III. Rumo a um novo ideal político
Na nossa sociedade, a crença cega na democracia não é auto evidente. É de fato um fenômeno relativamente recente. Muitos leitores podem se surpreender, mas os grandes pais fundadores dos Estados Unidos — homens como Benjamin Franklin, Thomas Jefferson e John Adams — se opunham, sem exceção, à democracia. “Democracia”, disse Benjamin Franklin, “são dois lobos e um cordeiro votando sobre o que eles vão comer no almoço”. “Liberdade”, ele acrescentou, “é um cordeiro bem armado contestando o voto.” Thomas Jefferson disse que a democracia “não é nada mais do que a ditadura da multidão, onde 51% das pessoas podem tirar os direitos dos outros 49%”.
Eles não estavam sozinhos. A maioria dos intelectuais liberais clássicos e conservadores dos séculos XVIII e XIX, incluindo pensadores famosos como Lord Acton, Alexis de Tocqueville, Walter Bagehot, Edmund Burke, James Fenimoore Cooper, John Stuart Mill e Thomas Macaulay, se opunham à democracia. O famoso escritor conservador Edmund Burke escreveu: “Disso eu tenho certeza, em uma democracia, a maioria dos cidadãos é capaz de exercer a opressão mais cruel sobre a minoria … e que a opressão da minoria vai se estender a um número muito maior e será exercida com uma fúria muito maior, do que alguma vez pudesse ser apreendida a partir do domínio de um cetro único”.
Thomas Macalauy, o famoso pensador liberal britânico, expressou sentimentos semelhantes: “Há muito que estou convencido de que instituições puramente democráticas devem, mais cedo ou mais tarde, destruir a liberdade ou a civilização, ou ambas”. Estas ideias eram perfeitamente aceitáveis?? naqueles tempos, como Erik von Ritter Kuehnelt-Leddihn mostra em seu livro Liberdade ou Igualdade (1951).
No entanto, durante o final do século XIX e XX, o ideal liberal clássico foi cada vez mais deixado de lado e substituído pela fé no coletivismo — a noção de que o indivíduo é subordinado ao grupo. O liberalismo foi substituído por várias formas de coletivismo — comunismo, socialismo, fascismo e democracia. Esta última se apresenta agora como a nossa ideia de ‘liberdade’. Mas, como mostramos neste livro, é totalmente falso tentar igualar democracia e liberdade. Como os pensadores liberais clássicos do passado reconheceram, a democracia é de fato uma — muito inteligente — forma de socialismo. O que ainda resta de nossa liberdade é resultado da tradição liberal clássica, que ainda está viva no ocidente e não da democracia.
No entanto, esta tradição liberal clássica está sob forte pressão. A cada nova geração que cresce com a propaganda democrática diária em nosso redor, uma parte de nossa herança liberal morre. Ninguém se surpreende mais quando as mulheres exigem quotas nos conselhos de empresas, quando o estado proíbe o fumo em bares ou quando o governo decide o que nossas crianças aprendem na escola. Nem todo mundo concorda com essas noções — mas todo mundo acha perfeitamente normal que o governo deva decidir sobre tais questões. Não há praticamente nenhuma oposição ao fato de que vivemos em um sistema que interfere com a nossa vida até no mais ínfimo detalhe. Não há nenhuma oposição de princípio à noção de que deve ser decidido ‘democraticamente’ como todos nós devemos viver.
Descentralização e liberdade individual
É possível uma alternativa à democracia? Uma sociedade sem um estado dominante, sem tirania majoritária, uma sociedade livre e cooperativa?
Absolutamente. Tal alternativa é urgentemente necessária, se nós não quisermos cair em tirania e estagnação. O mundo ocidental precisa de um novo ideal. Um ideal que combine dinamismo e liberdade individual com harmonia social.
