causados ??pelo dinheiro e pelo poder desses mesmos políticos.
Mito 12
Somos todos democratas
Se a democracia não entrega o que as pessoas realmente querem, como é que a maioria das pessoas ainda a apoia? Não é todo cidadão pensante um democrata, mesmo que, por vezes, reclamem do governo?
Bem, isto é discutível. Se as pessoas realmente acreditam em algo, não depende do que elas dizem, mas no que elas fazem quando elas têm uma escolha livre. Se alguém é forçado a comer frango todos os dias e diz que adora frango, isso não é muito convincente. Poderíamos acreditar nisso apenas se a pessoa fosse livre para não comer frango. O mesmo vale para a democracia. A democracia é obrigatória. Todo mundo tem de participar. Indivíduos, vilas, cidades, municípios, todos afirmam que todos devem se submeter e ninguém pode se ‘separar’. Será que as pessoas se deslocariam para outra cidade, a 20 quilômetros de distância, se os impostos fossem mais baixos e a burocracia menos intrusiva, mesmo se eles não fossem autorizados a votar lá? Muitos provavelmente o fariam. Muitas pessoas já votam com os pés e se mudam para regiões prósperas do mundo, onde há pouca ou nenhuma democracia.
Alguém que, em uma democracia, diga que é a favor da democracia, é o mesmo que um cidadão da ex-União Soviética dizer que iria escolher um Lada, mesmo se ele tivesse a chance de comprar um Chevrolet ou um Volkswagen. Pode ser, mas não é provável. Tal como o cidadão soviético que não teve outra escolha senão Lada, nós não temos outra escolha que não seja a democracia.
De fato, muitos democratas corretos de espírito ficariam, sem dúvida, felizes de escapar das mesmas medidas que eles, supostamente, escolheram por meio das urnas. Se tivessem mesmo uma escolha, será que as pessoas, real e voluntariamente, pagariam a taxa de previdência social ao governo, sem saberem se tais benefícios ainda existirão quando forem se aposentar? Quantos serviços de baixa qualidade e de alto custo do governo eles escolheriam pagar voluntariamente se tivessem escolha de gastar o seu dinheiro da maneira que desejassem?
O economista americano Walter Williams reconheceu o fato de que, geralmente, não queremos que as nossas decisões individuais sejam decisões democráticas. Ele escreveu: “Para destacar a agressão à liberdade que a democracia e o governo da maioria representam, apenas pergunte a si mesmo quantas são as decisões da sua vida que você gostaria que tivessem sido tomadas democraticamente. Como por exemplo, sobre o carro que você dirige, onde você mora, com quem se casar, se deve comer peru ou pernil no jantar de Ação de Graças? Se essas decisões fossem tomadas por meio de um processo democrático, as pessoas médias as veria como tirania e não como liberdade pessoal. Não é menos tirania ter o processo democrático determinando se você deve comprar um seguro de saúde ou se deve poupar dinheiro para a sua aposentadoria? Tanto para nosso bem e para o bem de nossos semelhantes em todo o mundo, deveríamos estar defendendo a liberdade e não a democracia que nos tornamos, onde um Congresso malandro faz tudo que lhes possa conceder uma maioria de votos.”
O fato de que muitos defensores da democracia não acreditam, realmente, nas ideias que promovem, pode ser visto no comportamento hipócrita dos políticos democráticos e dos funcionários do governo, que demasiadas vezes não praticam o que pregam. Pense nos políticos socialistas que criticam os altos salários dos executivos das empresas e depois trabalham para essas mesmas empresas, quando se aposentam da política. Ou nos políticos que pregam as bênçãos do multiculturalismo, mas vivem em bairros brancos e enviam seus filhos para escolas de brancos. Ou nos políticos que votam a favor de guerras, mas nunca enviam seus filhos para lutar nelas.
Há várias razões porque as pessoas dizem que apoiam a democracia, apesar do seu comportamento mostrar o contrário. Primeiro, é compreensível que as pessoas atribuam a nossa relativa prosperidade ao sistema político sob o qual vivemos. Estamos muito bem de vida e nós vivemos em uma democracia, por isso a democracia deve ser um bom sistema, é este o seu raciocínio. Mas isso é falacioso. Compare isso com o que alguns apologistas da União Soviética diziam sobre Lênin e Stalin. Claro, esses ditadores podem ter cometido atrocidades, mas as pessoas devem, contudo, estar gratas a eles porque, sob o seu domínio, a União Soviética foi industrializada e todos tinham acesso à eletricidade. Mas a Rússia teria sido ‘eletrificada’ e industrializada de qualquer maneira, no século XX, mesmo se Lênin e Stalin nunca tivessem aparecido. Da mesma forma, o progresso em nossa sociedade não pode ser simplesmente atribuído ao nosso sistema político. Olhe para a China. A economia chinesa cresceu a uma velocidade vertiginosa, mas o país não tem democracia. Prosperidade é baseada no grau de liberdade econômica que as pessoas desfrutam e na segurança de seus direitos de propriedade e não no grau de democracia.
Uma segunda razão pela qual as pessoas tendem a apoiar o nosso sistema, é que elas acham que é difícil imaginar o que suas vidas seriam se elas pudessem ficar com todo o dinheiro que ganham e não tivessem de pagar impostos. Você pode ver a estrada pública ‘grátis’ na qual você dirige mas você não pode ver o novo centro de saúde que poderia ter sido construído com o mesmo dinheiro. Você também não pode imaginar as férias que poderia ter gozado, caso você não tivesse que pagar a guerra no Iraque. Ainda menos visível é a inovação que poderia ter ocorrido, se o governo não tivesse interferido na economia. Em um mercado livre, muitos novos tratamentos médicos salvadores de vidas poderiam, sem dúvida, ter sido desenvolvidos e estão, agora, sufocados pela burocracia.
