As origens da agressão russa

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[Revisão do livro The Sources of Russian Aggression: Is Russia a Realist Power?, de Sumantra Maitra, Lexington Books, 2024; 205 páginas]

Uma das realidades infelizes do debate sobre política externa no Ocidente é que poucas pessoas estão prestando muita atenção neste tema. Esse nível geral de ignorância pública torna muito mais fácil para as elites da política externa americana alimentarem o público global com quaisquer mentiras que se adequem à agenda do regime.

Este certamente foi o caso da atual guerra por procuração dos EUA contra os russos na Ucrânia. Nos primeiros meses da invasão russa de 2022, aparentemente não havia fim para o regime tecer histórias escabrosas tentando nos convencer de que Putin é o novo Hitler, que Moscou em breve recriará a União Soviética e que qualquer coisa que não seja os EUA lançando a Terceira Guerra Mundial é semelhante a “apaziguamento” no estilo de Munch, 1938.

Então, o que realmente motiva as ações do Estado russo na Ucrânia? Para nos ajudar a entender a resposta a essa pergunta, podemos nos voltar para um novo livro de Sumantra Maitra, The Sources of Russian Aggression.

O objetivo de Maitra aqui é mostrar como a política externa da Rússia nos últimos trinta anos segue um padrão bastante previsível que pode ser bem explicado pelos insights do realismo estrutural. Além disso, Maitra continua ilustrando como o comportamento de Moscou no âmbito internacional é o de uma grande potência realista conservadora e defensiva. Longe de ser um regime hitlerista ou empenhado na conquista global, Moscou tem objetivos muito específicos e limitados. Além disso, esses objetivos poderiam ter sido antecipados por Washington e o conflito atual evitado.

A Rússia e o modelo realista

Entre os estudiosos de relações internacionais, os realistas se tornaram alguns dos críticos mais incisivos dos formuladores de políticas americanos que estão obcecados em combater a “ameaça” russa. John Mearsheimer é talvez o estudioso realista mais conhecido no momento, e ele se tornou notável por suas observações prescientes sobre como a expansão implacável da OTAN para o leste precipitou conflitos desnecessários entre a OTAN e Moscou. Então, não deve surpreender ninguém que os estudiosos realistas não sejam exatamente populares em Washington. Afinal, a única narrativa aceitável em Washington é aquela em que os EUA são a grande nação cruzada moral e todos os outros regimes são loucos ou determinados a dominar o mundo.

Ao contrário da narrativa conveniente de Washington, Maitra ilustra como o comportamento de Moscou no âmbito internacional é o de uma potência do status quo. Ou seja, as intervenções de política externa do regime russo são voltadas para a manutenção e não para a expansão.

Por meio de sua análise detalhada dos eventos que levaram à guerra atual na Ucrânia, Maitra mostra como as ações de Moscou foram bastante previsíveis e racionais dentro de uma estrutura realista. O que exatamente é realismo? Como usado aqui por Maitra, realismo é a teoria “realista estrutural” ou neorrealista que postula certas suposições sobre o comportamento das grandes potências (ou seja, EUA, Rússia, China). Central para tudo isso é a suposição de que as grandes potências praticamente sempre “equilibrarão” contra as ameaças apresentadas pela grande potência dominante. No mundo atual, a potência dominante são os Estados Unidos, e podemos esperar que todas as outras grandes potências busquem maneiras de se equilibrar com as projeções de poder dos EUA. Esse comportamento não depende da estrutura moral ou ideológica professada dentro de cada grande potência. Em vez disso, as grandes potências agem para preservar a si mesmas e preservar sua posição dentro do sistema internacional, independentemente de seus sistemas internos de governo. Maitra mostra que a Rússia é um “maximizador de segurança” e não um “maximizador de poder”. Como poderíamos esperar dentro de uma estrutura realista defensiva, a Rússia busca preservar seu nível de poder em relação a outros estados, mas isso não exige que a Rússia se torne uma hegemonia.

Maitra também observa um aspecto fundamental do equilíbrio: “os estados realmente se equilibram contra ameaças e não apenas poder”. A partir disso, podemos tirar uma conclusão importante. Maitra continua: “As percepções russas de ameaça [são] dependentes do poder agregado e das capacidades ofensivas, bem como das intenções ofensivas percebidas. Quanto maior a ameaça percebida, maior a ação de equilíbrio observável.

Assim, a mera existência dos Estados Unidos ou da OTAN nunca foi suficiente para provocar uma resposta agressiva de Moscou. Em vez disso, é a expansão da ameaça representada pela OTAN e pelos EUA que levou a uma escalada das tensões, culminando na atual resposta militar de Moscou.

30 anos de escaladas da OTAN e dos EUA

Maitra fornece uma quantidade significativa de análise histórica aqui, concentrando-se na expansão da OTAN ao longo dos anos 1990 e início dos anos 2000 e, finalmente, chegando ao auge em 2008 com a guerra russo-georgiana.

Maitra documenta como o secretário de Estado dos EUA, James Bakers, negociou a reunificação da Alemanha, prometendo aos soviéticos em 1990 que a OTAN não se moveria “nem um centímetro para o leste”. Em 1992, no entanto, a expansão da OTAN tornou-se um objetivo crescente tanto para os EUA como para vários estados europeus. Mais uma vez, a OTAN apaziguou os russos alegando que, mesmo depois que a Polônia e a Hungria aderissem à OTAN, nenhum equipamento militar seria colocado nesses novos estados membros. Essa promessa foi posteriormente quebrada. Assim, surgiu um padrão no qual a OTAN, uma aliança militar voltada de fato para conter o estado russo, moveu seus instrumentos de poder cada vez mais perto da fronteira russa.