Esse ideal não é utópico. Ele pode ser alcançado. A primeira coisa que tem que ser feita é reduzir o papel do governo. As pessoas precisam recuperar o controle sobre suas vidas e os frutos de seu trabalho. Sem regras intrometidas e tributação, as pessoas vão criar comunidades seguras, habitáveis e sustentáveis. Por que as pessoas não podem gastar o próprio dinheiro como quiserem e comprar os seguros, planos de saúde e educação que quiserem? Que grande tragédia poderia suceder se isso viesse a acontecer? Por que o estado toma o dinheiro das pessoas através dos impostos e toma essas decisões por elas? As pessoas devem novamente ter a liberdade de escolher por si, de resolver os seus problemas como acharem melhor — individualmente ou, provavelmente e mais frequentemente, em conjunto. Pois sem cooperação, a ordem e a prosperidade são impossíveis. Mas a cooperação só pode realmente funcionar em uma base voluntária, com base no consentimento mútuo.
As pessoas têm de recuperar o controle sobre os frutos de seu próprio trabalho. Elas devem ter liberdade para criar suas próprias comunidades locais — religiosas, comunistas, capitalistas, étnicas e assim por diante. Estas podem ser governadas ‘democraticamente’, se os moradores quiserem, ou não, se não o quiserem.
Um mercado para governos
Patri Friedman, neto do laureado Nobel Milton Friedman, disse uma vez: “O governo é um setor com uma barreira de entrada muito alta. Na verdade, você tem que ganhar a eleição ou iniciar uma revolução, para experimentar uma nova forma de governo”.
Há, de fato, pouca escolha e concorrência em se tratando de governo. As pessoas consideram que é importante que as empresas concorram. As pessoas esperam um mercado livre flexível em carros, roupas e seguros, com muitos fornecedores diferentes. Então por que não um mercado de governo onde os governos têm de competir e onde os cidadãos podem facilmente mudar para outra jurisdição para viver e trabalhar? Atualmente, as pessoas podem mudar para outra cidade mas, porque a maioria dos impostos e leis vêm do governo federal, isso não muda nada. Para obter um tipo diferente de governo, as pessoas são forçadas a emigrar, o que é uma enorme barreira.
Sabemos que as empresas têm a tendência de formar monopólios e cartéis, para reduzir a competição. Mas os governos têm, igualmente, essa tendência. Olhe para a concentração de poder do governo em Washington ou Bruxelas. Em um mercado livre, no entanto, é sempre possível às pessoas iniciarem novos negócios e desafiarem os monopólios existentes e cartéis. É por isso que os monopólios tendem a ser de curta duração, no setor privado. Quando monopolistas pedem preços altos ou abusam de sua posição no mercado, isso incentiva outras empresas a entrarem nesse mercado específico.
No governo, tal competição é inexistente. Como verdadeiros monopolistas, os políticos não querem concorrência no governo. Eles preferem que todas as questões sejam decididas coletivamente, a nível central. “A imigração ilegal só pode ser resolvida num contexto europeu”, eles dirão. Ou: “A crise da dívida só pode ser combatida internacionalmente.” Ou: “O terrorismo só pode ser combatido através de uma poderosa agência central.” No entanto, existem muitos pequenos países do mundo que não fazem parte de ‘blocos’ e que não sofrem crises econômicas ou terrorismo. Da mesma forma, espera-se que acreditemos que a educação, a saúde, as finanças, a previdência social e assim por diante, têm de ser coordenadas e reguladas, pelo menos, em nível nacional. Mas não há nenhuma razão para que isto seja assim.
A descentralização seria benéfica para muitos grupos da sociedade. Com autonomia local, pensadores progressistas poderiam colocar suas ideias progressistas em prática e pensadores conservadores poderiam fazer o mesmo com os seus valores, sem forçar os outros a ajustarem a sua forma de vida. Pessoas que quisessem iniciar uma comunidade eco hippie, poderiam viver de acordo com seus sonhos. Às suas próprias custas, é claro. Uma comunidade religiosa que quisesse manter as suas lojas fechadas no domingo, poderia fazê-lo. Um ‘tamanho único’ é desnecessário e indesejável. Descentralização, ao contrário da democracia nacional, é um sistema “viva e deixe viver”. Deixe, então, mil nações florescerem.