Muitas vezes parece que o governo, magicamente, fornece muitas coisas grátis, mas há um preço oculto a ser pago: todas as possibilidades — serviços, produtos, inovações — que não são criadas porque os meios para criá-las estão sendo usurpados pelo estado. As pessoas só veem o que é conjurado da cartola do governo e não o que desaparece dentro dela.
E depois há uma terceira razão pela qual todos nós pensamos que somos todos democratas, nomeadamente porque estão continuamente nos dizendo que somos. Nossas escolas, a mídia, os políticos, todos eles constantemente passam a mensagem de que a única alternativa possível para a democracia é a ditadura. Dado este status divino, como um baluarte contra o mal, quem ousaria ser contra a democracia?
Mito 13
Não há (melhor) alternativa
Se você diz que é contra a democracia, as pessoas imediatamente suspeitam que você seja a favor da ditadura. Mas isso é um absurdo. A ditadura não é a única alternativa à democracia. A alternativa para a compra democrática de um automóvel não é um ditador comprar o automóvel para você, mas comprá-lo você mesmo.
Winston Churchill disse: “A democracia é a pior forma de governo, exceto todas as outras que foram tentadas”. Em outras palavras, a democracia tem os seus inconvenientes, mas não há melhor sistema. Em seu famoso livro “O Fim da História e do Último Homem”, Francis Fukuyama até escreveu sobre a “universalização da democracia liberal ocidental, como forma final de governo humano.” Presumivelmente, algo melhor que ela nunca poderá existir.
Desta forma, qualquer crítica à democracia está convenientemente cortada pela raiz. Supostamente, a democracia está ‘acima dos partidos políticos e ideologias’ e, por causa desse status celeste, uma alternativa diferente, ou melhor, é inimaginável. Mas isso é pura propaganda. A democracia é uma forma específica de organização política. Não há razão para presumir que ela seja, necessariamente, o melhor princípio ordenador. Nós não usamos a democracia no âmbito científico, não votamos sobre a verdade científica, mas usamos a lógica e os fatos e temos boas razões para fazê-lo assim. Portanto, não há razão para supor que a democracia seja o melhor sistema político.
Por que as pessoas não poderiam se organizar de maneira diferente do que em um estado-nação, no qual ‘o povo’ manda? Por exemplo, em comunidades menores? Mas a descentralização é fortemente combatida pelos nossos governantes democráticos e, até mesmo, a tornam impossível. Se a democracia é realmente um bom sistema, você esperaria que fosse dado às pessoas a opção de aderirem voluntariamente a — ou se separarem de — a uma nação democrática. Dadas as bênçãos da democracia, a maioria das pessoas iria, certamente, ficar na fila para entrar? Esse não seria o caso. Em nenhum país democrático, incluindo nos EUA, os estados ou regiões são autorizados a seguir seu próprio caminho separado.
Na verdade, a tendência nos países democráticos é quase fazer o contrário, para uma maior centralização. A Europa, por exemplo, está gradualmente se transformando em um super estado democrático. Com o resultado duvidoso de que agora os alemães puderem decidir como os gregos devem viver e vice-versa. Nesta mega-democracia, uns países são capazes de onerar os residentes de outros países com as consequências de suas próprias políticas econômicas de curto prazo — assim como os cidadãos de uma democracia nacional podem viver à custa dos seus concidadãos. Alguns países gastam dinheiro — eles não poupam, mimam os seus funcionários com planos de pensões generosos, contraem dívidas que nunca poderão pagar — e se eles conseguirem obter um número suficiente de outros países da UE que concordem, eles podem forçar os contribuintes dos países mais bem governados a pagar a conta. Essa é a lógica da democracia, a nível europeu.
Quanto maior for um estado democrático e quanto mais heterogênea for sua população, maiores são as tensões que irão surgir. Em tal estado, os vários grupos pouco hesitarão em usar o processo democrático para saquear e interferir com outras pessoas, tanto quanto possível, para seu próprio proveito. Quanto menores forem as unidades administrativas e quanto mais homogênea a população for, maior a chance de que os excessos da democracia permaneçam limitados. As pessoas que se conhecem pessoalmente ou que se sentem próximas umas das outras, serão menos propensas a roubar e oprimir os outros.
Por esta razão, seria uma boa ideia dar às pessoas a opção de ‘secessão administrativa’. Se New Hampshire fosse autorizado a se separar dos EUA, esse estado teria muito mais liberdade para organizar as coisas de maneira diferente do que é feito, por exemplo, na Califórnia. O estado poderia implementar seu próprio sistema fiscal, que poderia ser favorável aos empresários e empregados. Regiões competiriam umas com as outras e as leis levariam mais em conta o que as pessoas querem. As pessoas poderiam ‘votar’ com os seus pés, se mudando para um estado diferente. O governo se tornaria muito mais dinâmico e menos burocrático. As regiões aprenderiam umas com as outras porque elas poderiam experimentar diferentes políticas.
A ajuda aos pobres, por exemplo, poderia ser muito melhor organizada em nível local. Controle local evita o uso abusivo e é a melhor garantia de que aqueles que realmente precisam de ajuda são ajudados e o dinheiro não é desperdiçado por aproveitadores. O desmantelamento do estado assistencialista nacional democrata também é importante para uma integração bem sucedida das minorias. Presentemente, muitos imigrantes vivem às custas do estado assistencialista. Esses são os imigrantes que ninguém quer. Mas a maioria das pessoas não se importa com imigrantes que podem cuidar de si mesmos e estão dispostos a se integrar.
A propósito, Churchill também disse: “O melhor argumento contra a democracia é uma conversa de cinco minutos com o eleitor médio”.