Eventualmente, essa combinação de maior poder, juntamente com a proximidade cada vez maior da OTAN com o território russo, significou que a gama de “ações de equilíbrio” entretidas por Moscou continuou a crescer.

Este processo provocou finalmente uma verdadeira resposta militar em resposta aos esforços abertos e explícitos da OTAN para trazer a Geórgia para a aliança. Maitra mostra que, ao contrário de outros membros anteriores da OTAN, a Geórgia foi percebida pela Rússia como fundamental para os interesses de segurança russos. Uma resposta militar russa, portanto, parecia justificada para as elites da política externa russa quando, em 7 de agosto de 2008, as forças georgianas bombardearam aliados russos na região separatista da Ossétia do Sul. Isso levou a um combate aberto entre as forças georgianas e as forças de paz russas.

No entanto, é relevante que, uma vez que Moscou atingiu seu objetivo de interromper a expansão da OTAN na Geórgia, Moscou encerrou as hostilidades e se contentou com “conflitos congelados” na região. Isso, mostra Maitra, é característico de um poder do status quo preocupado com a manutenção e não com a expansão.

A guerra da Geórgia provou ser uma espécie de prévia da guerra russo-ucraniana, embora a guerra na Ucrânia seja em uma escala muito maior.

Em 2014, após mais uma “revolução colorida” e a ascensão de formuladores de políticas anti-russos apoiados pelos EUA e por ONGs em Kiev, a Rússia percebeu que poderia perder permanentemente o acesso a recursos militares considerados absolutamente essenciais pelas elites russas.

Especificamente, Maitra detalha como os ativos militares russos na Crimeia – especialmente a base naval que hospeda a Frota do Mar Negro da Rússia – não eram algo que Moscou pudesse tolerar perder. Assim, a anexação da Crimeia em 2014 logo se seguiu. Maitra observa que outras intervenções russas na Ucrânia foram centradas na manutenção de outros recursos que Moscou considerou essenciais. As redes de logística militar da Rússia passaram a contar com laços estreitos com o leste da Ucrânia. Por exemplo, Maitra escreve que “componentes ucranianos críticos e sua manutenção compreendem até 80% das forças de mísseis estratégicos da Rússia”. Assim, do ponto de vista russo, “sem o leste da Ucrânia, a dissuasão nuclear russa e suas forças navais entrariam em colapso”. Tudo isso, combinado com a necessidade de manter os recursos navais da Crimeia, praticamente garantiu que Moscou aumentasse muito seus esforços de equilíbrio contra a OTAN.

Esses detalhes também ajudam muito a explicar por que a Rússia não respondeu com o mesmo nível de resistência à expansão da OTAN na Finlândia, ou mesmo nos países bálticos, que estão ambos na principal fronteira da Rússia, fora de Kaliningrado. Simplificando, a ameaça de expansão da OTAN na Ucrânia representa um risco muito maior para Moscou do que a expansão da OTAN em outros estados da Europa Central e Oriental.

Então, o que aprender com tudo isso? Central para as conclusões de Maitra é a evidência de que a Rússia é uma potência do status quo e não uma potência revisionista. Nos exemplos apresentados, a agressão russa é um esforço para preservar o sistema atual e preservar o acesso do estado russo a territórios e recursos estratégicos importantes. Como no caso da Geórgia em 2008 e da Crimeia em 2014, a intervenção russa terminou quando Moscou ficou satisfeita por ter impedido qualquer mudança considerável na ordem internacional no exterior próximo da Rússia.

Nada disso significa que Moscou seja “o mocinho” na atual ordem internacional. Quando estamos lidando com estados – especialmente os enormes, como os EUA e a Rússia, que possuem quantidades espantosas de poder coercitivo – não há “mocinho”. Por outro lado, estados revisionistas como os Estados Unidos – sempre prometendo novas guerras pela “democracia” e “combate ao terror” enquanto bombardeiam meia dúzia de países a qualquer momento – representam um perigo verdadeiramente global. A atitude instável em relação à guerra nuclear entre os apologistas do regime nos EUA – em resposta a conflitos que nada têm a ver com a proteção dos principais interesses americanos – tem sido especialmente perigosa.

Obviamente, a interpretação de Maitra representa um desafio para as muitas narrativas que afirmam que a Rússia é uma potência revisionista que busca refazer a Europa Oriental, ou talvez até a Eurásia. A narrativa que prevalece em Washington e entre os membros do público será determinante do tipo de intervenção que Washington pode exigir que o povo americano tolere e financie. Se a Rússia é uma potência realista defensiva, isso fortalece ainda mais a ideia de que os EUA não têm nenhum interesse em “conter” a Rússia ou expandir ainda mais a OTAN.

Infelizmente, muitas das vozes mais influentes em Washington continuam a pressionar por mais escalada e pela narrativa de que a Rússia é a nova Alemanha nazista. Resta saber se o novo governo Trump, que professou uma posição mais apaziguadora em relação a Moscou, irá combater o impulso de Washington para a guerra.

 

 

 

 

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