Diversidade no governo implica que as pessoas possam decidir, com mais facilidade, sob que sistema desejam viver. Elas podem ir para outro município ou comarca, se desejarem um governo diferente. Essa competição assegura que os governantes sejam responsabilizados, o que não ocorre quando a influência de um cidadão é restrita às eleições a cada quatro anos. Mesmo quando apenas alguns cidadãos realmente se mudam para outra área, existirá um forte incentivo para que os governantes melhorem as suas políticas.
Se nem tudo for centralmente determinado, as regiões poderão escolher um caminho que se adapte às suas circunstâncias e preferências. Por exemplo, uma determinada área poderá optar por reduzir impostos e regulações, a fim de estimular a atividade econômica. O historiador americano Thomas E. Woods aponta que a liberdade política surgiu na Europa Ocidental, precisamente devido à fragmentação e diferenciação que reinou lá, historicamente. Uma multidão de pequenas jurisdições tornou possível para as pessoas a fuga de lugares onde a opressão reinava para lugares mais liberais. Assim sendo, os governantes tirânicos se viram forçados a permitir mais liberdade.
Descentralização na Suíça
A Suíça já comprovou que a descentralização pode funcionar bem. As pessoas muitas vezes pensam que o tamanho e centralização trazem prosperidade e todos os tipos de outros benefícios. No entanto, a Suíça, que não é nem um membro da UE, nem da OTAN, prova o contrário. Com quase oito milhões de habitantes, este país tem mais ou menos a população da Virgínia e seu governo é altamente descentralizado. Vinte e seis cantões — regiões — competem uns com os outros e desfrutam de uma grande autonomia. Os cantões já foram estados autônomos separados e alguns têm menos de 50.000 habitantes. Além disso, existem 2.900 municípios na Suíça — o menor tem cerca de 30 habitantes. Isso é muito mais do que a maioria dos outros países europeus. A maior parte do imposto de renda suíço é pago ao município e ao cantão e não ao governo federal. Os municípios e cantões são muito diferentes em tributação e regulamentação e, assim, competem pelas preferências dos cidadãos e das empresas.
É sabido que a Suíça é um país de grande sucesso. Está entre os melhores do mundo em termos de expectativa de vida, emprego, bem-estar e prosperidade. É um dos poucos países no mundo que não tem convivido com guerras por mais de um século. Apesar da existência de quatro idiomas (alemão, francês, italiano e romanche), há bastante harmonia social, em contraste com a situação na Bélgica, onde as tensões e conflitos de interesses entre os flamengos que falam holandês e os valões que falam francês estão sempre ameaçando dividir o país. Considerando que os flamengos se queixam de que eles têm que pagar para os menos ricos valões, os suíços não experimentam qualquer atrito, consequência de seu sistema descentralizado.
É claro, a Suíça é uma democracia, mas o país tem tantos e tão pequenas unidades democráticas, que consegue evitar muitos dos efeitos negativos da democracia parlamentar nacional.
A Suíça também prova como a possibilidade de secessão reduz as tensões. Na década de 1970, os habitantes de língua francesa do cantão de Berna não se sentiam bem representados na área em que viviam, predominantemente de língua alemã. Assim, em 1979, as comunidades de língua francesa se ??separaram e formaram o cantão de Jura. Ao longo dos séculos, as disputas entre os diferentes grupos étnicos e idiomas foram pacificamente resolvidas dessa forma. Como os cantões suíços e as comunidades são pequenas, as pessoas não só podem ir às urnas, mas também têm a opção de se mudar, se estiverem insatisfeitas com o governo. Dessa forma, as más políticas são substituídas por políticas boas.
Isso não significa que nós defendemos o modelo suíço como um ideal ou a única opção. Mas é um exemplo que mostra como o governo descentralizado poderia funcionar e como ele conduz a impostos mais baixos e maior liberdade individual. Também não queremos dizer que a democracia é, necessariamente, uma coisa boa, desde que seja mantida pequena. Uma democracia com três pessoas ainda é errada, se ninguém puder fugir dela. Nesse caso, ela poderá ter os mesmos efeitos negativos que uma democracia com 10 milhões de cidadãos.
O que importa é que as próprias pessoas estejam autorizadas a determinar o quão grande são as unidades administrativas em que querem viver e qual a forma de governo que possuem. Não precisa ser uma democracia. Liechtenstein (160 km²), Mônaco (2 km²), Dubai, Hong Kong (1100 km²) e Cingapura (710 km²) não são democracias parlamentares. Mas estes são países bem sucedidos. Estes países mostram que, muitas vezes, ‘pequeno é bom’.
Alguém poderia pensar que o direito de secessão e autodeterminação leva a conflitos. Mas esse não é o caso. Pense como o mercado livre funciona. Todo mundo tem o direito de abrir um negócio. Ainda assim, a maioria das pessoas são empregadas por empresas. Essa cooperação traz benefícios para todas as partes. Isso se aplica a países também. As pessoas podem optar por serem independentes, mas a maioria vai achar que é do seu interesse participar de uma sociedade. E as várias sociedades também vão considerar de seu interesse cooperarem. Claro, economias de escala podem reduzir os custos, mas em que grau isso vai acontecer só pode ser determinado se as pessoas forem livres para escolher.
A secessão não tem, necessariamente, que conduzir à imediata autonomia administrativa completa. Qualquer forma de descentralização, em que certas responsabilidades são transferidas do governo central para o governo local, poderia ser chamada secessão política. Esta poderia ser uma forma (de transição) atrativa, entre secessão completa e a situação atual.
Como isto poderia funcionar pode ser visto no exemplo das chamadas Zonas Econômicas Especiais, como Shenzhen, que o governo chinês criou nos anos 1980 e 1990. Essas regiões tiveram pouca regulamentação, permitiram algum investimento estrangeiro e abriram o caminho para o resto da China se tornar mais livre. Dubai também criou essas zonas francas, onde existem poucas regulamentações de comércio e trabalho. Tais Zonas Francas Econômicas poderiam ser um modelo para a criação de Zonas Francas Políticas, onde as pessoas pudessem experimentar diferentes formas de governo.
A sociedade contratual
Muitas vezes as pessoas pensam que, se o estado não fornecer algo (por exemplo, subsidiar a ópera ou cuidar dos idosos), esse algo não existirá. Mas essa é a mentalidade das pessoas na antiga União Soviética, que disseram: que seria de nós, se o estado não cuidasse de nós? Quando o economista norte-americano Milton Friedman visitou a China comunista, ele foi questionado por funcionários sobre quem seria o Secretário de recursos naturais dos EUA. Quando ele lhes disse que não havia tal pessoa, eles olharam para ele, incrédulos. Eles não podiam imaginar que a produção e distribuição de matérias-primas seriam possíveis sem controle do governo.
No passado, as pessoas não podiam imaginar como seria a vida sem um rei. Do rei era esperado que sustentasse seus súditos. Vamos agora olhar para o estado e para a democracia, da mesma forma. Hoje as pessoas acham difícil de acreditar que os cidadãos — antes do advento da democracia — aceitavam a autoridade do rei. Mas, estranhamente, eles aceitam a autoridade da maioria sem um murmúrio.
No entanto, vemos a auto-organização, sem coerção e controle superiores, acontecendo ao nosso redor todos os dias. Muitas vezes, contrariando expectativas. Ninguém pensou que algo tão anarquista como a Wikipédia, a enciclopédia da Internet, pudesse ser bem sucedida sem um controle central. Mas funciona. Toda a Internet é um conjunto de numerosas organizações separadas, pessoas e tecnologias que trabalham em conjunto, sem administração central. No início da rede mundial de computadores, muitos não podiam acreditar que a Internet não tinha dono, que foi baseada em acordos individuais voluntários entre milhares de organizações (fornecedores de serviços de Internet, empresas, instituições), cada um deles controlando uma pequena fração da rede.
Na verdade, o nosso ideal de uma sociedade livre seria semelhante ao modelo em que a Internet se baseia. Com a internet, apenas algumas regras simples se aplicam, o resto está aberto para todos participarem como preferirem. A regra principal é comunicar através do protocolo de internet TCP/IP. Nesta base, milhões de empresas, organizações e indivíduos são livres para fazerem suas próprias coisas — criarem seus próprios domínios, oferecerem os seus serviços e comunicarem-se da forma que eles quiserem. As pessoas também podem iniciar novos protocolos além do TCP/IP e descobrir se outros querem seguir seu exemplo. Elas podem começar novos serviços e ver se conseguem encontrar clientes. Esta diversidade, liberdade e auto-organização na Internet provou funcionar surpreendentemente bem.
Da mesma forma, em uma sociedade livre, a regra principal é não cometer violência, fraude ou roubo. Enquanto as pessoas obedecerem a esta regra, elas podem oferecer todos os serviços, incluindo os que agora são vistos como ‘públicos’. Elas também podem criar suas próprias comunidades como quiserem — monarquista, comunista, conservadora, religiosa ou mesmo autoritária, desde que seus ‘clientes’ adiram voluntariamente e deixem outras organizações em paz. E essas comunidades podem ser constituídas por dez pessoas ou um milhão (note que uma empresa privada como o Walmart tem dois milhões de empregados).
Quando você tem muitas unidades administrativas diferentes, as pessoas podem sempre se mudar, se elas não gostarem da unidade onde vivem, e os governantes estão bem conscientes disso. Seus moradores não são apenas os cidadãos que estão ocasionalmente autorizados a votar, mas são também os clientes que eles têm de servir bem, se quiserem retê-los. O mesmo acontece no mercado. Se os clientes não gostarem do que o padeiro tem para oferecer, eles não organizam protestos a fim de influenciar o proprietário, eles simplesmente vão a outra padaria.
Pequenas sociedades são mais propensas a se basearem em acordos claros do que em influência através das urnas. Nos EUA e em outros países democráticos, nenhum cidadão tem um contrato com o governo, especificando suas obrigações mútuas; por exemplo, o que o governo vai fornecer e qual o custo. Pense em questões como pensões, saúde, educação, subsídios, leis trabalhistas e assim por diante. Os cidadãos têm uma obrigação vaga e indefinida de pagar impostos e cumprir as leis, enquanto o governo tem uma obrigação indefinida de prestar os serviços. E o governo pode mudar as regras a qualquer momento, independentemente de quaisquer resultados eleitorais. Isso cria uma insegurança jurídica considerável. Você pode ter pago contribuições previdenciárias por anos, na expectativa de que, no momento da aposentadoria, você receberá alguns benefícios. No entanto, o governo pode alterar a quantidade desses benefícios com uma caneta. Ou você aluga uma sala pensando que você pode cancelar o contrato de arrendamento em um determinado momento, quando o governo, de repente, decide que condições diferentes serão válidas para a duração dos arrendamentos.
Uma sociedade decente deve ser baseada em contratos, onde os direitos sejam respeitados e em que todas as partes saibam em que pé estão. Onde as regras não possam ser alteradas pelos governantes, no meio do jogo. E esses contratos não têm necessariamente de ser os mesmos para todos. Assim como acontece com os funcionários de uma empresa, cidadãos diferentes poderiam ter contratos diferentes, dependendo da área onde vivem ou trabalham.
O caminho para a liberdade
Se o progresso tecnológico é uma indicação de futuros desenvolvimentos, então as perspectivas de descentralização são brilhantes. Uma invenção tecnológica como o carro, libertou pessoas em sua mobilidade. A invenção da pílula deu às pessoas mais liberdade sexual e às mulheres mais controle sobre suas vidas. A chegada da Internet colocou um fim ao total controle da elite dominante sobre a mídia. Agora, todos podem publicar notícias, enviar suas ideias para o mundo ou começar a vender produtos na Internet.
Na verdade, a tecnologia é a força verdadeiramente democratizante, mais do que o próprio sistema democrático. Considerando que a democracia dá poder à maioria para governar sobre a minoria, a tecnologia tende a oferecer aos indivíduos poder sobre suas próprias vidas. A democracia retira o poder das pessoas, a tecnologia lhes dá poder. É uma força de descentralização que pode tornar o intermediário, o governo, supérfluo em áreas como comunicação, finanças, educação, mídia e comércio. E uma vez que o livre mercado torna a tecnologia cada vez mais barata, até dá às pessoas mais pobres algum controle sobre seus próprios destinos. Mesmo na África, milhões de pessoas, hoje em dia, recebem novas oportunidades e não é por causa da ajuda internacional dada a países subdesenvolvidos, mas graças aos computadores e telefones celulares que estão cada vez mais baratos.
Assim, a humanidade experimentou um grande progresso durante o último século, não por causa da democracia, mas por causa da tecnologia e da iniciativa privada. Aparelhos como o iPhone, o Walkman e o PC, colocaram avançados recursos tecnológicos ao alcance do indivíduo e contribuíram para sua emancipação. Através de serviços como o Facebook, os indivíduos são capazes de escolher os contextos sociais aos quais querem pertencer, mesmo através de fronteiras nacionais e sem interferência do governo. Além disso, o desenvolvimento do Inglês como língua mundial e a possibilidade de viajar mais economicamente têm tornado o mundo ‘menor’ e tornaram mais fáceis os deslocamentos para outros países.
Tudo isso implica que a concorrência em matéria de governo pode funcionar muito bem. Mesmo hoje em dia, cada vez mais as pessoas escolhem onde querem trabalhar ou viver e com que tipo de governo. Milhões de pessoas vivem ou trabalham no exterior. Um mundo com muitas pequenas unidades governamentais, cada uma com suas próprias características, estaria em consonância com estas situações. Estas pequenas unidades poderiam decidir cooperar em certas questões se fosse uma vantagem para ela; por exemplo, em energia, transportes e imigração. Elas também poderiam cooperar em defesa, o que poderia ser importante se surgisse um estado grande que quisesse esmagar as sociedades menores. Sociedades economicamente bem-sucedidas e inovadoras teriam maior probabilidade de encontrar maneiras inteligentes de se defenderem contra este tipo de agressão.
As novas tecnologias permitem, ainda, a criação de novos países. A organização Seasteading, co-fundada pelo acima referido Patri Friedman, está tentando construir ilhas artificiais em águas internacionais. Essas ilhas podem fornecer alternativas às formas existentes de governo.
A fim de alcançar a descentralização, o nosso atual sistema político necessita de mudanças radicais e elas não são tão difíceis de se concretizarem como se poderia pensar. Organizações governamentais de grande porte podem ser desmanteladas. Os ministérios da educação, saúde, desenvolvimento social, economia, agricultura, relações internacionais, auxílio internacional e fazenda podem ser descartados. Uma sociedade só precisa de serviços públicos básicos para garantir a lei e a ordem e para lidar com as questões ambientais.
O estado assistencialista pode ser convertido em um sistema de seguros privados. Isto irá permitir aos cidadãos liberdade e segurança. Eles serão capazes de fazer um seguro individual ou coletivo, através dos sindicatos ou das empresas para as quais trabalham. O seguro do estado, como o conhecemos, está constantemente sujeito a mudanças arbitrárias por parte do governo. A segurança que o estado promete é falsa e está sujeita a caprichos políticos. Isso tem de parar. A assistência aos pobres e necessitados pode ser fornecida localmente.
O controle do nosso sistema financeiro por parte do governo deve ser abolido para que este não possa corroer o valor do nosso dinheiro e causar ciclos econômicos. Desta forma, seria criado um mercado internacional financeiro justo, não mais manipulado por governos poderosos e instituições financeiras a eles ligados.
Em suma, o grande estado-nação democrático tem de dar lugar a pequenas unidades políticas, em que os próprios cidadãos escolhem como querem moldar a sociedade. Onde quer que seja possível, os assuntos devem ser decididos localmente, no nível administrativo mais baixo possível.
Se isso significar o fim da União Europeia, ótimo. Os políticos na Europa amam pintar cenários apocalípticos sobre o que aconteceria se a União Europeia se desmoronasse. Mas países como a Noruega e a Suíça nunca foram membros da UE e estão muito bem por conta própria.
Por vezes é argumentado que a UE assegura o livre comércio entre os países europeus. Se esse tivesse sido o único resultado da sua criação, teria sido bom, mas não foi o caso. O ‘mercado interno’ criado por Bruxelas nada tem a ver com liberdade econômica. Pelo contrário. A UE, virtualmente, exala leis e regulamentos que restringem a liberdade econômica. É um super-estado em construção, que irá destruir a liberdade dos cidadãos e das empresas. A UE representa o oposto de descentralização — que é o epítome da centralização, um inviável rolo compressor burocrático, em que a liberdade individual é ainda mais ameaçada do que em uma democracia nacional. Quanto mais cedo for abolida, melhor.
Um futuro promissor
Em muitos aspectos, o futuro parece promissor. A humanidade tem acumulado conhecimento e uma capacidade de produção enormes — mais do que suficiente para criar prosperidade para todos no mundo.
Adicionalmente, após o colapso dos regimes sangrentos comunistas e fascistas do século XX, como a União Soviética, China e outros países, há uma tendência mundial no sentido de mais liberdade. Grandes grupos de pessoas passaram a ter mais liberdade econômica e pessoal, levando a uma maior prosperidade e bem-estar. Outros estão se levantando contra ditaduras e exigindo mais liberdade. Não há razão para que esta tendência não deva continuar.
Pode ser difícil imaginar que a vida é possível sem o estado-nação democrático, mas mudanças radicais semelhantes ocorreram no passado. Como Linda e Morris Tannehill escreveram em seu clássico libertário e antidemocrático The Market For Liberty (O Mercado para a Liberdade) (1970): “Imagine um servo feudal, legalmente ligado à terra onde nasceu e à posição social em que nasceu, trabalhando desde o amanhecer até ao anoitecer, com ferramentas primitivas, para uma subsistência que ele deve compartilhar com o seu senhor, seus processos mentais enredados de medos e superstições. Imagine tentar explicar a este servo como é a estrutura social dos EUA do século XX. Você provavelmente terá dificuldades de o convencer de que tal estrutura social poderia existir, porque ele iria ver tudo que você descreveu a partir do contexto de seu próprio conhecimento da sociedade. Ele iria, sem dúvida, ínformá-lo, com um traço de superioridade presunçosa, que a menos que cada indivíduo que nasça na comunidade tenha um lugar específico e uma posição social permanentemente fixa, a sociedade iria rapidamente se deteriorar, se transformando num caos. De forma semelhante, dizer a um homem do século XX que o governo é mau e, portanto, desnecessário, e que teríamos uma sociedade muito melhor se não tivéssemos governo, provavelmente provocará um ceticismo educado… especialmente se nós não estivermos acostumados a pensar de forma independente. É sempre difícil imaginar o funcionamento de uma sociedade diferente da nossa e, particularmente, uma sociedade mais avançada. Isto acontece porque nós estamos tão acostumados à nossa própria estrutura social, que temos a tendência de considerar automaticamente cada faceta da sociedade mais avançada, no contexto de nossa própria, o que distorce o sentido da ideia.”
Acreditamos que o estado-nação e a democracia que o acompanha são fenômenos do século XX e não do século XXI. O caminho para a autonomia e capacitação vai continuar, mas isso não vai levar a grandes democracias. Ele vai levar, através da descentralização, à organização das pessoas em pequenas unidades administrativas, projetadas pelas próprias pessoas.
Alguns podem argumentar que a maioria das pessoas não é capaz de ser livre. Que elas não têm a responsabilidade ou desejo de viverem uma vida independente. Que devem ser governadas, para o seu próprio bem. Mas esse é o mesmo argumento que foi usado contra a abolição da escravatura ou a emancipação das mulheres. A escravidão não deve ser abolida, se argumentou, porque os negros não seriam capazes de cuidar de si mesmos — e mesmo assim, a maioria não iria mesmo querer ser livre. As mulheres não devem ter direitos iguais, se dizia, porque são incapazes de ganhar sua própria vida e de lidar com as exigências de uma vida independente. Mas a realidade mostrou o contrário. O mesmo vai acontecer quando o estado democrático babá for abolido. As pessoas vão ser surpreendentemente autossuficientes, quando tiverem essa chance. É claro que elas não vão decidir viver de forma individualista, mas se auto organizar em grupos de sua própria escolha, em empresas, clubes, sindicatos, associações, grupos de interesse, comunidades e famílias.
Liberados do controle paralisante da burocracia e tirania democrática da maioria, eles irão mudar o mundo de maneira que não podemos prever agora. Como Linda e Morris Tannehill escreveram: “Muitas condições indesejáveis ??que as pessoas tomam hoje em dia como certas, seriam diferentes em uma sociedade totalmente livre de governo. A maioria dessas diferenças surgiriam de um mercado liberado da mão morta de controle do governo — tanto fascista como socialista — e, portanto, capazes de produzir uma economia saudável e um padrão muito mais elevado de vida para todos”.
É hora das pessoas despertarem para o fato de que a democracia não conduz à liberdade ou autonomia. Não resolve os conflitos e não libera as forças produtivas e criativas. Muito pelo contrário. A democracia cria antagonismo e restrições. Os aspectos centralistas e compulsivos da democracia resultam num caos organizado, enquanto que a liberdade individual e a dinâmica do mercado não organizado trazem ordem espontânea e prosperidade.
Para si mesmas, as pessoas preferem a liberdade à coerção. Elas preferem ter uma escolha direta no mercado livre, a apenas indicar a sua preferência na cabine de votação. Existe alguém que preferia que o governo escolhesse que carro comprar, em vez de ele mesmo poder escolher?
É tempo de as pessoas perceberem que a liberdade que elas desejam para si mesmas, deve também ser dada aos outros. Que a sua liberdade não pode durar se os outros não têm a mesma liberdade. Que no fim elas próprias serão vítimas da coerção que elas — democraticamente — exercem sobre os outros. Elas vão cair em uma armadilha que elas mesmas criaram.
Um movimento a favor de menos democracia e mais liberdade pode parecer assustador para alguns. Nós todos crescemos em estados-nação nacional-democratas e fomos incessantemente submetidos a ideias socialdemocratas. Fomos ensinados que a nossa sociedade é ‘o melhor de todos os mundos possíveis’.
No entanto, a realidade é menos atraente. É hora de enfrentar essa realidade. O governo não é um benevolente Papai Noel. É um monstro egoísta e intrometido, que nunca estará satisfeito e acabará por sufocar a independência e autonomia dos seus súditos. E este monstro é sustentado pela democracia: a ideia de que a vida de cada ser humano pode ser controlada pela maioria.
É hora de abandonar a ideia de que os povos — e, portanto, o estado — têm o direito de governar. Que estaremos em situação melhor se os governos determinarem o modo como vivemos e gastamos o nosso dinheiro em vez de fazermos isso nós mesmos. Que a ideologia democrática do ‘modelo único’, irá trazer harmonia e prosperidade. Que nos beneficiamos da coerção democrática.
É hora de nos libertarmos da tirania da maioria. Nós não temos nada a perder, a não ser as correntes que nos prendem uns aos outros.